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Os direitos e garantias fundamentais alcançados pela razoável duração do processo.

Desjudicialização das relações jurídicas

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30/06/2018 às 08:40
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3 razoável duração do processo

3.1 O que se entende por princípio

Etimologicamente, princípio vem do latim principiu, que significa, o que toma (capere) o primeiro (primu) lugar. Significa o ato de principiar; o momento em que uma coisa tem origem; começo, início, preceito, regra, proposição; o ponto de partida de um processo qualquer, causa primária; a fonte primária ou básica de matéria ou energia.

Segundo o Dicionário Básico de Filosofia27, princípio é uma “Lei geral que explica o funcionamento da natureza, e da qual leis mais específicas podem ser consideradas casos particulares”, são “Leis universais do pensamento, que constituem os fundamentos da própria racionalidade, e que permitem a estruturação do raciocínio lógico”, “Causas primeiras, fundamentos do conhecimento; citando Descartes, "é preciso começar pela busca dessas causas primeiras, isto é, dos princípios; e estes princípios devem ter duas condições; uma, que sejam tão claros e evidentes que o espírito humano não possa duvidar de sua validade ...; a outra, que seja deles que dependa o conhecimento das outras coisas, de sorte que possam ser conhecidos sem elas, mas não reciprocamente elas sem eles" (Princípios da filosofia, prefácio). Ainda, “Preceito moral, norma de ação que determina a conduta humana e à qual um indivíduo deve obedecer quaisquer que sejam as circunstâncias.

Em tudo na vida, inclusive no direito, tornam-se fundamentais os princípios, pois eles dão origem e vitalidade às instituições. Dessa forma, distinguiremos estritamente como o princípio jurídico se constitui um elemento primigênio na conjuntura de um sistema jurídico.

3.2 Princípios jurídicos

A suplantação do jusnaturalismo e a decadência do positivismo foram essenciais para a construção de novas reflexões acerca do Direito, de sua função social, bem como de sua interpretação. Surge então, idealmente, o pós-positivismo preocupado com a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, estruturada a partir da dignidade humana. Nesse aspecto, os princípios passam a ser valorizados e introduzidos pelos textos constitucionais, promovendo uma reaproximação entre Direito e Ética.

Assim, para o entendimento do direito moderno e contemporâneo, existem algumas formas de pensamento que consideram, cada uma de forma diversa e específica, o que significa o direito e como este se originou. Contudo, remoto a essas discussões jusfilosóficas, a sociedade, tanto moralmente, quanto juridicamente, sempre instituiu princípios que a regeram, quer implicitamente ou expressamente expostos, desse modo, os princípios fazem parte de qualquer sociedade, por mais ou menos organizada que seja, sob quaisquer pontos de vista que se trate.

Desse modo, no decorrer do tempo em que as relações sociais se tornam complexas, é evidente que se torne necessário a existência de fundamentos que as sustentem e que até mesmo se conformem às necessidades apresentadas.

Em uma perspectiva jurídica do termo, os princípios são entendidos como o alicerce do ordenamento jurídico. São as noções substanciais e anunciadoras de qualquer estrutura jurídica. Vidigal28 faz uma inteligível explanação acerca do princípio jurídico:

