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O poder decisório do delegado de polícia

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06/06/2018 às 09:15
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5. Atendimento de Ocorrências Policiais Extraordinárias (Pessoa Detida)

A cadeia de decisão em ocorrências envolvendo pessoas presas é bem mais complexa. São cinco fases distintas, mas que ao fim se completam. São elas a “colheita de dados”, a “análise de dados”, a “seleção de opções”, o “planejamento da medida” e a “execução da decisão”.

Na colheita de dados é feita a aferição preliminar dos pormenores da notícia. O objetivo é apurar circunstâncias, materialidade e autoria. A autoridade policial faz uma pré-análise geral da notícia e verifica o local onde se deu a captura. Após, executa uma entrevista prévia com o condutor, com a vítima, com as testemunhas e com o conduzido, fazendo também um exame visual no mesmo, a fim de verificar o seu estado físico. São feitas pesquisas criminais – para se ter uma ideia da vida pregressa do conduzido – e, em sendo necessário, a autoridade vai ao local dos fatos, examinando imagens e gravações que possam ajudar na formação da convicção. Verifica se os fatos ao fim estão livres de dúvidas, formando, assim, uma espécie de banco de dados para a sua convicção. Até então o Delegado de Polícia não anunciou a sua decisão, o que apenas ocorrerá na fase final da operação, dada a possibilidade do surgimento de fatos novos. É importante frisarmos que, até exarar o desfecho ao caso, a prisão-captura não foi ratificada e, em razão disso, a custódia do conduzido não impende a autoridade policial, mas sim aos condutores da ocorrência. No Estado de São Paulo, tal providência é disciplinada pela Recomendação DGP-1/05, de obrigatório conhecimento por quem atua nos plantões policiais.

Feito isso, a autoridade policial passa para a segunda fase, que é de análise dos dados recolhidos, onde é feita a interpretação técnico-jurídica. É aí que o Delegado de Polícia verificará se é caso de flagrante (próprio, impróprio, ficto ou presumido), se o crime é “possível”, se houve espontaneidade na apresentação, se houveram excludentes, descriminantes ou erro justificável, se o fato é “significante” e se o contexto probatório é idôneo. É nesse momento que surge a convicção.

Na fase seguinte, o Delegado de Polícia seleciona as opções hábeis a formalizar a convicção. É então que será decidido pela lavratura do auto constritivo, por um termo circunstanciado ou pelo mero registro dos fatos em boletim de ocorrência. Nesse instante a autoridade ainda não divulgou sua decisão, a qual ainda está sendo formatada.

Optando, fundamentadamente, pela opção escolhida, a autoridade passa para a quarta fase, que é a de planejamento da medida, onde são elencadas as ações decorrentes da formalização, isto é, como será feito o boletim de ocorrência (sua escrituração), qual a capitulação correta e como os trabalhos serão divididos em caso de eventual flagrante.

Com tudo isso decidido e revisado, isto é, com os dados colhidos, conferidos e analisados e a opção escolhida e planejada, a autoridade policial, aí sim, irá exteriorizar publicamente a sua decisão, a qual deverá estar amadurecida e dotada de fundamentos técnicos e jurídicos que a tornem segura, afinal é nessa fase final em que irão ocorrer os questionamentos externos, exigindo do Delegado de Polícia um controle absoluto sobre o cenário. Nos casos de protestos e indignações, a autoridade deve ter a expertise de manter-se paciente, dando aos insurgentes a opção de questionarem a decisão na seara adequada e de forma escrita, a fim de não se tornar parte no átrio da Delegacia.

É muito importante que o Delegado de Polícia só exteriorize a sua decisão final após analisar todo o contexto e fazer as entrevistas preliminares, a fim de que passe segurança, firmeza e seriedade. A constante alteração decisória não é boa, pois fragiliza a insituição e desprestigia a autoridade investida ao Delegado.


6. Considerações Finais

De todo o exposto, fica claro que, para a correta tomada de decisões, não basta apenas conhecimento técnico e jurídico. É necessário um conglomerado de providências que deem vazão a esses conhecimentos, de modo a blindar a autoridade policial e tornar suas providências imunes a reparos concisos.

Conquanto o tempo seja inimigo das decisões rápidas, tais quais as tomadas pelos Delegados de Polícia, este profissional deve procurar criar um meio muscular de adotá-las, a fim de queimar etapas e conferir providências, tornando a medida fundada e segura.

E em fazendo isso, a árdua missão de servir nas frentes da Polícia Judiciária torna-se mais científica e menos dificultosa.             


Notas

[1] Conquanto a origem do cargo tenha as suas raízes na judicatura – por ter sido exercido por magistrados togados –, é certo que, com o advento da Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871 – e do Decreto n° 4.824, de 22 de novembro de 1871 –, as funções judiciais e policiais foram definitivamente separadas.

[2] Exigência da Lei Federal n° 12.830/13 (art. 3º), in verbis, “O cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.

[3] É pré-requisito nacional para o ingresso na carreira de Delegado de Polícia, o bacharelado em Direito. 

[4] Sejam eles de polícia de segurança, técnica ou judiciária.

[5] Na Polícia Civil do Estado de São Paulo, existem diretrizes próprias que disciplinam a execução de diligências policiais e a emissão de ordens de serviço (Portarias DGP-18/97 e 23/13), todas sob a tutela do Delegado de Polícia.

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[6] Artigo 4º do Código de Processo Penal.

[7] Art. 144, parágrafo 4º. considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito,  interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

[8]Aliás, esta lei diz ser competência específica das guardas municipais encaminhar ao Delegado de Polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário.

[9] Pela inteligência do art. 307 do CPP, o juiz de direito também pode presidir o auto de prisão em flagrante.

[10] Poder de requisitar, de notificar, de interditar locais, de aprender e de prender pessoas.

[11] Art. 78 do Código Tributário Nacional.

[12] Caso das Polícias Militares e algumas “Polícias” Técnicas.

[13] A livre convicção consiste numa forma de análise onde o delegado tem liberdade para valorar as provas que colheu, desde que o faça de maneira fundamentada. Essa liberdade é limitada pela motivação (requisito de validade do ato administrativo), pois a autoridade policial deverá expor as razões fáticas e jurídicas pelas quais decidiu, sempre de maneira técnica e racional.

[14] Capacidade de organizar, questionar e interpretar fatos, a fim de dar sentido prático aos mesmos.

[15] Equidade, ou seja, qualidade pessoal de julgar com neutralidade e senso de justiça.

[16] No sentido independência.

[17] Em São Paulo, por força do art. 5º da Portaria DGP-18/98, “Logo que reúna, no curso das investigações, elementos suficientes acerca da autoria da infração penal, a autoridade policial, procederá o formal indiciamento do suspeito, decidindo, outrossim, em sendo o caso, pela realização da sua identificação pelo processo datiloscópico. O ato aludido neste artigo deverá ser precedido de despacho fundamentado, no qual a autoridade policial pormenizará, com base nos elementos probatórios objetivos e subjetivos coligidos na investigação, os motivos de sua convicção quanto a autoria delitiva e a classificação infracional atribuída ao fato, bem assim, com relação à identificação referida, acerca da indispensabilidade da sua promoção, com a demonstração de insuficiência de identificação civil, nos termos da Portaria DGP – 18, de 31.1.92”.

[18] Art. 17 D, inserido pela Lei Federal n° 12.683/12.

[19] Utilização da relotação como forma de punição sem contraditório e alegação de falta de perfil para trabalhar em equipe.

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Sobre o autor
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo Lima. O poder decisório do delegado de polícia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5453, 6 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65673. Acesso em: 19 abr. 2024.

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