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Os direitos e garantias fundamentais alcançados pela razoável duração do processo.

Desjudicialização das relações jurídicas

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30/06/2018 às 08:40
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4 desjudicialização das relações jurídicas

4.1 Abrangência das formas de acesso à justiça

O acesso à justiça se constitui como marco inicial para a efetivação dos direitos fundamentais e a concretização da pacificação social. Sem a possibilidade de garantia nessa perspectiva, os direitos minimamente básicos dos indivíduos seriam reduzidos a meras declarações constitucionalizadas, gerando insegurança em todos os aspectos da sociedade.

Sem nos determos acerca da apreciação das formas de acesso à justiça, entretanto, enfatizaremos que o acesso à justiça vai além das paredes jurisdicionais construídas pela máquina estatal, pois a garantia de justiça não necessariamente passa pelo crivo jurisdicional.

Dentro da abordagem feita por Mauro Cappelletti, a primeira onda de acesso à justiça diz respeito à assistência judiciária aos pobres e está relacionada ao obstáculo econômico do acesso à justiça. A segunda onda refere-se à representação dos interesses difusos em juízo e visa contornar o obstáculo organizacional do acesso à justiça. Contudo, o acesso à justiça ganhou um novo enfoque, uma concepção mais ampla. O supracitado autor a classifica como terceira onda do acesso efetivo à justiça:

[...] esse enfoque encoraja a exploração de uma ampla variedade de reformas, incluindo [...] modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução de litígios. Esse enfoque, em suma, não receia inovações radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera de representação judicial53.

Nesses termos, Ricardo Salviano54 aponta a necessidade de simplificação de atos, formas e exigências do Direito Processual, com vistas a torná-lo mais efetivo, destacando que, com a aplicação do “novo enfoque do acesso á justiça”, evita-se, pois, a negação da própria justiça, o que não raramente ocorre em virtude de formalismos exacerbados, exigências desnecessárias e a possibilidade de interposição de inúmeros recursos durante o trâmite da lide. Tais fatores evidentemente levam à morosidade e à burocratização da Justiça, procrastinando o provimento jurisdicional. Conclui que, pela terceira onda de acesso à justiça, se busca também a descentralização da resolução de controvérsias, delegando tal tarefa a entidades extrajudiciais, como a arbitragem, mediação e conciliação, medidas estas que contribuem para o desafogamento do Judiciário.

Vale destacar as observações feitas por Theodoro Junior55 relativo a essa temática. O respeitado autor assim dispõe:

Paralelamente à visão técnica do funcionamento da justiça oficial (fortemente inspirada em métodos forjados para enfrentar a contenciosidade), ganha terreno, no fim do século XX e inicio do século atual, a preocupação dos cientistas do direito processual com a implantação, a par dos tradicionais, de novos métodos de composição de litígios, cuja motivação seria mais a procura da paz social do que propriamente a imposição autoritária da vontade fria da lei. Fala-se, nesse sentido, na criação de novas vertentes para certos tipos de prestação jurisdicional, que enriqueceriam o processo com instrumentos capacitados a realizar a justiça que Cappelletti chama de coexistenciaL Em lugar de contar apenas com a forca da autoridade legal do juiz, as partes poderiam, muitas vezes, obter melhores resultados na solução de seus conflitos recorrendo a experiência e à técnica de pessoas capacitadas a promover a mediação e a conciliação, e chegando, assim, a resultados práticos mais satisfatórios do que os decretados pela justiça tradicional.

Esses novos ares do processo já saíram das lições doutrinarias e começam a fazer presença significativa tanto na estruturação do processo contencioso codificado como na instituição de novos organismos de pacificação de conflitos (v.g., a atual regulamentação do juízo arbitrai, feita pela Lei nº 9.307, de 23.09.1996).

Os juizados de pequenas causas ou juizados especiais prestigiados pela Constituição de 1988 são exemplos notáveis de órgãos judiciários concebidos para, precipuamente, conduzir as partes a conciliação, valendo-se não só da figura clássica do juiz estatal, mas também de conciliadores e juízes leigos, alem de acenar para a possibilidade de encaminhar a solução, alternativamente, para julgamentos arbitrais (Leis nº 9.099, de 26.09.1995, e 10.259, de 12.07.2001).