Por se tratar de norma, um principio jurídico tem caráter imperativo. Ele é imposto. Ou se aceita, ou não. Não há como se perguntar se é verdadeiro ou falso. Ele não é uma afirmação, é simplesmente um comando. Um princípio jurídico não é um “ser”, é um “dever ser”, e como tal, não cabe o questionamento a respeito de sua veracidade. Os princípios jurídicos são “imposições” que devem ser seguidas e, como tais, não estão sujeitas a juízo de valor de verdade. Os princípios jurídicos, em si, são vazios de justificação, são apenas enunciados normativos que sintetizam um determinado conteúdo jurídico. (...) Por outro lado, não seria necessário entrar no mérito acima tratado para perceber que os princípios jurídicos, pelo simples fato de serem jurídicos, procedem logicamente de um ordenamento jurídico, seja ele qual for. Se não tivessem, de alguma forma, uma ordem jurídica como referencia, não seriam jurídicos, pois a juridicidade e qualidade atribuída pelo ordenamento jurídico. Ou seja, eles existem em um momento lógico posterior a positivação das normas, evento que as torna jurídicas. Já os princípios filosóficos precedem (logicamente) qualquer ordenamento jurídico, isto e, existem em um momento lógico anterior a positivação das normas jurídicas. Tais princípios servem de fundamentação teórica, tanto para cada lei em particular, quanto para o ordenamento jurídico como um todo, visto como sistema jurídico. Como se pode perceber, os princípios jurídicos servem de meios para a interpretação do ordenamento jurídico e aplicação do Direito de forma a se garantir efetividade aos valores aceitos pela sociedade e materializados na forma de lei. Eles efetuam a ponte entre os princípios filosóficos – valorados em suas razões e adotados pela sociedade – e a efetivação dos mesmos por intermédio do Direito. Enquanto os princípios jurídicos regram a aplicação do Direito por meio de comandos, os princípios filosóficos os fundam, ou seja, criam o arcabouço teórico que, avaliado e legitimado pela sociedade, dará legitimidade e validade ao ordenamento jurídico”.

Em vista disso, se os princípios jurídicos fazem parte do centro do sistema, adquirem, portanto, o status de norma jurídica e não apenas de significação axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. Deste modo, tais princípios têm maior teor de abstração e recaem sobre uma multiplicidade de circunstâncias.

Nessa construção conceitual, apesar da abrangência do termo, é relevante destacar a docência de Bonavides29, que ao mencionar Ricardo Guastini apresenta seis distintos conceitos de princípios jurídicos, em uma descrição quase plena acerca do vocábulo:

Em primeiro lugar, o vocábulo “princípio”, diz textualmente aquele jurista, se refere a normas (ou a disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de generalidade.

Em segundo lugar, prossegue Guastini, os juristas usam o vocábulo “principio” para referir-se a normas (ou a disposições que exprimem normas) providas de um alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização por via interpretativa, sem a qual nao seriam suscetíveis de aplicação a casos concretos.

Em terceiro lugar, afirma ainda o mesmo autor, os juristas empregam a palavra “principio” para referir-se a normas (ou disposições normativas) de caráter “programático”.

Em quarto lugar, continua aquele pensador, o uso que os juristas às vezes fazem do termo “principio” e para referir-se a normas (ou a dispositivos que exprimem normas) cuja posição na hierarquia das fontes de Direito e muito elevada.

Em quinto lugar - novamente Guastini - “os juristas usam o vocábulo principio para designar normas (ou disposições normativas) que desempenham uma função ‘importante’ e ‘fundamental’ no sistema jurídico ou político unitariamente considerado, ou num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigações)”.

Em sexto lugar, finalmente, elucida Guastini, os juristas se valem da expressão “principio” para designar normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas aos órgãos de aplicação, cuja especifica função e fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos.

Os princípios jurídicos “quando são aplicáveis não obrigam uma decisão, mas apontam para, ou contam a favor de uma decisão, ou afirmam uma razão que pode ser afastada, mas que os tribunais levam em conta enquanto fator de inclinação num ou outro sentido.” 30

Os princípios jurídicos são ainda “os elementos que expressam os fins que devem ser perseguidos pelo Estado (em sua acepção mais ampla), vinculando a todos os entes e valendo como um impositivo para o presente e como um projeto para o futuro que se renova cotidianamente, constituindo-se numa eterna construção da humanidade.” 31

Nessa breve abordagem, não poderia faltar a clássica acepção de princípio jurídico feita por Celso Antonio Bandeira de Mello32:

Principio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.

Dessa forma, os princípios jurídicos carregam, normalmente, um alto peso valorativo, um fundamento ético ou uma decisão política relevante, indicando uma determinada direção a seguir. O princípio jurídico orienta toda a estruturação normativa de um ordenamento, constituindo as proposições primárias do direito, pois estão relacionados àqueles valores essenciais da sociedade, que exprimem o que foi por ela adotada como senso de justiça.

3.3 Princípios gerais do Direito Constitucional

Para uma compreensão acerca das bases principiológicas do Direito Constitucional, convém em síntese mencionar como se constituem e quais são os princípios integrais no qual se amoldam os demais princípios de ordem constitucional.

