Tribunal do júri

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20/03/2018 às 16:54
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Debate sobre a influência da mídia através dos meios de comunicação e o que ela exerce para a sociedade e os jurados que compõem o Conselho de Sentença no Tribunal do Júri.

A atual Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘d’, prevê instituição do Tribunal do Júri como competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, que de acordo com o art. 74, § 1º do Código de Processo Penal, são os crimes de: homicídio; instigação, induzimento e auxílio ao suicídio; infanticídio e o aborto.

Os crimes de competência do Tribunal do Júri mencionados acima carregam consigo valores morais e éticos, que são os motivos pelos quais geram grande comoção por parte da população quando acontecem, sendo assim, ao tomar conhecimento do fato criminoso, a população prontamente busca explicações do fato abordado, a fim de requerer a devida justiça.

Em proveito do fato criminoso e da busca por informações da sociedade, os noticiários de crimes, que são os principais responsáveis pela audiência das redes de televisão, repassam as informações acerca do caso abordado, assegurados do Direito de liberdade de imprensa.

O objetivo principal é estudar se, ao repassar as informações do caso abordado, a mídia é ou não parcial; se emite ou não juízo de valor. Pois ao emitir informações, a mídia não tem como selecionar as pessoas a qual aquela notícia irá alcançar, atingindo assim, o público de maneira geral, inclusive, os jurados do caso abordado.

Os jurados que compõem o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri são pessoas leigas e suas decisões não precisam ser fundamentadas, e na hipótese de haver influência por parte da mídia, ocorrerá prejuízo à defesa do réu, seus direitos e garantias, e violação de princípios constitucionais, fazendo com que a sociedade seja prejudicada, e não haja a devida justiça, quando inocentes são condenados e culpados absolvidos.


O TRIBUNAL DO JÚRI

O tribunal do Júri tem a sua origem imprecisa, porém, foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira em 1822, onde sua competência era a de julgar crimes de imprensa.

Já em 1824, na Constituição Imperial ocupou o capítulo do Poder Judiciário, e teve sua competência ampliada para julgar causas cíveis e criminais.

A Constituição de 1988, que perdura até os dias de hoje, que também inseriu o Tribunal do Júri no capítulo “Dos Direitos e das Garantias Fundamentais”, prevendo sua competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados.

Os crimes dolosos contra a vida, de acordo com o art. 74, parágrafo primeiro do Código de Processo Penal, são os crimes de: Homicídio; induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; aborto e infanticídio.

O tribunal do júri é composto pelo juiz presidente e por vinte e cinco jurados, que são sorteados dentre os inscritos na lista geral e anual, onde, somente sete formarão o conselho de sentença, conforme previsto no Art. 447, do Código de Processo Penal. Os jurados devem ser brasileiros natos ou naturalizados, maiores de idade, com notória idoneidade, estar em pleno gozo dos direitos políticos e nunca ter sido processado criminalmente. Não sendo necessário conhecimento técnico para exercer a função de jurado.

O procedimento do tribunal do júri trata-se de procedimento bifásico, por ser composto por duas fases; A primeira fase é em relação à admissibilidade da acusação, onde através dos fatos e das provas procura-se apurar se houve crime doloso contra a vida ou não. A segunda fase inicia-se com a decisão de pronúncia, que é o nome da decisão cabível quando fica evidente os indícios de autoria e materialidade de um crime doloso contra a vida. Após a decisão de pronúncia, o caso concreto é levado ao conselho de sentença, onde haverá o julgamento.

O fato do procedimento do tribunal do júri ser bifásico torna o sistema de decisões do júri diferente do sistema de decisões do juiz togado.

A primeira fase do júri se assemelha com a do procedimento comum, pois ocorrem da mesma forma, se diferenciando apenas na decisão final. Ambos os procedimento têm inicio com o recebimento da denúncia ou queixa, após, a citação do acusado para a apresentação de defesa, réplica e posteriormente a realização da audiência de instrução e julgamento.

 Após a audiência de instrução e julgamento, no procedimento comum, o juiz profere sentença, condenando ou absolvendo o acusado, já no rito do júri, após a audiência de instrução e julgamento, o juiz togado tem quatro possibilidades de decisão, que pode ser de: Pronúncia, Impronúncia, Absolvição sumária ou desclassificação. Iniciando-se a segunda fase do júri com a decisão de pronúncia, que é a que reconhece que o fato praticado pelo acusado configura-se crime doloso contra a vida, tentado ou consumado.

