O FGTS e as hipóteses de saque antes da Reforma Trabalhista
O fundo de garantia por tempo de serviço desde sua implantação em 1966 até os dias atuais sempre representou uma importante ferramenta de segurança financeira para o trabalhador, seja em momento de desemprego após uma dispensa sem justa causa, seja na aposentadoria, momento em que, via de regra, encerra-se o período de trabalho e os valores depositados são utilizados para realização de projetos, segurança social ou investimentos.
A verdade é que esse direito, mais conhecido pela sigla FGTS, sempre foi fundamental, tanto para a vida e proteção do trabalhador como também para própria economia nacional.
O FGTS é um direito de todo trabalhador registrado que consiste na obrigação do empregador depositar o equivalente a 8% do salário do empregado em uma conta vinculada na Caixa Econômica Federal.
Estes depósitos mensais funcionam como uma espécie de “poupança forçada” que o trabalhador faz enquanto está trabalhando com carteira assinada.
Por essa realidade e por representar uma segurança financeira ao trabalhador, existem inúmeras dúvidas sobre as hipóteses em que o trabalhador pode efetuar o saque desta “poupança forçada” construída durante o período de trabalho com carteira assinada.
As principais e mais comuns hipóteses de saque dos valores recolhidos pelos empregadores a título de FGTS, antes da reforma trabalhista, eram as seguintes:
- despedida sem justa causa da empresa, incluindo as situações de rescisão indireta, culpa recíproca e de força maior;
- extinção total da empresa ou de filial
- falecimento do empregador individual;
- aposentadoria de qualquer espécie concedida pela Previdência Social;
- falecimento do trabalhador, sendo o saldo pago a seus dependentes, para esse fim habilitados perante a Previdência Social;
- pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), desde que: a) o mutuário conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes; b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, durante o prazo de 12 (doze) meses; c) o valor do abatimento atinja, no máximo, 80 (oitenta) por cento do montante da prestação;
- liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento imobiliário;
- pagamento total ou parcial do preço de aquisição de moradia própria, ou lote urbanizado de interesse social não construído, observadas as seguintes condições: a) o mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes; b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH;
- quando o trabalhador permanecer três anos ininterruptos desempregado;
- extinção normal do contrato a termo, inclusive o dos trabalhadores temporários regidos pela Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;
- suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a 90 (noventa) dias, comprovada por declaração do sindicato representativo da categoria profissional;
- quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido por câncer;
- quando o trabalhador com deficiência, por prescrição, necessite adquirir órtese ou prótese para promoção de acessibilidade e de inclusão social.
As hipóteses acima eram as possibilidades legais que autorizavam o trabalhadore a ter acesso aos valores do fundo de garantia por tempo de serviço.
O fato é que a reforma trabalhista criou uma nova e importante hipótese de recebimento do FGTS referente à dispensa sem justa causa o que acabou por contribuir com um acesso facilitado ao trabalhador a esse importante recurso financeiro.
Reforma Trabalhista - O acordo entre trabalhador e empregador que garante o saque de parte do FGTS
Até a aprovação da conhecida reforma trabalhista existia um conhecido dilema entre empregados e empregadores, muitas vezes, o trabalhador já não tinha interesse em continuar na empresa, todavia, não pedia demissão pelo fato de ficar impossibilitado de receber o seu FGTS e a multa de 40% sobre o saldo da conta vinculada na Caixa Econômica Federal.
Este era um dilema conhecido e extremamente comum nas relações de emprego. Segundo consta da Lei 8036/1990 o trabalhador só teria direito ao saque do FGTS quando da dispensa imotivada, o que acabava gerando situações indesejáveis e conflituosas.
Não era incomum situação em que o trabalhador não tinha mais interesse na continuidade do contrato de trabalho, entretanto, evitava o pedido de demissão porque isso lhe retirava o direito de sacar o FGTS.
Com o FGTS retido, o trabalhador acabava por se ver impossibilitado de deixar a empresa, pois existia o sentimento de que estava abrindo mão dos valores que ficavam retidos a título de FGTS na Caixa Econômica Federal.