Os princípios gerais compõem as teorias gerais do Direito Constitucional, pois abrangem objetos, relações, conceitos e princípios gerais.

Muito embora cada constituição possua sua peculiaridade, pois se formam a partir de diversos aspectos históricos, culturais e sociais, todas conservam um sentido comum quando envolvem, por exemplo, questões universais como a preservação dos direitos humanos.

Nessa estrutura, integram os princípios gerais do Direito Constitucional, a classificação das constituições, o princípio da rigidez constitucional, o da supremacia da constituição, os referentes ao poder constituinte e ao poder de reforma constitucional, entre outros que são temas do chamado Direito Constitucional geral.

3.4 Princípios constitucionais

As concepções de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel primordial na composição de uma Constituição, haja vista ser esta formada por valores jurídicos suprapositivos.

Antes de tudo, convém destacar que os princípios constitucionais não se assemelham, portanto não podem ser confundidos com os princípios gerais do Direito, tendo em vista que estes suprem uma eventual lacuna deixada pelo legislador. Basta ver a valiosa lição de Alexandre Freitas Câmara33 nesse sentido:

É preciso, antes de tudo, deixar claro que não coincidem exatamente os conceitos de “princípios gerais do Direito” e de “princípios constitucionais”. Basta ver o seguinte: estabelece o art. 126 do CPC que, diante de uma lacuna da lei, devera o juiz se valer da analogia. Não havendo norma que possa ser aplicada analogicamente, o julgador se valera dos costumes e, por fim, não havendo costume que se aplique ao caso, será a decisão baseada nos princípios gerais do Direito. Ora, a se aceitar a ideia de que esses princípios gerais são os princípios constitucionais, ter-se-ia de admitir que os princípios constitucionais são aplicados em ultimo lugar, depois da lei e das demais fontes de integração de suas lacunas. Isto, porém, não corresponde à verdade. Os princípios constitucionais devem ser aplicados em primeiro lugar (e não em último), o que decorre da supremacia das normas constitucionais sobre as demais normas jurídicas.

Os princípios constitucionais estabelecem diretrizes ao legislador, ao julgador, ao administrador, aos administrados, aos particulares e a todos que estejam direta ou indiretamente envolvidos na estrutura do Estado, vinculando a interpretação do direito à luz dos valores e ideais refletidos propriamente por eles, uma vez que, integrando o cerne do sistema jurídico, representam os direitos do homem e os grandes princípios de justiça.

Nesse sentido, destaca Luis Roberto Barroso34:

Os princípios - notadamente os princípios constitucionais - são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico. De lá irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a leitura moral do Direito

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Por uma compreensão sui generis da acomodação dos princípios constitucionais, Walter Claudius Rothenburg, citando Romeu Felipe Bacellar Filho destaca a visão desse autor no sentido de que “os princípios constitucionais não são os princípios gerais do Direito, mas princípios fundamentais do Estado de Direito”35 Assim, os princípios em destaque tem a sua singularidade por envolverem preceitos ligados à percepção de valores intrínsecos, diria mais ainda, não simplesmente do Estado de Direito, mas a um Estado democrático de Direito.

Evoluindo a respeito da temática, o exímio jurista Bonavides aborda o processo de constitucionalização dos princípios em duas fases distintas: a fase programática e a fase não programática. Na primeira, enfatiza que a normatividade constitucional dos princípios é mínima, uma vez que “pairam ainda numa região abstrata e têm aplicabilidade diferida”.36 Na segunda, a normatividade constitucional dos princípios é máxima, pois “ocupam um espaço onde releva de imediato a sua dimensão objetiva e concretizadora, a positividade de sua aplicação direta e imediata”.37

Em outros termos, os princípios passam de um momento unicamente subjetivo e idealizador, como fonte subsidiária do Direito, para um momento objetivo, ao centro do sistema jurídico, com realizações que se concretizam sem delongas e divagações, pois com sua flexibilidade atingem de forma direta seus objetivos, realizando a justiça.

