Com a edição da Lei Maria da Penha, foram criadas em nosso ordenamento jurídico as Medidas Protetivas de Urgência, concedidas pelo juízo competente, sem a necessidade de prévia oitiva da parte requerida.
Desde que a Lei tornou-se vigente, iniciou-se uma discussão acerca das consequências práticas do descumprimento da ordem judicial que concedeu as protetivas. A própria Lei Maria da Penha alterou o Código de Processo Penal, a fim de acrescentar uma hipótese de decretação de prisão preventiva, em seu art. 313, III, como forma de garantir a execução das medidas concedidas.
Diante da possibilidade de ser decretada a prisão preventiva, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que o descumprimento da ordem que deferiu as medidas protetivas não configura o crime de desobediência, previsto no art.330 do Código Penal. A título exemplificativo, segue julgado da Corte Cidadã:
PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. ATIPICIDADE. DESCUMPRIMENTO QUE ENSEJA OUTRAS MEDIDAS ESPECÍFICAS OU DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.
Na linha da pacificada jurisprudência desta Corte, não configura crime de desobediência o descumprimento de medida protetiva de urgência, haja vista a previsão de imposição de outras medidas civis e administrativas, bem como a possibilidade de decretação de prisão preventiva, conforme o disposto no art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal (precedentes). Recurso ordinário em habeas corpus provido, para trancar a ação penal instaurada contra o ora recorrente pelo crime de desobediência.
RHC 63535 SP 2015/0220071-5; T5 - QUINTA TURMA; DJe 08/04/2016; Relator: Ministro FELIX FISCHER
Recentemente, em 03 de abril de 2018, foi promulgada a Lei nº 13.641, que acrescentou o art. 24-A na Lei Maria da Penha, criminalizando expressamente a conduta de descumprir medidas protetivas, nos seguintes termos: “Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos”.
Com a alteração legislativa operada, torna-se superado o entendimento do STJ, pois o artigo acrescido, em seu § 3º, deixa claro que o ali disposto não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis (prisão preventiva ou alguma das cautelares do art. 319 do CPP).
Prevê ainda que, caso ocorra a prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança, de acordo com o art. 24-A, § 2º.
O problema que a novidade trouxe foi o de saber de quem será a competência de se apurar o crime. Será do juiz que concedeu a ordem ou de outrem? E se for do juiz que concedeu a ordem, sendo essa ordem deferida pelo juízo cível, como deixa bem claro o art. 24-A, §1º, será o crime julgado em uma Vara Cível?
Outra questão que se apresenta é a de saber qual o rito do julgamento de referido crime. O art.5º da Lei 11.340 define que configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Pois bem, uma interpretação restrita da novidade legislativa, cabível por estarmos tratando de um crime, leva à conclusão de que o sujeito passivo imediato é o Estado-Juiz que se depara com o descumprimento de uma ordem judicial por ele emanada. Sendo assim e considerando a pena máxima de 2 anos de detenção seria possível a aplicação da Lei 9.099/95, já que não há de se falar em crime cometido em face da vítima - notadamente quando ela própria não toma conhecimento desse descumprimento - não havendo o fator de gênero.
Essas dúvidas e questões só serão melhor esclarecidas pelos Tribunais Superiores quando se depararem com a matéria. A nós, Operadores do Direito, cabe pôr em prática os ditames da nova Lei, apesar das dúvidas e questionamentos apontados.