Vale mencionar que quando o trabalhador deixava a empresa através de pedido de demissão, este ficava impossibilitado legalmente de efetuar o saque do FGTS, sendo que, caso não ocorresse uma hipótese excepcional descrita acima, os valores ficavam retidos até a aposentadoria.
Para agravar esse sentimento de perda do trabalhador que, muitas vezes, o impedia de pedir demissão, sabe-se que os valores de correção do FGTS aplicados pela Caixa Econômica Federal ficam abaixo da inflação, o que aumenta a vontade do trabalhador de efetuar o saque a cada ruptura contratual.
Evidentemente que a circunstância que impedia o trabalhador de sacar o FGTS quando do pedido de demissão gerava situações complicadas, como, por exemplo, a criação de situações propositais para gerar uma demissão.
Por outro lado, essa circunstância também gerava situações embaraçosas ao empregador, principalmente ao micro e pequeno empresário, que muitas vezes era obrigado a permanecer com o trabalhador insatisfeito, porque não tinha condições de dispensar e pagar integralmente as verbas rescisórias e a multa de 40% sobre o saldo do FGTS que é paga quando da demissão sem justa causa do trabalhador.
A questão é que a impossibilidade de saque do FGTS na hipótese em que o trabalhador pedia demissão gerava conflitos e prejuízos para ambos os lados.
Outra ocorrência comum antes da reforma trabalhista eram as fraudes que ocorriam de comum acordo entre trabalhador e empregador que forjavam uma dispensa imotivada, quando em verdade era pedido de demissão, para que o trabalhador pudesse sacar o FGTS. Nessas fraudes, era tipicamente combinado o seguinte, haveria uma simulação de dispensa imotivada, o empregador liberava as guias, recolhia a multa de 40% e o trabalhador após o saque do FGTS devolvia o valor integral da multa.
A situação acima é, além de uma simulação fraudulenta, crime contra o sistema financeiro previsto do Código Penal Brasileiro.
Para acabar com essas questões, a reforma trabalhista regulou e passará a permitir um acordo entre empregado e empregadores com regras mais flexíveis.
Antes da reforma trabalhista, como mencionado acima, havia uma rigidez absoluta na extinção do contrato de trabalho, basicamente, ou se pedia demissão e não tinha acesso ao FGTS ou era dispensado e a empresa era obrigada a pagar, além de todas as verbas rescisórias (aviso prévio, férias vencidas e proporcionais, 13 salário, saldo de salário, etc.), uma multa de 40% sobre o saldo depositado do FGTS.
Atualmente, através da reforma trabalhista, se admite uma “dispensa consensual”, modalidade de rescisão contratual que está entre o pedido de demissão e a dispensa sem justa causa.
Com essa modalidade de ruptura contratual, empregador e empregado podem, livremente, chegar a um acordo que visa o término do contrato de trabalho em que ambos manifestam a vontade recíproca de encerrar a relação jurídica contratual.
Nesse acordo ou “dispensa consensual”, o trabalhador recebe parte das suas verbas rescisórias, como se tivesse sido dispensado normalmente, com diferenças substanciais no saque do FGTS.
Caso as partes estipulem esta modalidade de “dispensa consensual”, o trabalhador irá receber metade do valor referente ao aviso prévio, 20% da multa do FGTS e pode movimentar até 80% do saldo do fundo de garantia.
O que em verdade ocorreu é que a reforma trabalhista legalizou o que antes era considerado uma fraude.
Nesse cenário, teoricamente, as fraudes que simulavam dispensa imotivada tendem a diminuir, pois as partes, de comum acordo, podem encerrar o vínculo empregatício e o trabalhador pode receber metade da multa do FGTS e utilizar 80% dos depósitos do FGTS.
Deve ser compreendido que os 20% do saldo do FGTS que o trabalhador fica impedido de movimentar não são, em nenhuma hipótese, “perdidos”. O valor restante (20%) continuará na conta vinculada do trabalhador e poderá ser utilizado nas situações excepcionais descritas no item acima ou no momento da aposentadoria em qualquer modalidade.