Sob um aspecto material, para uma melhor visualização didática, Barroso classifica os princípios constitucionais em fundamentais, gerais e setoriais38. Desse modo, explica:

[...] Os princípios constitucionais fundamentais expressam as decisões políticas mais importantes - Estado democrático de direito, dignidade da pessoa humana - e são os de maior grau de abstração. Os princípios constitucionais gerais são pressupostos ou especificações dessas decisões - isonomia, legalidade, tendo maior densidade jurídica e aplicabilidade concreta. E, por fim, os princípios constitucionais setoriais regem determinados subsistemas abrigados na Constituição, consubstanciando normas como a livre concorrência ou a moralidade da Administração Pública. (grifo nosso)

Outrossim, respaldando-se em Canotilho, José Afonso da Silva, classifica os princípios constitucionais em duas categorias: princípios político-constitucionais e princípios jurídico-constitucionais. Nesse sentido expõe:

Princípios político-constitucionais — Constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo, e são, segundo Crisafulli, normas-princípio, isto é, "normas fundamentais de que derivam logicamente (e em que, portanto, já se manifestam implicitamente) as normas particulares regulando imediatamente relações específicas da vida social". Manifestam-se como princípios constitucionais fundamentais, positivados em normas-princípio que "traduzem as opções políticas fundamentais conformadoras da Constituição", segundo Gomes Canotilho, ou, de outro quadrante, são decisões políticas fundamentais sobre a particular forma de existência política da nação, na concepção de Carl Schmitt.11 São esses princípios fundamentais que constituem a matéria dos arts. 1º a 4º do Título I da Constituição [...]

Princípios jurídico-constitucionais — São princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais, como o princípio da supremacia da constituição e o conseqüente princípio da constitucionalidade, o princípio da legalidade, o princípio da isonomia, o princípio da autonomia individual, decorrente da declaração dos direitos, o da proteção social dos trabalhadores, fluinte de declaração dos direitos sociais, o da proteção da família, do ensino e da cultura, o da independência da magistratura, o da autonomia municipal, os da organização e representação partidária, e os chamados princípiosgarantias (o do nullum crimen sine lege e da nulla poena sine lege, o do devido processo legal, o do juiz natural, o do contraditório entre outros, que figuram nos incs. XXXVIII a LX do art. 59) [...].39

Como visto, é notória a força vinculativa que os princípios constitucionais exercem sobre toda a estrutura estatal, tanto submetendo normas, quanto submetendo decisões, no sentido de interpretar, integrar ou de aplicar a lei, representando o ponto de partida de qualquer atividade judicante. Os aludidos princípios devem ser necessariamente e obrigatoriamente observados em qualquer circunstância, sob pena de caracterização de vício de inconstitucionalidade. Primordialmente, devem permear a atividade do legislador e a execução das atividades de todos os entes da administração do Estado.

3.5 Princípios constitucionais na Constituição de 1988

Os princípios constitucionais formam o alicerce da Magna Carta Brasileira, uma vez que sedimentam todo o ideal garantidor e humanista associados a um Estado Constitucional Democrático. José Afonso da Silva40 enumera da seguinte forma os princípios constitucionais embutidos na Lei Maior:

A análise dos princípios fundamentais da Constituição de 1988 nos leva à seguinte discriminação:

(a) princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º);

(b) princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes: República e separação dos poderes (arts. 1º e 2º);

(c) princípios relativos à organização da sociedade: princípio da livre organização social, princípio de convivência justa e princípio da solidariedade (art. 3º, I);

(d) princípios relativos ao regime político: princípio da cidadania, princípio da dignidade da pessoa, princípio do pluralismo, princípio da soberania popular, princípio da representação política e princípio da participação popular direta (art. 1º, parágrafo único);

(e) princípios relativos à prestação positiva do Estado: princípio da independência e do desenvolvimento nacional (art. 3º, II), princípio da justiça social (art. 3º, III) e princípio da não discriminação (art. 3º, IV);

(f) princípios relativos à comunidade internacional: da independência nacional, do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, da autodeteminação dos povos, da não-intervenção, da igualdade dos Estados,da solução pacífica dos conflitos e da defesa da paz, do repúdio ao terrorismo e ao racismo, da cooperação entre os povos e o da integração da América Latina (art. 4º).

