Crise institucional, Compliance e Blockchain: uma visão conciliatória do que está por vir

16/03/2018 às 14:03
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Crise institucional, Compliance e Blockchain: uma visão conciliatória do que está por vir

Vivemos um momento de grande desconfiança institucional, não só nas instituições públicas como também nas privadas e isso é notório. Não à toa, passou a integrar nosso vocabulário diário termos como compliance, plano de integridade, medidas anticorrupção etc. 

Para muitos, inclusive para mim, as atuais medidas de implemento de compliance estavam na vanguarda do que se pode esperar de combate à corrupção e atuação em conformidade normativa dentro de instituições públicas e privadas. Isso até começar a ouvir falar de Blockchain. 

Mas antes de prosseguir, ressalto que o objetivo aqui é apenas instigar discussão e pesquisa sobre essa nova tecnologia que promete ser tão relevante quanto a própria internet, passando a integrar de forma ampla relações negociais de toda a natureza, além, é claro, de interações sociais (como faz a própria internet por meio da World Wide Web - "WWW").  

Pois bem, pela novidade do tema, não parece justo dispensar uma breve explicação sobre o Blockchain (ou pelo menos, assim tentar). 

De início, cabe lembrar que tal tecnologia surgiu no contexto da criptomoeda Bitcoin (já bastante famosa). Essa tecnologia permitiu o funcionamento das operações feitas por Bitcoin, visto que resolveu seu maior problema: garantir que um mesmo bitcoin, uma "moeda" completamente virtual, não fosse utilizado em diversas operações negociais, causando uma verdadeira sequência de pagamentos sem lastro. Por exemplo, seria o mesmo que eu enviar uma foto minha a uma pessoa. Essa pessoa passa a ter aquele arquivo (cópia), mas eu continuo com o mesmo arquivo, resultando que eu e a outra pessoa possamos passar para frente tal foto indefinidamente. Em que pese não haver um grande interesse das pessoas acerca da minha foto, imagine essa realidade transportada a uma moeda de troca como o bitcoin. Como dito, o Blockchain garantiu que o mesmo bitcoin não seja passado indefinidamente, como se fosse uma cópia. Essa tecnologia garante a informação de que eu paguei a X um bitcoin e esse foi recebido por X e saiu de minha conta. Logo, não posso mais transacionar com esse mesmo bitcoin. 

Ocorre que o Blockchain, apesar de surgir no contexto do Bitcoin, mostrou-se de uma aplicabilidade muito mais ampla. Trata-se uma cadeia de "blocos" de informações protegidas por criptografia avançada (ou seja, pouco passível de fraudes). Em que pese a criptografia e o resguardo do sigilo de informações sensíveis, tais blocos de informações garantem publicidade suficiente para a verificação da idoneidade de todas as transações ocorridas acerca de determinado objeto. Costuma-se comparar o Blockchain a um livro contábil ou um diário, em que consta toda a história percorrida pelo bitcoin, ou, como em breve ocorrerá, toda a história de um imóvel vendido, todo o trajeto dos alimentos, desde seu cultivo/criação até atingir as gôndolas dos mercados ou mesmo a despensa do consumidor, o próprio histórico sobre a saúde de uma pessoa, todos seus exames, intervenções cirúrgicas, internações  etc. 

O Blockchain então traz um novo paradigma de segurança na rede, em especial nas transações virtuais, permitindo que todos os negócios em torno de determinado objeto sejam auditáveis. 

Como dito, em um momento de grande desconfiança em instituições, agravada pela centralização de poder nessas mesmas instituições, o Blockchain surge como um trunfo, pois permite relações peer to peer [1], o que significa que dispensa a participação de um intermediário. Assim, por exemplo, operações financeiras não dependerão de um banco central, vendas de imóveis não mais terão altos custos com registros, enfim, muitas das atuais relações negociais dispensarão intermediários, pois há uma pressuposta confiança na rede Blockchain, dispensando uma figura centralizadora de poder e que supostamente garante a idoneidade nas relações (Justamente as entidades que estão em bastante descrédito atualmente). 

Outro aspecto relevante sobre o Blockchain é a utilização de smart contracts. Esses não devem ser entendidos somente como os contratos regidos pelo Direito a que estamos habituados. Smart contract é uma forma de programação dentro do sistema de Blockchain que possibilita que havendo um determinado evento X pré-determinado ocorrerá Y de forma auto executória, sem necessidade de uma autorização do usuário ou de uma ação por parte desse. Um exemplo interessante para entender o nível de autonomia que o smart contratct confere é na compra de um automóvel parceladamente. A partir do momento que o comprador deixar de pagar as parcelas, poderá ser programado (previamente) que o carro seja bloqueado, de forma automática, até que sejam pagas as parcelas em atraso ou o carro seja devolvido. Falando em atraso, o smart contract também poderá fazer a cobrança automática de juros e multas pré-determinadas, sendo que determinada parcela só terá quitação com o pagamento desses encargos.  

É nesse contexto, brevemente aqui resumido, que acreditamos que o Blockchain será uma importante ferramenta também no processo de implementação e execução de programas de compliance. Já podemos vislumbrar a migração de complexos programas para uma plataforma Blockchain, sendo que todas as operações de uma instituição possam ser auditáveis, mas garantindo-se o sigilo de informações estratégicas da empresa. 

Imagine determinados processos burocráticos de uma empresa que funcionem na lógica dos smart contracts, sendo que determinada etapa só seja "liberada" com o cumprimento de certas cautelas de compliance que garantem a integridade daquela operação. 

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Segundo os estudiosos do Blockchain, essa ferramenta é tão versátil que traz diversas soluções para problemas que podemos apenas vislumbrar a sua utilização, outros que ainda nem imaginamos. Caso o Blockchain se revele realmente tão importante quanto foi a internet, não tenho dúvidas que se tornará uma ferramenta de compliance, trazendo um novo grau de confiabilidade nas operações e relações negociais de instituições públicas e privadas. Talvez, nos acostumaremos com um ambiente tão seguro que os próprios termos compliance e programas de integridade percam muito de sua atual carga semântica. E isso, apenas para cogitar uma das aplicações dessa ferramenta, que em breve promete estar tão presente em nosso cotidiano como hoje é a internet.


Nota

  1. Relação entre dois computadores (nós) sem necessidade de um servidor central. 
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Sobre o autor
Adriano Biancolini

Advogado em Curitiba (PR) no escritório Biancolini D'Ambrosio e Menzel Vieira Advogados, com experiência em atuação consultiva em licitações e contratos administrativos e funcionalismo público. Graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba. Administrador do site Convir - A sua consultoria jurídica virtual (http://convir-adv.blogspot.com.br/)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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