Os direitos fundamentais são os direitos mais caros à sobrevivência de um Estado e devido a sua importância são citados no documento legal mais importante do ordenamento jurídico, a Constituição de um país. Na Constituição restam encerrados os direitos mais básicos à preservação do Estado e, por isso, são chamados de direitos fundamentais.
Há uma grande variedade de direitos fundamentais, alguns cuidam da limitação dos poderes, impedindo que o poder público aja de modo discricionário e arbtirário, abusando dos poderes instituídos contra o povo. Há direitos fundamentais institucionais, que fixam as regras elementares sobre a estrutura e organização do poder e, por fim, direitos reservados aos indivíduos, que geram uma esfera de prerrogativas e pretensões em face de terceiros e do Estado.
Os direitos fundamentais sofrem mutação constante e estão em contínua expansão, são fruto de processos revolucionários e de cessões estatais em prol da preservação da dignidade, bem-estar e cidadania da população, o que permite a existência concomitante de direitos extremamente diferentes, como direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à propriedade privada, ou direito à vida e direito de liberdade religiosa.
Entre estes direitos destacam-se os direitos sociais, estes direitos formaram-se em uma época conturbada da história mundial, mais precisamente após as grandes guerras mundiais, passando pela grande crise, guerra fria e os pactos internacionais sobre o meio ambiente e se caracterizam por exigir do Estado uma postura intervencionista e positiva, no sentido de corrigir distorções sociais, reparar dívidas históricas, promover o pleno potencial da humanidade e atuar na defesa de direitos como a saúde, educação, lazer e meio ambiente equilibrado. Acerca do tema, expressa-se Krell (1999, p. 240):
Os direitos fundamentais sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos por meio do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais. O Estado, por meio de leis, atos administrativos e da criação real de instalações de serviços públicos, deve definir, executar e implementar, conforme as circunstâncias, as chamadas “políticas sociais” (educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultem o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente protegidos.
A Constituição Brasileira indica manifestamente uma série de direitos sociais no seu art. 6º, considerando sociais os direitos à saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância, assistência aos desempregados, nota-se que o grupo de direitos sociais são heterogêneos entre si, não uma fórmula ou razão que determine alguma semelhança entre eles, um conteúdo tão disforme também dificulta a sua positivação e concretização.
Em compensação, o legislador originário confere ao legislador infraconstitucional um espaço de conformação bastante amplo, que consiste no poder de preencher as lacunas deixadas propositalmente pelo legislador constitucional, com o objetivo de da concretude e tornar exigíveis as normas constitucionais, este fenômeno deve-se a pouca densidade das normas fundamentais que versam sobre direitos sociais, direitos associados a princípios objetivos, que requerem uma atuação do poder público.
As normas sociais, principalmente em uma república pluralista, dente a apresentar normas patentemente abertas, para que o legislador derivado realize o trabalho conformador e concretizá-las de acordo com as necessidades que se apresentam, inclusive amoldando-se à corrente política predominante em certo período.
Segundo este esquema hierárquico de atribuição de competências legiferantes, pode-se imaginar que o poder legislativo, devido a sua atividade típica, possui primazia e prevalência na conformação do conteúdo dos direitos sociais, e que por meio deles seria possível designar com precisão os limites e contornos dos direitos sociais, bem como ao executivo implementá-los, entretanto, não se pode omitir o judiciário de seu poder de averiguar as violações, exageros e desvios durante o exercício destas atribuições, principalmente quando os poderes supracitados se mostraram deficientes no desempenho ótimo destas funções constitucionais.
Além disso, as normas constitucionais vinculam a todos os poderes e não apenas o poder legislativo. Poder legislativo se vincula, como observado anteriormente, na medida em que deve compactuar sua atividade legislativa com os direitos fundamentais, tornando-se imperiosa a edição de normas reguladoras de direitos que se encontrem na dependência de concretização através de normatização, não cumpridas estas funções é possível ativar os remédios constitucionais cabíveis como o Mandado de Injunção ou a proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (MENDES et. al. 2011).
O poder judiciário vincula-se à execução dos direitos fundamentais por meio de sua tarefa clássica de defesa de direitos violados ou meramente ameaçados (art. 5º, XXXV), garantindo a máxima eficácia possível aos direitos fundamentais e reflexamente, recusando-se a aplicar as normas que os desrespeitem. Da mesma forma, o poder público deve aplicar os comandos constitucionais dentro da extrema legalidade, sob pena de nulidade dos atos administrativos (MENDES et. al. 2011).
Lins (2009) identifica três obstáculos à efetivação das normas fundantes ditas sociais, são elas o tripé denegatório que obstruem a exigência e gozo de tais prerrogativas e esferas de direitos, quais sejam: “[...] baixa densidade normativa, pela reserva do financeiramente possível e, finalmente, pelas reservas do legislador e do administrador” (2009, p. 51).
A baixa densidade normativa, que remete a necessidade de edição de normas infraconstitucionais já configurou um problema obstativo da exigibilidade dos direitos fundamentais, mas isso em um período relativamente distante, logo a pós a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando o legislador se viu ocupado com a edição de variadas leis, complementando o conteúdo das normas constitucionais.
Entretanto, passados mais de 30 anos da Constituinte este argumento já não mais prevalece, a grande maioria dos direitos fundamentais, inobstante a densidade das normas, se encontra devidamente regulado por lei, do que se infere que a falta de eficácia destes direitos esta mais próxima da falta de prestação real dos serviços estatais do que necessariamente da ausência de um código legal, há leis em excesso em meio a ações mirradas e políticas públicas escassas.
