Violência psicológica contra mulheres: uma abordagem com os instrumentos previstos na Lei Maria da Penha

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4 INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO À PRÁTICA DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

A violência psicológica não estava prevista na legislação pátria, sendo incorporada às hipóteses de violência na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará. Ainda assim, ao contrário do que ocorre com a violência física e moral, que têm correspondência no Direito Penal, a violência psicológica está expressamente prevista na Lei Maria da Penha e, mesmo que o caso não configure crime, há uma série de mecanismos de proteção previstos na Lei.

Nesse sentido o parecer de Alice Bianchini:

Um ex-cônjuge, por exemplo, que cause dano emocional e diminuição da autoestima mediante manipulação, nos termos da Lei Maria da Penha, está praticando uma violência psicológica (art. 7º, II). Nesses casos, mesmo não havendo crime, uma gama de ações assistenciais e de prevenção pode ser prestada em favor da mulher, como, por exemplo, o acesso prioritário à remoção quando servidora pública (art. 9º, § 2º, I). O abalo psicológico que a mulher sofre, por não poder, com a tranquilidade que lhe é de direito, reconstruir a sua vida, justifica a intervenção. (BIANCHINI, 2013, p. 42)

A Lei Maria da Penha, portanto, é um instrumento potencializador dos direitos fundamentais, tornando todos os envolvidos em sua aplicação atrelados à Constituição e às Declarações de Direitos Humanos. Acerca da postura judicial em casos de violência previstos na Lei, leia-se o comentário de Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Corrêa:

Revisitam-se os institutos processuais. Revigoram-se as máximas quanto a vinculação do processo ao direito substancial. Equipa-se o Juiz de mecanismos à correta aplicação da lei. Limita-se a atuação das partes á efetiva aplicação da justiça (litigância de má-fé). Teoriza-se quanto à imprescindibilidade do acesso à justiça. Instituem-se mecanismos de controle dos Poderes estatais, maximizando-se os Direitos Fundamentais. (CAMPOS e CORRÊA, 2007, p. 237)

Efetivamente, basta que a ofendida manifeste o interesse pela aplicação das medidas protetivas de urgência, esclarecendo a violência sofrida, uma vez que a palavra da mulher vítima de violência possui relevância suficiente para a concessão de tais medidas pelo juiz, bem porque é sabido que a prática da violência ocorre, preponderantemente, em ambiente particular.

Não obstante, a violência psicológica poderá ser provada por exames e pareceres médicos, laudo de psicólogos e psiquiatras, depoimento de testemunhas e informantes, bem como por qualquer meio de comunicação ou gravação que confirme os fatos (CAMPOS e CÔRREA, 2007).

O art. 9º da Lei 11.340 de 2006, prevê a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, sendo que em seu §2º dispõe que o juiz assegurará à mulher o acesso prioritário à remoção quando servidora pública e a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses, visando preservar sua integridade física e psicológica, o que, por si só, demonstra a preocupação do legislador nos casos em que o agressor persegue a vítima em seu ambiente de trabalho, com telefonemas e visitas, configurando a violência psicológica. 

Em razão da perturbação da tranquilidade e perseguição à vítima, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

Perturbação da tranquilidade praticada no âmbito da Lei Maria da Penha. Autoria e materialidade comprovadas. Condenação bem decretada. Necessidade de fixação da pena de multa alternativamente cominada para a contravenção penal, por se mostrar suficiente. Sanção estabelecida em quinze diárias mínimas, em razão da prática do delito mediante violência contra a mulher, na forma psicológica e suas consequências. Recurso provido em parte. (BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo - APL: 00115076620118260003 SP 0011507-66.2011.8.26.0003, Relator: Francisco Bruno, Data de Julgamento: 05/03/2015,  10ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 06/03/2015)          

Já o art. 12, dispõe acerca do modo como deve a autoridade policial proceder quando do recebimento do registro de ocorrência, em todos os casos de violência doméstica, encaminhando ao juiz o requerimento de medidas protetivas, acompanhado de todas as provas colhidas para esclarecimento do fato, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

Isso porque, trata-se de tutela de urgência que visa salvaguardar a vida e saúde da vítima, dispensando-se, inclusive, a oitiva do agressor para concessão das medidas protetivas (art. 19, §1º, Lei 11.340/06).

As medidas protetivas poderão ser aplicadas de forma cumulada ou isolada e, ainda, substituídas quando ameaçados os direitos da vítima (art. 19, §2º). Tais medidas encontram-se previstas no Capítulo II, Seções II e III da Lei Maria da Penha, as quais subdividem-se em “medidas que obrigam o agressor” e “medidas protetivas à ofendida”, sendo, porém, exemplificativas, posto que não impedem a aplicação de outras previstas no ordenamento, consoante art. 22, §1º, da Lei 11.340/06.

