14. Inexigibilidade da obrigação fundada em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal
§ 5o Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
§ 6o No caso do § 5o, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica.
§ 7o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5o deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.
§ 8o Se a decisão referida no § 5o for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Os parágrafos 5º a 8º do art. 535 do CPC/15 tratam da chamada coisa julgada inconstitucional, entendendo que nestes casos o título é inexigível uma vez que a decisão judicial foi fundada em lei ou ato normativo contrário à Constituição Federal, especificamente quando a matéria tiver sido decidida pelo Supremo Tribunal Federal, deixando claro que não interessa se a declaração de inconstitucionalidade se deu em controle difuso ou concentrado.
Referida norma tem por fundamento o disposto no art. 102, § 2º da CF: as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Caso declarada a inconstitucionalidade por controle difuso, observa-se o fenômeno que já se designou de “objetivação do controle difuso de constitucionalidade”, sendo desnecessária a resolução do Senado suspendendo a vigência da lei (art. 52, X, da CF/88)11.
É certo que, para a inexigibilidade do título, a decisão sobre a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo deve ter sido proferida pelo Plenário do STF, além de ser anterior ao trânsito em julgado da sentença ou do acórdão, caso em que a Fazenda Pública deve apresentar impugnação ao cumprimento de sentença com base no art. 535, inciso III, para que seja declarada a ineficácia do título judicial exequendo.
No entanto, se o STF só declarou a inconstitucionalidade da norma abstrata que dá sustentáculo à norma concreta objeto da sentença após o seu trânsito em julgado, é possível o manejo por parte da Fazenda Pública da ação rescisória, desde que no prazo legal, nos termos do art. 966, inciso V do CPC/15.
Entendo que não há vedação para que também seja utilizada a ação rescisória a declaração de inconstitucionalidade seja anterior ao trânsito em julgado da sentença, uma vez que a suspensão da exigibilidade atinge a eficácia do título, e para alguns efeitos, como a repetição dos valores pagos, é necessária a sua desconstituição.
Para melhor esclarecimento colaciono as lições do saudoso Teori Albino Zavascki12:
São apenas três, portanto, os vícios de inconstitucionalidade que permitem a utilização do novo mecanismo: (a) a aplicação de lei inconstitucional; ou (b) a aplicação da lei a situação considerada inconstitucional; ou, ainda, (c) a aplicação da lei com um sentido (= uma interpretação) tido por inconstitucional. Há um elemento comum às três hipóteses: o da inconstitucionalidade da norma aplicada pela sentença. O que as diferencia é, apenas, a técnica utilizada para o reconhecimento dessa inconstitucionalidade. No primeiro caso (aplicação de lei inconstitucional) supõe-se a declaração de inconstitucionalidade com redução de texto. No segundo (aplicação da lei em situação tida por inconstitucional), supõe-se a técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. E no terceiro (aplicação de lei com um sentido inconstitucional), supõe-se a técnica da interpretação conforme a Constituição.
Por fim, é necessário observar nos casos de inconstitucionalidade declarada, antes de sustentar a inexigibilidade do título exequendo, se houve por parte do STF modulação dos efeitos no tempo, o que pode trazer como consequência a manutenção da exigibilidade do título.
15. A inconstitucionalidade frente a Constituição Estadual, reconhecida por tribunal de justiça
Uma importante questão a ser levantada é a possibilidade de se conferir o mesmo tratamento à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo realizada por Tribunal de Justiça Estadual tendo por paradigma a Constituição Estadual.
Isso porque as leis municipais podem ser declaradas inconstitucionais pelo STF tendo como parâmetro a Constituição Federal, seja pela via do controle difuso de constitucionalidade ou em arguição por descumprimento de preceito fundamental, não havendo permissão constitucional tão somente para o controle concentrado por ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade.
Não é, portanto, permitido ao Tribunal de Justiça Estadual declarar inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal ou estadual, tendo por paradigma a Constituição Federal, pois haveria usurpação de competência do STF13, ressalvado o caso de inconstitucionalidade reflexa ou simultaneidade de ações diretas.14.
No entanto, é perfeitamente possível ao Tribunal de Justiça de um Estado, seja por controle concentrado15 ou difuso, este através da reserva de plenário16 (art. 97 da CF17), declarar a inconstitucionalidade de Lei ou ato normativo Municipal ou Estadual tendo como paradigma a Constituição Estadual.
Destarte, há respaldo legal para aplicação do disposto nos §§ 5º, 6º, 7º e 8º do art. 535 do CPC/15, nos casos em que os Tribunais de Justiça Estaduais declararem a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais ou estaduais, tendo por parâmetro a Constituição Estadual. Explica-se.
Primeira premissa: nos termos do art. 927, V do CPC/15, “os juízes e os tribunais observarão a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”, sendo que para o Fórum Permanente dos Processualistas Civis “as decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos” (Enunciado 170).
Na mesma linha, o art. 489, inciso II e §1º, VI afirmam que são elementos essenciais da sentença os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito”, sendo que “não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Por fim, o art. 93, IX da CF dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Dessa forma, é nula a sentença, considerada não fundamentada por deixar de informar o motivo pelo qual foi contrária a precedente vinculante do Tribunal de Justiça Estadual que declarou a inconstitucionalidade, por seu órgão especial, de lei ou ato normativo municipal ou estadual com parâmetro na Constituição Estadual.