Na segunda fase do tribunal do júri é onde ocorre a sessão de julgamento, havendo o julgamento por iguais, sendo o acusado julgado pelo seu semelhante, onde os jurados irão decidir sobre a condenação ou absolvição do acusado, cabendo ao juiz- presidente a elaboração e prolação da sentença, onde, será fixada, a pena base, considerando-se as causas de aumento e diminuição de pena; e as circunstâncias agravantes e atenuantes, conforme Art. 492, do Código de Processo Penal.

O conselho de sentença é composto por pessoas comuns, leigas, que estão representando a sociedade, visto que não é possível que toda a população participe do veredicto. As decisões no julgamento do júri são tomadas pela íntima convicção dos jurados, onde os mesmos julgam de acordo com o que vêm e ouvem durante o julgamento, não sendo necessária a fundamentação das decisões. Sendo uma exceção no sistema penal, visto que nos julgamentos realizados por juiz togado, vigora o princípio do livre convencimento motivado, onde os magistrados após analisarem livremente as provas, formam seus convencimentos, decidindo a questão discutida e fundamentando sua decisão, pois conforme previsto no Art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, todas as decisões do órgão judiciário devem ser motivadas, sob pena de nulidade.

O princípio da incomunicabilidade dos jurados, os proíbem de se comunicarem entre si e com outrem, até o fim da sessão, com o objetivo de que não possam alegar que houve sugestão de voto ou que algum dos jurados não julgou conforme suas convicções, sendo influenciado. Ou seja, é mais uma forma de garantir a imparcialidade dos jurados, fazendo com que de fato julguem com a sua intima convicção, e profiram julgamentos justos.

Quanto ao Tribunal do Júri, o Art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, assegura como princípios fundamentais:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

 Por ocupar o capítulo de direitos e garantias fundamentais, constitui-se em Cláusula Pétrea, não podendo ser extinto por emenda constitucional.

 Enquanto o princípio da ampla defesa é assegurado aos acusados em geral, o princípio da plenitude de defesa é assegurado aos acusados por crimes de competência do Tribunal do Júri.

É um princípio auto-explicativo, a palavra “Plenitude” quer dizer algo pleno, completo, perfeito. Moraes apud Danilo Rodrigues (2012, p. 189) “Trata de assegurar ao réu condições que lhe garantam trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou até mesmo omitir-se ou calar-se, caso entenda necessário”.

O objetivo do legislador é trazer ao réu a possibilidade de uma defesa imensurável, pois como o julgamento ocorre por pessoas leigas, que votam de acordo com suas convicções, quanto mais perfeita for à defesa, maiores serão as chances de uma sentença justa. Pois é através da defesa que o acusado tem a chance de preservar a sua liberdade.

Quanto ao princípio do sigilo das votações, o objetivo do legislador é garantir a proteção dos jurados, para votarem com tranqüilidade e seguirem suas convicções.

O sigilo das votações está ligado ao voto e ao local do voto, visando à proteção dos jurados, a fim de garanti-los tranqüilidade para votar de acordo com sua convicção. A votação ocorre em sala especial, conforme determina o art. 485, caput do Código de Processo Penal.

O princípio da soberania dos veredictos tem como objetivo impedir a modificação das decisões proferidas pelo corpo de jurados, fazendo com que a decisão do conselho de sentença a respeito do fato criminoso não seja modificada pelo juiz técnico. Sendo a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, é cabível o recurso de apelação, onde, se for provido, o caso será submetido a novo julgamento, novamente no tribunal do júri, por um corpo de jurados diferente do que participou do julgamento que gerou a decisão combatida.

Conforme já explicitado, o Tribunal do Júri tem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, que de acordo com o Art. 74, do Código de Processo Penal, são os crimes de: Homicídio; Instigação, Induzimento ou Auxílio ao suicídio; Infanticídio e aborto.

Contudo, a Constituição Federal prevê uma competência mínima para o Tribunal do Júri, podendo, portanto, ser aumentada. Conforme Daniel de Sá Castro (2014, p. 19) ‘’ Atualmente, o Júri já julga outras infrações penais, desde que conexas com os delitos dolosos contra a vida’’.


