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Trabalho em condições análogas à de escravo contemporâneo

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22/09/2018 às 11:00
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3 AS MODALIDADES DE ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

Esse capítulo visa apenas traçar linhas gerais sobre algumas das modalidades de escravidão contemporânea, mas não visa esgotar todo o assunto devido a grande variedade de espécies dessa forma de escravidão existente hoje. Vale ressaltar que serão abordados aqui apenas alguns exemplos como objeto de estudo.

3.1 Escravidão pelo trabalho infanto-juvenil

Neste capítulo o trabalho infantil é estudado como uma forma de exploração do menor, com ou sem finalidade lucrativa, quer sejam remuneradas ou não.

O trabalho infantil possui raízes na colonização portuguesa, quando as crianças indígenas e negras foram as primeiras a serem obrigadas a trabalhar. Mesmo após a industrialização e com o advento do capitalismo as crianças ainda são utilizadas nas formas de produção.

Essa modalidade de trabalho encontra-se dentro do gênero trabalho precoce e isso ocorre em vários lugares do mundo. Os motivos para justificar esse tipo de exploração são diversos, mas dentre eles podemos citar a pobreza, a desigualdade social e a consequente exclusão da sociedade fazem o menor vincular-se ao mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, o desemprego, os salários inferiores e a informalidade do vínculo empregatício torna o trabalho infantil uma atividade bastante lucrativa para quem emprega.

O trabalho da criança ou adolescente, muitas vezes, é realizado por meio de um sistema escravista ou de servidão que lhe tiram a infância e também a dignidade humana de que é titular, principalmente por tratar-se de uma pessoa em fase de desenvolvimento.

Conforme já abordado no capítulo anterior, o trabalho garante inúmeros benefícios, sejam eles financeiros ou pessoais, uma vez que impõe responsabilidade.

Contudo, quando se trata do desenvolvimento infantil é necessário analisar quatro elementos considerados essenciais: a significação da criança, a estrutura do pensamento da criança, as leis de desenvolvimento e o mecanismo da vida social infantil. Nesse contexto, Jean Piaget (1985, p.48) explica:

A pedagogia moderna não saiu de forma alguma da psicologia da criança, da mesma maneira que os progressos da técnica industrial surgiram, passo a passo, das descobertas das ciências exatas. Foram muito mais o espírito geral das pesquisas psicológicas e, muitas vezes também, os próprios métodos de observação que, passando do campo da ciência pura ao da experimentação, vivificaram a pedagogia.

Segundo Jean Piaget, a evolução do ser humano deve iniciar-se através da interação da criança com outras pessoas e com o mundo. A cada etapa da vida a criança passa por um processo de maturação e desenvolvimento, se tal processo foi interrompido, ocorrerá uma má formação.

Portanto, é necessário que a criança vivencie cada etapa da vida para tornar-se um adulto completo. Devido a isso, o trabalho precoce da criança e do adolescente acaba por prejudicar o seu desenvolvimento.

Essa discussão acerca do trabalho infantil transcende a discussão jurídica, pois está em análise não apenas as condições de trabalho, mas também a situação do menor no que se refere ao desenvolvimento enquanto seres humanos.

O ordenamento jurídico brasileiro refere-se ao trabalho infantil por meio de princípios consagrados na Constituição Federal de 1988, os quais estão intimamente ligados a Convenção dos Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas e das Convenções números 138 e 182, da Organização Internacional do Trabalho.

Na Convenção dos Direitos da Criança, da ONU, o artigo 32 diz que não será permitido nenhum tipo de exploração econômica da criança, sendo considerada exploração qualquer espécie de trabalho que prejudique a escolaridade básica. Já a Convenção nº 138, da OIT, foi ratificada pelo Brasil em 28 de junho de 2001, a qual estabeleceu que a idade mínima para admissão ao emprego ou trabalho em qualquer ocupação deve ser especificada, não se admitindo nenhuma pessoa com idade inferior à que for definida seja incorporada no mercado de trabalho.

O preâmbulo da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente dispõe que:

A criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive, a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento [...] a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão [...] “estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade”.

A Convenção nº 182 da OIT dispõe sobre as piores formas de trabalho Infantil, da qual o Brasil é signatário, e impõe como prioridade a eliminação imediata dos trabalhos que prejudicam a saúde, a segurança e a moral da criança.

Segundo o artigo 3º dessa convenção, as quatro formas de trabalho infantil são: a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;  c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e, d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.

Nesse artigo, ficam estabelecidas ainda atividades que são propensas de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças, as quais foram complementadas na Portaria nº 20/2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego. Tais atividades são consideradas insalubres ou perigosas, além de proibir o trabalho da criança ou adolescente.

