Capa da publicação A proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos no ECA
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Proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescentes

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Conclusão

Em se tratando de crianças e adolescentes, compete à Justiça da Infância e da Juventude a apreciação da violação de direitos individuais, assim como dos direitos coletivos e difusos. Ademais, é da competência desses órgãos jurisdicionais o exercício do controle de entidades de atendimento por meio de fiscalização e aplicação das medidas cabíveis às instituições que infrinjam preceitos garantidores de direitos das crianças e dos adolescentes.

Por interesses coletivos deve-se entender aqueles que se referem a um determinado número de pessoas, ligadas por um mesmo vínculo jurídico. No caso dos interesses coletivos e difusos das crianças e adolescentes, a legitimidade ativa para o procedimento judicial é concorrente entre o Ministério Público e as pessoas da União, Estados, Distrito Federal e Territórios, além das associações legalmente constituídas há pelo menos um ano que tenham em seus objetivos a defesa dos interesses protegidos pelo ECA.

No caso dos órgãos legitimados para a propositura de ação coletiva em defesa dos interesses dos menores, a tutela pode ocorrer, inicialmente, em uma fase pré-processual, consistente na instauração de um procedimento administrativo de finalidade investigatória e instrutória, que, no âmbito do Ministério Público, recebe o nome Inquérito Civil Público. Diversos instrumentos de controle são passíveis de utilização nesse contexto, a exemplo da Recomendação e, com especial destaque, do Termo de Ajustamento de Conduta, este último com previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que somente pode ser tomado por órgãos públicos, é um título executivo extrajudicial, no qual o investigado se compromete a cessar imediatamente a causa do dano, ou em fixar algumas condições e prazos para cessar tal causa.

A ação civil pública também é instrumento passível de utilizaçao para a tutela dos interesses difusos e coletivos dos infantes. Trata-se de medida expressamente prevista na Constituição, que é uma das mais relevantes funções institucionais do Ministério Público. A disciplina legal desse instrumento de proteção aos interesses coletivos e difusos é estabelecida na Lei n.º 7.347/85. Originalmente, este tipo de ação possuía um campo de aplicação bem restrito, em que abrangia apenas alguns poucos interesses enumerados no texto legal. No entanto, posteriormente, a legislação ampliou tal proteção constitucional, permitindo que sejam tutelados por meio de ação civil pública: a) os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos relativos ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio artístico, histórico, estético, paisagístico e turístico; e, b) outros interesses difusos e coletivos.

Além da ação civil pública, são admissíveis quaisquer outras formas de procedimento judicial para a defesa dos interesses das crianças e dos adolescentes. Consoante as regras previstas no ECA, nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela de forma a efetivamente conseguir o adimplemento da obrigação. Isso pode ser feito deferindo-se a tutela específica ou por meio de providências que assegurem o resultado prático equivalente. Os valores advindos das multas e demais condenações reverterão para um fundo que deve ser instituido e gerido pelo Conselho dos Direitos das Criança e do Adoslecente de cada município, o qual aplicará os valores auferidos nas políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes no âmbito da municipalidade.

Transitada em julgado da sentença condenatória em face do Poder Público nas ações que visam a proteger o interesse das crianças e dos adolescentes, deve o magistrado remeter peças do procedimento à autoridade competente, para apuração da responsabilidade civil e administrativa do agente. Aquele que desrespeitar os direitos que lhe são concernentes pode sofrer sanções na esfera civil, administrativa e penal. A responsabilização civil do agente público que infringe direitos dos menores, assim como a penal, é uma das esferas de atuação do Ministério Público, que deverá agir para apurá-la. Já a responsabilidade administrativa será apurada pela autoridade superior hierarquicamente, podendo importar em diversas sanções, dentre elas a perda do cargo público.

No caso de sentença condenatória obtida por uma das associações legalmente constituídas há pelo menos um ano, e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo Estatuto, caso não promovida a execução no prazo de 60 (sessenta) dias, deve o Ministério Público fazê-lo.

Sem dúvida, o Ministério Público foi contemplado pela legislação com amplos poderes, que devem ser exercidos, sempre, como objetivo de assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes. Trata-se de instituição permanente e essencial à justiça, à qual incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, bem como dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

No processo judicial que tramita no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude, aplicam-se subsidiariamente as disposições da Lei da Ação Civil Pública. Essa lei abriu caminho para a defesa de alguns interesses difusos e provocou uma verdadeira modernização na ordem jurídica nacional. O processo deixou de ser visto como mero instrumento de defesa de interesses individuais, passando a servir como importante mecanismo de interesses de diferente perfil.

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Incumbe ao jurista, ao interpretar o Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive no que pertine às disposições de ordem processual, objeto deste estudo, levar em conta os fins sociais a que esse diploma se dirige, a saber, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e, sobretudo, a proteção integral e o respeito a condição peculiar da criança e do adolescentes de pessoas em desenvolvimento, as quais precisam da proteção conjunta da família, do Estado e da sociedade.


Referências

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Sobre a autora
Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva Lima

Advogada inscrita na OAB/PE. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE), Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Maceió/AL. Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Erika Cordeiro Albuquerque Santos Silva. Proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5587, 18 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65267. Acesso em: 24 abr. 2024.

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