Outro ponto importante nesse tipo de modalidade de extinção do contrato de trabalho é que o trabalhador não poderá ter acesso ao Seguro Desemprego, ou seja, uma vez que realizou acordo para ser dispensado, automaticamente estará impedido de receber as parcelas que teria direito caso tivesse sido dispensado imotivadamente.
O fato concreto é que toda a legislação que visa ampliar o acesso do trabalhador ao FGTS deve ser considerada vantajosa. Primeiro porque a correção monetária aplicada pela Caixa Econômica Federal é abaixo da inflação oficial, o que acaba por gerar um nítido prejuízo financeiro; segundo porque o dinheiro aplicado é do trabalhador e este deve ter o direito de dar a destinação que deseja aos seus recursos.
A título de exemplo, deve ser mencionado que, segundo a ANEFAC (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), durante o ano de 2016, a correção do FGTS teve o pior rendimento entre as aplicações brasileiras.
O acesso facilitado ao FGTS é fundamental para o trabalhador, vez que a permanência desses valores na conta vinculada não representa nenhuma vantagem, pelo contrário, apresenta prejuízo em razão da baixa rentabilidade.
Por essas razões, há de se entender que o instituto da “dispensa consensual” deve ser amplamente utilizado nas relações trabalhistas, principalmente, por representar, na maioria dos casos, vantagem para todos.
Dispensa consensual não é sinônimo de fraude
O conjunto da legislação trabalhista vigente no Brasil sempre teve um objetivo claro e primordial: a proteção do trabalhador contra abusos de empregadores que excedem o poder de direção e comando.
Nesse sentido, o princípio mais presente nas discussões da Justiça do Trabalho é a primazia da realidade, que nada mais é do que a prerrogativa de que nas relações do trabalho o que realmente deve ser considerada é a verdade. Ou seja, quando uma relação jurídica na esfera trabalhista vai para a justiça, o que deve prevalecer, acima de qualquer formalidade, é a verdade.
Nesse espirito, a Justiça do Trabalho sempre atuou pautada nessa missão, buscar a verdade acima da formalidade e com isso estabelecer a harmonia entre as partes e restabelecer a justiça nas relações de trabalho e emprego.
Tradicionalmente a Justiça do Trabalho sempre protegeu a verdade e com isso não é incomum decisões judiciais declarando a reversão do pedido de demissão em dispensa sem justa causa.
Exemplo típico de decisão dessa natureza é a proferida pelo Tribunal Regional da 12ª Região:
NULIDADE DO PEDIDO DE DEMISSÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. Presentes no conjunto probatório elementos que apontem para a existência de coação como vício da manifestação volitiva do trabalhador ao solicitar seu desligamento do emprego, deve o ato jurídico ser anulado, nos termos do art. 171, II, do Código Civil. Nesse caso, a conversão do pedido de demissão em dispensa imotivada é medida que se impõe. (RO 0001836-72.2013.5.12.0008, SECRETARIA DA 2A TURMA, TRT12, MARI ELEDA MIGLIORINI, publicado no TRTSC/DOE em 07/10/2014).
Na decisão acima a Justiça entendeu que o pedido de demissão não foi espontâneo por parte do trabalhador e considerou que a verdade dos fatos era que a empresa o forçou a pedir demissão para se livrar dos pagamentos rescisórios.
Situação igualmente interessante e que demonstra essa busca da verdade na Justiça do Trabalho que acaba, muitas vezes, por reverter o pedido de demissão em dispensa imotivada está nas hipóteses em que o trabalhador não tem consciência de que está pedindo demissão e consequentemente abrindo mão de grande parte dos seus direitos rescisórios.
Interessante é a decisão proferida pelo Tribunal da 4ª Região:
TRABALHADOR ANALFABETO. NULIDADE DE PEDIDO DE DEMISSÃO. A comprovada condição de analfabetismo do empregado, combinada com o fato de que o documento relativo à ruptura contratual foi confeccionado pela reclamada e firmado sem a presença de testemunhas, acarreta a presunção de vício de consentimento do trabalhador e, por conseguinte, a invalidade do pedido de demissão. (Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região TRT-4 - Recurso Ordinário : RO 00004981920125040203 RS 0000498-19.2012.5.04.0203)
No caso concreto descrito na transcrição da decisão a Justiça do Trabalho anulou o pedido de demissão pelo fato do trabalhador ser analfabeto e não ter a consciência de que estava pedindo demissão.