As medidas protetivas que obrigam o agressor visam a segurança da vítima, de seus filhos, familiares e testemunhas, considerando a necessidade de viabilizar a investigação e instrução do fato, estão descritas no art. 22 da Lei 11.340/06, in verbis:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. (BRASIL, 2006)

Dentre tais formas de proteção da mulher, certo que aquelas que melhor salvaguardam a vida e saúde psicológica da ofendida são as descritas nos incisos II e III do artigo supracitado, uma vez que objetivam afastar o agressor do convívio familiar, impedindo qualquer forma de contato que possa vir a causar maiores danos à vítima.

Com efeito, isso se deve ao fato de ser imensamente usual que após a prática da violência dentro do ambiente doméstico ou íntimo de afeto passe a haver certa rixa entre as partes, que pode ser seguida de novas ameaças e depreciações ou, até mesmo, agressões, tanto contra a vítima, quanto contra seus familiares e testemunhas.

Ainda, o agressor pode persistir a importunar a vítima em sua residência, local de trabalho ou em lugares em que esta frequente, o que justifica a concessão da medida protetiva para que o agressor fique proibido de se aproximar da ofendida e pessoas próximas a ela (LIMA, 2016).

Igualmente, vê-se que a proibição de contato e a proibição de frequentar determinados locais, previstas nas alíneas “b” e “c”, do inciso III, do art. 22, visam proteger a vítima, seus familiares e testemunhas da reiteração da conduta delituosa do agressor, bem como impedir que o agressor possa influenciar o depoimento destes, causando prejuízos à investigação.

 Para garantir a eficácia de tais medidas, é de ser comunicada a sua adoção à vítima, para que em havendo o descumprimento, esta informe ao juízo para que haja a efetivação da tutela e proteção da ofendida (LIMA, 2016).

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Como dito, existem ainda medidas de proteção diretamente relacionadas à pessoa da vítima, elencadas nos artigos 23 e 24 da Lei 11.340/06, dentre as quais destacam-se as hipóteses descritas nos incisos do artigo 23, que visam preservar a dignidade psicológica da ofendida e de seus familiares, consubstanciando-se no encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou atendimento (I); recondução ao respectivo domicílio, após o afastamento do agressor (II); afastamento da ofendida do lar (III), além de separação de corpos (IV).

Para a efetivação da medida prevista no inciso I, necessário que cada comarca possua programas de proteção e atendimento, que devem ser criados pelo Estado, conforme parecer de Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Côrrea:

Muitos são os programas oficiais disponíveis pelos órgãos estatais, que podem auxiliar no tratamento da vítima de violência doméstica e familiar, como tratamento psicológico, tratamento psiquiátrico, tratamento médico especializado, encaminhamento para a efetivação de cursos profissionalizantes e outros. Após o contato da vítima com a equipe multidisciplinar, esta composta por profissionais habilitados, descreverá no relatório as necessidades das vítimas e de seus dependentes, devendo o juiz, atendendo a requerimentos ou de ofício, encaminhá-los para programas assistenciais disponíveis. (CAMPOS e CÔRREA, 2007, p. 418)

Outrossim, salienta-se que entre as medidas previstas no art. 23, aquela que trata da separação de corpos já havia sido introduzida no ordenamento por meio da Lei 10.455/02 que alterou o parágrafo único do art. 69, da Lei 9.099/95, por meio da seguinte redação “em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”.

A separação de corpos, que é o exercício de um direito da mulher, é deferida pelo juiz com fundamento nos critérios de conveniência e oportunidade, sem dispor acerca dos direitos patrimoniais envolvidos, uma vez que estes devem ser objeto de ação própria, porquanto a concessão de medidas protetivas de urgência não se trata de proteção de direitos privados, mas sim de direitos sociais e fundamentais que necessitam do provimento jurisdicional imediato.

Ademais, cumpre registrar que tal medida pode ser utilizada não somente em favor da mulher casada, podendo ser concedida em benefício da companheira que viva em união estável ou, até mesmo, em favor da concubina, que possui uma relação não eventual com um homem (LIMA, 2016).

Assim, indene de dúvidas que verificada a prática da violência psicológica contra a mulher, nos termos do art. 7º, II, da Lei 11.340/06, as medidas de urgência acima consignadas e previstas na Lei Maria da Penha são de grande valia para proteção da mulher e prevenção da reiteração dos atos praticados pelo agressor.  

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Sobre os autores
Stela Cunha Velter

Professora de Direito Civil no UNIVAG – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VÁRZEA GRANDE, Advogada, Mestre em História pela UFMT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado ao UNIVAG – Centro Universitário de Várzea Grande como requisito parcial para aprovação na disciplina TCC – Trabalho de Conclusão de Curso.

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