Capa da publicação Ação popular e o conceito de cidadão: por que não ampliar o rol de legitimados ativos?
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A ampliação do conceito de cidadão como legitimado ativo para propor a ação popular

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06/09/2018 às 09:15
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2 Dos requisitos necessários à propositura da Ação Popular e aplicação da Lei 4717/65       

A ação popular, embora possua legislação específica, sendo esta regulamentada pela lei 4717/65, segue o rito ordinário passando pelo processo de conhecimento, bem como produção de provas e prolação de sentença.

O primeiro requisito imprescindível à propositura da ação é no tocante à legitimidade ativa. Esta limita-se ao cidadão, no exercício de seus direitos cívicos e políticos. Portando, não basta apenas ser cidadão: o indivíduo deve possuir a qualidade de eleitor. E ainda, não é suficiente somente a prova do título, é preciso que o eleitor esteja em pleno gozo de seus direitos políticos.

Nas palavras de Di Pietro, o segundo requisito para a propositura desta ação constitucional é “a ilegalidade ou imoralidade do ato praticado”. [8]

Também no que tange ao segundo requisito, muito bem se posicionou o doutrinador Hely Lopes, senão vejamos:

o segundo pressuposto da Ação Popular é a ilegalidade ou ilegitimidade do ato a invalidar, ou seja, que o ato seja contrário ao Direito, por infringir as normas específicas que regem sua prática ou por se desviar dos princípios gerais que norteiam a Administração Pública.[9]

  Quanto ao terceiro requisito para que seja intentada a ação popular mister se faz a existência de lesão do ato ou omissão em relação à moralidade administrativa, ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Dessa forma, basta que o estado participe da entidade, seja de forma majoritária ou minoritária que estará protegido pela ação popular.

 Ressalta-se que, embora a lei disponha sobre “ato”, nada impede o ajuizamento da ação popular contra a omissão de poder público quando este, por disposição legal, deveria agir e assim não procedeu.

Novamente, muito bem se posiciona Meirelles:

todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade. [10]

E arremata:

a ação popular pode ter finalidade corretiva da atividade administrativa ou supletiva da inatividade do Poder Público nos casos em que devia agir por expressa imposição legal. Arma-se, assim, o cidadão para corrigir a atividade comissiva da Administração como para obrigá-la a atuar, quando sua omissão também redunde em lesão ao patrimônio público [11].

Cumpre ainda ressaltar que o ato, além de lesivo, deve também ser ilegal. Nesse sentido, julgou o Superior Tribunal de Justiça afirmando que “para ensejar a propositura de ação popular, não basta ser o ato ilegal, deve ser ele lesivo ao patrimônio público”[12].

Com o advento da Lei 4717/65, a ação popular passou a ser regulamentada de forma específica, aplicando-se o Código de Processo Civil de forma subsidiária, sempre em observância aos dispositivos constitucionais.

Respectiva lei foi responsável por incluir modificações no rito ordinário da ação popular, conforme será analisado nos itens a seguir.

2.1 Legitimidade ativa

O artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, garante aos brasileiros e estrangeiros, residentes no País, os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, mencionando-os por partes nos itens seguintes, sendo que o item LXXIII limita a legitimidade ativa para a propositura da ação popular a “qualquer cidadão”.

Já a Lei que regula a Ação popular (Lei 4717/65), assim dispõe em seu artigo 1º:

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

E acrescenta em seu parágrafo 3º:

§ 3º A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.

Tem-se, portanto, que a legitimidade ativa para propor a ação popular é limitada ao cidadão, devendo este estar no gozo de seus direitos políticos, mediante comprovação do título de eleitor.

Assim, para que seja compreendido o conceito de cidadão abordado pela Constituição de 1988, necessário é verificar a distinção existente entre os conceitos de cidadania e nacionalidade. Isto porque ao analisar o do artigo 5º, LXXIII, da Carta Magna de 1988, não é possível identificar se o termo cidadão refere-se às pessoas residentes no país, sejam elas brasileiras natas ou estrangeiras; à todas pessoas nacionais ou se restringe aos nacionais em pleno exercícios dos direitos políticos.

A Constituição Federal de 1988 utiliza o vocábulo cidadania no mesmo sentido de nacionalidade, uma vez que ao mencionar o termo cidadão no artigo 5º, LXXIII, não se refere a qualquer pessoa residente no país nem ao nacional em exercício dos direitos políticos, mas ao brasileiro nato ou naturalizado, nos termos de seu artigo 12, que assim dispõe:

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira

Nesse sentido, a Lei 4717/64, que regula a ação popular, considera cidadãos todos os indivíduos que se encaixam nas disposições do artigo acima mencionado, desde que em gozo de seus direitos políticos, preenchendo portando, a qualidade de eleitor. Tal conceituação encontra-se prevista no artigo 1º, §3º, que estabelece: “A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.”

