Significado do termo justa causa para o exercício da ação penal

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Resumo:


  • A justa causa para o exercício da ação penal é um conceito jurídico que ganhou expressão legal no Código de Processo Penal brasileiro com a Lei 11.719 de 2008, mas sua natureza jurídica não foi claramente definida, gerando diferentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais.

  • Embora haja divergências, a justa causa é comumente entendida como um suporte probatório mínimo necessário para o recebimento de uma denúncia ou queixa-crime, devendo estar baseada em indícios suficientes de autoria e materialidade do delito.

  • A análise da justa causa deve ser feita à luz dos princípios constitucionais do processo penal, como o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência, e sua correta aplicação é fundamental para evitar o abuso do direito de acusar e garantir a legitimidade da persecução penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O termo justa causa foi inserido no Código de Processo Penal pela Lei 11.719/08, e passou, a partir daí, a ser requisito essencial para o recebimento de denúncia ou queixa-crime. Contudo, qual seria a real amplitude de seu conceito? Condição da ação ou pressuposto processual?

Resumo:O termo justa causa foi inserido de forma expressa no Código de Processo Penal através da Lei 11.719 de 2008, transformando-a em um requisito essencial a ser analisado para o recebimento de denúncia ou queixa-crime. Contudo, como não foi especificado pelo legislador qual seria o real significado da expressão, a dita omissão proporcionou o surgimento de diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais que buscaram oferecer, cada uma à sua maneira, uma definição mais segura acerca de qual seria a natureza jurídica do termo.

Orientando-se pela mesma pretensão, o presente artigo se propõe a dar a sua contribuição no esforço científico pelo preciso delineamento do termo justa causa, partindo, para tanto, da análise de sua previsão normativa no ordenamento jurídico brasileiro, bem como das implicações práticas de seu (melhor) uso  para o exercício da ação penal.

Nesse desiderato, tornou-se imprescindível a investigação dos mais distintos posicionamentos doutrinários sobre o tema, como também das consequências jurídicas advindas do problema da imprecisão do termo, como assim revelou o repositório jurisprudencial identificado sobre a variação do significado que lhe é atribuído no ordenamento jurídico pátrio.

Por fim, buscou-se repensar o instituto jurídico da justa causa no modelo constitucional de processo com vistas ao adequado exercício da ação penal.

Palavra-chave:Processual Penal – Justa Causa - Significado - Exercício da Ação Penal.

Abstract:The term "good cause"  was introduced hastily on the Penal Code through Law number 11.719 from 2008, changing into an essential requirement to be analyzed when the complaint or criminal complaint are received. However, as it was not defined by the legislator what would be the correct meaning of the term, this omission led to the appearance of many doctrinaire chains and jurisprudences that tried to offer, each of them on its own way, a more reliable definition regarding what would be the term’s legal nature.

With the same purpose, this article intends to give its contribution to the scientific effort towards an accurate outlining of the meaning of  "good cause", starting with the analysis of its prescriptive foresight on the Brazilian judicial ordainment, as well as the practical effects of its better usage in prosecution processes.

In these desideratum,  the investigation of different doctrinaire positions about the theme became crucial, and also the judicial consequences which arise from the lack of precision of the term, as  revealed by the case law repository identified upon the meaning variance that  is assigned in the native juridical order .

Finally, it seeks to rethink the "good cause" legal institute according to the standard constitutional model  in view of the prosecution process.

Key words:Criminal proceedings – Good Cause – Meaning - prosecution process.


1. Introdução.

Com a reforma operada pela Lei 11719/08, a expressão "justa causa" foi prevista de modo expresso como um dos requisitos essenciais a serem analisados pelo juiz no instante do recebimento da peça acusatória.

Até a edição da referida lei, as causas de rejeição da inicial acusatória, exceto a justa causa, encontravam-se previstas no revogado art. 43 do Código de Processo Penal. Como o citado dispositivo, todavia, não previa a justa causa como um dos requisitos das iniciais acusatórias, ela somente era levada em consideração no seio das elucubrações doutrinárias.

 Contudo, ao contemplá-la no rol dos requisitos do Art. 395 do Código de Processo Penal, o legislador pátrio não indicou qual seria o seu sentido ideal, ou seja, omitiu-se quanto a sua natureza jurídica, seja como condição da ação ou ainda como lastro probatório mínimo para o exercício da ação penal.

Diante de tais ponderações, o assunto ganha especial relevo quando se questiona então: qual seria o significado do termo justa causa para o exercício da ação penal? Deve-se ressaltar que o termo não apresenta um entendimento uníssono com relação ao seu significado.

