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Do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem

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23/02/2018 às 09:10
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4. Do Emprego das Forças Armadas na Defesa Nacional e na Garantia da Lei e da Ordem.

Com efeito, e após intensos debates, dispõe o art. 142 da Carta vigente que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. O Constituinte também determinou que as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas fossem estabelecidas através de Lei complementar (art. 142, § 1º, da CF de 1988).

As Forças Armadas, desde a Constituição de 1891, sempre foram empregadas na garantia da lei e da ordem (GLO), missão que se manteve, como vimos, na Carta atual. A despeito dessa tradição, por conta do comando inserto no art. 142, § 1º, da Lei Maior, foi preciso, para se evitar que antigos episódios se repetissem, que o papel das Forças Armadas, particularmente quanto à garantia da lei e da ordem, estivesse devidamente delineado e em perfeita consonância com os contornos próprios de um Estado Democrático de Direito, inviabilizando, portanto, qualquer possibilidade de ação ex officio.

Assim, objetivando balizar de vez o emprego das Forças Armadas em missões dessa natureza, a regulamentação do art. 142, § 1º, da Constituição de 1988 veio à lume através da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, nos termos da qual o Ministro da Defesa exerce a direção superior das Forças Armadas, competindo-lhe, além das demais competências previstas em lei, formular a política e as diretrizes referentes aos produtos de defesa empregados nas atividades operacionais, inclusive armamentos, munições, meios de transporte e de comunicações, fardamentos e materiais de uso individual e coletivo (art. 11-A), sendo assessorado pelo Conselho Militar de Defesa, órgão permanente de assessoramento, pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e pelos demais órgãos, conforme definido em lei (art. 9º).

Outrossim, o art. 15 da citada Lei Complementar assevera que o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro da Defesa a ativação de órgãos operacionais. Da mesma forma, o parágrafo 1o do mesmo art. 15 confere ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Ademais, nos termos art. 15, § 2º, a atuação das instituições militares na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados (caráter subsidiário) os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

Ao tratar do tema garantia da lei e da ordem, a Estratégia Nacional de Defesa, aprovada pelo Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008, estabelece como importante providência compatibilizar a legislação e adestrar meios específicos das Forças Armadas para o emprego episódico dessas missões, tudo em sintonia com os exatos termos da Constituição Federal. Isso evidencia que a atuação das Forças Armadas, no plano atual, encontra-se constitucional e legalmente delineada.

Outrossim, consoante dispõe o Livro Branco de Defesa Nacional, a expressão defesa nacional pode ser caracterizada como o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.

Por sua vez, conforme previstos na Política Nacional de Defesa, aprovada pelo Decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2006, os objetivos nacionais de defesa são: garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; contribuir para a preservação da coesão e da unidade nacionais; contribuir para a estabilidade regional; contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais; intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais; manter Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País; desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis; estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais; e desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional.

Nota-se que a atuação das Forças Armadas, consoante o arcabouço normativo citado (Constituição Federal, Lei Complementar nº 97/99, Estratégia Nacional de Defesa, Livro Branco de Defesa Nacional, Política Nacional de Defesa) encontra-se muito bem definida, o que não ocorria em tempos passados, quadro que permitiu uma verdadeira guinada na concepção estratégia das instituições marciais.

Tendo em vista a importância dos quais se revestem, os três últimos documentos norteadores da atuação das Forças Armadas foram lembrados, inclusive, pelo General ENZO MARTINS PERI, por ocasião de seu discurso de despedida do Comando Exército Brasileiro, em 5 de fevereiro de 2015, ora sintetizado:

Alinhados com a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa criamos uma nova Concepção Estratégica para o Exército. Avançamos na direção de uma nova Doutrina de emprego da Força, assentada em interoperabilidade, interagência e preparação por capacidades. Passamos a atuar no espaço cibernético. Buscamos novas formas de racionalização e valorização dos nossos Recursos Humanos. Enfim, escalamos novo patamar na busca de novas estruturas, novos materiais, nova doutrina e novas competências. Demos passos largos e seguros para que a Força Terrestre ingressasse na Era do Conhecimento - condição imposta pela crescente estatura do Brasil no cenário internacional. (BRASIL, 2015)

A propósito, cumpre destacar que o Comandante ENZO, em nenhuma linha sequer de seu discurso, teceu qualquer comentário de natureza política, o que apenas reforça o nosso entendimento de que as Forças Armadas, definitivamente, conhecem o importante lugar que ocupam no quadro institucional brasileiro.