Mas não é apenas nesses juizados especiais que a influencia da justiça coexistencial tem-se manifestado. No próprio processo contencioso codificado, reformas importantes se deram, por exemplo, com a instituição no procedimento ordinário da audiência preliminar, cujo objetivo e a tentativa de solução conciliatória, antes de passar-se a instrução da causa (art. 331), e com a admissão da figura do conciliador para auxiliar o juiz durante a tramitação do procedimento sumario (art. 277, § 1-). Registra-se, ainda, a existência de projeto em debate na área legislativa, que cuida da regulamentação da mediação e de sua observância sistemática, fora ou dentro do processo judicial.

Aos poucos vai-se encaminhando para processos e procedimentos em que o objetivo maior e a solução justa e adequada para os conflitos jurídicos, e que, de fato, possa reduzir as tensões sociais, valorizando a pacificação e harmonização dos litigantes, em lugar de propiciar a guerra judicial em que só uma das partes tem os louros da vitoria e a outra somente resta o amargor da sucumbência.

Portanto, acessar a justiça e alcançá-la nesse novo aspecto, é utilizar de meios que, se talvez acessados pela via judicial tradicional, não teriam a mesma eficácia plena, principalmente no que tange ao aspecto temporal.

Todavia, por essa lógica poderia surgir a indagação se haveria um possível conflito entre os meios alternativos de solução de conflitos e o princípio da inafastabilidade de jurisdição prevista no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Destacamos, entretanto, que tal conflito inexiste, uma vez que a Constituição deve ser interpretada levando em consideração também os fatores sociais, políticos, econômicos, morais e religiosos atuantes na comunidade, de modo a não cair em um ostracismo que de forma alguma se coaduna com as reais necessidades e transformações sociais hodiernas.

Outrossim, a Constituição de 1988, já no seu preâmbulo, fez questão de ressaltar a Justiça como um dos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada no comprometimento com a solução pacífica dos conflitos, salvaguardando o exercício dos direitos individuais e coletivos e suas garantias.

Não obstante a jurisdição ser atividade exclusiva do Estado, em casos excepcionais o próprio Estado autoriza que os conflitos sejam resolvidos por particulares. Nesses casos, a atividade privada ou particular substitui a jurisdição do Estado56.

A Constituição apenas garante o direito de acesso, não faz nenhuma imposição unilateral, muito pelo contrário, o próprio preâmbulo da Carta Maior enfatiza a busca de solução pacífica de controvérsias. Por isso são importantes a mediação e as demais formas alternativas de resolução de litígios, elas são uma alternativa ao Poder Judiciário, que muitas vezes se mostra moroso e inchado de demandas repetitivas e desgastantes57.

Ademais, a partir de uma interpretação extensiva do texto constitucional, é possível elaborar algumas conclusões relevantes, partindo do princípio da razoável duração do processo tratado no capítulo anterior, bem como da celeridade processual manifesto na mesma inscrição normativo-constitucional.

Considerando a superioridade e o caráter aberto e político das normas constitucionais, podemos chegar a uma hermenêutica constitucional da norma de natureza fundamental expressa no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Nesse ponto, utilizando uma interpretação constitucional a partir do método tópico-problemático, permitimo-nos considerar que a expressão “âmbito administrativo” prevista no artigo supramencionado engloba também a possibilidade de solucionar litígios por meio de outros métodos distintos da via judicial.

Nesse viés, partindo da premissa real de que o inchaço do Judiciário causou morosidade e retardamento na solução dos conflitos, é perceptível compreender que, para se chegar a uma resposta imediata é necessário recorrer aos próprios comandos constitucionais.

É nesse sentido que devemos interpretar a norma constitucional outrora mencionada, haja vista que aquela possui dupla natureza, de princípio e de direito fundamental, portanto, pode ser utilizada como orientação para se chegar a outros meios legais e efetivos de solução de conflitos e, consequentemente, de desafogamento do Judiciário.