A escolha do presente tema se justifica devido a grande importância que o termo justa causa tem para o exercício da ação penal: como o legislador pátrio não deixou claro qual seria o seu significado correto para o exercício da ação penal, e por não apresentar entendimento uníssono tanto da doutrina quanto da jurisprudência brasileira, o tema deixou margem para diversas interpretações. Esta imprecisão conceitual implica em consequências práticas, como a rejeição da denúncia ou da queixa por falta da justa causa, originando grande impasse doutrinário.

A sua compreensão incorreta pode também causar na sociedade sensação de impunidade por parte do Estado-juiz, ao beneficiar o denunciado/querelado que não sofrerá a ação penal. Por outro lado, poderá também prejudicar a vítima, que sofreu a ação criminosa daquele denunciado/querelado, pela sensação de injustiça. Também pode ocorrer no tocante aos operadores do direito, a sensação de insegurança jurídica, uma vez que não existe uma definição clara do termo justa causa em comento.

Este artigo busca apresentar a definição do termo justa causa, sua previsão normativa no ordenamento jurídico brasileiro e o seu uso para o exercício da ação penal. Sendo também abordados outros posicionamentos doutrinários sobre o seu significado, as consequências jurídicas advindas do problema de sua imprecisão, bem como a análise da jurisprudência pátria no tocante ao seu significado e, também, os aspectos críticos da indefinição do termo junto ao judiciário.

Para isso, será empregado o método de pesquisa bibliográfico quantitativo, com vistas a buscar, junto aos doutrinadores, que são referência no processo penal e escreveram sobre o tema, bem como junto à jurisprudência dos tribunais, o posicionamento que cada um tem e de como seria sua aplicabilidade junto ao processo penal.

Por fim, de posse destes dados bibliográficos quantitativos pesquisados, será utilizado o método de análise descritivo dos mesmos, buscando também repensar o instituto jurídico da justa causa no modelo constitucional de processo com vistas ao exercício da ação penal.


2. A justa causa no processo penal.

2.1. Definição de Justa Causa.

Definir a justa causa no processo penal tornou uma tarefa complexa devido à sua imprecisão conceitual e ao verdadeiro sentido de sua natureza jurídica. Esta imprecisão permitiu, a parte da doutrina jurídica, defini-la como sendo um simples interesse de agir, enquanto outra parte alega se tratar de uma quarta condição autônoma etc. Ainda existem doutrinadores que sustentam que a justa causa seria outra espécie de condição da ação que engloba todas as demais.

Renato Brasileiro de Lima (2014) define a justa causa como sendo:

o suporte probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal.[...] Tendo em vista que a simples instauração de um processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado, não se pode admitir a instauração de processos levianos, temerários, desprovidos de um lastro mínimo de elementos de informação, provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis, que dê arrimo à acusação. (LIMA, 2014, p.196)

Ainda segundo Renato Brasileiro de Lima (2014), a justa causa tem a natureza jurídica de uma verdadeira condição da ação, afirmando que:

Apesar de a reforma processual de 2008 ter se referido à justa causa no inciso III do art. 395, fazendo menção à ausência das condições para o exercício da ação penal no inciso II do mesmo dispositivo, pensamos que isso não afasta a natureza jurídica da justa causa como condição da ação. [...].

Comungamos, pois, do entendimento majoritário segundo o qual a justa causa funciona como verdadeira condição para o regular exercício da ação penal condenatória. [...]. (LIMA, 2014, p.197)

A justa causa deve ser definida como uma condição da ação, devendo, também, representar, dentre outras exigências, o mínimo de convencimento possível sobre a materialidade e autoria delitiva para se justificar por parte do judiciário o recebimento da denúncia ou queixa.

Diante disto, caberia indagar se a justa causa seria uma condição da ação ou se seria um pressuposto processual? Para responder a essa indagação deve-se buscar conhecer o significado de condição da ação e de pressuposto processual. Para Alexandre Freitas Câmara (2009), as condições da ação podem ser definidas, de acordo com requisitos e provimento final de mérito, ao aduzir que:

As “condições da ação”, como visto, são requisitos exigidos para que o processo possa levar a um provimento final, de mérito. A ausência de qualquer deles leva à prolação de sentença terminativa[j1] [3], ou seja, de sentença que não contém resolução de mérito da causa, o que acarreta a chamada “extinção anômala do processo”. (CÂMARA, 2009, p. 115)

Os pressupostos processuais, no dizer de Ada Pellegrini Grinover et. al.(2013, p. 321), podem ser definidos como sendo “os requisitos necessários para a constituição de uma relação processual válida”, ou seja, pressupostos de existência e validade que viabilizam o regular desenvolvimento do processo.