Tal modo de proceder certamente faz parte da ordem do dia do atual Comandante do Exército, General VILLAS BÔAS, o qual, quando ainda ocupava o Comando Militar do Amazonas, ao conferenciar na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, na série de audiências públicas realizadas para debater os Rumos da Política Externa 2011-2012, cujo 3º Ciclo tratou da questão inerente à Defesa Nacional, afirmou o seguinte:

Ao iniciar sua exposição, o GENERAL VILLAS BÔAS afirmou que, apesar de a questão fronteiriça ser uma das preocupações do governo – demonstrada por uma série de programas idealizados e em implantação – poderemos caminhar numa direção bastante complexa, semelhante à que vem ocorrendo no México, se não anteciparmos uma série de providências em algumas áreas da nossa fronteira. Ele alertou que o Brasil, em vias de se tornar a quinta economia do mundo, é um ator global que tenta desenvolver capacidades em todos os campos de projeção de poder, mas ainda possui metade do seu território não ocupado e não integrado à dinâmica do desenvolvimento nacional.

Segundo informou o general, essa é a situação em que se encontra nossa faixa de fronteira, com uma extensão de 16 mil km, e na qual vivem 10 milhões de pessoas. Se considerarmos a largura dessa faixa, que é de 150 km, temos 2 milhões e meio de km2, o que equivale a 27% do território nacional, que, por sua vez, equivale à terceira maior área entre os países da América do Sul, logo após Brasil e Argentina. Lembrou o palestrante que apenas Rússia e China possuem fronteiras mais extensas e com mais países que o Brasil.

Outro aspecto importante a ser considerado, enfatizou o General, é a existência de grande quantidade de unidades de conservação e de terras indígenas ao longo da nossa faixa de fronteira. Isso gera o que classificou de terrenos "amortizados" ou "congelados". Poucas áreas, na Amazônia, não estão tomadas por esse tipo de terreno.

No caso das terras indígenas, por exemplo, elas são contíguas com aquelas ocupadas pela mesma etnia, em territórios vizinhos. Também o preocupa a grande permeabilidade existente em certas áreas – como entre o sul do Mato Grosso e o Paraguai, proporcionada tanto pela linha seca quanto pela grande quantidade de rodovias – e, na Amazônia, os cerca de mil rios que penetram no território brasileiro, cada um representando uma via de navegação por onde passam todo tipo de comércio e pessoas, legal e ilegalmente – o que torna gigantesca a tarefa de vigilância.

Isso dá margem aos inúmeros ilícitos transfronteiriços, como o tráfico de drogas, armas e munições, roubo de cargas, crimes ambientais, refúgio de criminosos, contrabando, exploração sexual infanto-juvenil, tráfico de pessoas e de veículos roubados, roubo de gado, pistolagem, evasão de divisas, turismo sexual e assim por diante. O general revelou a preocupação de que a plantação de coca, na tríplice fronteira Peru-Brasil-Colômbia, está se aproximando do nosso país, e há indícios de que a atividade conta, do lado peruano, com a participação dos índios Ticunas (há livre trânsito desta população, nos dois lados da fronteira). Ele informou que a Polícia Federal apreendeu, recentemente, diversas armas e munições em posse dos Ticunas brasileiros (há cerca de 40 mil deles no Brasil), e ainda que tanto os policiais colombianos quanto a Polícia Federal têm detectado indícios da presença de cartéis mexicanos na região, com um modus operandi muito mais violento, provocando o aumento da violência no lado peruano da fronteira.

Outro problema mencionado pelo palestrante refere-se aos crimes ambientais: madeireiros peruanos têm invadido o nosso território, na área dos índios Ashaninkas, na fronteira com o Acre, para a extração ilegal de madeiras nobres. O problema agrava-se porque a legislação ambiental peruana é muito mais permissiva que a nossa, sendo essa madeira legalizada no Peru e, muitas vezes, exportada pelo nosso território.

Daí a necessidade, segundo o expositor, de que as atuações na fronteira sejam integradas – com a participação de todos os órgãos de governo – contínuas e permanentes, caso contrário, correm o risco de se perder.

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Outro aspecto é a cooperação internacional, tanto nessas operações quanto na sua permanência. Para tanto, é necessário que se harmonize a legislação ambiental nos diversos países envolvidos.