Com a necessidade da criação de formas alternativas aos procedimentos judiciais clássicos para a solução das controvérsias sociais, Maria Helena Campos de Carvalho, cita ensinamento de José Ribas Vieira:

a busca de uma democratização das formas institucionais de mediação apresenta-se como uma exigência necessária para fazer frente a uma pressão pela concretização de novos direitos. Dentro desse processo, os mecanismos de informalismo, oralidade, e conciliação assumem, naturalmente, um contorno de possibilitar uma justiça mais próxima, ágil e democrática, apta a atender a todos os segmentos sociais demandantes de suas conquistas.58

Bem assim, um dos compromissos recentes do representante máximo do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, declarado em seu discurso de posse, fora justamente ressaltar a importância de se estimular a desjudicialização, nos seguintes termos: “estimular formas alternativas de solução de conflitos, compartilhando, na medida do possível, com a própria sociedade, a responsabilidade pela recomposição da ordem jurídica rompida, que, afinal, é de todos os seus integrantes. Referimo-nos à intensificação do uso da conciliação, da mediação e da arbitragem, procedimentos que se mostram particularmente apropriados para a resolução de litígios que envolvam direitos disponíveis, empregáveis, com vantagem, no âmbito extrajudicial.”59

4.2 O que se entende por desjudicialização

Ao longo do século XX, o fenômeno da judicialização, consistente na efetivação de uma ação judicial por meio do Poder Judiciário do Estado, trouxe um progresso considerável à cidadania, por outro lado, trouxe consequências de difícil reparação, trazendo à tona a necessidade de implementação de outros meios idôneos para a resolução de litígios.

Fatores como a sobrecarga dos tribunais, a complexidade da estrutura da Justiça Comum, pouco ou nenhum acesso do cidadão à Justiça, despesas altas com os processos e a solução rápida para os litígios, trouxeram à voga a discussão dessa necessidade alternativa de pacificação social.

Por esses fatores surgiu a expressão desjudicialização, que, embora sendo nova, sua acepção não o é, desse modo o seu conceito jurídico ainda não foi consolidado, em que pese a sua relevância social.

Desjudicialização consiste na faculdade de composição de conflitos estabelecidos pelas partes longe do alcance judicial, respeitando suas capacidades e desde que estejam em litígio direitos considerados disponíveis, afastando a necessidade da intervenção estatal de maneira que se priorizem outros meios alternativos de solução de conflitos.

A desjudicialização indica o deslocamento de algumas atividades que eram atribuídas ao poder Judiciário e, portanto, previstas em lei como de sua exclusiva competência, para o âmbito das serventias extrajudiciais, admitindo que estes órgãos possam realizá-las, por meio de procedimentos administrativos60.

De igual forma, constitui, não apenas uma forma de conceder poderes ao Executivo, mas de fortalecer o sistema até então vigente, conferindo-lhe autonomia administrativa para que atinja uma eficácia razoável na prestação dos serviços públicos e, de igual monta, ofereça tutela adequada, à disposição dos citadinos61.

O fenômeno da desjudicialização vem alcançando um espectro nos últimos anos em virtude do abarrotamento do Judiciário, que desencadeou na morosidade processual, devido ao processo de globalização e em razão da constante busca por meios mais precípetes de resolução de conflitos. Nesse conjunto de realidades, problemas e necessidades, o Estado deve se portar com atenção de modo a solucionar os embaraços e oficializar as relações que se formam paralelamente à atuação estatal, mas que não podem ser desconsideradas.

4.3 Métodos de desjudicialização

Alguns métodos alternativos de solução de conflitos, modernamente chamados de mecanismos complementares ao Poder Judiciário, vêm sendo utilizados no Brasil, em decorrência da crise do Judiciário, de modo que meios como a conciliação e a mediação estão ganhando cada vez maior aceitabilidade dentro do mundo jurídico e das relações sociais.

