Educação e não caveirão

23/02/2018 às 12:40
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Os jovens entrevistados de áreas ocupadas pelo exército, no Rio de Janeiro, dizem que querem mais “educação e não caveirão”, ou seja, não querem ter as bolsas e os lares revistados, querem ter suas vidas revisitadas por direitos efetivos.

É certo que a pobreza não é responsável, unicamente, pela violência. Porque, se fosse, não haveria criminosos de classe média ou ricos. Porém, é igualmente certo que a falta de esperanças é a matriz da violência que acaba com o País. Essa esperança, por exemplo, estaria em serviços públicos como educação, saúde, cultura, lazer.
Quando isso não ocorre, sobretudo entre jovens já marginalizados, entra em ação a oficina do Diabo: a máquina do capital produtora do dinheiro rápido todo dia, numa relação custo/benefício exponencial em que o tráfico faz o que o Estado abandou.
Se a ação federal trouxesse esses serviços e equipamentos sociais ainda estaríamos formando o espírito público e, acostumando-se ao que é bom na ação do poder, os jovens já abusados passariam a requerer mais quantidade e melhor qualidade.
Investimentos na socialização primária (escolas) minimizariam a necessidade de se produzir a ressocialização (presídios), ao passo que aumentariam sobremaneira as chances de produção de riqueza social. Porém, a instalação dessas políticas públicas nem é mais esperança, é utopia para aqueles jovens.
Os jovens entrevistados de áreas ocupadas pelo exército no Rio de Janeiro, em vias de Intervenção Federal – sem ação social –, resumem tudo o que se disse acima quando dizem que querem mais “educação e não caveirão”: não querem ter as bolsas e os lares revistados, querem ter suas vidas revisitadas por direitos efetivos.
 O caminho da escola, da formação na base da socialização primária, além de tudo, é mais barato, de efeitos e resultados imediatos. Porque, além de tudo, quebra-se o círculo vicioso que leva ao crime, à violência e ao sistema prisional.
Sem a socialização primária, já no sistema, teremos de investir na “ressocialização”, para que, ao sair das duras penas (masmorra), o indivíduo não esteja pior do que quando entrou.
Mas, uma vez no sistema, teremos de enfrentar mais dois fatores extremamente difíceis de reverter: os fenômenos da “dessocialização” e da “prisionização” (1ª lição: não podemos permitir a troca da “escola da civilização” pela “escola do crime”).
Em poucas palavras, o sistema prisional – decorrente da falta de educação pública – aniquila o mínimo de sociabilidade (interação social) que o indivíduo possuía (dessocialização) e, como se não bastasse, introjeta a certeza de que seu lugar é realmente a prisão: ali estão seus pares, reconhece os códigos de sobrevivência, “vive como um deles”, sente-se parte de algo, tem nas mazelas do cárcere a sua “comunidade” e não consegue aderir ao “mundo de fora”.
O indivíduo sente que é parte de um sistema integrado, que não é uma roldana solta e sem função. Decorrente dos sintomas da prisionização, a pessoa sem espaço público (discriminação, preconceito) equilibra status e papel social dentro da máquina produtiva do sistema penal. Chama-se isto de interiorização do Estado Penal.
Por isso, os jovens das áreas ocupadas sabem que a educação é um investimento seguro na formação da cidadania que compreende a realidade do direito, trazendo-o para si, para seu dia a dia, porque já espera (de esperança) pelo direito justo e correto. Isto é ansiar pela Justiça Social.
No caminho para a escola, percebe-se que o direito deve estar próximo e que não é um donativo do Estado, mas que pertence à sociedade – e isto é a “expectativa do direito”, impulsionando a Luta política pelo Direito. Juridicamente, chama-se de reconhecimento do direito.
Investir em educação, portanto, não é um chavão, como se palavras mágicas mudassem tudo. É obvio que a educação não mudará tudo por ação de graças – por isso, o ensino deve ser laico e público. Para que se forme a “ratio” – a razão essencial ao direito e ao coletivo social. Os jovens sabem, melhor do que nós, que falta bom senso (diretriz do direito) aos que comandam o Poder Público.

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH

Vinícius Alves Scherch
Mestrando em Ciências Jurídicas - UENP
Universidade Estadual do Norte do Paraná
Jacarezinho - PR 

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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