Dessa forma, os princípios constitucionais expressos no Texto Maior contemplam a existência de valores referentes às garantias e direitos fundamentais que cada cidadão dispõe, alargando os direitos dos indivíduos e permitindo sua proteção integral em vários níveis. Assim, a Constituição de 1988 desfruta a notoriedade de ser cidadã, por refletir a democracia em sua essência.

3.6 A Razoável Duração do Processo como princípio constitucional

Com esse breve entendimento acerca dos princípios jurídicos e estreitamente aos princípios constitucionais, nos firmaremos acerca do princípio de nosso interesse, o da Razoável Duração do Processo, destacando os aspectos essenciais de seu desdobramento e instrumentalidade.

3.6.1 A dignidade humana como fonte jurídico-positiva

A constitucionalização da razoável duração do processo e da celeridade processual está intimamente ligada à adoção da dignidade da pessoa humana como direito fundamental, haja vista que esse princípio cumpre relevante papel no sistema constitucional.

O propósito do princípio da dignidade da pessoa humana torna-se evidente em toda a conjuntura principiológica do ordenamento jurídico brasileiro, traduzindo-se como fonte jurídico-positiva primordial na declaração e efetivação dos direitos fundamentais, dando unidade e coerência a todo o conjunto desses direitos.

O que torna os seres humanos iguais são as suas características de existência. Liberdade e razão é o que aproxima os humanos, não obstante as suas diferenças de sexo, religião ou cultura.

A dignidade do homem é fundamentada na ideia de que todo homem é um fim em si mesmo, por natureza de sua própria condição, que o define. O fato de ser pessoa é um fato extremamente fundamental, de relevância e de sentido para a própria essência do Direito. Para haver dignidade da pessoa humana, é relevante que o indivíduo se sinta autorrealizado dentro da coletividade.

Desse modo, dignidade da pessoa humana tem um viés jurídico capaz de alcançar todos os demais direitos fundamentais, pois o cidadão não vive em função do Estado; de modo contrário, o Estado vive em função do individuo para proporcioná-lo as melhores condições humanas, como ser humano que é.

Desta feita, a harmonia do Direito com a dignidade da pessoa humana, estabelece a plenitude da concretização dos demais direitos alcançados pelo homem, pois o principio da dignidade da pessoa humana engloba todo o ordenamento jurídico pátrio, apresentando-se como fundamento da República Federativa do Brasil. Todo o Direito brasileiro existe e é voltado para a concretização da realização dos indivíduos enquanto pessoa.

3.6.2 Duração razoável do processo como extensão do devido processo legal

Podemos destacar que o princípio da duração razoável do processo se constitui como uma dimensão, um desdobramento decorrente da garantia constitucional do devido processo legal (artigo 5º, incisos LIV e LV da Carta Magna), bastando “a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécies”.41

O devido processo legal é um direito fundamental que orienta todas as decisões judiciais, de modo que estas devem ser proferidas de maneira formal, regular, razoável e corretas. Os eminentes autores Ada Pellegrini, Cândido Rangel Dinamarco e Carlos Araújo Cintra42 explanam nesse sentido:

O conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas, que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.

Não se poderia pensar em razoabilidade de tempo do processo e de acesso à justiça se não houvesse garantia de validade, eficácia e integralidade na composição dos atos administrativos e judiciais, seguindo os trâmites previstos na lei. A correta ordem do processo levará ao progresso da justiça em sua plenitude. A devida observação do percurso legal na tentativa de se alcançar a conquista da justiça, representa um passo essencial para se garantir ou obter um direito devido.

Por meio da abrangência total dos direitos tutelados pelo Estado, é que, “genericamante, o princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade”43, no sentido de alcançar todos os bens protegidos pelo Estado em sua totalidade e amplitude. Nesse ponto de vista, Nelson Nery Junior44 considera suficiente o devido processo legal no texto constitucional, em comparação aos demais princípios ali esculpidos:

Bastaria a Constituição federal de 1988 ter enunciado o princípio do devido processo legal, e o caput e os incisos do art. 5º, em sua grande maioria, seriam absolutamente despiciendos. De todo modo, a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos da CF 5º, é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o Legislativo e o Judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações.