O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras – o Sisfron – em desenvolvimento pelo Exército, informou o General, é uma rede de sensores na linha de fronteira, interligados aos sistemas operacionais, com capacidade para resposta imediata a problemas detectados. Em cerca de dez anos, adiantou o General Villas Bôas, toda a fronteira brasileira estará coberta pelo sistema, utilizando-se de satélite e em ação integrada a outros órgãos do governo.

A implantação desse sistema proporcionará um instrumento de integração regional; o combate ao crime transnacional e resultará no aumento da segurança nos centros urbanos; teremos maior preservação ambiental e proteção da biodiversidade e das populações indígenas; o sistema será um vetor de melhoria da qualidade de vida, ampliando a presença do estado junto às populações das regiões desassistidas; acarretará geração de empregos e grande impacto na indústria de defesa nacional; assim como o atendimento às necessidades militares de reaparelhamento para vigilância e monitoramento, garantia da lei e da ordem e maior presteza no atendimento às emergências de defesa civil, concluiu o palestrante. (BRASIL, 2012, p. 123-125)

Diante desse amplo mapa normativo, pode-se afirmar que, nos termos do art. 142, caput, da Constituição em vigor, as Forças Armadas cumprem um duplo papel. No plano principal, destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais. Secundariamente, por iniciativa de qualquer dos poderes constituídos, garantem a lei e a ordem, o que somente acontecerá subsidiariamente, ou seja, quando verificada a impossibilidade de os órgãos de segurança pública (art. 144 da Lei Maior) fornecerem uma resposta à demanda constatada (art. 15, § 2º, da Lei Complementar nº 97/99). Por conseguinte, o emprego das Forças Armadas em missões de GLO deve ser entendido como algo excepcional, passível de acontecer somente em situações que efetivamente fogem à ação dos órgãos de segurança pública, pela razão simples de que tal atuação, nos termos da lei de regência, deve ser subsidiária. Nesse sentido, afirma JOSÉ AFONSO:

Só subsidiária e eventualmente lhes incumbe a defesa da lei e da ordem, porque essa defesa é de competência primária das forças de segurança pública, que compreendem a polícia federal e as polícias civil e militar dos Estados e do Distrito Federal. Sua interferência na defesa da lei e da ordem dependem, além do mais, de convocação dos legítimos representantes de qualquer dos poderes federais: Presidente da Mesa do Congresso Nacional, Presidente da República ou Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ministro não é poder constitucional. Juiz de Direito não é poder constitucional. Juiz Federal não é poder constitucional. Deputado não é poder constitucional. Senador não é poder constitucional.  São simples membros dos poderes e não os representam. (SILVA, 2005, p. 772)

Assim, considerando a missão (excepcional e sempre subsidiária) conferida pelo art. 142, § 1º, da Constituição às Forças Armadas, bem como a disciplina assentada na Lei Complementar nº 97/99, o Poder Executivo editou o Decreto nº 3.897, de 24 de agosto 2001, através do qual foram fixadas as diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, matéria de competência exclusiva do Presidente da República (art. 2º), sendo que tal decisão presidencial poderá ocorrer por sua própria iniciativa, ou dos outros poderes constitucionais, representados pelos Presidentes do STF, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados (art. 2º, § 1º).

Em necessária adição, prescreve o art. 3º do mencionado decreto que, no caso de atuação das Forças Armadas em missões dessa natureza, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso dedicados (art. 144 da Constituição), lhes incumbirá, sempre que se faça indispensável, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência (constitucional e legal) das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico.

Em perfeito arremate, o parágrafo único do art. 3º do Decreto nº 3.897/01 preceitua que "consideram-se esgotados os meios previstos no art. 144 da Constituição, inclusive no que concerne às Polícias Militares, quando, em determinado momento, indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional". Reforçando ainda mais a ideia de subsidiariedade inerente ao tema, dispõe o art. 5º do citado decreto que o emprego das Forças Armadas na GLO deverá ser episódico, em área previamente definida e ter a menor duração possível.       

Cite-se, como exemplo da atuação das Forças Armadas em cumprimento de missão de GLO, o seu contemporâneo emprego no Complexo da Maré, localizado no Rio de Janeiro, um conjunto de 15 comunidades onde residem cerca de 130 mil pessoas, o que se dá com amparo no art. 142, § 1º, da Constituição Federal, na Lei Complementar nº 97/99, no Decreto nº 3.897/01, bem como na Diretriz Ministerial nº 9, assinada pelo Ministro da Defesa, que autoriza as Forças Armadas a realizarem patrulhamento, abordagens, revistas e prisões em flagrante.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5350, 23 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64323. Acesso em: 22 nov. 2024.

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