5. Atendimento de Ocorrências Policiais Extraordinárias (Pessoa Detida)
A cadeia de decisão em ocorrências envolvendo pessoas presas é bem mais complexa. São cinco fases distintas, mas que ao fim se completam. São elas a “colheita de dados”, a “análise de dados”, a “seleção de opções”, o “planejamento da medida” e a “execução da decisão”.
Na colheita de dados é feita a aferição preliminar dos pormenores da notícia. O objetivo é apurar circunstâncias, materialidade e autoria. A autoridade policial faz uma pré-análise geral da notícia e verifica o local onde se deu a captura. Após, executa uma entrevista prévia com o condutor, com a vítima, com as testemunhas e com o conduzido, fazendo também um exame visual no mesmo, a fim de verificar o seu estado físico. São feitas pesquisas criminais – para se ter uma ideia da vida pregressa do conduzido – e, em sendo necessário, a autoridade vai ao local dos fatos, examinando imagens e gravações que possam ajudar na formação da convicção. Verifica se os fatos ao fim estão livres de dúvidas, formando, assim, uma espécie de banco de dados para a sua convicção. Até então o Delegado de Polícia não anunciou a sua decisão, o que apenas ocorrerá na fase final da operação, dada a possibilidade do surgimento de fatos novos. É importante frisarmos que, até exarar o desfecho ao caso, a prisão-captura não foi ratificada e, em razão disso, a custódia do conduzido não impende a autoridade policial, mas sim aos condutores da ocorrência. No Estado de São Paulo, tal providência é disciplinada pela Recomendação DGP-1/05, de obrigatório conhecimento por quem atua nos plantões policiais.
Feito isso, a autoridade policial passa para a segunda fase, que é de análise dos dados recolhidos, onde é feita a interpretação técnico-jurídica. É aí que o Delegado de Polícia verificará se é caso de flagrante (próprio, impróprio, ficto ou presumido), se o crime é “possível”, se houve espontaneidade na apresentação, se houveram excludentes, descriminantes ou erro justificável, se o fato é “significante” e se o contexto probatório é idôneo. É nesse momento que surge a convicção.
Na fase seguinte, o Delegado de Polícia seleciona as opções hábeis a formalizar a convicção. É então que será decidido pela lavratura do auto constritivo, por um termo circunstanciado ou pelo mero registro dos fatos em boletim de ocorrência. Nesse instante a autoridade ainda não divulgou sua decisão, a qual ainda está sendo formatada.
Optando, fundamentadamente, pela opção escolhida, a autoridade passa para a quarta fase, que é a de planejamento da medida, onde são elencadas as ações decorrentes da formalização, isto é, como será feito o boletim de ocorrência (sua escrituração), qual a capitulação correta e como os trabalhos serão divididos em caso de eventual flagrante.
Com tudo isso decidido e revisado, isto é, com os dados colhidos, conferidos e analisados e a opção escolhida e planejada, a autoridade policial, aí sim, irá exteriorizar publicamente a sua decisão, a qual deverá estar amadurecida e dotada de fundamentos técnicos e jurídicos que a tornem segura, afinal é nessa fase final em que irão ocorrer os questionamentos externos, exigindo do Delegado de Polícia um controle absoluto sobre o cenário. Nos casos de protestos e indignações, a autoridade deve ter a expertise de manter-se paciente, dando aos insurgentes a opção de questionarem a decisão na seara adequada e de forma escrita, a fim de não se tornar parte no átrio da Delegacia.
É muito importante que o Delegado de Polícia só exteriorize a sua decisão final após analisar todo o contexto e fazer as entrevistas preliminares, a fim de que passe segurança, firmeza e seriedade. A constante alteração decisória não é boa, pois fragiliza a insituição e desprestigia a autoridade investida ao Delegado.
6. Considerações Finais
De todo o exposto, fica claro que, para a correta tomada de decisões, não basta apenas conhecimento técnico e jurídico. É necessário um conglomerado de providências que deem vazão a esses conhecimentos, de modo a blindar a autoridade policial e tornar suas providências imunes a reparos concisos.
Conquanto o tempo seja inimigo das decisões rápidas, tais quais as tomadas pelos Delegados de Polícia, este profissional deve procurar criar um meio muscular de adotá-las, a fim de queimar etapas e conferir providências, tornando a medida fundada e segura.
E em fazendo isso, a árdua missão de servir nas frentes da Polícia Judiciária torna-se mais científica e menos dificultosa.
Notas
[1] Conquanto a origem do cargo tenha as suas raízes na judicatura – por ter sido exercido por magistrados togados –, é certo que, com o advento da Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871 – e do Decreto n° 4.824, de 22 de novembro de 1871 –, as funções judiciais e policiais foram definitivamente separadas.
[2] Exigência da Lei Federal n° 12.830/13 (art. 3º), in verbis, “O cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.
[3] É pré-requisito nacional para o ingresso na carreira de Delegado de Polícia, o bacharelado em Direito.
[4] Sejam eles de polícia de segurança, técnica ou judiciária.
[5] Na Polícia Civil do Estado de São Paulo, existem diretrizes próprias que disciplinam a execução de diligências policiais e a emissão de ordens de serviço (Portarias DGP-18/97 e 23/13), todas sob a tutela do Delegado de Polícia.
[6] Artigo 4º do Código de Processo Penal.
[7] Art. 144, parágrafo 4º. considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
[8]Aliás, esta lei diz ser competência específica das guardas municipais encaminhar ao Delegado de Polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário.
[9] Pela inteligência do art. 307 do CPP, o juiz de direito também pode presidir o auto de prisão em flagrante.
[10] Poder de requisitar, de notificar, de interditar locais, de aprender e de prender pessoas.
[11] Art. 78 do Código Tributário Nacional.
[12] Caso das Polícias Militares e algumas “Polícias” Técnicas.
[13] A livre convicção consiste numa forma de análise onde o delegado tem liberdade para valorar as provas que colheu, desde que o faça de maneira fundamentada. Essa liberdade é limitada pela motivação (requisito de validade do ato administrativo), pois a autoridade policial deverá expor as razões fáticas e jurídicas pelas quais decidiu, sempre de maneira técnica e racional.
[14] Capacidade de organizar, questionar e interpretar fatos, a fim de dar sentido prático aos mesmos.
[15] Equidade, ou seja, qualidade pessoal de julgar com neutralidade e senso de justiça.
[16] No sentido independência.
[17] Em São Paulo, por força do art. 5º da Portaria DGP-18/98, “Logo que reúna, no curso das investigações, elementos suficientes acerca da autoria da infração penal, a autoridade policial, procederá o formal indiciamento do suspeito, decidindo, outrossim, em sendo o caso, pela realização da sua identificação pelo processo datiloscópico. O ato aludido neste artigo deverá ser precedido de despacho fundamentado, no qual a autoridade policial pormenizará, com base nos elementos probatórios objetivos e subjetivos coligidos na investigação, os motivos de sua convicção quanto a autoria delitiva e a classificação infracional atribuída ao fato, bem assim, com relação à identificação referida, acerca da indispensabilidade da sua promoção, com a demonstração de insuficiência de identificação civil, nos termos da Portaria DGP – 18, de 31.1.92”.
[18] Art. 17 D, inserido pela Lei Federal n° 12.683/12.
[19] Utilização da relotação como forma de punição sem contraditório e alegação de falta de perfil para trabalhar em equipe.