Os métodos mencionados têm o condão de solucionar previamente litígios que facilitarão no enxugamento da máquina do Judiciário, dado as suas devidas soluções. Entretanto, a resposta por meio dessas vias alternativas não retira a legitimidade, tampouco minora o poder e o papel do Judiciário, pelo contrário, constituem-se como formas harmonizadas de resolução de litígios, considerando as decorrentes mudanças sociais. Assim, torna-se primordial a atuação de mais órgãos na salvaguarda dos direitos.

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Nas palavras de Didier Jr.62, os chamados “meios, métodos ou vias alternativas” são equivalentes jurisdicionais, ou seja, são formas não-jurisdicionais de solução de conflitos e são chamadas de equivalentes porque, não sendo jurisdição propriamente dita, funcionam como técnica de tutela dos direitos, sanando conflitos ou certificando situações jurídicas. Esses métodos de desjudicialização atuam como substitutivos da jurisdição, pois a jurisdição estatal é substituída pela atividade particular ou privada.

A seguir, exporemos alguns meios de desjudicialização já utilizados como forma alternativa de solução de conflitos. Fixaremos-nos em dois métodos nos modelos consensuais já conhecidos, que são a conciliação e a mediação, por serem sistemas autocompositivos de solução de litígios por decisão consensual das partes envolvidas no conflito. A arbitragem não será foco do nosso trabalho, porquanto não é considerada um equivalente jurisdicional, significando uma jurisdição diferente da estatal, pois, apesar de ela ser em sua estrutura diferente do Poder Judiciário, produz os mesmos efeitos deste, quando no exercício da jurisdição.

4.4 Conciliação

A conciliação63 é a opção mais viável para resolver situações circunstanciais, como forma de adiantar uma pretensão ou mesmo evitar a utilização da máquina estatal por meio da jurisdição. No método conciliatório, distingui-se o papel do conciliador como orientador na busca pela melhor solução que satisfaça ambas as partes envolvidas.

Nos dizeres de Fernando Horta Tavares64, a conciliação é o processo pelo qual o conciliador tenta fazer com que as partes evitem ou desistam da jurisdição, encontrando denominador comum, seja renunciando ao seu direito, seja submetendo-o ao de outrem, ou mesmo transigindo, nos moldes previstos pela Lei Civil.

A partir desse conceito, é importante considerar a diferença entre evitar a jurisdição e desistir desta. O ato de evitar a jurisdição caracteriza a desjudicialização, enquanto desistir pressupõe uma conciliação judicial, quando se dá em conflitos já ajuizados, onde o próprio juiz atua como conciliador do processo ou ainda um conciliador treinado e nomeado.

A conciliação pode apresentar-se nas formas judicial e extrajudicial. A conciliação judicial é desenvolvida durante o curso de um procedimento judicial e visa a obtenção da solução do litígio pelas próprias partes antes que sobre ele se manifeste o Estado-Juiz, podendo ser realizada pelo próprio juiz que preside o processo ou por conciliador por ele designado. Esta conciliação judicial pode ser realizada antes de instaurado o procedimento contraditório, perante o tribunal de primeira instância, ou durante o curso do processo65.

Na conciliação extrajudicial há a participação de um terceiro que busca a aproximação das partes do conflito para que cheguem a um acordo antes da utilização da via judicial, havendo países em que há obrigatoriedade de utilização prévia deste meio de resolução de conflito antes do recurso aos tribunais, como ocorre em algumas espécies de litígios, v.g., na França, Itália e Áustria66.

Tavares destaca ainda o papel central do conciliador, citando ensinamento de Maria de Nazareth Serpa:

[...] é um processo informal em que existe um terceiro interventor que atua como elo de ligação, inclusive por telefone. A finalidade é levar as partes a um entendimento, através da identificação de problemas e possíveis soluções. O conciliador apazigua as questões sem se preocupar com a qualidade das questões. Interfere, se necessário, nos conceitos e interpretações dos fatos, com utilização de aconselhamento legal ou de outras áreas67.

Para Carlos Eduardo de Vasconcelos68, a conciliação é um modelo de mediação focada no acordo. É apropriada para lidas com relações eventuais de consumo e outras relações casuais em que não prevalece o interesse comum de manter um relacionamento, mas apenas o objetivo de equacionar interesses materiais, com a particularidade de que o conciliador exerce uma autoridade hierárquica, toma iniciativas, faz recomendações, advertências e apresenta sugestões, com vistas à conciliação.