A MÍDIA

A palavra mídia, de acordo com o Dicionário Michaelis online significa “Toda estrutura de difusão de informações, notícias, mensagens e entretenimento que estabelece um canal intermediário de comunicação não pessoal, de comunicação de massa, utilizando-se de vários meios, entre eles jornais, revistas, rádio, televisão, cinema, mala direta, outdoors, informativos, telefone, internet etc.”

A Constituição Federal consagrou como direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, inciso IV, a livre manifestação do pensamento; no inciso IX, a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; no inciso XIV, o acesso à informação; no inciso XXXIII, o direito de receber informações dos órgãos públicos, de interesse particular ou geral.

A liberdade de expressão está inserida no capítulo de direitos e garantias fundamentais, conforme acima mencionado, contudo, não se trata de um direito absoluto, visto que se houver abuso ou uso indevido do direito, o indivíduo será responsabilizado.

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Liberdade de expressão é um direito fundamental garantido aos indivíduos para que possam manifestar seus pensamentos, idéias, opiniões, artes, sem sofrerem qualquer tipo de repressão, enquanto a liberdade de imprensa é um direito garantido aos profissionais do jornalismo, de repassar informações através dos meios de comunicação, sem censura, de forma livre. 

No exercício da liberdade de imprensa, o jornalismo é o meio pelo qual há o repasse de informações para o público. No campo da mídia jornalística encontra-se a imprensa, que comporta os meios de comunicação que visam exercer o jornalismo informativo, quais sejam: jornais, revistas, rádio, telejornal. 

A mídia jornalística cada dia que passa tem se tornado algo mais lucrativo, pois os jornalistas têm optado pela divulgação de notícias ligadas a violência, pois assim alcançam o objetivo de ganhar audiência, visto que esse tipo de notícia prende a atenção da população, pois querem saber o que aconteceu e como aconteceu nos mínimos detalhes, elevando, assim, a audiência.

No mais, insta salientar, que a mídia tem papel importante numa sociedade democrática, no tocante ao acesso à informação.


O TRIBUNAL DO JÚRI, A MÍDIA E A OPINIÃO PÚBLICA

A mídia tem preferência pela divulgação de notícias que sejam interessantes à sociedade e que gerem audiência, motivo pelo qual opta pelos delitos de competência do tribunal do júri, pois são crimes que carregam consigo violência e drama; e que mexem com a sensibilidade do ser humano, formando opiniões acerca do fato criminoso. Quanto mais violenta e bárbara for à notícia, mais atrativa ela é, despertando o interesse da população e consequentemente, o lucro por parte da imprensa.

Como o principal objetivo da mídia é a obtenção de lucros e não a veracidade das informações, a mídia acaba por ser parcial e explorar os fatos de maneira sensacionalista, o que significa matérias exageradas, distorcidas, fantasiosas e emotivas, a fim de aumentar a curiosidade do telespectador e prender sua atenção.

Ao noticiar um fato criminoso de forma chamativa e sensacionalista, a mídia acaba por atuar de forma julgadora, pois transforma o fato criminoso em um espetáculo midiático, declarando informações que nem sempre são verídicas, levando a sociedade a acreditar em uma falsa realidade, fazendo um pré-julgamento dos acusados, condenando-os pública e socialmente, ofendendo, assim, garantias constitucionais, como o direito à imagem, à intimidade, à honra, a dignidade da pessoa humana. Ademais, ofende também a princípios basilares do direito penal, como o da presunção de inocência, contraditório, ampla defesa e o que garante ao réu o direito a um devido processo legal, indo contra as balizas do estado democrático de direito. Nesse sentido, Luana Magalhães de Araújo Cunha, (2012, p. 1), afirma, “Não é preciso mais do que alguns minutos diante da televisão, em qualquer horário ou canal, para constatar a violação dos direitos fundamentais à privacidade, a não discriminação, à honra, à presunção de inocência e à própria dignidade da pessoa humana.”

No art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal está previsto “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

O objetivo desse princípio vai além de garantir ao acusado somente um processo legal, objetivando garantir, sobretudo, um julgamento imparcial, regular e justo, através da proteção de diversas garantias fundamentais, em especial, o direito ao contraditório e ampla defesa, que é o direito do acusado de contrapor tudo aquilo que lhe é imputado, efetivando o acesso à justiça. O que rapidamente é violado pela mídia no momento em que divulga notícias sensacionalistas, fazendo um julgamento antecipado do acusado.

