RESUMO: Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, verificou-se importante alteração na execução por quantia certa contra a fazenda pública, pois os títulos judiciais passaram a ser judicialmente exigidos por um procedimento sincrético de cumprimento de sentença. Além disso, questões atinentes à forma de se exigir a obrigação, as possibilidades de impugnação e a forma de pagamento também foram modificadas e atualizadas buscando uma prestação de tutela executiva mais célere e desburocratizada, sem se esquecer das prerrogativas da Fazenda Pública. Dessa forma, o atual procedimento previsto no art. 534 e seguintes, prevê o início do procedimento por petição simples que aponte os índices utilizados no cálculo e o seu valor final, a ser peticionada no bojo dos próprios autos em que foi proferida a sentença exequenda, além de restringir as matérias que podem ser arguidas em defesa pela Fazenda Pública. Referidas inovações e outras particularidades do tema são o objeto do presente estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Cumprimento de Sentença – Fazenda Pública – Obrigação de Pagar Quantia Certa – novo Código de Processo Civil – Impugnação – Precatório e RPV – Inconstitucionalidade – Honorários Advocatícios.
SUMÁRIO: 1. Contexto histórico. 2. Considerações preliminares. 3. Da Lei Processual no tempo. 4. Das obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa. 4.1. Das medidas coercitivas impostas à Fazenda Pública e seus agentes. 5. Do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública da obrigação de pagar quantia certa. 6. Pluralidade de exequentes de demonstrativos de crédito. 7.O não cabimento da multa do art. 523, §1º quando o devedor é a Fazenda Pública. 8. A impugnação à execução contra a Fazenda Pública. 9. Impedimento e suspeição na fase de cumprimento de sentença. 10. Excesso de execução. 11. O Procedimento do cumprimento de sentença finda a fase de impugnação. 12. Precatório e RPV. 13. A Impugnação parcial e seus desdobramentos. 14. Inexigibilidade da obrigação fundada em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou Fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal. 15. A inconstitucionalidade Frente a Constituição Estadual, reconhecida por tribunal de justiça. 16. Dos honorários advocatícios sucumbenciais. 17. Honorários advocatícios contratuais.
1. Contexto histórico
O CPC/15 se encontra na linha evolutiva das esparsas leis que modificaram o CPC/73 desde a década de 90, dando uma nova roupagem aos procedimentos voltados à efetivação de sentenças que impõem as mais diversas obrigações (fazer, não fazer, entrega de coisa, pagamento de quantia), seja contra os entes públicos ou privados.
Os diversos procedimentos executivos existentes no revogado CPC/73 foram alterados pontualmente nas últimas duas décadas: iniciou-se a reforma com a Lei 8.952/94, que trouxe importante e histórica inovação na redação do art. 461, que abordava as obrigações de fazer objeto de determinações judiciais, instituindo para elas o procedimento sincrético antes reservado a procedimentos especiais como o do mandado de segurança; logo, estendeu-se a metodologia ao art. 461-A, que tratava da tutela das obrigações de entrega de coisa (Lei 10.444/02), e, por fim, chegou-se às modificações que resultaram no procedimento de cumprimento de sentença para o pagamento de quantia certa, do art. 475-J do CPC revogado.
Nesta mesma linha se apresenta a evolução observada no CPC/15 quanto ao cumprimento de sentença em face da Fazenda Pública, por atender ao “princípio do sincretismo processual em substituição ao autonomismo processual”.1
Assim, apesar da demora do sistema legal em atualizar a sistemática de execução contra a Fazenda Pública, neste ponto merece elogios o CPC/15, pois há muito se ansiava por sua inclusão no procedimento sincrético.
2. Considerações preliminares
De início, vale ressaltar que algumas regras apresentadas pelo CPC/15 são excepcionadas quando se trata de cumprimento de sentença em face da Fazenda Pública.
A primeira é a dispensa da caução exigida no art. 83 do CPC, que deve ser prestada pelo autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação do processo.
Em segundo lugar, não há que se falar em atos expropriatórios ou de execução forçada, como ocorre na execução comum, uma vez que, no cumprimento de sentença que imponha a obrigação de pagar quantia certa em face da Fazenda Pública, não existe a possibilidade de constrição judicial de bens, pois estes são públicos, e portanto, impenhoráveis. (art. 1420 c/c arts. 99 e 100 do Código Civil).
Em terceiro lugar encontra-se a questão afeta aos honorários advocatícios, que encontra formas e valores distintos e peculiares, nos termos do art. 85, § 3º do CPC/15.
Vale lembrar que, na fase de cumprimento de sentença, salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz (art. 105, §4º).