Dos ensinamentos, conclui-se que a conciliação é um método utilizado em conflitos de natureza mais simples, ou restritos, onde o terceiro facilitador (conciliador) pode adotar uma posição mais operante, porém neutral e imparcial, em que pese o seu posicionamento de sugerência e admoestação. É, portanto, um processo consensual de breve duração, indicado para situações de vínculo único, com foco no acordo e extinção do processo, que, dentro dos limites possíveis da relação social das partes, prioriza uma efetiva harmonização social e a restauração.

4.5 Mediação

As formas alternativas para solução dos conflitos de interesses ganharam destaque no cenário jurídico mundial. Dentre elas, a mediação é um método relevante na busca de soluções pacíficas, onde ambas as partes litigantes acabam sendo privilegiadas por terem finalizada a disputa com satisfação mútua. Esse método denota peculiaridade no sentido de oferecer às partes soluções que trazem conquistas recíprocas.

Como um método ou procedimento alternativo, a mediação não busca o distanciamento do processo judicial. A mediação age paralelamente ao processo, como uma filtragem. O processo deverá, neste caso, ser utilizado apenas quando as partes não se compuserem sozinhas. Longe de ter o propósito de privatizar a justiça, a mediação busca primariamente o desafogamento do Poder Judiciário, com a conseqüente solução encontrada pelas próprias partes envolvidas, embora sejam auxiliadas nesse processo.

Nesse compasso, sendo um método, a mediação baseia-se num complexo interdisciplinar de conhecimentos científicos extraídos principalmente da comunicação, da psicologia, da sociologia, da antropologia, do direito e da teoria dos sistemas.69

Ivan Aparecido Ruiz70 cita excelente exemplo na abordagem preliminar da mediação, no conhecido caso da disputa da laranja, onde Alcira Ana Yanieri, ao tratar do conceito primário da mediação, relata o seguinte caso:

Dos hermanas pequenas discuten por naranja,ambas la quieren y dice La menor: "es para mí", la outra dice: "no, es mía". La madre cansada, pone fin a la disputa. Llama a las dos hijas, y divide la naranja cuidadosamente en dos partes exactamente iguales y Ias entrega. Satisfecha la madre, vuelve a sua tarea pensando haber solucionado con justicia el conflicto.

Esta situación muestra Ia generalizada idea de lo que significa uma solución justa: un tercero neutral que raparta equitativamente aquello que está en disputa.

A primera vista Ia solución parece acertada. Pel'o la historia no termina aquí, porque la menor de las hermanas pela su mitad, tira la cáscara y come la pulpa; Ia outra al contrario, tira Ia pulpa y guarda la cáscara para sazonar su torta. Vemos que Ia solución, aunque fue equitativa, no fue um buen remedio.

Si la madre hubiesse indagado los reales intereses, en vez de limitarse exclusivamente a cuestiones de procedimienros (cortar la fruta en exactas mitades) o de posiciones (las dos hermanas querían Ia única naranja porque tenían el mismo derecho) sin dudas hubiere /legado a una solución satisfacroria para ambas, pelaba elia la na ranja y entregaba toda ia pulpa a una y toda Ia cáscara a outra, por ejemplo.

Es más, si ias partes hubieren sabido nego~iar cooperativamente entre elias, evitando el reparto, habrían llegado a un resultado más satisfactorio.

Este ejemplo concordo como “La disputa de Ia naranja”, es mencionado frequentemente en Ia literatura norteamericana relativa a Ia solución de conflictos para mostrar métodos alternativos.

Nesse exemplo clássico, em tese a justiça foi realizada, contudo, a solução seria mais satisfatória se houvesse ocorrido a comunicação prévia entre os litigantes, ambos teriam encontrado êxito recíproco.