Conforme dito anteriormente, os delitos de competência do tribunal do júri são delitos que sensibilizam a população pelo fato de tratarem de crimes contra a vida, que é o bem mais precioso que nós temos. Dessa forma, o interesse da sociedade em acompanhar notícias que envolvam crimes contra a vida já é natural, mas, ocorre que a mídia de forma gananciosa, almejando cada vez mais audiência relata os fatos criminosos de maneira apelativa, transmitindo notícias que nem sempre são verdadeiras. Um exemplo da imprecisão das notícias é o “Furo” de reportagem, que consiste na divulgação de uma notícia sem a prévia confirmação sobre a veracidade dela, ou seja, o repórter tem acesso a aquela notícia de forma privilegiada, e a divulga, sem ao menos esperar uma confirmação sobre a veracidade daquela notícia, resultando em uma opinião pública equivocada.

No Brasil o índice de analfabetismo é elevado, o que significa um número maior de pessoas leigas e alienadas sendo atingidas pela mídia, que entendem as informações midiáticas como verdade absoluta, sem sequer analisar se a informação prestada tem fundamento ou não, sendo facilmente influenciáveis, assim, tomando posicionamentos baseados na opinião da mídia e não em sua opinião, surgindo assim um clamor público por justiça, visando à condenação do acusado, pois acreditam fielmente que a notícia transmitida pela mídia se trata de absoluta verdade sobre os fatos, pois não têm pleno acesso a verdade.

Ao noticiar os fatos criminosos, a mídia, que é responsável pelos meios de comunicação de massa, não tem controle sobre quem será atingido com aquela notícia, sendo possível que um dos telespectadores atingidos venha a ser jurado no julgamento daquele crime contra a vida. Momento em que surge a problemática do tema da presente pesquisa.

As notícias sensacionalistas sobre fatos criminosos veiculados pela mídia chegam constantemente aos indivíduos do mundo inteiro em cerca de minutos, atingindo, inclusive, a jurados que formarão o conselho de sentença no julgamento dos crimes de competência do tribunal do júri, dessa forma, oferecendo risco ao princípio da imparcialidade e ao princípio da presunção de inocência.

Os telespectadores que são atingidos pelo jornalismo midiático, sofrem influência por parte da mídia na formação de suas opiniões, pois a mídia ao mesmo tempo em que informa, acaba por formar opiniões, mas, ocorre que ao repassar as informações de forma distorcida, a mídia acaba por formar opiniões errôneas. Sendo um dos telespectadores sorteado para compor o conselho de sentença, não há dúvidas de que já sofreu a influência por parte da mídia, e que antes mesmo de participar do julgamento, já teve sua opinião formada acerca do caso concreto, entendendo pela condenação do acusado, portanto, nos casos em que há influência da mídia nas decisões do conselho de sentença, o acusado acaba por ser condenado pelas informações veiculadas pela mídia e não pelo conteúdo probatório contido nos autos do processo, motivo pelo qual o princípio da imparcialidade é violado.

O instituto do tribunal do júri tem como um dos seus principais objetivos alcançar a democracia, motivo pelo qual adotou o julgamento pelos pares, que é a idéia de que iguais devem julgar os seus iguais, deixando o poder nas mãos do povo, que são pessoas leigas, sem conhecimento técnico, a fim de que sejam o mais imparcial possível em suas decisões, o que não ocorre, visto que por serem leigos, não sabem separar as informações adquiridas através da mídia, das informações obtidas durante o julgamento, muita das vezes decidindo de forma contrária as provas presentes nos autos, pois já chegam ao julgamento com sua opinião formada acerca da condenação do acusado, indo contra o juramento do art. 472, do Código de Processo Penal, que prevê  que o juiz presidente fará a seguinte exortação “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo coma  vossa consciência e os ditames da justiça.”, e os jurados responderão “Assim o prometo”, visto que decidem a causa de forma parcial, influenciados pela mídia.

O princípio da imparcialidade está diretamente ligado aos princípios do sigilo das votações e da incomunicabilidade dos jurados, pois têm o mesmo objetivo, que é fazer com que os jurados votem de maneira imparcial, conforme seu livre convencimento, a fim de que a decisão seja a mais justa possível, o que não acontece quando os fatos são levados à população de forma sensacionalista pela mídia, fazendo com que a imparcialidade seja meramente formal, e só exista na teoria.