No Brasil, o marco da proteção aos direitos da criança e do adolescente, os artigos 7º, inciso XXXIII e 227, ambos da Constituição Federal; os artigos 60 a 69 e 248 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, denominado Estatuto da Criança e do Adolescente, e também o seu Capítulo IV, que dispõe sobre a proteção do trabalho do menor e o título III da Consolidação das Leis do Trabalho. Essa legislação visa resguardar o direito do menor trabalhador, para que o mesmo não seja explorado e garantir que a dignidade que lhe é inerente desde o seu nascimento seja respeitada.

A Constituição Federal determina no artigo 227 que:

São deveres da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Portanto, conforme reza o artigo, a criança e o adolescente devem ser isentos de qualquer situação que venha a por em risco sua integridade física e psicológica, a fim de evitar danos irreversíveis principalmente para a saúde.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 60 a 69, trata da proteção ao trabalhador adolescente. O artigo 67 diz que:

Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho:

I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte;

II - perigoso, insalubre ou penoso;

III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;

IV - realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.

O artigo 248, da mesma lei, por sua vez, trata sobre a guarda do adolescente trazido de outra comarca para prestação de serviços domésticos:

Art. 248. Deixar de apresentar à autoridade judiciária de seu domicílio, no prazo de cinco dias, com o fim de regularizar a guarda, adolescente trazido de outra comarca para a prestação de serviço doméstico, mesmo que autorizado pelos pais ou responsável:

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência, independentemente das despesas de retorno do adolescente, se for o caso.

O legislador, ao formalizar a guarda do menor amparado por uma família para a prestação de serviços domésticos teve a intenção de proteger o menor de eventuais abusos, inclusive sexuais e garantir-lhes os direitos trabalhistas e o respeito aos seus direitos fundamentais.

A Consolidação das Leis do Trabalho, na seara trabalhista, visa garantir o direito social dos trabalhadores e garantir a efetivação do valor social do trabalho por meio de inúmeros dispositivos que regulam o trabalho do adolescente. Contudo, visa privilegiar a frequência escolar, para que a criança e o adolescente possam ter qualificação no futuro e, posteriormente, conseguir um emprego melhor no mercado de trabalho.

Os Conselhos Tutelares e os Conselhos de Direitos nacional, estadual e municipal também são responsáveis pelo combate ao trabalho infantil, sendo eles responsáveis por cuidar dos direitos das crianças e adolescentes em parceria com o Ministério Público e o Juizado da Infância e da Juventude.

O trabalho do menor somente é permitido quando previsto em lei, configurando exceções às regras, o mesmo poderá ser exercido nos casos de emprego em regime de aprendizagem, permitido a partir de 14 anos, o qual encontra respaldo nos artigos 428 e 433 da CLT.

Segundo o artigo a seguir, o contrato de aprendizagem pode ser definido como:

Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.

Dessa forma, o menor pode exercer uma atividade laboral contato que seja de caráter de aprendizagem e por um prazo determinado.

Outra exceção à regra é a possibilidade de o menor ser contratado para laborar em regime de estágio, o qual é regido pelas Leis nº 11.788, de setembro de 2008; nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e pelo Decreto nº. 87.497, de 18 de agosto de 1982.

O contrato de estágio possui natureza civil e concede ao estudante a oportunidade de participar das atividades de trabalho, porém com a supervisão e responsabilidade da instituição de ensino. Além disso, esse contrato visa proteger o menor, uma vez que exige que o estagiário esteja matriculado e frequente uma unidade de ensino educacional, seja superior ou médio.

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Esse tipo de contrato não gera vínculo empregatício. Contudo, o menor pode ser remunerado pelo estágio com uma bolsa auxílio, sua duração é de, no mínimo, seis meses e, no máximo, até a conclusão do curso. Em relação à jornada de trabalho, é fundamental que esta não prejudique o estagiário na sua frequência a escola e aprendizado dos conteúdos.

Há ainda o trabalho educativo, o qual é previsto no artigo 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:

Art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada.

§ 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo.

§ 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo.

Dessa forma, nota-se que a intenção do legislador foi de preservar os interesses sociais, bem como o de adequá-los aos interesses do menor. Dessa forma, somente as instituições sem fins lucrativos podem utilizar essa forma de trabalho, para que seja demonstrado que não há o desejo de criar um vínculo empregatício entre o menor e a instituição.

A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI) foi instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Portaria nº 365, de 12 de setembro de 2002, visando priorizar e viabilizar a elaboração do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, julgando o disposto em convenções internacionais que tratam da luta contra o trabalho infantil.

Por meio da Portaria nº 952, de 8 de julho de 2003, foi elaborado o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente, a qual acrescentou diversas contribuições de organizações governamentais e não-governamentais, dentre elas a Organização Internacional do Trabalho, com o intento de assegurar a extinção do trabalho infantil.