Assim sendo, a mediação é uma técnica de resolução de conflitos não adversarial, que, sem imposições de sentenças ou de laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo onde as duas partes ganhem.71

Nesse sentido, a mediação se traduz como um processo que tem por objetivo a satisfação dos interesses de uma pessoa, quando estes interesses, de alguma maneira, se apresentam em desacordo com os interesses do outro. O importante papel da mediação é identificar estes interesses na sua gênese e sem qualquer comparação com valores pré-estabelecidos, como, por exemplo, os valores impostos pela lei. Na mediação, o desenvolvimento da negociação de interesse é assistido por uma terceira pessoa, encarregada de facilitar todos os passos do processo. Como estão em pauta todos os fatos, que determinam o comportamento humano, cabe a esta terceira pessoa a consideração e administração destes fatores, de forma a conduzir as pessoas em disputa, a uma resolução que atenda, realmente, às necessidades de ambos os litigantes.72

Eis o papel da mediação, funcionando como instrumento de pacificação de natureza autocompositiva e voluntária. Carlos Eduardo de Vasconcelos conceitua esse método da seguinte forma:

Mediação é um meio geralmente não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas, com a colaboração de um terceiro, o mediador – que deve ser apto, imparcial, independente e livremente escolhido ou aceito - , expõe o problema, são escutadas e questionadas, dialogam construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e, eventualmente, firmar um acordo.

Cabe, portanto ao mediador, colaborar com os mediandos para que eles pratiquem uma comunicação construtiva e identifiquem seus interesses e necessidades comuns73.

A mediação, portanto, é uma intervenção realizada de forma construtiva, onde um terceiro imparcial atua junto às partes envolvidas, contudo, a solução é constituída pelas próprias partes. Fernando Horta Tavares cita conceito de Luis Carlos A. Robortella, nesses termos:

“A busca de novas formas de solução de conflitos não tem o objetivo único de diminuir a carga do serviço judiciário e o retardo da prestação jurisdicional. Está evoluindo para um conceito mais pleno de realização da justiça, com a atuação de terceiros desvinculados dos interesses em litígio, empenhados em sua solução, sem os constrangimentos e amarras legais a que se submete o juiz.

A mediação propicia um diálogo verdadeiro entre as partes, cada qual confiando suas razões aos mediadores, com maior autenticidade e abertura para negociação de propostas e contrapropostas.

Os mediadores realizam seu trabalho de aproximação baseando-se, além dos aspectos legais, também em razões de conveniência e oportunidade. Estas últimas têm enorme potencial sedutor porque os critérios fundados apenas no sistema legal nem sempre trazem justa composição para o litígio.

É um instrumento de comprovada eficácia, tanto nos litígios individuais quanto nos coletivos, como se verifica no direito comparado”74.

Tavares menciona ainda excelente definição elaborada por Maria de Nazareth Serpa:

processo informal, voluntário, onde um terceiro interventor, neutro, assiste aos disputantes na resolução de suas questões. O papel do interventor é ajudar na comunicação através de neutralização de emoções, formação de opções e negociação de acordos. Como agente fora do contexto conflituoso funciona como um catalisador de disputas, ao conduzir as partes às suas soluções, sem propriamente interferir na substância destas.75

A atuação do mediador dependerá de cada situação, podendo ser ativa, quando o mediador apresenta soluções para o conflito, ou passiva, quando ele se restringe a escutar, orientar e estimular os mediandos a uma solução adequada. A neutralidade é a principal característica do mediador, considerando que ele atua como um terceiro neutro e imparcial, não tendo autoridade de impor decisões às partes e, estabelecendo o que foi acordado por elas, deve manter-se neutro, e não celebrar o acordo até que cada um dos envolvidos aceite todos os termos da mediação.

O mediador deve estar comprometido em facilitar o diálogo, tomando uma postura equidistante. Deve controlar o processo, deixando o conteúdo para os sujeitos e não aceitando definição unilateral do conflito-problema. Seu papel é auxiliar no desenvolvimento de opções para resolver o conflito.

A mediação pode ocorrer sob duas formas. Judicial, quando realizada uma vez iniciado um processo jurisdicional, podendo sua realização ser impulsionada pelo juiz ou decorrer da vontade das partes, sendo, todavia, em ambos os casos, presidida por um terceiro distinto do juiz que preside a causa, como ocorre, v.g., na França, Suécia e Inglaterra76.