Em razão da falta de consciência do teor do documento que estava assinando e deixando de receber verbas rescisórias, FGTS e Seguro Desemprego, a Justiça, baseada na primazia da realidade, anulou o pedido de demissão e determinou que o empregador pagasse todas as verbas rescisórias, multa de 40% e liberação de FGTS e habilitação no programa de Seguro Desemprego.
O fato é que nessa aspiração da Justiça do Trabalho na busca da verdade e contra as fraudes que prejudicam trabalhadores continuará mesmo com a autorização legal da reforma trabalhista para a dispensa consensual.
Analisando as alterações legislativas advindas com a reforma trabalhista no que se refere à dispensa consensual se nota que o trabalhador que optar por realizar esse acordo acaba por abrir mão de parte considerável de seus direitos rescisórios em comparação com uma dispensa sem justa causa.
No momento em que se realiza esse “acordo”, o trabalhador deixa de receber a totalidade da multa de 40% sobre o FGTS, ficando apenas com 20%, recebe a metade do seu aviso prévio e não recebe o Seguro Desemprego.
Em que pese as vantagens da nova legislação, é incontroverso que o trabalhador deixa de receber valores consideráveis a que teria direito caso fosse dispensado de forma imotivada.
Por essa razão, deve-se ter absolutamente claro que a dispensa consensual não pode, em nenhuma circunstância, ser considerada uma porta aberta para fraudes e simulações.
Essa modalidade não pode se tornar regra para empresas, ou seja, quando se pretender dispensar um funcionário, sem que essa seja sua vontade, a regra é utilizar a dispensa imotivada, com o pagamento integral de todas as verbas rescisórias e liberação do FGTS e Seguro Desemprego.
Caso a utilização da dispensa consensual não seja categoricamente vontade de empregador e empregado, a verdade será buscada na Justiça do Trabalho e esta deverá estar de portas abertas na busca e restabelecimento da verdade.
Nessas situações, quando o trabalhador demonstre que a empresa o dispensou imotivadamente, porém, foi induzido a praticar essa modalidade de acordo, fatalmente haverá reversão de acordo para dispensa imotivada ou demissão sem justa causa.
As empresas devem ter responsabilidade e consciência de que o instituto somente deve ser usado quando a vontade de empregador e empregado forem coincidentes e jamais utilizar tal modalidade rescisória como regra na dispensa de todos os funcionários.
Nesse aspecto é manifestamente importante ressaltar o papel da Justiça do Trabalho em regular essa relação, muitas vezes, desigual entre o capital e o trabalho e alertar que a busca de economia nas rescisões trabalhista pode gerar prejuízos às empresas.
O prejuízo para as empresas que adotarem essa modalidade como regra na dispensa dos funcionários se apresentará de diversas formas.
A primeira na própria condenação dos direitos sonegados junto ao gasto com honorários advocatícios e custas processuais na Justiça do Trabalho.
A segunda na possibilidade de verificação de má-fé do empregador e a condenação por dano moral, seja em razão da vontade de “enganar” o trabalhador, ou pela prática reiterada da conduta fraudulenta.
A terceira possibilidade é quando a empresa passa a transformar ou forjar a dispensa imotivada em acordo consensual, nessas situações poderão existir multas judiciais e administrativas para coibir o ato fraudulento.
A Justiça do Trabalho, bem como órgãos de fiscalização, como o Ministério do Trabalho e os Sindicatos, deverão exercer uma constante verificação para que alguns empresários não se utilizem da possibilidade de acordo para fraudar rescisões contratuais.
A legalização do acordo entre empregado e empregadores não pode ser confundida com plena liberdade para que as empresas diminuam gastos com as rescisões contratuais.