 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Conforme previsto no Art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. ’’, ou seja, é necessária a comprovação de indícios de ocorrência do crime e da autoria, a fim de que o réu seja levado a julgamento, para que se decida pela culpabilidade ou não, sendo resguardado seu direito ao contraditório e ampla defesa, visando que só seja considerado culpado após um processo justo e eficaz.

O princípio da presunção de inocência trata-se de garantia constitucional, sendo considerado clausula pétrea, que visa resguardar ao acusado, o direito a dignidade; a liberdade; a um julgamento justo, garantindo o contraditório e a ampla defesa, sendo um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Uma característica do estado de inocência é de que compete à acusação provar a culpabilidade do acusado e não a defesa ter que provar a sua inocência. O status de inocente do acusado permanecerá até que se prove o contrário, não sendo admitido em direito a antecipação da condenação, o que não é respeitado pelos meios de comunicação de massa, que ao divulgarem notícias sobre um fato criminoso agem de forma exagerada, tratando o suposto autor do crime como culpado, encenando um falso clamor público, apenas com o objetivo de obter lucros.

Assim, a mídia acaba por influenciar os jurados que compõem o conselho de sentença, pois antes mesmo de serem sorteados para compor o júri estão com as suas opiniões formadas a respeito da culpabilidade do acusado, baseadas nas notícias sensacionalistas e parciais. Portanto, podemos observar, nitidamente, a violação do princípio da presunção de inocência, visto que mesmo antes de uma sentença transitada em julgado o acusado já está sendo considerado culpado, tendo assim, um confronto de duas garantias constitucionais, de um lado a liberdade de imprensa e do outro lado o estado de inocência. Nas palavras de Carla Gomes de Mello apud Suzane Peripolli (2015, p. 11) “a colisão acontece quando algo é vedado por um princípio e é ao mesmo tempo, permitido por outro. ’’

Como não há hierarquia entre as garantias constitucionais acima mencionadas, a forma de resolver essa problemática é limitando o direito a liberdade de imprensa, onde, ao noticiar os fatos criminosos, deve agir com cautela, para não emitir juízo de valor a respeito do caso abordado, e consequentemente, não prejudicar o estado de inocência do acusado.

A MASSIFICAÇÃO DAS INFORMAÇÕES E AS FALSAS MEMÓRIAS

Outra problemática no campo do sistema penal, que pode interferir nas decisões do conselho de sentença, é a questão das falsas memórias causada pela massificação das informações.

No nosso dia a dia, nós presenciamos e participamos de diversos acontecimentos, e nossa mente está sempre em funcionamento, a fim de registrar tudo isso, mas, ocorre que nossa memória não tem a capacidade suficiente para armazenar tudo o que vemos e ouvimos durante o dia, e é aí que se encontra a problemática a ser abordada a seguir.

Uma das funções do direito penal é avaliar a conduta humana, a fim de verificar se é criminosa ou não. Acontece que para verificar uma conduta ocorrida no passado, é preciso de uma retrospectiva dos fatos, onde se faz necessário o uso da memória das pessoas envolvidas naquele acontecimento. Ocorre, que conforme dito anteriormente, nossa memória não tem capacidade suficiente para armazenar tudo o que vivemos, surgindo assim o fenômeno das falsas memórias, o que significa dizer que iremos lembrar o fato, mas não com todas as suas especificidades, ou seja, relataremos acreditando que estamos lembrando todos os detalhes, enquanto não estamos, e, além disso, relataremos detalhes que sequer aconteceram, mas acreditando que de fato presenciamos aquele acontecimento.

O professor e Advogado Aury Lopes Junior, em seu artigo que trata das falsas memórias afirma que essa problemática se insere na questão da prova testemunhal e no reconhecimento de pessoas, visto que a pessoa irá narrar coisas que não aconteceram de fato, e vai fazer o reconhecimento de acusados, com algumas características em mente, que acredita ser do acusado, enquanto não é, sendo totalmente prejudicial ao processo, visto que não traz credibilidade, colocando a liberdade do acusado em risco, pois pode ser condenado com base nesse depoimento ou reconhecimento, que não traz a verdade, e sim uma falsa memória.

