Em tempos de crise, seja lá qual for a crise de cada um, uma das frases mais ditas se refere ao adágio da cultura ocidental é que “nada está tão ruim que não possa piorar” ou similar, em alusão a Lei de Murphy, que se baseia na frustação do engenheiro aeroespacial norte-americano Edward A. Murphy, em 1949, que teria dito: "Se alguma coisa pode dar errado, ela dará!”.
No plano do Direito Tributário, essa expressão “Murphyana” cai com uma luva para os devedores de tributos federais administrados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, cujos débitos foram inscritos em dívida ativa e não pagos.
Na prática, além da possibilidade da Fazenda Nacional poder realizar atos que poderiam se consubstanciar como uma verdadeira sanção política, com o único propósito de funcionar como meio coativo de cobrança da dívida tributária, como é o caso dos protestos das Certidões de Dívida Ativa ou inscrição da dívida nos serviços de proteção ao crédito e congêneres, também, a partir do novo diploma legal (Lei Federal nº 13.606/2018), os devedores de tributos federais, cujos débitos foram inscritos em dívida ativa e não pagos, se sujeitam a possibilidade da Fazenda Nacional, de forma unilateral, averbar bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis, sem qualquer decisão judicial.
O início de 2018, para alguns devedores de tributos federais, piorou.
Antes da publicação da Lei Federal nº 13.606/2018, a indisponibilidade dos bens somente poderia ser decretada por ordem judicial, respeitado o devido processo legal judicial, o contraditório e a ampla defesa.
Emerge esta garantia, da previsão constitucional que garante o direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII da CF/88), que deverá atender a sua função social (art. 5º, inciso XXIII da CF/88), que, embora autorize a privação de seus bens, há de ser observado o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV da CF/88), assegurados o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, inciso LV da CF/88), bem como da previsão contida no art. 185-A do Código Tributário Nacional, incluído pela Lei Complementar Federal nº 118/2005, que estabelece na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado no processo de execução fiscal, não pagar nem apresentar bens à penhora, a determinação, pelo juiz, da indisponibilidade de seus bens e direitos.
Foi então que, com o advento da Lei Federal nº 13.606/2018, por força do art. 25, que acresce os arts. 20-B, 20-C, 20-D e 20-E à Lei 10.522/02, esta garantia foi tolhida, ao passo que o novo diploma legal possibilita unilateralmente a Fazenda Pública, aos devedores de tributos federais inscritos em dívida ativa e não pagos no prazo fixado no caput do artigo citado, averbar a Certidão de Dívida Ativa (CDA) nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis, vejamos:
Art. 25. A Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-B, 20-C, 20-D e 20-E:
“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados
§ 1o A notificação será expedida por via eletrônica ou postal para o endereço do devedor e será considerada entregue depois de decorridos quinze dias da respectiva expedição.
§ 2o Presume-se válida a notificação expedida para o endereço informado pelo contribuinte ou responsável à Fazenda Pública.
§ 3o Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:
I - comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e
II - averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.”
“Art. 20-C. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá condicionar o ajuizamento de execuções fiscais à verificação de indícios de bens, direitos ou atividade econômica dos devedores ou corresponsáveis, desde que úteis à satisfação integral ou parcial dos débitos a serem executados.
Parágrafo único. Compete ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional definir os limites, critérios e parâmetros para o ajuizamento da ação de que trata o caput deste artigo, observados os critérios de racionalidade, economicidade e eficiência.”
“Art. 20-D. (VETADO).”
“Art. 20-E. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editará atos complementares para o fiel cumprimento do disposto nos arts. 20-B, 20-C e 20-D desta Lei.” (grifo meu)
Desta forma, caso o devedor, devidamente inscrito em Dívida Ativa e sendo notificado para o pagamento, não o realize no prazo de cinco dias, poderá ter seus bens indisponibilizados diretamente pela Fazenda Nacional, não mais por restrita decisão judicial, em afronta as garantias asseguradas.
Abrindo um parênteses, importante destacar que, muito embora seja garantido pela Fazenda Pública, ao contribuinte, o devido processo legal administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa naquela esfera, para então se inscrever o crédito em dívida ativa, em muitos casos os contribuintes serão prejudicados, a exemplo daqueles em que se discute a constitucionalidade das leis tributárias a que se referem os tributos federais (in)devidos inseridos nas CDAs respectivas, cujo julgamento é de competência restrita do Poder Judiciário com o devido processo legal, respeitado o contraditório e a ampla defesa nesta esfera judicial.
Noutro parênteses, cumpre estabelecer que, pelo fato da Lei Federal ser hierarquicamente inferior ao Código Tributário Nacional, este recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar, seus dispositivos (CTN) somente poderão ser alterados por lei complementar, e não por lei ordinária (Lei Federal nº 13606/2018).
Não obstante, ao ser aplicada a indisponibilidade de bens diretamente pela Fazenda Nacional, em relação aos tributos federais inscritos em dívida ativa e não pagos, não teria mais valor, ainda que continue vigorando, o art. 185-A do Código Tributário Nacional, que estabelece a indisponibilidade de bens na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal, a ser determinada pelo juiz, tão-somente.
Deveras, realizada a indisponibilidade de bens unilateralmente pela Fazenda Pública, sem necessidade da decisão judicial, restará aos contribuintes a busca pela tutela judicial para coibir tal constrição, sob o fundamento da impossibilidade de ser decretada a indisponibilidade dos bens que não por decisão judicial, por afronta à Constituição Federal, Código Tributário Nacional etc.
De fato, sendo aplicada a nova regra estabelecida para a possibilidade de indisponibilidade de bens diretamente pela Fazenda Nacional, nos casos dos tributos federais inscritos em dívida ativa e não pagos, para alguns contribuintes, o ano que se inicia tende a ficar pior.
Nada está tão ruim que não possa piorar.