Onde já foi implantado o serviço público necessário para a satisfação de um direito fundamental, a sua não-prestação em descumprimento da lei ordinária pode ser atacada com o mandado de segurança. A situação se torna mais complicada onde o Poder Público mantém-se inerte, não instalou os serviços necessários ou onde os mesmos funcionam precariamente (omissão parcial ou total – ex.: hospitais públicos) (KRELL, 1999, p. 242).
Compreendido que a densidade das normas constitucionais não mais sustenta a impossibilidade de concretização dos comandos constitucionais, visto que o lapso temporal entre a edição da Carta Magna e o momento presente já possibilitou aos legisladores editarem as normas necessárias à efetivação destes comandos, resta associar a falta de efetividade das mesmas a fatores externos à norma.
A efetivação de direitos fundamentais exige do estado a alocação de recursos, planejamento contínuo e dedicação com afinco na identificação e solução das mazelas sociais, sem mencionar a diversidade de direitos que concorrem pela sua efetivação, o que se observa em grande escala é a preferência por um ou outro direito em detrimento dos demais, não muito raro nota-se um mandado marcado pela defesa da educação e da saúde pública, contrapondo outro que tenha militado em favor da segurança pública e em favor da atividade econômica.
A opção por um ou outro direito social, tão arraigada na vivência política brasileira não é uma realidade sugestionada pelo constituinte, mas uma incontornável fatalidade, que encontra no artifício da reserva do possível o seu expoente. A partir deste argumento justifica-se a não implementação e até o completo abandono de certos direitos fundamentais pelos governadores, já que eles estariam atrelados a uma certa monta financeira e esta reserve não seria suficiente para adimplir todas as obrigações públicas.
A reserva do possível trata de reconsiderar a normatividade dos comandos constitucionais, adicionando à equação uma variável importante de nossa sociedade, a dimensão econômica, que por si só, é capaz de afastar a executabilidade de uma norma constitucional. Entretanto, a expressão e a idéia que suscita tem sido utilizado como forma de eximir o poder público de suas obrigações, se de um lado a situação econômica é um empecilho à conformação da norma, por outro, não se pode negar a eficácia imediata destas normas.
Considerar que direitos sociais estão na dependência de recursos financeiros disponibilizados, em última análise pelo poder legislativo, através das leis orçamentárias e suscetíveis à discricionariedade governamental quanto da sua aplicação ou não em determinando setor é uma realidade preocupante, pois nega sistematicamente a eficácia imediata dos direitos fundamentais sociais, principalmente quando evidenciado que o argumento da reserva do possível não é uma construção nativa, resultante da apreciação e tentativa nacional em solucionar o descompasso entre a lei superior e a sua efetivação.
A reserva do possível é um transplante conveniente de um entendimento jurisprudencial alemão, que vem sendo utilizado desmedidamente, indiferente à realidade que ensejou o seu desenvolvimento, já que realidade sócio-política alemã é bastante diferenciada da brasileira, com consequências proporcionalmente desiguais diante da negativa de aplicação dos direitos fundamentais sociais. Do mesmo modo sustenta Lins (2009, p. 62): “Daí decorre que a discussão sobre os limites do Estado Social e a contenção das prestações estatais que se trava na Alemanha não possa ser transplantada para cá, em razão de não se haver concretizado um Estado de Bem-Estar”.
Destoa o modo como o instituto diverge na sua utilização na Alemanhã e no Brasil. No seu país natal, e conforme esclarece Lins (1999), o recurso foi levantado para escusar o governo de oferecer tantas vagas universitárias quantos fossem os requerimentos, ou seja, vagas a todos os candidatos ao ingresso na universidade, em contrapartida, no Brasil, a reserva do possível absorve proporções bem mais generosas, através dela nega-se não apenas a instrução em seus níveis mais elementares, mas também o acesso a saúde básica (medicação), ao saneamento básico, à condições elementares de trabalho, enfim, ao mais rudimentar que os direitos sociais possam oferecer.
O instituto da reserva do possível é utilizado arbitrariamente, não há como verificar os montantes orçamentários disponíveis, principalmente quando atividade governamental se vê circundada por denúncias de superfaturamento de obras e de serviços, corrupção e lavagem de dinheiro. È por estes e outros motivos que o ativismo judicial tem se estabelecido com tamanho afinco em solo nacional, apenas através da intervenção judicial torna-se possível ponderar as decisões administrativas e capturar o nível de compatibilidade entre esta e os interesses públicos.
Não se trata de invasão de poderes, já que as normas vinculam a todos os poderes e cabe ao judiciário afastar qualquer violação ou ameaça a direito, inclusive os fundamentais sociais, independente de sua natureza pouco densa e manifestamente positiva, fortalecendo e não desbaratando o processo democrático. Trata-se de uma linha efêmera a que sustenta o ativismo judicial, já que o juiz deve estar consciente de seus poderes para não consumir as instâncias legislativa e administrativa, mas ciente de seu papel político, no aspecto de dar concretude às normas fundamentais sociais.
REFERÊNCIAS:
KRELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 36, nº 144, 1999. Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/marcelonovelino/files/2012/06/Direitos-sociais-Andreas-Krell.pdf>. Acesso em: 01 de Mar. 2018.
LINS, Liana Cirne. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais. Revista de informação legislativa. Brasília, nº 46, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2011.