Nudes é POP! A pornografia de vingança não poupa ninguém.

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10/01/2018 às 17:10
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3 Ausência de legislação penal específica e suas consequências 

Há razões contundentes para atrair para o delito de Pornografia de Vingança a aplicação da Lei Maria da Penha já que estamos diante de flagrante violência contra a mulher, sendo sua aplicação medida sensata contra ex-companheiros, ex-cônjuges e afins que, violando o elo de confiança adquirido na constância da relação, transgridem e fazem exposição não consentida de suas ex-parceiras.

No campo jurídico, parece por vezes haver certa dificuldade e resistência de alguns profissionais, parecendo estes ignorarem que um dos alicerces da Lei Maria da Penha e justamente o afeto e a confiança no seio dos vínculos afetivos. Há, portanto, perfeito encaixe da lei em questão com o crime de pornografia de vingança, principalmente se ponderarmos que a confecção de material íntimo é feito em dado momento de convicção e afeto.

Não pode, nem deveria a questão ser dirimida pelos Juizados Especiais Criminais, que tratam de condutas de menor potencial ofensivo; e nesse viés, associar esta prática com as comumente entendidas como de “menor potencial ofensivo” beira o absurdo, principalmente se lembrar de vítimas fatais como, por exemplo, Tiziana Cantone[33] e Júlia Rebeca[34], que cometeram suicídio por não suportarem os ônus e todo o julgamento após serem vítimas da pornografia de vingança.

O mínimo que pode se operar, enquanto legislação específica não adentra no nosso ordenamento jurídico, é que o responsável pela divulgação do material responda perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, visto que conforme dispõe a lei em referencia, os procedimentos adotados são diferenciados, voltados especialmente em atenção às necessidades específicas da mulher quando se encontra em situação de fragilidade, requerendo assistência e proteção especial para a manutenção e garantia de seus direitos.

Em seu site, o Conselho Nacional de Justiça, reforça os mais relevantes aspectos da Lei 11.340/2006, e merecem destaque as seguintes inovações e mecanismos que, além de serem mais efetivas para com os interesses da mulher, também se preocupa com a questão pedagógica do algoz, neste caso, com meios para que este se reeduque; assim dispõe o Conselho Nacional de Justiça[35]:

1. Estabelece as formas da violência domestica contra a mulher como a física, a psicológica, sexual, patrimonial e moral;

2. Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual;

3. Determina que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz;

4. Ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas);

5. Retira dos juizados especiais criminais (Lei n. 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher;

6. Altera o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher;

7. Altera a lei de execuções penais para permitir ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação;

8. Determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família decorrentes da violência contra a mulher;

9. Caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em um terço. (CNJ, s.d., p. 1). 

Como se nota, atrair a lei Maria da Penha para os casos de pornografia de vingança a vítima é um meio de a mulher ter sua pretensão melhor atendida, considerando que os procedimentos adotados são diversos dos usualmente utilizados pelos JECRIM, e que se importam com série de detalhes fundamentais não abarcados pelos Juizados Especiais Criminais.

As questões refletidas pela lei como, por exemplo, a decretação da prisão preventiva quando a mulher estiver diante da iminência de sofrer algum dano à integridade psicológica ou físico e o ponto referente à obrigação do algoz integrar programas de reeducação e recuperação já mostram por si só o interesse não só em penalizar, mas, antes de tudo, minimizar que agressões venham a ocorrer, além de preocupar-se com aquele que transgride, conduzindo-o ao caminho da reflexão de seus atos e ônus suportados pela sua ex-companheira.

Posto isto, enquanto o Legislativo Brasileiro não atrai para si a responsabilidade de agir com mais energia e severidade nos casos de pornografia de vingança, entendemos que nada obsta a aplicabilidade da Lei 11.340/2006 nos casos de pornografia de vingança.


4. Projeto de Lei nº 5.555/2013: inclusão do crime de pornografia na Lei Maria da Penha  

Considerando a complexidade da conduta e a dificuldade de satisfazer a pretensão da vítima, há o Projeto de Lei número 5.555/2013 que visa alterar a Lei Maria da Penha para que sejam criados meios de repelir a violência contra a mulher na internet e de igual modo coibir que tal violência se opere através de meios que propagam informações.

A proposta de João Arruda, Deputado Federal, propõe alteração nos artigos 3º, 22º e 7º da Lei Maria da Penha. Aqui, não teríamos um novo instituto legal, mas sim alterações na redação da referida lei para passar a existir uma previsão legal apta a tratar da questão de maneira menos negligente e assertiva.