 Quando o fato criminoso é vestido de publicidade, sendo coberto e divulgado pela mídia, as chances de ocorrer o fenômeno das falsas memórias é ainda maior, pois com a massificação das informações, é possível que as testemunhas se percam na hora de relatar o ocorrido, podendo descrever detalhes que foram relatados pela mídia, acreditando, fielmente, que presenciou.

  No rito do tribunal do júri, o fato das testemunhas relatarem o fato criminoso, baseadas na questão da falsa memória, em especial as ocasionadas pela massificação das informações, traz muita preocupação, pelo fato do julgamento ser realizado pelos jurados, que não têm formação técnica, e julgam de acordo com a íntima convicção, baseando suas decisões no suporte probatório que lhes são apresentados durante a sessão do tribunal do júri. Ou seja, os jurados podem ser levados a acreditarem em versões construídas, que não relatam de forma exata e verdadeira o fato criminoso, podendo, consequentemente, acabar por condenar inocentes, e inocentar culpados.

CASOS CRIMINAIS CÉLEBRES

Neste momento iremos abordar dois casos que foram marcados pela repercussão midiática envolvendo o tribunal do júri, o caso Isabella Nardoni e o caso do goleiro Bruno, respectivamente.

No dia 28 de março de 2008, foi encontrado o corpo de Isabella Nardoni, de 5 anos,  na grama do prédio em que morava seu pai Alexandre Nardoni e sua madrasta Ana Carolina Jatobá, que apesar de ainda ter sido socorrida, morreu a caminho do hospital. O casal afirmou que possíveis assaltantes teriam invadido o apartamento e jogado Isabella, o que posteriormente foi negado pela perícia, passando o casal a ser considerado os principais suspeitos do caso, onde, antes mesmo do oferecimento da denúncia, já eram condenados pela população, que acompanhava a morte da menina Isabella pelos meios de comunicação de massa. 

Após o recebimento da denúncia foi decretada a prisão preventiva do casal, com fundamento na garantia da ordem pública, que significa dizer que caso o casal não fosse recolhido à prisão, traria risco de cometer crimes, ofendendo, assim, a ordem pública. Acontece que os réus preenchiam todos os requisitos necessários previsto em lei para responder o processo em liberdade, mas o magistrado, em decorrência do clamor social por justiça e pela prisão dos acusados, acabou por decretar a preventiva, violando, nitidamente, o princípio da presunção de inocência.

Em 27 de março de 2010 o casal foi levado a júri, tendo sido condenado, o que já era esperado, levando-se em conta a maneira como a população foi sensibilizada com o caso, e a maneira como a mídia já condenava o casal.

Já o caso do goleiro Bruno Fernandes, trata-se do desaparecimento de Eliza Samúdio, apontada como ex- amante do goleiro, fato que ocorreu em junho de 2010, após a vítima ter viajado do Rio de Janeiro à Belo Horizonte a pedido de Bruno, para conversarem sobre a paternidade do filho de Eliza, não tendo, até os dias de hoje, aparecido o corpo de Eliza ou os restos mortais, estando, assim, ausente a materialidade direta do caso, onde, a acusação utilizou a tese da materialidade indireta, considerando o goleiro o principal suspeito, tendo sido condenado a 22 anos e 3 meses de reclusão, o que também já era de se esperar, devido a repercussão do caso, onde a mídia já considerava o réu como culpado, influenciando toda a população.

A partir de ambos os casos podemos verificar que a atuação mídia vai muito além da sua função social de informar, e acaba por manipular fatos e opiniões, apontando culpados e fazendo um prejulgamento, ofendendo garantias constitucionais e a imparcialidade dos jurados que são atingidos pelas notícias, pois já chegam á sessão do júri com suas opiniões formadas a cerca da culpabilidade do acusado, baseadas nas notícias sensacionalistas divulgadas pela mídia. 

MEIOS POSSÍVEIS DE EVITAR A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO CONSELHO DE SENTENÇA

Referente às possíveis soluções para a problemática da influência da mídia no tribunal do júri, Márcio Thomas Bastos apud André Luiz Gardesini Pereira (2013, p.8) expõe:

Não são muitos os alvitres: suspensão do processo enquanto perdurar a campanha da imprensa, proibição de a mídia mencionar o julgamento, em determinadas fases, transferir o julgamento de lugar, anulá-lo quando se constata que a pressão publicitária possa ter deformado a construção do juízo condenatório.