Tem-se, assim, a limitação da legitimidade ativa na ação popular, admitindo-se em algumas hipóteses o litisconsórcio facultativo, com outros cidadãos, nos termos do disposto no artigo 6º, §5º da Lei 4717/65, que estabelece “é facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular”.

Observa-se, ainda, nos termos do artigo acima mencionado, em seu parágrafo 3º, a possibilidade de a própria pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto da impugnação, de atuar ao lado do autor, caso seja de utilidade ao interesse público. Referido dispositivo é de grande importância, uma vez que pouco se conhece a possibilidade de o ente público requerer o ingresso no polo ativo da demanda ao lado do autor.

Em tais casos, salienta Alexander dos Santos Macedo:

Se a pessoa jurídica, portanto, convencer-se da ilegalidade e lesividade do ato, mesmo depois da ação ter sido contestada, pode e deve mudar de posição no processo, passando do polo passivo para o polo ativo, em prol do interesse público e em obediência ao principio da moralidade administrativa, aspectos que caracterizam a finalidade da ação popular.[13]

Verifica-se, portanto, que a legitimidade ativa em sede de ação popular é extremamente limitada, se restringindo ao cidadão, mediante a comprovação do título de eleitor. Tal limitação é aspecto de suma importância, uma vez que a ação popular é garantia fundamental e é tida como remédio constitucional, sendo imprescindível sua existência no Estado Democrático de Direito.

2.1.1 Eleitor menor de vinte e um anos, mas maior de dezesseis ou dezoito anos

Conforme dispõe o artigo 14 da Constituição Federal, podem votar e ser votados os maiores de 18 (dezoito) anos. Tal disposição é facultativa aos analfabetos, maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

Em tais casos, o eleitores maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, por estarem em pleno gozo de seus direitos políticos, poderão intentar a ação popular independente de assistência.

Nesses termos, se posicionou José Afonso da Silva:

(...) no vocábulo cidadão, constante do art. 5º, LXXIII da Lei das leis encontra-se presente tanto a legitimatio ad causam, como a legitimatio ad processum. Como a Lex Legum conferiu ao maior de dezesseis anos a possibilitar de votar, de ser eleitor, como expressão de um direito político, não poderíamos partir para uma interpretação restritiva, negando seu direito de, livremente, estar em juízo, na defesa da coletividade. Não há necessidade alguma de assistência.[14]

Verifica-se, portanto que a própria Constituição Federal que estabelece a situação do autor popular. Sendo a cidadania comprovada com o título de eleitor, não restam dúvidas de que o maior de dezesseis e menor de dezoito anos, caso seja eleitor, poderá ingressar com a ação popular sem necessidade de ser assistido[15].           

2.1.2 Ministério Público

Conforme já mencionado, a legitimidade ativa para propor a ação popular é limitada ao cidadão. Verifica-se que embora a presença do Ministério Público seja indispensável ao procedimento ordinário da ação, é vedado a sua legitimação para figurar como autor no ato da propositura da mesma.

   Tem-se, portanto, que o representante do Ministério Público não atua nem no polo ativo e nem no passivo. O seu dever é de fiscalização, devendo ser ouvido antes de qualquer decisão.

 A Lei estabelece que o Ministério Público deve acompanhar a ação, sendo imprescindível o seu parecer antes de qualquer decisão (artigos. 82, III, e 83, ambos do CPC); apressar a produção de provas (artigo 83, II, do CPC); promover a responsabilidade civil, em benefício da coletividade, quando for o caso (artigo 129,II,III e IX, da CF). No mesmo sentido institui que o Ministério Público poderá prosseguir na ação se o autor desistir a mesma (art. 9.º da Lei 4717/65); recorrer da decisão contra o autor (artigo 19, §2º, da Lei 4717/65), “sendo vedada a defesa do ato impugnado como lesivo ou os apontados como autores ou responsáveis pelo mesmo[16]”.

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Nos dizeres de José Afonso da Silva:

parecendo que ora age como defensor da lei, ora como assistente, como autor ou parte, como exeqüente, recorrente, litisconsorte ativo, pelo que se torna difícil estabelecer a natureza dessa intervenção. Há, porém, na gama dessas atividades, uma missão, da qual ele não desgarra e nem pode desgarrar-se só um instante: a sua missão de defensor da lei, da ordem jurídic”.[17]

Cabe ao Ministério Público zelar para que a ilegalidade do ato mencionada pelo autor popular seja objeto de hábil investigação de provas, a fim de formar ao final, seu parecer, que poderá ser contra ou a favor do autor popular. Tal convicção, partindo do conjunto de provas e devidamente analisada pelo representante do Parquet deverá ter como fundamentação primordial a prevalência do interesse público.