A mediação extrajudicial, por seu turno, se desenvolve à margem de um processo judicial, conduzida por um terceiro não vinculado à jurisdição, seja participante de entidades privadas que ofertam serviço de mediação de conflitos, seja integrante de programas públicos ou comunitários de mediação de conflitos77.

A mediação, por conseguinte, é indicada para situações de múltiplos vínculos ou conflitos subjetivos com foco na solução do conflito e manutenção dos vínculos. Tendo a mesma relação jurídica de um contrato celebrado em que as partes devem estar de acordo com o que for combinado e se responsabilizam pelas alterações no direito. Cumpre ressaltar que será objeto da mediação todo negócio jurídico que não incida em sanções penais e que não atente contra a moral e os bons costumes.

4.6 Ações para a desjudicialização no Brasil

4.6.1 Leis

Atualmente algumas leis que propiciam o acesso à justiça de forma mais ampla estão em vigor no nosso ordenamento jurídico. Citamos alguns exemplos de desjudicialização no Brasil:

a) Lei n° 8.560/1992, que se refere ao reconhecimento de paternidade perante os serviços de registro civil;

b) Lei n° 9.514/1997, que trata dos procedimentos de notificação do devedor e leilão extrajudicial nos contratos de alienação fiduciária;

c) Lei n° 10.931/2004, que autoriza a retificação administrativa dos registros imobiliários, agilizando o procedimento para corrigir possíveis erros na matrícula, atividade eminentemente administrativa, antes submetida à burocracia judiciária;

d) Lei nº 11.101/2005, que substituiu a Lei 7.661/45, modernizou o processo falimentar do empresário e da sociedade empresarial, criando a recuperação extrajudicial da empresa, através de procedimento que não envolve o Judiciário, mas permite a negociação entre os credores e a empresa devedora;

e) Lei nº 11.481/2007, que dispõe sobre a regularização fundiária para zonas especiais de interesse social; e propiciaram que o judiciário, nesses casos, ficasse limitado aos conflitos de interesse, às contendas, e que, por seu turno, os cartórios extrajudiciais passassem a atuar de forma a prevenir litígios e homologar acordos, solucionando com agilidade os problemas;

f) Lei n° 11.441/2007, que sem a necessidade da intervenção judicial, possibilita a lavratura de escritura pública, nos cartórios e tabelionatos, para os casos de inventário, partilha, separação e divórcio, diante da ausência de conflito e de partes menores ou incapazes.  A referida escritura torna-se documento hábil para a averbação da mudança do estado civil e para a transferência da propriedade dos bens partilhados;

g) Lei n.º 11.790/2008, que ao alterar dispositivos da Lei de Registros Públicos possibilita ao Oficial de Registro Civil registrar as declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal, sem necessidade primária da intervenção judicial, como se exigia anteriormente;

h) Lei nº 12.133/2009, que deu nova redação ao artigo 1.526 do Código Civil, determinando que a habilitação para o casamento seja feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com audiência do Ministério Público, não necessitando mais, como outrora, da intervenção judicial, salvo, se houver impugnação pelo oficial, pelo Ministério Público ou por terceiro.

i) Lei Ordinária nº 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Seu objetivo é dar mais agilidade e transparência nas soluções de conflitos, inclusive os que envolvam a administração pública. Com isso, espera-se desafogar os tribunais que, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lidam com mais de 92 milhões de processos78. Entre as novidades trazidas pela legislação está a permissão para a União, os estados e os municípios criarem câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos para promover a busca de acordos. Mas, enquanto isso não ocorrer, aplicam-se as mesmas regras da mediação judicial. A lei também permite o uso da mediação para solucionar conflitos entre órgãos da administração pública ou entre a administração pública e particulares. Outra inovação é a possibilidade  da mediação ser feita à distância, desde que as partes estejam de acordo.

Desta feita, diversos diplomas jurídicos no Brasil têm sido elaborados no sentido de desjudicializar as relações sociais e conferir maior efetividade e celeridade nas soluções dos conflitos.