Por fim, lembra-se que não é cabível, nas ações contra a Fazenda Pública, inclusive no cumprimento de sentença, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
3. Da Lei Processual no tempo.
Deve-se ressaltar que o CPC/73 não previa um procedimento de cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa em face da Fazenda Pública, pois determinava ao credor o dever de iniciar procedimento específico de execução de sentença, com nova petição inicial acompanhada de documentos a ser processada em autos apartados, instaurando-se não só novo procedimento, mas também novo processo (relação jurídica processual).
Nos termos do art. 1,046 do CPC/15, ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes.
Assim, entendemos que o ato a ser praticado deve observar a formalidade da lei vigente ao tempo de seu termo inicial. Exemplificando, se a Fazenda Pública foi citada da execução de sentença na vigência do código revogado, deverá apresentar Embargos à Execução. No entanto, se citada em execução de sentença somente após a entrada em vigor do CPC/15, mesmo tratando-se de execução de sentença, deverá impugnar a execução nos termos da lei vigente.
Outrossim, havendo qualquer aplicação equivocada da lei processual no tempo nessas hipóteses em que a dúvida é razoável, é certo que o juiz deve aplicar a fungibilidade ou permitir a emenda às peças executórias ou defensivas, à luz do princípio da instrumentalidade das formas (art. 277, CPC).
4. Das obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa.
Destaca-se, de início, que o procedimento do cumprimento de sentença em face da Fazenda Pública deve guardar sintonia com o tipo de obrigação executada.
Nas obrigações de fazer e não fazer, bem como nas obrigações de entrega de coisa, conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça, o procedimento utilizado não é o do artigo 534 e seguintes, uma vez que já não era o do artigo 730 do CPC/73 o empregado quando da vigência do diploma revogado, devendo-se proceder na forma dos atuais artigos 536, 537 e 538 do CPC/15, que revogaram os artigos 461, 461-A e 644 do CPC/73. Veja-se:
“(...) A orientação desta Corte é no sentido de que, no regime introduzido pela Lei 10.444/2002, as decisões judiciais que imponham obrigação de fazer ou não fazer passaram a ter execução imediata e de ofício, dispensando-se, assim, o processo executivo autônomo, de acordo com o disposto nos arts. 461 e 644 do CPC. Referido entendimento é aplicável para a execução para o cumprimento de obrigação de fazer, ainda quando movida contra a Fazenda Pública, pois não está sujeita ao rito do art. 730 do CPC, este limitado às execuções por quantia certa” (...).(AgRg no REsp 1544859/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 08/03/2016)”
4.1. Das medidas coercitivas impostas à Fazenda Pública e seus agentes.
Não há que se falar em Estado Democrático de Direito quando o Judiciário não possui ferramentas suficientemente efetivas para obrigar os demais poderes a cumprir suas determinações, pois é impensável, para a manutenção da ordem democrática, que este poder não consiga fazer o Estado cumprir suas próprias leis.
Nesse campo, existem, a princípio, 3 (três) formas incontroversas de compelir os agentes estatais a cumprirem as determinações legais, que são meios coercitivos a serem informados ao responsável pelo cumprimento da ordem, ou seja, se informa ao agente o que será feito em seu desfavor no caso de descumprimento da medida, aguardando-se que esta seja cumprida tempestivamente e adequadamente.
a) a primeira seria de ordem financeira, com: i) a aplicação de astreintes (art. 536, §1º c/c art. 537 do CPC/15) em face da Fazenda Pública, ii) a aplicação da multa por litigância de má-fé (art. 536, §3º do CPC/15),e iii) a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, prevista do art. 77, IV do CPC/15, esta última pessoalmente ao agente público, sendo a que nos parece mais eficaz, pois pune o bolso daquele que seria responsável pelo cumprimento da ordem, e não o erário.
b) a segunda, de efeitos civis e administrativos, consiste em remeter os autos ao Ministério Público para apurar o cometimento de ato de improbidade administrativa supostamente praticado pelo agente público, por violação aos princípios da administração pública da probidade, da impessoalidade e da legalidade (art. 11, da Lei 8.429/92).
c) por fim, o terceiro seria a responsabilização criminal do agente pelo crime de desobediência, o que constou de forma expressa no art. 536, §3º do CPC/15 para extirpar qualquer dúvida quanto ao seu cabimento, já que não havia igual previsão no CPC/73.
Deve-se ressaltar que ainda não foi resolvida definitivamente a questão quanto à tipificação do delito praticado quando a decisão judicial é descumprida por agentes públicos, uma vez que existem precedentes apontando que, neste caso, a hipótese seria de crime de prevaricação (art. 319 do CP), e não de desobediência, mas em ambos os casos é possível ao Juiz determinar a condução coercitiva do agente à autoridade policial para celebração do termo circunstanciado de ocorrência.
No entanto, para que se impute tais fatos ao agente público, deve-se intimá-lo pessoalmente.
