Quando se acosta um voto jurídico de acordo com o sentimento social, faz-se eco ao direito penal absoluto. Absoluto é quem tem o poder de não retroceder, mesmo que a decisão tenha interposto ou seja superveniente a um grave retrocesso.
Entenda-se, ainda, por “absoluto” o direito penal que não admite retroceder, mesmo em face de grave erro, porque se desterritorializou a soberania da Política, movendo-a para o interior do direito.
Sob este condão, o jurídico invoca a soberania ou a repercute em sua intimidade (subjetividade), como suposta objetividade e à qual não cabem superlativos. Não há o mais poderoso. No popular, “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
Nesta modalidade de poder/retrocesso, o que é referência do poder político (soberania) acaba mitigado como “autorização” para quem segue a lei por-si-mesmo. E não importa se o “chamado” veio de uma parcela do povo (diminuta ou majoritária, tanto faz a indicação partidária), se é de revelação divina ou se faz eco aos sistemas de Ibope. O que importa é que um poder superior lhe dá um comando político, como ordem jurídica de fazer e assim deve ser feito.
Portanto, obviamente, não há freios e contrapesos a dirigir a ação de quem interpreta a lei deste modo: “por-si-mesmo”. Na prática, o sujeito “por-si-mesmo” decide abdicar de sua autonomia e, combalido pela inércia de seguir a outrem, não se apequena, porque tudo é pequeno debaixo de “quem-manda-em-si-não-sendo-ele-mesmo”. Abaixo seria prescrito por ordem administrativa; debaixo está o indivíduo diante da ordem de quem tem poder de fato.
Nesta filosofia jurídica do estranhamento, quem faz eco abdica da isegoria (dizer-por-si) e da isonomia: uma voz manda e eu sigo. Afinal, ecoa em mim o sentimento social propalado por divindade, pela voz rouca das ruas (que não ouço, porque não saio sequer para ir à padaria) ou pelo teleprompter da mídia oficial.
Também na prática, ressoa em eco a quem apenas e tão-somente lhe dá uma, duas, incontáveis ordens supremas a cumprir. Quem manda uma vez e é obedecido, acaba por mandar sempre: isso ocorre com as crianças. Entre nós, o ator institucional a modificar a relação direito/política foi um general. O destinatário, ecoando a ordem manu militari, foi o Ministro Barroso.
Ao menos, foi quem melhor clarificou o chamado “argumento Ibope” (sentimento social) – e sobre o qual não se prestam princípios. Desta forma, ao final, inaugura-se na era pós-moderna da Ditadura Inconstitucional o denominado “Direito em Continência”. Se no Estado-Juiz bate-se continência à lei, aqui bate-se continência ao comando militar; posto que este, doravante, será o único legitimado intérprete da Constituição.
Além de o Ibope ser incerto e não seguro, movido por graves distorções técnicas e de “pano-de-fundo”, no caso específico brasileiro temos a matemática Fla-Flu, pois estamos divididos exatamente em dois paralelos (pró e contra) e por isso a alegada legitimidade social é apenas ilusória, passageira, exatamente, como eco da metade menos numerosa da população, a seguir as medições eleitorais do mesmo instituto de pesquisa.
Na mesma esteira, em eco ao suposto sentimento nacional (Direito Ibope), assim refletia sobejamente o Código Penal alemão (art. 2º), sob o nazismo: “Delito é tudo o que fere o são sentimento da nação ariana” . Então, por óbvio, delito é votar em incontinência ao Direito Ibope. O general, por certo, é referência desse sentimento nacional. Daí seguir-se seu voto na mais alta corte nacional.
Para não haver dúvidas do que aqui assenta, trata-se de um retrato da escalada de violência que se afigura. Mesmo que os militares estejam na caserna (nas ruas do Rio de Janeiro?), hoje estamos em estado de ditadura manu militari, ultrapassando, portanto, o estágio de Estado de Exceção Permanente, visto que este cabe na Constituição.
Depois do voto da ministra Rosa Weber – que pensa de um modo, mas vota de outro, porque outros assim o querem –, e da hermenêutica do Ministro Barroso (Direito Ibope), integramo-nos à ordem jurídica do Código Penal Militar.
Estamos sob o júdice do Estado de Direito verde oliva. Não se trata mais, portanto, da “ditadura constitucional” prevista pelo jurista alemão Carl Schmitt, como obra de sustentação da legitimidade nazista.