Contudo, ainda hoje crianças e adolescentes continuam trabalhando em empresas, as quais, na maioria das vezes, não tomam o cuidado necessário e acabam por expor o menor a equipamentos inapropriados que oferecem riscos a sua saúde e integridade física. Vale ressaltar que a jornada de trabalho é extenuante fazendo com que o menor abandone a vida escolar e dedique-se apenas ao trabalho.

 Há ainda que se falar no trabalho escravo infantil no campo, sendo este relacionado à extrema pobreza em que se encontram, onde muitas vezes são os próprios pais que obrigam seu filho ainda menor para ajudá-los na produção e aumentar a renda da família.

Outra realidade no Brasil é o trabalho do menor nas carvoarias, seja pela informalidade das empresas que exercem essa atividade ou devido às irregularidades aliadas a falta de fiscalização.

Apesar das inúmeras tentativas de erradicação dessa espécie de trabalho, diariamente crianças e adolescentes são submetidas ao desenvolvimento de trabalho forçado, trabalho servil e/ou qualquer outra espécie de trabalho, seja na catação de lixo; como empregados domésticos nos centros urbanos; explorados sexualmente por seus familiares ou por terceiros.

Portanto ainda há muito que ser feito, seja pelas organizações não governamentais, e, sobretudo pelo Judiciário brasileiro, que tem o dever de trazer equilíbrio e justiça às situações descritas, possibilitando a essas crianças e adolescentes uma educação formal, respeito à sua condição de ser em desenvolvimento e à sua dignidade enquanto ser humano em desenvolvimento.

Dessa forma, além de proteger as crianças e adolescentes atingidos diretamente pelo trabalho infantil, protegem também aqueles que poderão ser suas vítimas futuras.

Isto posto, fica demonstrado que o trabalho infantil está entre os grandes desafios a serem superados pelo Brasil, haja vista o grande número de crianças que têm seus direitos à infância e à escola, suprimidos diariamente.

3.2 Escravidão pela servidão por dívida      

Com a finalidade de evitar que os trabalhadores fugissem devido às precárias condições de trabalho, o empregador utilizou medidas de vigilância e repressão. Tal fato ocasionou diversas violências além daquelas já praticadas com o trabalhador.

Se em tempos remotos os trabalhadores eram submetidos a essas condições de trabalho devido ser considerado um objeto lucrativo e de fácil exploração, hoje a situação no Brasil não é diferente. Essa prática está presente tanto na zona urbana quanto na zona rural.

O trabalho escravo contemporâneo apresenta como justificativa econômica a necessidade do empregador de reduzir os custos para que possa tornar o seu produto mais competitivo frente às outras empresas. Dessa forma, o trabalho escravo é uma maneira altamente lucrativa para atingir esse objetivo, uma vez que é caracterizado pela submissão do empregado a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva; a sua sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de sua liberdade de locomoção.

Essa espécie de trabalho configura-se independente da existência ou não de dívidas a ser paga pelo trabalhador ao empregador, apesar da redação do artigo 149 do Código Penal. Vale ressaltar que para que o crime seja tipificado neste artigo, é necessária a existência da dívida.

Na zona rural o processo de exploração da mão-de-obra escrava ainda é violento, onde famílias são aprisionadas por dívidas adquiridas por meio de fraudes pelos empregadores ou terceiros, mais conhecidos por “gatos”.

Para o coordenador do programa de combate ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra, Xavier Plassat, “o trabalho escravo não acabou no meio rural. O que começou na zona urbana foi uma atenção maior da fiscalização a diferentes cadeias produtivas críticas, um investimento e um olhar mais aguçado para identificar as condições degradantes do trabalho”.

Nesse sentido, tem-se a seguinte jurisprudência do TRT-3- RO: 0074240120840304 0000742- 41. 2012.5.03.0084:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO. CONDUTA INTOLERÁVEL. DANOS MORAIS INDIVIDUAIS E COLETIVOS. Demonstrado que o empregador, proprietário rural, contratava trabalhadores por intermédio de "gato" e mantinha-os em condições degradantes, alojados precariamente em casebre inacabado, sem água potável e alimentação adequada, apurando-se, ainda, a existência de servidão por dívidas, expediente que afronta a liberdade do indivíduo, que se vê coagido moralmente a quitar "dívidas" contraídas em decorrência da aquisição dos instrumentos de trabalho, resta caracterizada a submissão dos contratados a condições análogas às de escravo, o que exige pronta reprimenda do Judiciário a fim de restaurar a ordem jurídica lesada.

A escravidão contemporânea rural no Brasil é desenvolvida em todos os Estados, mas em alguns onde essa prática é mais acentuada, dentre eles o Mato Grosso, o Pará, o Piauí e o Maranhão, em razão das derrubadas das matas, da agricultura e da produção de carvão.

