A influência da estrutura familiar e a atenuação da desigualdade social como redutores da criminalidade

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05/03/2018 às 11:34
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6 A influência da estrutura familiar na formação do indivíduo

A família é uma das mais importantes instituições de controle social que a sociedade possui. O indivíduo que ostenta uma família estruturada é, indubitavelmente, privilegiado. Pais honestos, trabalhadores, e que transmitem para seus filhos princípios e valores, sem dúvida, estão contribuindo para a redução da criminalidade.           

É possível afirmar que a estabilidade da família e a diminuição das desigualdades sociais são os alicerces que a segurança pública necessita para ser verdadeiramente efetiva.  A formação do caráter da pessoa depende diretamente do meio em que ela vive e com quem vive. Um ambiente agradável, de afeto e cuidado, proporciona a criança e ao adolescente um poderoso desenvolvimento intelectual. 

A família que consegue disseminar para seus integrantes um juízo de valor, mostrando sobre a correção e a incorreção de determinadas condutas, diante da moral e dos bons costumes, certamente, elabora para a coletividade pessoas do bem que jamais irão desvirtuar o caminho, ainda que a situação financeira não seja boa.

Portanto, ainda que falte as necessidades básicas, em regra, o indivíduo com forte carga axiológica possui uma enorme probabilidade de permanecer no certo, mesmo que esteja passando dificuldade. Diante desse viés, podemos dizer que a estrutura familiar sobrepõe a atenuação da desigualdade social na redução da criminalidade. É indiscutível, porém, que esta redução só será efetiva quando ocorrer a conjugação desses dois institutos.

Lélio Braga Calhau corrobora: 

“A família é uma peça fundamental nesse intricado problema. Uma família desestruturada pode gerar adultos problemáticos para enfrentar a complexidade da convivência social, aproximando-os das drogas e do alcoolismo desenfreado, o que possibilita o aparecimento de oportunidades para a prática de delitos. Nesse contexto, a aplicação efetiva das normas de proteção de crianças e adolescentes da Lei Federal 8069/90, com o acompanhamento de psicólogos, assistentes sociais, e outros profissionais, impediria que muitos adolescentes optassem posteriormente pelo caminho do crime”. 


7 O caso do menino Vitor 

Diante de tudo que foi dito alhures, o caso do menino Vitor, entre tantos outros, é um notável exemplo da ausência do Estado na órbita social. Vitor era um garoto de quinze anos, morava na cidade de São Carlos/SP. Não possuía uma estrutura familiar sólida, não tinha o que comer, muito menos o que vestir. Portanto, não vislumbrou outro meio para sobreviver, senão, o mundo do crime. Vendia drogas, foi submetido a medida socioeducativa em 2016, ao revés, em fevereiro de 2017 foi morto com um tiro na cabeça, por supostamente estar devendo quatrocentos reais ao seu “chefe”.

Vale trazer à baila, as palavras do Defensor Público Lucas Pinheiro, in verbis:

“A vida sofrida retratada no relatório de fls.58/64 exauriu-se com um tiro certeiro no crânio. Violência crua e sem detalhes na certidão de óbito. Não deixou bens ou testamento. Não era eleitor. Não deixou filhos. Ponto final.

Depois de vivenciar abandono, morte e violência e de ser punido por atentar contra a saúde pública quando sequer a sua recebia cuidados, o menino cheio de cáries (fl.62) morreu vitimado por arma de fogo.

Falhou, portanto, o projeto socioeducação. Tratado como um criminoso juvenil, sonhava ser engenheiro (fl.62). Mas então chegou a morte. O menino Vitor “cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre”.

Todos os males remediáveis não foram remediados. E já não há mais tempo. Perdemos Vitor...” 


8 Princípio da dignidade da pessoa humana e o sistema prisional brasileiro 

            A Constituição Federal estabelece no seu art. 1º, inciso III, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Porém, muitas vezes, ele não é observado, inclusive na seara penal.