Por conseguinte, o devido processo legal é um mecanismo de preparo para a garantia de efetividade dos direitos fundamentais, nos dizeres de Humberto Theodoro Junior, uma vez que o atual Estado Democrático de Direito se assenta sobre os direitos fundamentais, que não apenas são reconhecidos e declarados, mas cuja realização se torna missão estatal, ao processo se reconhece o papel básico de instrumento de efetivação da própria ordem constitucional. Nesta função, o processo, mais do que garantia da efetividade dos direitos substanciais, apresenta-se como meio de concretizar, dialética e racionalmente, os preceitos e princípios constitucionais.45

O autor prossegue destacando que o devido processo legal, portanto, pressupõe não apenas a aplicação adequada do direito positivo, já que lhe toca, antes de tudo, realizar a vontade soberana das regras e dos princípios constitucionais. A regra infraconstitucional somente será aplicada se se mostrar fiel à Constituição. Do contrário, será recusada. E, mesmo quando a lide for resolvida mediante observância da lei comum, o seu sentido haverá de ser definido segundo a conformidade com a Constituição.46

O retromencionado autor conclui afirmando que o devido processo legal, no Estado Democrático de Direito, jamais poderá ser visto como simples procedimento desenvolvido em juízo. Seu papel é o de atuar sobre os mecanismos procedimentais de modo a preparar e proporcionar provimento jurisdicional compatível com a supremacia da Constituição e a garantia de efetividade dos direitos fundamentais.47

Portanto, o alcance de um processo justo, legal e conforme os preceitos da Constituição, deverá transitar substancialmente por um processo razoavelmente durável.

3.6.3 O Princípio da Duração Razoável do Processo

O Princípio da duração razoável do processo se encontra esculpido na Magna Carta em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45, promulgada em 08 de dezembro de 2004, na chamada Reforma Constitucional do Poder Judiciário. O aludido princípio declara:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.48

A chamada “Reforma do Poder Judiciário” trouxe de forma expressa ao ordenamento jurídico pátrio, no rol dos direitos fundamentais, a garantia da razoável duração do processo e da celeridade processual no texto da Constituição. Portanto, a localização da razoável duração do processo no texto constitucional torna cognoscível sua natureza jurídica de direito fundamental.

Muito embora o Princípio da Razoável Duração do Processo já esteja enquadrado no Princípio da Eficiência (artigo 37, caput do Texto de 1988), visando uma justiça célere e objetiva, além de qualificar-se como prerrogativa fundamental decorrente da garantia constitucional do ‘due process of law" (artigo 5º, incisos LIV e LV da Carta Magna), o constituinte acompanhou a disposição de outros diplomas internacionais que disciplinam prazo razoável para duração dos processos, como a Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 1959, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica, de 1969, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000 e outros ordenamentos, como a Constituição Italiana (artigo 111), a Constituição Portuguesa (artigo 20) e a Constituição Espanhola (artigo 24). Desta feita, o poder constituinte derivado procurou fortalecer a missão de consolidar e qualificar a prestação jurisdicional.

Por conseguinte, à medida que o processo evoluiu e o direito de acesso à justiça foi difundido, a garantia da razoável duração do processo progrediu para ser constituída como uma obrigação do Estado, sendo sincronicamente um dever estatal e um direito fundamental do jurisdicionado. Desse modo, a razoável duração do processo constitui uma biunidade, princípio e direito fundamental.

O aludido princípio, ante a sua natureza de direito fundamental, merece uma interpretação ampliativa, entendendo-se, como um princípio que alcança tanto o processo judicial (penal e civil), quanto o processo administrativo.