A má distribuição de renda e de terras, a pobreza, o desemprego, a seca que assola algumas regiões do país, a falta de incentivos do governo e vários outros motivos fazem com que esses trabalhadores vivam em condições precárias de vida, pois necessitam obter algum lucro para garantir sua sobrevivência e a de sua família. Em alguns casos os próprios trabalhadores se oferecem para o trabalho oferecido.

Provavelmente isso explique o motivo de o Brasil ter sido um dos primeiros países do mundo a reconhecer oficialmente a existência de trabalho escravo em seu território no ano de 1995 e foi pioneiro ao declarar que, aproximadamente de 25.000 (vinte e cinco mil) trabalhadores escravos, existia em terras brasileiras no ano de 2004.

Diante disso, pode-se dizer que no Brasil existem fundamentalmente quatro formas de privação direta ou indireta da liberdade do trabalhador, quais sejam: a servidão por dívidas; a retenção de documentos; a dificuldade de acesso ao local de trabalho e a presença de vigilantes armados, como forma de evitar as tentativas de fuga.

Nessa modalidade o trabalhador acaba se endividando antes mesmo de iniciar o trabalho, pois tudo o que lhe foi ofertado deverá ser pago empregador, que na maioria das vezes, desconta os valores que entende devido do salário, sem efetuar qualquer outro pagamento e outras vezes realiza o pagamento de um valor ínfimo, insuficiente para atender às suas necessidades pessoais básicas. Dessa forma, o empregado acaba sendo obrigado a recorrer ao patrão quando necessite fazendo com que sua dívida aumente um visível círculo vicioso que nunca acaba.

A privação de liberdade pode ocorrer também quando os trabalhadores são aliciados em locais distantes daquele em que prestarão serviços, com objetivo de que percam a sua referência social, para não tenham a quem recorrer num momento, além do que, a distância desestimula as fugas, em razão do desconhecimento do caminho para voltar às suas casas.

Nesse sentido, temos a seguinte jurisprudência do TRT-1 – RO: 00338005920045010411:

Ação civil pública. Competência. Ministério público do trabalho. Trabalho escravo e infantil. O trabalho escravo contemporâneo caracteriza-se mediante a sujeição ou a redução do "trabalhador à condição análoga de escravo, revelando-se através da fraude, das dividas e da retenção dos salários e de documentos, de ameaças ou de violência que impliquem no cerceamento da liberdade do empregado ou de seus familiares em deixar o local da prestação dos serviços, e ainda na negativa de fornecimento de transporte para retorno ao local de origem, quando inexistem outros meios seguros de locomoção em virtude das dificuldades econômicas ou físicas da região. Não se trará apenas da defesa de direitos individuais homogêneos, definidos pelo inciso iii do citado artigo 81 do cdc como os decorrentes de origem comum, uma vez que a prática do trabalho escravo e a utilização de mãe de obra infantil afrontam toda a sociedade, na medida em que desrespeitam os objetivos fundamentais desta república federativa, quais sejam: os de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (cf, artigo 3º), autorizando o manuseio da ação civil pública pelé ministério público do trabalho, nos termos dos artigos 129, iii, da cr e 11, iv, da lei nº 7.347/85 e lei complementar nº 75/93.

Na zona rural os grandes proprietários de terra são os responsáveis por explorar os trabalhadores, não se trata de pessoas desinformadas, mas sim possuidores de fazendas equipadas com equipamentos de alta tecnologia. Os produtos oriundos dessa exploração são destinados tanto para o mercado interno quanto para o externo.

Em 2002 a OIT deu início a um projeto visando ajudar as instituições brasileiras a erradicar o trabalho escravo existente no Brasil. Desde então, foram obtidos muitos avanços, os quais foram reconhecidos no Relatório Global da OIT publicado em 2005 e denominado “Uma Aliança Global Contra o Trabalho Forçado”.

Entre 1995 e 2005 foram realizadas 395 operações de fiscalização, em 1.463 fazendas, o que ocasionou na libertação de 17.983 pessoas e no pagamento de R$ 21.985.124,47 (vinte e um milhões e novecentos e oitenta e cinco mil e cento e vinte e quatro reais e quarenta e sete centavos) em direitos trabalhistas.

Contudo, muitas pessoas ainda são enganadas e escravizadas. Apesar das medidas adotadas pelo Brasil visando erradicar o trabalho escravo ainda não é o suficiente para tanto, razão pelo qual ainda é considerado um país de desiguais e desrespeito a dignidade da pessoa humana.

Com o intuito de mudar essa realidade, o Brasil aceitou as metas impostas pelo 2º Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, assunto que será abordado no próximo capítulo.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Ismaela Freire. Trabalho em condições análogas à de escravo contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5561, 22 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65768. Acesso em: 26 abr. 2024.

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