Partindo-se das definições oferecidas pelos mencionados processualistas cíveis, tem-se que a justa causa parece se apresentar como uma condição da ação, como anunciado por Renato Brasileiro de Lima. Todavia, uma rápida consulta a todos os dispositivos legais que a mencionam no Código de Processo Penal, como também a posicionamentos de outros juristas pátrios logo revela a imprecisão e variação de sentidos do termo, o que torna recomendável uma análise mais acurada de sua significação.

2.1.2 Previsão normativa da justa causa.

O termo justa causa, embora não previsto anteriormente no revogado artigo 43 do CPP, pela lei n. 11.719/08, que tratava da rejeição da denúncia ou da queixa, tinha sua observância para o recebimento da peça acusatória por parte do judiciário exigida através de um entendimento doutrinário.

Com o advento da lei 11.719/08, que revogou o artigo 43, do CPP, a justa causa foi inserida no ordenamento jurídico processual penal no artigo 395, III, do CPP, como um critério para recebimento da denúncia ou queixa. Assim redigido, com as alterações da Lei n. 11.719/2008:

Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I –  [...];

II – [...]

III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Parágrafo único. (Revogado)”.

Ocorre também que o termo justa causa está inserido em outras passagens do CPP, as quais não estão relacionadas com a instauração da ação penal. Nessas hipóteses, o termo justa causa se equipará a um motivo justo ou justificativo para pratica de atos processuais ou para o não comparecimento de algum sujeito processual[j2] . Conforme se observa nos artigos seguintes do CPP.

Art. 277.  O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, salvo escusa atendível.

Parágrafo único.  Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada imediatamente:     

a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade;

b) não comparecer no dia e local designados para o exame;

c) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos estabelecidos.       

Art. 278.  No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução.

Art. 458.  Se a testemunha, sem justa causa, deixar de comparecer, o juiz presidente, sem prejuízo da ação penal pela desobediência, aplicar-lhe-á a multa prevista no § 2o do art. 436 deste Código.

No que tange à falta de justa causa pelo não comparecimento de algum sujeito processual para a prática dos atos processuais previstos nos Artigos 278 e 458 do CPP, seria possível a aplicação subsidiária do disposto no Artigo 223 do Código de Processo Civil que prevê:

Art. 223.  Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

§ 1o Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.

§ 2o Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.

Nota-se que o significado de justa causa no processo penal é mais abrangente e está ligado também a qualquer ato de coação ou constrangimento que se considere indevido, uma vez que as decisões no processo penal obedecem a rigorosos e específicos requisitos com fundamento em regras e princípios de Direito Processual Penal e Direito Penal. O preenchimento destas regras constitui matéria relativa à justa causa para a coação.

Nesse contexto, a ausência de justa causa também é observada como fundamento para a concessão de habeas corpus, conforme previsto nos artigos 647 e 648 do CPP, como adiante se vê:

 Art. 647.  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Art. 648.  A coação considerar-se-á ilegal:

I - quando não houver justa causa;

[...]

Outra previsão para o termo justa causa está inserida no artigo 786 do CPP em que a justa causa deverá ser observada em casos relacionados à concessão de exequatur. Conforme enunciado no dispositivo em comento.

Art. 786.  O despacho que conceder o exequatur marcará, para o cumprimento da diligência, prazo razoável, que poderá ser excedido, havendo justa causa, ficando esta consignada em ofício dirigido ao presidente do Supremo Tribunal Federal, juntamente com a carta rogatória.

Como se pode observar, são inúmeros os sentidos que se dão ao termo justa causa existentes no Código de Processo Penal. Contudo, diante desta imprecisão conceitual, no tocante ao ordenamento jurídico brasileiro, passa-se agora a conhecer outros posicionamentos doutrinários a respeito do significado do termo justa causa.

 2.1.3 Outros posicionamentos doutrinários sobre a justa causa.

Vários são os posicionamentos que a doutrina processualista penal tem sobre o significado do termo justa causa para o exercício da ação penal. Entre eles, Denilson Feitoza (2009) entende que a justa causa constitui-se em elementos mínimos probatórios à propositura da ação penal, afirmando que:

[...] já nos posicionamos (e isso continua válido) que, no que tange à propositura da ação penal, a “justa causa” se constitui em provas preliminares suficientes para a probabilidade de condenação efetiva ou, em formulação mais conhecida “elementos probatórios mínimos” ou provas preliminares suficientes para sustentar a acusação. (FEITOSA, 2009, p. 248)

Neste caso, observa-se que o significado do termo justa causa está relacionado diretamente a um lastro probatório que a denúncia ou queixa deve possuir para o recebimento da peça acusatória.