Em seu Relatório, o autor João Arruda, e o Relator, Dr. Rosinha, sintetizam o objetivo da referida alteração, e assim manifestam-se[36]:

As proposições em tela pretendem punir os autores e defender as vítimas da “pornografia de revanche” ou “pornografia de vingança”, modalidade de crime eletrônico que consiste em expor para grupos ou de forma massiva, sem autorização da vítima, imagens ou demais informações íntimas, tomadas em confiança, em geral durante fase em que o autor do crime e a vítima mantinham relação afetiva; ou, de forma ainda mais violenta, expor imagens de atos perpetrados contra a vítima, muitas vezes estupros coletivos, tendo o autor do crime eletrônico participado ou assistido ao evento criminoso. (ARRUDA; ROSINHA, 2013, p. 1, grifo nosso).

A proposta de João Arruda, Deputado Federal, propõe alteração nos artigos 3º, 5º ao 22º e artigo 7º da Lei Maria da Penha. Aqui, não teríamos um novo instituto legal, mas sim alterações na reação da referida lei.

Conforme acima dito, três artigos da lei Maria da Penha sofriam alterações, passamos a falar sobre o artigo 3º da citada lei. Segundo o Projeto que aguarda posicionamento do Senado Federal, a proposta alteração no artigo 3º tem a seguinte finalidade[37]:

Pretende-se incluir a garantia do direito à comunicação no rol do art. 3º, que já assegura às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

No que tange ao artigo 7º, assim dispõe o Projeto de Lei[38]:

[...] Inclui ainda, entre as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, previstas no art. 7º da Lei nº 11.340/2006, a “violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.

A alteração neste artigo deixa evidente o elo da Proposta de Lei com a temática que envolve o presente trabalho, ou seja, cautelosamente atenta-se quanto à exposição da intimidade da mulher após o término da relação, o que em simples palavras representa a Pornografia de Vingança, crime esse exaustivamente tratado nesta oportunidade.

Oportuno ressaltar que dispomos da Lei Carolina Dieckmann, Lei nº 12.737/2012, e da Lei do Marco Civil, n° 12.965/14. A primeira sancionada em 2012, que alterou o Código Penal, tipificando os crimes de informáticos, dentre eles a invasão de dispositivo alheio, interrupção ou perturbação de serviço telegráfico e outros, e falsificação de documentos particulares. A segunda lei citada foi sancionada em 2014, objetivando o uso consciente, respeitoso, digno da internet, obrigando aos usuários e provedores determinadas condutas a fim de fazer da internet um espaço democrático e ético. No entanto, nos importa nesta ocasião o projeto de lei que também propõe alteração oportuna, e assim explica a sua relevância[39]:

Outra alteração prevista no PL 5555/2013 diz respeito às medidas protetivas de urgência, que podem ser aplicadas de imediato pelo juiz, assim que se constate a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Maria da Penha (art. 22). No caso, “o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador de serviço de propagação de informação, que remova, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher” (ARRUDA, 2013, p. 2).

Nota-se que a alteração tem condão de medida protetiva e, de fato, em muito auxiliaria em reduzir os impactos dos vazamentos de conteúdo íntimo, em face de determinação de retirada do conteúdo em 24 horas.

Outro projeto de lei que coaduna e está apensado com o projeto acima delineado, é o Projeto de Lei nº 6.630, de 2013, de autoria do Senador Romário. Tal Projeto na fase destinada a Justificação explica o que motivou sua criação, iniciando sua fundamentação com didática explicação sobre o que vem a ser Pornografia de Vingança e a necessidade de reprimir através da lei tal conduta, e o faz nos seguintes termos[40]:

A Constituição Federal, que completou 25 anos, já assegura o direito à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, contudo, lamentavelmente cresce o número de mulheres que tem suas imagens íntimas disponibilizadas, nos meios eletrônicos, por seus ex-companheiros por ato de vingança, humilhação ou autopromoção. Conforme matéria da Folha de São Paulo, veiculada em 02/10/2013, a divulgação de materiais íntimos é um problema crescente na era das redes sociais, quando imagens que eram privadas durante um relacionamento podem alcançar centenas de sites em pouquíssimo tempo. Por causa dessas condutas, as vítimas têm suas vidas destruídas pela ação de outra pessoa em quem confiavam. Normalmente, os casos de fotos e vídeos íntimos publicados na rede são provocados por parceiros que não aceitam o fim do relacionamento e que procuram essa forma para atingir a integridade física, moral e psicológica da vítima, esta prática ganhou até um nome: Pornografia da vingança. (BRASIL, 2012, p. 1).         

Ademais, ainda na exposição que justifica a necessidade de tal alteração na lei, os motivos expostos harmonizam com o que foi apresentado ao longo do presente trabalho. A Justificação do Projeto de Lei aponta a carência de dispositivo legal e assevera tal fato nos seguintes termos[41]:

Analisando a legislação vigente, especificamente o Código Penal, não encontramos, a princípio, uma norma penal específica que defina a conduta de divulgação indevida de material íntimo.As autoridades acabam enquadrando como difamação ou injúria, que possuem pena branda para a gravidade da conduta.

