A responsabilidade civil das escolas particulares nos casos de bullying

Exibindo página 3 de 5
Leia nesta página:

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PARTICULARES NOS CASOS DE BULLYING

Rui Stoco afirma que:[10]

A escola ao receber o estudante menor, confiado ao estabelecimento de ensino da rede oficial ou rede particular para as atividades curriculares, de recreação, aprendizado e formação escolar, a entidade é investida no dever de guarda e preservação da integridade física do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, para prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos seus pupilos, que possam resultar do convívio escola (STOCO, 2007, p. 28).

No caso do bullying que ocorre dentro das dependências das escolas, independe de culpa do instituto de ensino e por isso os pais devem ser indenizados, uma vez que a escola tem o dever de vigilância, cuidado, guarda, educação e criação, além do fato de caracterizar-se como uma prestadora de serviços.

Logo, a ocorrência do bullying dentro das dependências se caracteriza como um descumprimento contratual, ou seja, uma falha na prestação do serviço e isso gera o dever de indenizar por parte das instituições de ensino, aplicando-se o art. 932, IV, e 933, do Código Civil e o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de uma relação de consumo, sendo também aplicada a responsabilidade objetiva.

Entretanto, quando não há omissão, quando a escola, por meios que lhe são possíveis, tende a evitar os casos de bullying, agindo para que cesse o mal ocasionado dentro de suas dependências, merece ser condenada a indenizar?

Com o advento da nova lei do bullying (Lei 13.185/2015), o art.5º diz que:

Art. 5o É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (BRASIL, 2015)

Pois bem. Surge uma discussão acerca do dever de indenizar dos estabelecimentos de ensino, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor é explícito que independe de culpa, sendo responsabilidade objetiva, a nova lei gera uma possível defesa dos institutos de educação.

Como dito anteriormente, a ocorrência do bullying dentro das escolas particulares de ensino é uma falha na prestação do serviço, por isso devem indenizar. Entretanto, a escola seguindo os procedimentos adotados na Lei 13.185/2015, precisamente do art.5º, promovendo programas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à intimidação sistemática e ocorrendo o bullying dentro de suas dependências, ainda assim gera um descumprimento contratual capaz de ser condenada a indenizar as vítimas?

O art.14 do CDC diz que: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”

Analisando bem o artigo acima, é possível extrair que o fornecedor responde se houver dano por defeito à prestação de serviço.

Analisaremos dois julgados que isentam as escolas da responsabilidade de indenizarem as vítimas de bullying, um do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, veja-se:

Instituições de ensino devem coibir a prática de bullying, sob pena de responsabilização objetiva pela falha na prestação do serviço. Mãe de aluno alegou que a escola não agiu prontamente para evitar as agressões verbais e psicológicas relacionadas à aparência física de seu filho, que era constantemente ridicularizado pelos colegas de turma. Além da educação e da orientação realizadas no ambiente familiar, a escola tem o dever de atuar na prevenção e repressão do bullying, disseminando o respeito entre os alunos. Para a responsabilização da instituição de ensino é necessária a prova da efetiva falha no serviço, ou seja, da omissão dos prepostos da requerida no cuidado dos alunos. No caso, os Julgadores entenderam que a escola, ao autorizar a mudança de turma logo após a comunicação sobre o fato, adotou as providências cabíveis para evitar maiores danos ao desenvolvimento da criança pela permanência e contato com aqueles que a excluíam e menosprezavam. Dessa forma, concluiu-se que não houve defeito na prestação dos serviços educacionais, eis que a instituição atuou de forma diligente na solução do conflito.”

Acórdão n.º 798075, 20100710188983APC, Relatora: LEILA ARLANCH, Revisor: TEÓFILO CAETANO, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 11/06/2014, Publicado no DJE: 27/06/2014. Pág.: 59 (BRASIL, 2014)

APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. FATO OCORRIDO EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO. "BULLYNG".

Da análise das provas carreadas nos autos, constata-se que não restaram preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil. Pelo contrário, verifica-se que o educandário recorrido fez o que estava ao seu alcance para minimizar o sofrimento do autor e para entender de forma contrária, deveria a autora ter trazido à baila elementos que comprovassem a sua tese, o que não restou demonstrado no feito. DANOS MATERIAIS INOCORRENTES. Não assiste razão o apelante quanto o pedido de indenização por danos materiais, para não acarretar enriquecimento ilícito, uma vez que não se incumbiu de comprovar os danos materiais que sofreu. DESPROVIDO O RECURSO DE APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº 70051848745, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 20/06/2013) (BRASIL,2013)

A escola com os programas de conscientização e prevenção, tentando assim, diminuir os casos da intimidação sistemática, buscando solucionar os conflitos que normalmente surgem em ambientes onde o convívio social é intenso, não faz jus a ser condenada a pagar em valores de danos morais aos pais, uma vez que não está caracterizada a falha na prestação de serviço.