Assim, existe a possibilidade de manejo pela Fazenda Pública de ação rescisória nos termos do art. 966, inciso V c/c §5º e 6º do CPC/15: a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando (caput) violar manifestamente norma jurídica (inciso V); “cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento” (§5º); e “quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do §5º. deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica” (§6º). Neste caso vale ressaltar que seria cabível também a impugnação se a declaração de inconstitucionalidade for anterior ao trânsito em julgado da sentença.
Segunda premissa: é extremamente plausível a aplicação ao caso do princípio da simetria, uma vez que a própria Constituição Federal permitiu aos Estados instituírem a representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (art. 125, §2º da CF). Por tal motivo, se o ato normativo ou a lei estadual ou municipal, que foi declarada inconstitucional pelo órgão especial do tribunal de justiça estadual, serviu como fundamento para a sentença, não há razão para negar, além da ação rescisória se a declaração for após o trânsito em julgado da sentença (§8º), a utilização da impugnação ao cumprimento de sentença com base na inexigibilidade do título (§5º) se a declaração de inconstitucionalidade for anterior ao trânsito em julgado, salvo, em ambos os casos, se houver modulação dos efeitos (§6º).
16. Dos honorários advocatícios sucumbenciais
Muitas questões surgem, no dia a dia da execução contra a Fazenda Pública, acerca dos honorários advocatícios sucumbenciais, que são aqueles devidos pelo ente público quando vencido em demanda judicial.
Primeiramente, há muito tempo os precedentes já sedimentaram o direito à execução independente. Ou seja, é permitido ao advogado executar seus honorários sucumbenciais em precatório distinto daquele que expresse o débito principal; ou mesmo, se for o caso, requerer a expedição de requisições de pequeno valor em nome próprio, independente do valor principal ser pago por precatório ou RPV, nos termos do art. 85, §1º do CPC/15.
Vale ressaltar que se trata de verba de natureza alimentar, e portanto, deve ser paga entre as prioridades legais, conforme preceito do art. 85, § 14 do CPC/15 e art. 100, §1º da CF.
Sobre as questões supracitadas, já se manifestou em Recurso Repetitivo o Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:
(…) 15. Não há impedimento constitucional, ou mesmo legal, para que os honorários advocatícios, quando não excederem ao valor limite, possam ser executados mediante RPV, ainda que o crédito dito "principal" observe o regime dos precatórios. Esta é, sem dúvida, a melhor exegese para o art. 100, § 8º, da CF, e por tabela para os arts. 17, § 3º, da Lei 10.259/2001 e 128, § 1º, da Lei 8.213/1991, neste recurso apontados como malferidos. 16. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. (REsp 1347736/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/10/2013, DJe 15/04/2014).
Ainda, por expressa determinação do art. 85 do CPC, os honorários advocatícios passam a ser devidos no cumprimento de sentença (§1º), mas com a ressalva do § 7o: “Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada”.
Referida previsão deixa clara a vontade do legislador de permitir que a Fazenda Pública, quando quitar os valores devidos sem a oferta de impugnação, deixe de pagar honorários advocatícios por ausência de resistência, atribuindo ao ente público o direito de aguardar a provocação do exequente, deixando-lhe de impor o ônus do cumprimento espontâneo da obrigação observado na relação entre os particulares.
A isenção dos honorários neste caso tem sua razão ante a impossibilidade fática da Fazenda Pública cumprir voluntariamente sua obrigação de pagar quantia certa, já que a sistemática do precatório é incompatível com o pagamento espontâneo.
Quanto ao pagamento por RPV, ressalte-se que existem precedentes anteriores ao CPC/15 no sentido de que, nas execuções por pequeno valor, é possível ao ente público realizar o pagamento espontâneo, no que a doutrina chama de “execução invertida”. Portanto, sendo desnecessário o início do cumprimento de sentença, este não ensejará o pagamento de honorários advocatícios18.
Enfrentando essa e outras questões, expõe Leonardo Carneiro da Cunha: 19
A regra confirma o disposto no art. l°-D da Lei 9.494/1997, com a interpretação que lhe foi conferida pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário 420.816/PR. O disposto no art. l°-D da Lei 9.494/1997 afasta os honorários na execução que envolve a Fazenda Pública, tendo-lhe o STF conferido interpretação conforme a Constituição Federal para reduzir seu campo de incidência, de modo a excluir "os casos de pagamentos de obrigações definidos em lei como de pequeno valor, objeto do ~3° do artigo 100 da Constituição".
Assim, para a Fazenda Pública se ver livre da obrigação de pagar honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença por RPV, basta que, antes de iniciado o procedimento pelo credor, ela no mínimo apresente os cálculos que entende corretos.
No tocante à aplicação do §7º do art. 85 do CPC/15 quando a execução contra a Fazenda Pública for por título executivo extrajudicial (art. 910), leciona Cássio Scarpinella Bueno que 20: “Parece mais acertado negar a possibilidade porque, caso contrário, o advogado não receberia nenhuma contrapartida, do ponto de vista do processo, pelo seu trabalho naqueles casos”.
Ainda, deve-se destacar que, havendo resistência por parte da Fazenda Pública com a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença, no caso de improcedência, deverá o ente fazendário ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios, a serem acrescidos ao valor principal do débito (art. 85, §13º).
Referida obrigação não veda que os honorários sejam destacados do valor principal para pagamento a parte ao advogado beneficiário, seja por RPV ou por Precatório, a depender do valor.
Vale lembrar que não havendo impugnação da Fazenda Pública, mas sim determinação do juízo para que se averigue a regularidade dos cálculos quando entender necessário, por falta de previsão legal não será cabível a condenação em honorários sucumbenciais, nem a favor do ente Público se irregulares os cálculos, nem a favor do executado, no caso de estarem corretos os valores.