Pelo exposto, o Projeto de Lei nº 6.630/2013 alteraria o Código Penal nos títulos destinados aos crimes contra a dignidade sexual e contra a liberdade sexual, tipificando, portanto, a conduta de Pornografia de Vingança, penalizando com rigidez a divulgação de conteúdo íntimo sem anuência da pessoa envolvida em tais conteúdos.

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Conforme elucida o teor do Projeto de Lei da autoria de João Arruda, a vida da pessoa vitimada jamais será a mesma, e justifica nos termos a seguir a preocupação que gira ao redor do tema, e não há outro posicionamento senão o de concordar que a aprovação do Projeto de Lei já deveria ter se concretizado. Pertinente é a colocação que consta no teor do Projeto e que assim se posiciona[42]: 

A preocupação dos autores das proposições é, claramente, com a prevenção e punição dos autores desse novo crime virtual, que infelizmente tem tido repercussões muito sérias para as vítimas. No Brasil e em vários outros países, o resultado da exposição da intimidade das vítimas pela Internet tem sido, infelizmente, o suicídio dos ofendidos. As poucas vítimas que conseguiram suportar o assédio – que decorre da exposição descontrolada de sua intimidade e vida sexual pela rede mundial de computadores e por aplicativos de dispositivos móveis – relatam uma sobrevida mutilada. As vítimas precisam esconder-se e adotar novas identidades. Passam a viver reclusas e desenvolvem sintomas severos de depressão, pânico e ansiedade. A verdade é que o crime virtual tem consequências reais devastadoras sobre as vítimas e seus familiares e amigos, bem como para os seus demais relacionamentos profissionais e sociais. (ARRUDA, 2013, p. 1, grifo nosso).

Se aprovado o Projeto, teríamos alteração na legislação penal vigorante e esta, com as referidas mudanças, reprimendas mais plausíveis. Dentre elas, destacam-se o fato da pena, que seria de detenção de um a três anos, e multa, mas aumentada em um terço se o crime for cometido com o fim de vingança ou humilhação, ou, ainda, por aquele que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou nutria com a vítima qualquer espécie de envolvimento afetivo com habitualidade.

O Projeto ainda incube de propor que a pena seja aumentada da metade quando a vítima contar com menos de dezoito anos ou for portadora de alguma espécie de deficiência. Além disso, atenta-se o projeto sobre a questão indenizatória, atribuindo ao criminoso a obrigação de indenizar a vítima por todos os gastos que esta venha a ter, incluindo quando esta sair do emprego, do ambiente de estudos, na comunidade onde residia, além dos casos em que terá gastos com psicólogos e medicamentos. A lei ainda chama atenção para a proibição do uso das redes sociais e internet por até dois anos, variável de acordo com a proporção gravosa do ato.

Em face de todas as exposições e razões apresentadas, convém notar, outrossim, que é mansa a conclusão de que a gravidade do crime de pornografia de vingança não pode ser tratado com trivialidade e naturalidade, tal qual vemos, o que reforça o porquê da aplicação da lei Maria da Penha vez que há uma indigência miserável na lei penal brasileira para atribuir aos ex-companheiros o peso da responsabilidade de seus atos.

Idealizamos e perseguimos uma mudança social e a equidade real entre as pessoas, e isso passa, acima de tudo, pelo crivo da conscientização e educação. Como bem sabemos, mudar comportamentos e pensamentos que acabam por legitimar as violências sofridas pelas mulheres, tal qual a pornografia de vingança, principalmente quando falamos da cultura existente no seio da nossa sociedade, que julga até mesmo a mulher por não querer nutrir mais relacionamentos.

A luta não é só contra a pornografia de vingança, mas também em face das variadas formas de agredir a mulher, de reduzir sua integridade, sua força e doçura. Aqui, muito mérito merece a luta das feministas que, muito antes da década de 1970, quando surgiu a primeira grande onda do feminismo, se mostraram sempre proativas e determinadas a mudar o curso da história das mulheres e da humanidade.

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A Pornografia de Vingança cresce no Brasil e segue carente de reprimenda assertivas para coibir a prática e reparar o mal sofrido pelas vítimas. Acreditando que as mudanças sociais almejadas passam pelo crivo da educação e dando razão à máxima de Bertolt Brecht de que “nada deve parecer impossível de mudar”, o trabalho deixa aqui sua sucinta contribuição sobre o tema, abordando da gênese até as propostas legislativas contra a porn revenge.

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