Tourinho Filho (1990, apud FEITOSA, 2009, p. 248), por sua vez, define-a como “como condição da ação no âmbito do direito processual penal (...), parte do interesse de agir [...]”. Naturalmente, deve-se fazer a ressalva de que o posicionamento doutrinário do referido autor antecede a reforma operada no ano de 2008, no Código de Processo Penal, pela Lei 11719.

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Em outro sentido, encontra-se o posicionamento de Afrânio da Silva Jardim (2000, apud FEITOSA, 2009, p.233), que entende a justa causa como “uma quarta condição genérica”. Neste caso, o termo justa causa seria uma condição a mais das condições da ação, quais sejam, legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Para Eugênio Pacelli de Oliveira (2016), a justa causa pode ser tanto uma quarta condição da ação como também um lastro mínimo probatório, ao afirmar que:

sempre admitimos a existência de justa causa como condição da ação, seja como quarta condição (da ação), inserida no contexto da demonstração do interesse (utilidade) de agir, seja enquanto lastro mínimo de prova, a demonstrar a viabilidade da pretensão deduzida. [...] (OLIVEIRA, 2016, p.119).

Pacelli (2016) também entende que a justa causa, enquanto condição da ação no manejo das questões processuais, não revogou o art. 648, I, do CPP, na vinculação das questões de mérito, da atipicidade e das causas extintivas da punibilidade para o trancamento da ação penal na concessão de habeas corpus, aduzindo que:

Como se vê, a inclusão expressa da justa causa como condição da ação, tal como se acha no art. 395, III, CPP, apesar de esclarecer a possibilidade de seu manejo em relações às questões processuais, não revogou o art. 648, I, do CPP, com o que também questões de mérito, e particularmente a atipicidade e as causa extintivas da punibilidade continuarão a ser veiculadas em habeas corpus, como sempre foram. [...] (OLIVEIRA, 2016, p.120).

Mesmo entendimento tem Guilherme de Souza Nucci (2008), para o qual a justa causa está relacionada às condições da ação e não ao interesse de agir ao corroborar o entendimento de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, sustentado que:

Embora grande parte da doutrina venha confundindo a justa causa simplesmente com o interesse de agir, parece-nos correta a lição de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, sustentando que a justa causa, em verdade, espelha uma síntese das condições da ação. Inexistindo uma delas, não há justa causa para a ação penal (Justa causa para a ação penal – doutrina e jurisprudência, p. 221). (NUCCI, 2008, p.195).

Embora se possa observar o posicionamento diverso da doutrina quanto ao significado do termo justa causa, verifica-se também uma pequena unanimidade no tocante ao seu sentido, como sendo uma condição da ação processual penal.

Neste sentido, encontra-se o posicionamento de Aury Lopes Júnior (2014), aduzindo que “a justa causa é uma importante condição da ação processual penal”. Contudo, sua relação para o exercício da ação penal se identifica “com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação (e a própria intervenção penal)”. (LOPES JUNIOR, 2014, p. 377).

Para o eminente processualista supracitado, o termo justa causa se relaciona a partir de dois fatores que são, por um lado, a existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade, e, por outro, pelo controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal.

Ainda segundo o entendimento do Professor Aury Lopes Júnior (2014), a justa causa estaria relacionada à existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade, e estaria ligada a elementos probatórios suficientes para se admitir a investigação preliminar, aduzindo que:

Deve a acusação ser portadora de elementos - geralmente extraídos da investigação preliminar (inquérito policial) – probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatizarão e penas processuais. Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal, deve o juiz rejeitar a acusação. [...]. (LOPES JUNIOR, 2014, p. 378).

Já em relação ao controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal, a justa causa estaria relacionada à proporcionalidade do direito penal, no tocante ao seu correto uso para solucionar os problemas sociais, ao argumentar que:

[...] quando se fala em justa causa, está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém. Inclusive, se devidamente considerado, o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser visto como a base constitucional da justa causa. Deve existir, no momento em que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual, de um lado, e o custo do processo penal, de outro. [...]. (LOPES JUNIOR, 2014, p.378).

Neste posicionamento, nota-se que o termo justa causa teria um significado mais abrangente, como sendo uma condição importante da ação, voltada para os elementos probatórios que justificam a abertura de um processo penal. Como também o seu significado estaria relacionado ao correto uso do direito penal, que, obviamente, não pode ser concebido como o solucionador dos problemas sociais que a sociedade enfrenta no tocante à criminalidade.