Ainda nos dizeres de José Afonso da Silva:

o Ministério Público defende o interesse da comunidade num sentido mais amplo, mais total, mais global; tanto que, nessa defesa, pode ele voltar-se contra o autor popular, nas hipóteses em que sob a capa de defensor da comunidade, pratique atos danosos ao patrimônio jurídico-legal da comunidade [18].

Em tais casos, verificando que o ato praticado foi lícito, em respeito ao interesse público, deve o representante do Parquet opinar pela improcedência da ação popular. Ademais, havendo inexistência de algumas das condições da ação ou de pressuposto processual de inexistência ou validade do processo, o Ministério Público deve-se pronunciar, uma vez que é de seu interesse que a sentença proferida ao final tenha total eficácia.

Ressalta-se, por fim, que o Ministério Público poderá figurar como substituto processual, nos casos em que o autor for inerte e não promover o prosseguimento regular da ação, como também nos casos de abandono da causa.

Novamente, nos ensina Afonso da Silva acerca do papel do promotor em sede de ação popular:

É como se fosse auxiliar do autor popular. Mas é preciso entender que este auxiliar não implica numa atividade secundária do Ministério Público. Ele auxilia, mas no exercício de função própria. Não é mero ajudante, mero assistente do autor. Sua atividade é inteiramente autônoma em relação ao autor popular. Só se traduz num auxílio, porquanto sua atividade corresponde a uma atividade que deveria ser cumprida somente pelo autor[19].

2.2 Legitimidade passiva

Nos termos do artigo 6º da Lei que regula a ação popular (Lei 4717/64), será legitimado para figurar no polo passivo da demanda todas as pessoas públicas ou privadas e as entidades enumeradas no artigo 1º [20] da respectiva lei, bem como todas as autoridades, funcionários ou administradores que autorizarem, ratificarem ou praticarem o ato lesivo e impugnado e ainda, contra os beneficiários diretos do ato danoso.

Conforme já destacado em tópico anterior, existe, ainda, a possibilidade de figurar no pólo passivo todas as entidades e pessoas jurídicas acima mencionadas que ao deixarem de agir, ou seja, que por omissão, praticarem atos lesivos.

Ressalta-se ainda a possibilidade de ajuizar a ação popular contra o agente público causador da lesão ao patrimônio público ou contra as pessoas públicas ou privadas, nos casos em que há um desconhecimento do beneficiário direto do ato lesivo, nos termos do artigo 6º, §1º, da lei acima mencionada.

Adverte-se, ainda, que, conforme já mencionado em item 3.1, a pessoa jurídica que figurar no polo passivo poderá atuar ao lado do autor popular se, no decorrer da ação, verificar a prática da ilegalidade apontada pelo autor, sendo esta a ela mesmo danosa.

Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça com relação a uma empresa de economia mista:

citada para a ação popular, contestou-a, mas passado certo tempo, mudados a sua diretoria e o próprio governo (...), resolveu ficar ao lado dos autores populares, pleitear pela procedência da ação e pela decretação de nulidade dos atos impugnados nesta ação. É claro que ela poderia agir desta forma. O que ela não podia era continuar defendendo a persistência de atos a ela danosos e se conformar com vultosos prejuízos a ela por eles causados. Com a mudança da (...) do polo passivo para o ativo, não houve mudança do pedido. Os autores não alteraram a sua pretensão ou a causa de pedir, não podendo falar em contrariedade ao art.264 do CPC. Também não foi vulnerado ao RT. 303 do CPC. A (...) passou a ficar ao lado dos autores populares por expressa autorização legal (art. 6º, §3º, da Lei 4717/65) e podia deduzir novas alegações (art. 303,III, do CPC).[21]

Não restam dúvidas de que a intenção do legislador foi abranger, no máximo possível, o rol de pessoas que podem figurar no polo passivo da ação popular, a fim de que haja a identificação do responsável pela produção do ato lesivo ou causador do mesmo. Incluem também todos aqueles que contribuíram para a lesividade do patrimônio público, seja por ação ou por omissão.

Tal disposição legal tem como fundamento a efetiva proteção aos direitos difusos, o resguardo do patrimônio coletivo, do meio ambiente, da moralidade administrativa e do patrimônio histórico e cultural.

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Sobre a autora
Carina Estephany Ferreira

Advogada. Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC PUC Minas). Pós Graduanda em Ciências Criminais pela Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Carina Estephany. A ampliação do conceito de cidadão como legitimado ativo para propor a ação popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5545, 6 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64242. Acesso em: 22 dez. 2024.

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