4.6.2 Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça

Para se adequar às novas formas de acesso à justiça e instituir uma política pública de tratamento adequado de conflitos, o Conselho Nacional de Justiça elaborou a Resolução nº 125, em 29 de novembro de 2010, como forma de estipular diretrizes aos Tribunais brasileiros, estabelecendo a Política Judiciária Nacional e regulamentando a conciliação e a mediação em todo o país.

Os objetivos da Política Judiciária Nacional apresentados foram: 1) a utilização dos meios consensuais/alternativos de solução de conflitos, principalmente da conciliação e da mediação, no âmbito do Poder Judiciário e sob a fiscalização deste; 2) a qualidade do serviço prestado por conciliadores e mediadores, que envolve sua capacitação; e 3) a mudança de mentalidade dos operadores do Direito e das próprias partes, diminuindo a resistência de todos em relação aos métodos consensuais de solução de conflitos79.

A Resolução nº 125, para operacionalizar a política estabelecida, trouxe o modelo de unidade judiciária (criando Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania – a divisão em setor de solução de conflitos pré-processual, setor de solução de conflitos processual e setor de cidadania), o que muito se assemelha ao sistema de múltiplas portas norte-americano.

Com a criação dos centros nos Tribunais brasileiros, objetivou-se implementar os mecanismos consensuais de solução de conflitos – equivalentes jurisdicionais – antes da ação judicial (fase pré-processual), por meio de conciliadores e mediadores.

Também há uma forte preocupação da referida resolução no que tange à capacitação dos mediadores e conciliadores. No seu art. 2º, há ênfase na importância da formação adequada e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores, com vistas à boa qualidade dos serviços nos núcleos e centros. Em seu art. 9º, § 2º, foi ressaltada a necessidade de um profissional capacitado também para a triagem e o encaminhamento adequados dos casos, intensificando a relevância da formação dos profissionais que irão trabalhar diretamente com a prática da mediação judicial e da conciliação judicial.

4.6.3 Recomendação nº 50 do Conselho Nacional de Justiça

A Recomendação nº 50, de 05 de maio de 2014, recomenda aos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Federais, a realização de estudos e de ações tendentes a dar continuidade ao Movimento Permanente pela Conciliação.

A referida recomendação propõe, por meio dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos dos respectivos tribunais, dentre outras orientações, estimular os magistrados a encaminhar disputas para a mediação de conflitos em demandas nas quais haja necessidade de preservação ou recomposição de vínculo interpessoal ou social, não apenas decorrentes de relações familiares, mas todos os afetos a direitos disponíveis e acompanhar a satisfação do jurisdicionado nos encaminhamentos de feitos a mediadores judiciais, nos termos da Resolução CNJ n. 125/2010, e a mediadores privados nos termos do art. 139 do Código de Processo Civil.

4.6.4 Fundações de Proteção e Defesa do Consumidor

As Fundações de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) exercem papel importante na solução alternativa de conflitos, funcionando como órgão auxiliar do Poder Judiciário e buscando solucionar previamente as questões entre consumidor e empresas vendedoras ou prestadoras de serviço. Caso não haja acordo, os casos são enviados para o Juizado Especial Cível de cada localidade. Segundo a Lei número 8078 de 1990, que estabeleceu o Código de Defesa do Consumidor, os diversos PROCONs estaduais ou municipais são parte integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

4.6.5 Novo Código de Processo Civil

O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 16 de março de 2015), que vigorará em 2016, em seu artigo 3.º § 3.º, destaca:

A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Dessa forma, considerando a realidade do judiciário brasileiro, o legislador pátrio procurou positivar esses métodos alternativos de solução de conflitos, de maneira que façam parte da política de resolução de litígios do Judiciário nacional.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, José Maia. Os direitos e garantias fundamentais alcançados pela razoável duração do processo.: Desjudicialização das relações jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5477, 30 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65429. Acesso em: 19 abr. 2024.

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Artigo adaptado da minha Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade CEUMA, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito no ano de 2015.

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