            O Estado que deveria ser o seu principal guardião, é, na verdade, o seu maior violador, mormente no sistema prisional que, em regra, no lugar de ressocializar, contribui para a degeneração do preso.

            O ilustre professor Rogério Greco assevera:

“A Constituição brasileira reconhece, por exemplo, o direito à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, à cultura, à alimentação, enfim, aos direitos mínimos, básicos e necessários para que o ser humano tenha uma condição de vida digna, ou seja, um mínimo existencial. No entanto, em maior grau ou menor grau, esses direitos são negligenciados pelo Estado. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com o sistema penitenciário brasileiro. Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos etc. A ressocialização do egresso é uma tarefa quase que impossível , pois não existem programas governamentais para sua reinserção social, além do fato de a sociedade, hipocritamente, não perdoar aquele que já foi condenado por ter praticado uma infração penal. (...) O Estado deixa de observar o princípio da dignidade da pessoa humana seja fazendo, ou mesmo deixando de fazer algo para preservá-la. O sistema carcerário é um exemplo clássico desse raciocínio”. (GRECO, 2016, p. 68) 


9 O direito penal e a influência da mídia 

É notório que o princípio da igualdade é bem relativizado no direito penal. O tratamento diferenciado para aqueles indivíduos que teve ou tem certa fama é inevitável. Ademais, em alguns casos, o réu é condenado precocemente, não pela justiça, mas pela grande mídia que manipula a opinião popular, influenciando assim, a justiça.

No contexto atual, é percebível o grande número de prisões de deputados, senadores, ex-ministros, empresários, enfim, de pessoas poderosas. Porém, é visível o tratamento distinto para esses agentes em relação aos demais presos. Exemplo clássico são os condenados pela “lava jato” e outras operações correlatas. Figuras como José Dirceu, Palocci, Joesley Batista, Gedel, Eike Batista, Sérgio Cabral, entre tantos outros. Eles quando passam mal no recinto prisional, imediatamente, são levados ao hospital e têm uma excelente assistência. Não que isso seja demais, pelo contrário, esse comportamento do judiciário é garantir a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional basilar. Todavia, isso não se repete com os demais detentos, que ficam esperando dias para receber atendimento médico. Tudo isso, porque se o famoso morrer na penitenciária, o juiz da execução será taxado pela mídia como um negligente e irresponsável. Agora, se morre um preso qualquer, só será mais um para somar nas estatísticas.

Enfim, no Brasil a desigualdade está em todo lugar, inclusive nos presídios. Os políticos corruptos que retiram dos jovens a esperança de dias melhores, que contribuem para o crescimento da pobreza no país, mesmo condenados, possuem privilégios em relação aos outros encarcerados. Tudo isso, por causa da grande mídia que manipula, que não se importa com o pobre. 


10 Considerações Finais

 Diante de tudo ora exposto, podemos afirmar que o meio adotado pelo Brasil para reduzir a criminalidade é extremamente pífio. A punição é necessária, o combate violento, às vezes, é inevitável. Ao revés, a guerra nunca irá solucionar o problema, ao contrário, irá causar ainda mais danos.          

 A criminalidade evolui cada vez mais, devido à falta de assistência familiar, vez que, a maioria esmagadora dos menores infratores são oriundos de famílias arruinadas que não garantem para eles uma base sólida de afeto e valores morais. Uns são criados pela avó, não conhecem a mãe, nem o pai, outros tem o pai dependente químico e a mãe prostituta, etc. Geralmente, antes de entrarem no mundo do crime, esses indivíduos passam necessidade, não tem o que vestir, nem o que comer, no entanto, com o crime as coisas mudam, o dinheiro vem rápido, o status e o poder também.

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É sabido que a criminalidade está concentrada principalmente em comunidades (favelas) que são desprovidas de serviço de saúde, educação, saneamento básico, lazer, etc. Isto é verdadeiramente um fator relevante que contribui para o cenário caótico de segurança pública que ostentamos. Dessa forma, é possível concluir que a atividade policial não tem como resolver sozinha essa situação. Nos falta o ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, evoluir em políticas públicas direcionadas para essas deficiências que assolam toda a sociedade brasileira. Investir na estabilidade familiar e reduzir as desigualdades sociais (gerar emprego e renda, garantir educação e saúde de qualidade, oferecer lazer).