Existe uma outra técnica que permite a efetivação de obrigações pela Fazenda, que impliquem dispêndio financeiro, que é o sequestro e a utilização do valor constante na conta-corrente do ente público quando a obrigação que se busca cumprir diz respeito ao direito à saúde, como nos casos de fornecimento de tratamento médico ou hospitalar, o que só deve ser utilizado se as advertências acima não surtirem efeito. Veja-se:
1. É pacífico o entendimento do STJ de que cabe sequestro ou bloqueio de verba indispensável à aquisição de medicamentos. Essa cautela é excepcional, adotada em face da urgência e imprescindibilidade de sua prestação.
(AgRg no REsp 1429827/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 18/06/2014)
Por fim, há outras formas coercitivas que podem ser usadas, nos termos do art. 536 do CPC/15, em especial quando afirma que “no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente”.
Exemplo disso é a suspensão dos vencimentos do agente público, ou mesmo seu afastamento da função pública sem vencimentos, até o cumprimento da ordem, cominada com a aplicação das medidas coercitivas dirigidas a seu substituto, que também poderá ser igualmente afastado das funções sem remuneração, e assim por diante, até que se cumpra a medida.
5. Do cumprimento de sentença conra a Fazenda Pública da obrigação de pagar quantia certa.
Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo:
I - o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;
II - o índice de correção monetária adotado;
III - os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV - o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V - a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI - a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.
Artigo de lei sem correspondência no CPC/73
Ao incluir a execução contra a Fazenda Pública de obrigação de pagar quantia certa no procedimento sincrético do cumprimento de sentença, o CPC/15 autoriza que o exequente inicie o procedimento executivo nos mesmos autos em que proferida a decisão ou sentença, sem a necessidade de dar início a novo processo judicial.
Dúvida surge quanto à necessidade de se juntar documentos não elencados no rol do art. 534. No entanto, ao permitir que o exequente se utilize do processo em trâmite para exigir a satisfação da obrigação junto ao ente público, o CPC/15 elimina a necessidade de se munir o pedido com documentos que já estejam nos autos, como por exemplo a sentença exequenda e a procuração do advogado, facilitando a ação do exequente.
Os dispositivos acima mencionados têm o escopo de permitir a Fazenda Pública e ao próprio juiz avaliarem a regularidade dos cálculos, inclusive, no caso da Fazenda, para impugná-los.
Isso porque não existe disponibilidade das questões envolvendo o erário, e portanto, o cálculo a ser apresentado deve respeitar exatamente o quanto estabelecido em sentença, e na falta dos índices e termos a serem aplicados na decisão exequenda, deve-se aplicar os termos inicial e final, bem como as formas de atualização por juros, taxas e correção monetária estabelecidos em lei.
No caso das dívidas da Fazenda Pública existem inúmeras decisões nos últimos anos enfrentando a constitucionalidade das normas que estabelecem limites aos juros e à forma de correção monetária.
Em decisão datada de 25/03/2015, proferida pelo STF na ADI nº 4357, restaram modulados os efeitos da aplicação da EC 62/2009, fazendo surgir entendimentos distintos nos Tribunais Estaduais e Federais no tocante aos efeitos da decisão abarcarem apenas a correção dos precatórios, ou também as condenações proferidas contra a Fazenda Pública, porquanto o STF, em decisão de relatoria do Ministro Luiz Fux, na data de 16.04.2015, reconheceu a repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 870.947, especificamente quanto à aplicação do artigo 1º-F da Lei n. 9494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, o que ainda está pendente de ser decidido.
Assim, é essencial o término deste julgamento o quanto antes a fim de resolver a questão e unificar os cálculos das condenações contra a Fazenda Pública, seja antes ou depois da expedição do Precatório. No entanto, enquanto ainda não decidida definitivamente a questão pelo STF, é recomendável que, ao se impor contra a Fazenda Pública obrigação de pagar quantia certa, não se estabeleça na decisão, até o julgamento em definitivo da questão, a forma de correção monetária e juros, deixando para o momento da sua execução a escolha dos índices a serem aplicados, torcendo para que nesta fase o Supremo já tenha pacificado o tema.
Questão importante a ser lembrada é a utilização por exequentes das tabelas de cálculo automático existentes em inúmeros sites de Corregedorias Estaduais dos Tribunais de Justiça, que realizam a atualização dos débitos. Isso porque, em sua maioria, utilizam os parâmetros das dívidas existentes entre pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, com base no estabelecido no Código Civil, o que não guarda relação com os índices a serem aplicados no caso de a Fazenda Pública ser a devedora.
Por fim, resta evidenciado que, salvo aqueles amparados pela assistência judiciária gratuita, que terão seus cálculos feitos pela contadoria do juízo quando solicitarem, o ônus de apresentar os cálculos e provar a sua regularidade, com a delimitação do período e dos índices utilizados, é do exequente.