Conforme entendimento de Nelson Nery Junior, o princípio da duração razoável do processo possui dupla função porque, de um lado, respeita ao tempo do processo em sentido estrito, e, de outro, tem a ver com adoção de meios alternativos de solução de conflitos, de sorte a aliviar a carga de trabalho da justiça ordinária, o que contribui para abreviar a duração média do processo.49

Avançando na problemática, ideias como o processo de desjudicialização das relações sociais, estão ganhando força à medida que se massificaram as relações sociais e se sobrecarregou o Poder Judiciário. Portanto, constituir um processo razoável, sem entrar no mérito da justeza, apesar de inescusável, é uma reivindicação dos jurisdicionados e administrados, ante a constante globalização cultural, social e econômica.

O mesmo autor supracitado ressalta que a efetividade real do direito fundamental esculpido no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Magna Carta, não depende apenas do Poder Judiciário e de seus juízes, mas principalmente dos Poderes Executivo e Legislativo e da mudança de mentalidade dos governantes e políticos, no sentido de cumprirem e fazerem cumprir a Constituição, evitando a judicialização das questões que os particulares têm de submeter ao Poder Judiciário por falha do poder publico no exercício principalmente da função administrativa.50

Assim sendo, o destinatário da duração razoável do processo é a parte, aquele que se encontra no pólo ativo ou passivo de uma demanda, não obstante, o próprio Estado também é destinatário da norma, o qual, através dos Poderes Executivo e Legislativo, deve estabelecer critérios objetivos que indiquem a razoabilidade genericamente assegurada pelo legislador constituinte, e, ao mesmo tempo, deve assegurar, na prática, no caso concreto, a razoável duração do processo por intermédio do Poder Judiciário.

Entretanto, na busca de uma solução rápida para o processo, não se deve anular os demais direitos fundamentais, devido à correlação que todos possuem, conforme observa Theodoro Junior51:

Quando a Constituição garante o direito à duração razoável do processo, o faz ressaltando sua inserção entre os direitos fundamentais. Todavia, outros direitos fundamentais são também assegurados constitucionalmente, como integrantes da garantia maior do acesso à justiça e do processo justo, como, v.g., o contraditório e a ampla defesa, entre vários outros, todos inerentes à garantia de efetividade da tutela jurisdicional. Esses outros direitos fundamentais coexistem com o da duração razoável do processo e não podem, obviamente, ser anulados pela busca de uma solução rápida para o processo. Hão de ser observados todos os predicamentos constitucionais do processo judicial democrático, cuja harmonização haverá de ser encontrada pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. Dessa maneira, a duração razoável é aquela que resulta da observância do princípio da legalidade (respeito aos prazos processuais) e da garantia de tempo adequado ao cumprimento dos atos indispensáveis à observância de todos os princípios formadores do devido processo legal. O que, em seu nome, se impõe é simplesmente evitar ritos arcaicos e injustificáveis e, sobretudo, impedir a ineficiência organizacional dos aparelhamentos judiciais, bem como vedar o abuso dos atos desnecessários e do manejo de faculdades e poderes, tanto de partes como de órgãos judiciais, com intento meramente procrastinatório.

Apesar da constitucionalização do princípio em epígrafe, a sua referência no texto constitucional não traduziu necessariamente a sua concretização, devido a diversos fatores aqui expostos e a outros que não cabem nessa sucinta análise.

3.6.4 Tempo (duração) processual

O processo tem início quando o primeiro ato processual é praticado e seu fim ocorre quando o litígio é eliminado completamente, quer mediante uma sentença, quer por meio de um ato de satisfação. Nessa marcha processual, o tempo é um componente que pode influenciar diretamente a obtenção e conservação de um direito.

No entendimento de Marcos Bernardes de Mello52, o tempo se constitui como um dos elementos da existência do fato jurídico (suporte fáctico), nos seguintes termos:

O tempo cronológico tem considerável importância no mundo do direito. A duração dos efeitos jurídicos, a perda e a aquisição dos direitos dependem, muitas vezes, de seu transcurso.