Com a não caracterização da falha na prestação de serviços, a responsabilidade civil das escolas é eludida, como visto nos julgados acima.

É notório que o estabelecimento educacional tem o dever de garantir a segurança e a educação, uma vez presente o contrato de prestação de serviços. Contudo, é dever também dos pais notar algum comportamento diferente em seu filho em sua esfera doméstica, uma vez que a vítima de bullying age diferente em seu ambiente familiar.

Além disso, a instituição de ensino abrange inúmeros estudantes diariamente, sendo inviável que a escola tenha um atendimento particular para cada estudante matriculado na escola.

É laborioso para o estabelecimento de ensino atender a particularidade de cada aluno, principalmente daqueles que são vítimas do bullying, uma vez que a criança ou adolescente que sofre a intimidação sistemática fica receosa de procurar ajuda, pois é um abalo psicológico muito grande.

Portanto, com a nova legislação o tema começou a ganhar importância no âmbito acadêmico, principalmente em relação a responsabilidade civil, uma vez cumprido o dever do estabelecimento de ensino baseado especialmente no artigo 5º da Lei do Bullying(13.185/2015), não há o que se falar em falha na prestação de serviço.

No decorrer desse estudo, um novo caso que pode ter relação acerca do bullyingsurgiu. Um adolescente de 14 anos abriu fogo dentro de um colégio particular em Goiânia, no qual ocasionou a morte de dois meninos de 13 anos e deixou 4 hospitalizados. Depois do ocorrido o atirador teria tentado se matar, mas foi impedido por uma funcionária da escola.

Segundo uma reportagem do G1(globo):

Filho de policiais militares, o adolescente de 14 anos suspeito de matar dois estudantes sofria bullying, segundo contou ao G1 um colega do Colégio Goyases, escola particular de ensino infantil e fundamental onde o tiroteio aconteceu, em Goiânia[11] (GLOBO, 2017).

Ainda na mesma reportagem, um aluno da escola diz:

Ele sofria bullying, o pessoal chamava ele de fedorento pois não usa desodorante. No intervalo da aula, ele sacou a arma da mochila e começou a atirar. Ele não escolheu alvo. Aí todo mundo saiu correndo. (GLOBO, 2017).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Em outro site nacional, UOL, uma professora de psicologia escolar na Universidade Mackenzie, aduz que:

...as vítimas de bullying podem se tornar agressores. Na tentativa de eliminar o problema, eles passam a praticar o bullying ou tomar medidas violentas. "Provavelmente, ele encontrou na arma o instrumento mais próximo para acabar com o sofrimento dele. Como no caso de Columbine, em que eles cansaram de ser vítimas e quiseram exterminar a escola como um todo", analisa.[12] (UOL, 2017).

É importante mencionar que existem fontes que informam que o pai do atirador não sabia que o menino sofria o bullying:

...O major da Polícia Militar de Goiás pai do garoto de 14 anos que disparou contra colegas na sexta-feira, 20, no colégio Goyases, em Goiânia, deixando dois mortos, depôs na Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai) na manhã desta segunda-feira. Segundo a TV Anhanguera, o policial disse que não sabia que o filho sofria bullying na escola, como o menino relatou em seu depoimento[13] (VEJA, 2017).

Esse fato evidencia a dificuldade da escola em atender cada aluno em sua especificidade, pois, se os pais que tem a obrigação familiar e que podem atender seus filhos de forma individual não conseguem fazer, quanto mais a instituição de ensino que atende inúmeros adolescentes diariamente.

Nesse aspecto, é importante mencionar o art.22 do Estatuto da Criança e Adolescente, veja-se:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (BRASIL,1990)

Ainda, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art.229, diz:

Art.229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência, ou enfermidade. (BRASIL,1988)

Logo, a Legislação Brasileira deixa claro que os pais possuem o dever da educação dos filhos, não se tratando então de responsabilidade exclusiva das instituições de ensino particulares, mas sim, de um conjunto de forças, entre pais e escolas para combater o bullying.

Ademais, vale salientar que a instituição de ensino tem o DEVER de assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática. Caso a escola de ensino não cumpra com os deveres estabelecidos, deve indenizar os pais e a vítima do bullying, pois assim, é evidente a falha na prestação do serviço.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos