Dentre as muitas cláusulas que ultimamente se fazem presentes em CPR´s, uma delas chama a atenção pelo fato de estabelecer que o emitente se sujeita ao pagamento de juros de mora, caso atrase a entrega do produto rural prometido no título.
Cláusulas desta ordem normalmente trazem uma taxa de juros bastante elevada cujo índice, ao ser aplicado pelo credor, aumenta em muito a obrigação do devedor.
É estranho que isto venha acontecendo com frequência, pois juridicamente falando, conforme adiante se observa, a incidência desta penalidade, em razão da natureza jurídica da obrigação presente na Cédula, não é admitida.
Como é sabido, ao assinar uma CPR o emitente se obriga a entregar determinada quantidade de produto rural ao credor nas condições ali estipuladas, o que quer dizer que o título não impõe ao seu emitente obrigação de pagar certa quantia em dinheiro ao credor.
Tanto isto é verdadeiro que a própria Lei que criou o título – Lei 8929/94 – prevê em seu artigo 15 que sua cobrança se faz pelo procedimento da entrega de coisa incerta e não de pagamento de quantia certa, dispositivo que mereceu atenção em nossa obra COMENTÁRIOS À LEI DA CÉDULA DE PRODUTO RURAL (CPR), 5ª edição, editora Juruá/PR.
Assim, como a natureza jurídica da obrigação constante da Cédula é entregar produto rural, a teor do contido no artigo 407 do Código Civil a cláusula que estipula a incidência de juros de mora não tem amparo legal suficiente para obrigar o emitente ao seu cumprimento.
Diz o citado artigo do Código Civil que os juros de mora têm sua incidência assegurada, seja por força de sentença judicial, seja de arbitramento ou mesmo de acordo entre as partes, desde que a dívida tenha que ser paga em dinheiro.
Portanto, como a CPR configura um título que apresenta não uma obrigação de pagar dívida em dinheiro, mas sim de entregar certa quantidade de produto rural, a cláusula de juros de mora nela figurante não pode ser aplicada.
Com efeito, é sabido que juros são taxas aplicadas como fator de remuneração de capital, dentro ou fora do período de normalidade do contrato, e não como fator de “remuneração” de objeto.
Sendo assim, o emitente da CPR poderá, em medida judicial própria ou, se o caso, dentro da defesa que apresentar na ação proposta pelo credor, combater o afastamento da referida estipulação.
E para os devedores que já pagaram o título com a majoração da obrigação com as taxas moratórias, conforme o caso, é possível propor medida judicial para compelir o credor a devolver a importância que recebeu com base na aplicação de referida cláusula.
Salvo melhor juízo, dentre outros, este é um dos fundamentos que leva a assertiva de que na CPR NÃO PODE HAVER COBRANÇA DE JUROS DE MORA.
Lutero de Paiva Pereira
Advogado sênior da banca Lutero Pereira & Bornelli ([email protected]). Pós-graduado em Direito Agrofinanceiro. Autor de 18 livros publicadas na área de Direito do Agronegócio. Coordenador de cursos online no site Agroacademia (www.agroacademia.com.br). Membro do Comitê Europeu de Direito Rural (CEDR) e Membro Honorário do Comitê Americano de Direito Agrário (CADA).