O tempo em si não pode ser fato jurídico, porque e de outra dimensão. Mas o seu transcurso integra com muita frequência suportes fácticos: na usucapião, na prescrição, na mora, por exemplo. Também as relações temporais entre os fatos que compõem o suporte fáctico muitas vezes são elementos do próprio suporte fáctico. A contemporaneidade ou a sucessividade na formação do suporte fáctico, quando previstas expressamente pela norma, hão de ser consideradas elementos de suficiência para a configuração do fato jurídico respectivo

Na opinião do jurista e filósofo François Ost “o direito afeta diretamente a temporalização do tempo, ao passo que, em troca, o tempo determina a força instituinte do direito”. Da obra do jurista belga Tempo e Direito, destaca Cíntia Pinto Martins:

O tempo não permanece exterior à matéria jurídica, como um simples quadro cronológico em cujo seio desenrolaria sua ação; do mesmo modo, o direito não se limita a impor ao calendário alguns prazos normativos, deixando para o restante que o tempo desenrole seu fio. Antes, é muito mais desde o interior que o direito e tempo se trabalham mutuamente. Contra a visão positivista que não fez mais do que exteriorizar o tempo, nós mostraremos que não é possível ‘dizer o direito’ senão ‘dando o tempo’; longe de se voltar à medida formal de seu desenrolar cronológico, o tempo é um dos maiores desafios da capacidade instituinte do direito. (MARTINS, 2014)

Dos ensinamentos de Jônatas Milhomens, destaca ainda Martins:

A influência do tempo sobre as relações jurídicas, bem como sobre todas as coisas humanas é enorme e variada. Há direitos que não podem surgir senão em dadas contingências de tempo; direito que têm uma duração preestabelecida, quer fixada em lei, quer pela vontade privada; direitos que não se podem exercer se fora de certo prazo; direitos que se adquirem e direitos que se perdem, em conseqüência do decurso de certo período de tempo; destes e de outros modos o elemento tempo manifesta a sua importância. (MARTINS, 2014)

Deste modo, exercendo o tempo tamanha relevância no direito, é mister que se estabeleçam limites na marcha processual, sem entrar no mérito da efetividade, posto que, quis o constituinte pátrio, ao incluir a duração razoável do processo no rol dos direitos e garantias fundamentais, destacar que o tempo é fator sumamente relevante na constituição e estabelecimento dos direitos básicos do indivíduo.

3.6.5 Razoabilidade de duração do processo

Uma justiça temporalmente adequada é direito de todo cidadão, é nesse sentido que surge a ideia de razoabilidade processual. Outrossim, quando se trata de duração razoável do processo, é possível se utilizar do princípio da razoabilidade, em sede constitucional, implicitamente, fazendo alusão àqueles princípios explícitos que de alguma forma impõem limites ao Estado frente ao indivíduo.

Na compreensão do vocábulo “razoável” encontram-se as expressões “conforme a razão”, “legítimo”, “ponderado”, “sensato”, “moderado”, “aceitável”, “suficiente”, “racionável” e “justo”.

Distinguir o raciocínio de razoabilidade é parte significativa no trabalho do legislador, tendo como exemplo, a fixação, na lei, de prazos para os atos processuais, que terão influência na duração do processo. O trabalho do julgador também deve ser delimitado pela razoabilidade, quando este, por exemplo, estabelece prazos judiciais ou quando determina a realização de diligências no processo, devendo, contudo, ser razoável na delimitação dos prazos, considerando caso concreto, sabendo que poderá influir na marcha processual, de modo a evitar a dilação indevida.

O direito de acesso à ordem jurídica justa implica, necessariamente, que a observância da tempestividade do processo, ou seja, um lapso de tempo razoável consolidará um direito ao processo sem dilações indevidas.

Neste sentido, o art. 6.º, I, da Convenção Europeia para salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma, em 04 de novembro de 1950, prevê o seguinte: “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida”.

Com fulcro nesta norma, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos adotou três critérios para se verificar o tempo razoável de duração de um determinado processo:

a) a complexidade do assunto;

b) do comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo penal;

c) da atuação do órgão jurisdicional.

Portanto, em qualquer esfera de atuação, os meios para se alcançar a justiça devem ser proporcionalmente razoáveis, de modo a garantir de forma equitativa a prestação jurisdicional.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, José Maia. Os direitos e garantias fundamentais alcançados pela razoável duração do processo.: Desjudicialização das relações jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5477, 30 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65429. Acesso em: 10 mai. 2024.

Mais informações

Artigo adaptado da minha Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade CEUMA, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito no ano de 2015.

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