Falar em segurança pública, não é falar somente em reprimir, é importante extirpar o mal pela raiz, quer dizer, investir na prevenção, assegurar vida digna e igualitária para as pessoas, garantindo uma sociedade justa e fraterna. Desse modo, o resultado seria um Estado mais potente, que gastaria muito mais construindo escolas, hospitais, áreas de lazer, do que construindo presídios e casas de internação.

Finalmente, é ponderoso elencar que não é só o poder estatal o responsável por tudo isso. A comunidade deve assumir o seu papel também, deixando o preconceito de lado, contribuindo para a ressocialização de egressos que querem sair dessa vida devastadora. Infelizmente, o ex-detento não tem espaço no mercado de trabalho, a maioria dos empresários não dão oportunidade para que essas pessoas venham se reabilitar, além disso, não há políticas voltadas para contribuir com tal circunstância. Por conseguinte, é importante destacar que os municípios são os que mais devem se preocupar com esse desenvolvimento de segurança pública, haja vista que, as pessoas vivem ali, e os resultados do crime ocorrem exatamente em cada circunscrição. Portanto, a iniciativa deve ser estabelecida por cada um, a fim de chegarmos um dia ao grande sonho de termos um país mais seguro. 


Referências 

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988.

BECCARIA, Cesare, 1738-1794. Dos delitos e das penas. Tradução de Neury Carvalho Lima – São Paulo: Hunter Books, 2012.

FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do Estado Capitalista. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 2. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.  

GRECO, Rogério. Sistema Prisional: colapso atual e soluções alternativas. 3ª ed – Niterói, RJ: Impetus.

SCAPINI, Marco Antônio Bandeira. Execução Penal: controle da legalidade. In: CARVALHO, Salo (Org.). Críticas à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.  Os condenados da cidade: estudo sobre marginalidade avançada. Rio de Janeiro: Revan, FASE, 2001.

BOTELHO. Jeferson. Evolução histórica do pensamento criminológico no mundo: teorias macrossociológicas da criminalidade. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=14914. Acesso em: 11/02/2018.

CALHAU. Lélio Braga. Redução da criminalidade depende da ajuda da família. Disponível em:    https://www.conjur.com.br/2005jan03/reducao_criminalidade_depende_ajuda_familia. Acesso em : 14/02/2018.

______. Defensor pede extinção de medida socioeducativa de garoto morto e lamenta: "males remediáveis não foram remediados". Migalhas. Disponível em:http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI255077,41046Defensor+pede+extincao+de+medida+socioeducativa+de+garoto+morto+e. Acesso em: 14/02/2018

______. Por que a Islândia é um dos locais mais pacíficos do mundo?. Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/por-que-a-islandia-e-um-dos-locais-mais-pacificos-do-mundo.html. Acesso em: 14/02/2018.

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Sobre o autor
Henrique Costa

Advogado. Orador. Autor de artigos e textos jurídicos. Especialista em Licitações Públicas e Contratos Administrativos. Atua como Treinador, Consultor e Assessor Jurídico. Participante do Projeto Implantação da Nova Lei de Licitações com ênfase nos Órgãos e Entidades Públicas. Participante do Curso Desmistificando as Obras e Serviços de Engenharia - Os Novos Desafios da Lei 14.133/21 e as Velhas Questões; Congressista no VI Congresso Brasileiro de Licitações e Contratos. Congressista no I Congresso do Instituto Nacional de Contratações Públicas (INCP). Congressista no III Congresso Jurídico Internacional da Fundação Pres. Antônio Carlos. Participante da XXIV Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Pós-graduado em Direito Constitucional e Administrativo. Pós-Graduado em Direito Trabalhista e Previdenciário. Pós-Graduado em Direito e Processo Civil. Pós-graduado em Ciências Penais e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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