A opção da suspensão do processo enquanto perdurar a campanha da imprensa está diretamente relacionada à questão da memória de curto prazo. Quando acontece o fato criminoso, a mídia acaba por divulgá-lo de maneira incansável, a fim de mobilizar e prender a atenção da população até que se tenha uma resposta acerca da culpabilidade do autor do crime, e durante o lapso temporal entre o fato e essa resposta, a mídia continua por divulgar notícias do processo, lucrando em todas as fases, visto que a população não esquecerá o fato e continuará acompanhando as reportagens em busca da resposta final. Ocorre, que essa divulgação incansável por parte da mídia em todas as fases do processo é totalmente prejudicial ao acusado, visto que a mídia acaba por influenciar os jurados com suas notícias sensacionalistas que só visam o lucro e não a verdade dos fatos, e uma maneira de afastar essa interferência é suspendendo o processo, visto que se o processo for suspenso, a mídia ficará sem informações para prestar a sociedade, fazendo com que o caso seja armazenado na memória de curto prazo, e facilmente seja substituído por outro caso. Afastando, dessa forma, a massificação das informações a respeito do caso, estando mais próximo da imparcialidade dos jurados.

Outra opção é a transferência do julgamento de lugar, cujo termo técnico é desaforamento, previsto no Art. 427 do Código de Processo Penal, cujo texto diz:

Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

O desaforamento trata-se de medida excepcional, pois traz uma alteração na competência territorial, visto que há o deslocamento do julgamento para outra comarca da mesma região. O Art. 427 do Código de Processo Penal menciona as hipóteses em que é cabível o desaforamento, quais sejam: a) Interesse da ordem pública; b) Dúvida sobre a imparcialidade do júri; c) Segurança pessoal do acusado. Além das hipóteses do art. 427 do Código de Processo Penal, há também a hipótese do Art. 428 do mesmo código, que prevê a possibilidade de desaforamento quando houver excesso de serviço.

Cumpre salientar, que a alteração da competência pelo desaforamento, que é uma medida excepcional, nas hipóteses previstas em lei, não ofende o princípio do juiz natural.

A hipótese de desaforamento por interesse da ordem pública, visa resguardar o julgamento de pressão externa, a fim de que seja justo.

Quando o crime tem grande repercussão na mídia, existe dúvida a respeito da imparcialidade dos jurados, visto que, a mídia age de maneira sensacionalista, divulgando todas as informações acerca do fato, e proferindo um julgamento antecipado, fazendo com que os jurados antes mesmo do julgamento já tenham sua convicção formada acerca do fato criminoso.

 Pelo fato do desaforamento ser medida excepcional, conforme mencionado acima, para que seja possível, é necessário que no pedido seja comprovado o risco de imparcialidade do júri, devendo existir provas concretas.

A terceira hipótese, a respeito da segurança pessoal do acusado, visa garantir a preservação da integridade física do acusado, afastando o risco de linchamento e represálias.

A partir do trânsito em julgado da decisão de pronúncia conta-se o prazo de 6 meses, que é o período em que o julgamento deve ser realizado. Se nesse prazo não houver o julgamento, por excesso de serviço na vara do tribunal do júri, pode ser requerido o desaforamento. Dessa forma, o desaforamento passa a funcionar, também, como um controle do tempo, garantindo, assim, um prazo razoável ao processo.

Acontece que em alguns casos criminosos o desaforamento nem sempre é suficiente, pois quando a repercussão alcança o nível nacional, mesmo que mude a localidade do julgamento, ainda haverá dúvidas quanto à imparcialidade dos jurados, um exemplo disso é o caso do Goleiro Bruno e da menina Isabella Nardoni, onde, independente da comarca de julgamento, em qualquer lugar do país, estariam condenados.

Assim, podemos entender que quando se trata de crime com grande repercussão nacional, o desaforamento não é uma medida eficaz, para preservar pela imparcialidade dos jurados.

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Sobre a autora
Marcela Freire

Graduada em Direito pelo Centro Universitário Augusto Motta (2017). Pós Graduanda em Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes (2018). Detém prática em manejo de processos físicos e eletrônicos (PROJUDI, E-DOC, PJE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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