Por fim, conforme apresentado acima, verifica-se que, a despeito da existência de alguns pontos em comum entre os juristas, o conteúdo da expressão justa causa (seus contornos, requisitos etc.) ainda carece de uma compreensão mais homogênea e clara. Por hora, tem prevalecido a ideia de que a justa causa seria mais uma condição da ação.

Neste contexto, como foi observada, diante das diversas interpretações sobre o termo, se faz necessário indagar: Qual seriam as consequências jurídicas para a imprecisão do significado da justa causa?

2.1.4 O problema da imprecisão do termo e suas consequências jurídicas.

Como se verificou, no tocante à imprecisão do termo, primeiramente se deve buscar conhecer a origem da palavra justa causa. Assim, quando se observa a exegese do termo justa causa, “justo” possui um mesmo sentido de “justiça” e, ao longo dos tempos, ambaos os termos foram empregados para designar um juízo de valor de natureza ética e social. O termo “causa”, por sua vez, possui um sem números de significados, sendo objeto de estudo em diversas áreas.

Neste contexto, no dizer de Levi Davete Alves Filho (2009)[4], foi Aristóteles quem primeiro buscou conhecer o significado do termo “causa” ao pesquisar sobre:

[...] um estudo histórico-crítico da causa, a partir da Metafísica, conferindo quatro acepções diferentes ao termo: o que dá forma a determinada substância, constituindo sua essência (causa formal); matéria ou substância de que se constitui algo (causa material); o que produz o movimento, a propulsão (causa eficiente); fim de cada gênese e movimento, finalidade, objetivo (causa final). (FILHO, 2009, p.44).

Como se pode observar, o sentido literal da palavra justa causa dá ensejo a diversos significados possibilitando diversas interpretações. Diante dessa imprecisão terminológica do termo justa causa, quais seriam as consequências jurídicas relacionadas a ela?

Para responder a essa indagação, deve-se ter em mente que todos os atos relacionados à persecução criminal deverão ser alicerçados na justa causa. Desde um indiciamento em um Inquérito Policial até um dos últimos atos praticado pelo judiciário referente a um processo penal.

Corrobora neste sentido, Renato Brasileiro de Lima (2014) ao discorrer sobre a importância do indiciamento no Inquérito Policial que:

Dada a importância do indiciamento como condição para o exercício do direito de defesa na fase investigatória e a possibilidade de advento de prejuízos à pessoa do indiciado, afigura-se indispensável a presença de elementos informativos acerca da materialidade e da autoria do delito (LIMA, 2014, p.142).

Neste contexto, a consequência mais importante que se verifica pela incompreensão do termo justa causa se dará na rejeição pelo judiciário da peça acusatória, seja ela oferecida pelo Ministério Público, ou seja, pelo Querelante, nos termos do Art. 395, III, do CPP.

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA - DENÚNCIA REJEITADA - POSSIBILIDADE - Inexistindo nos autos elementos probatórios mínimos que amparem a denúncia ofertada pelo Ministério Público, correta a sua rejeição por ausência de justa causa para o início da ação penal.  (TJMG -  Rec em Sentido Estrito  1.0145.14.003494-6/001, Relator(a): Des.(a) Maria Luíza de Marilac , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 12/04/2016, publicação da súmula em 29/04/2016).

Também pode ocorrer nos casos de Recursos Ordinários em Habeas Corpus, o trancamento da ação penal conforme se verifica no acórdão, em decisão proferida pelo STJ:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. IMPORTAÇÃO DE PNEUMÁTICOS USADOS. CONDUTA ABARCADA POR MEDIDA JUDICIAL. TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL. CABIMENTO.

1 - Confirmada a juntada dos documentos necessários ao julgamento do feito, é processado o recurso ordinário.

2 - Embora não caiba revisão judicial do enquadramento típico dado pela denúncia, a atipia ou falta de justa causa de parcela dos tipos penais imputados têm recebido acolhimento para, nesses limites, trancar a lide penal.

3 - Reconhecendo a Corte local que não há crime na importação de mercadoria proibida, ambientalmente nociva, pois realizada sob amparo de autorização judicial, deve ser trancada a persecução criminal quanto aos tipos penais cuja elementar seja a conduta de importação.

4 - Agravo regimental provido para reconsiderar a decisão atacada e dar provimento ao recurso ordinário com o fim de trancar a ação penal de origem quanto aos crimes do art. 334 CP e art. 56 da Lei Ambiental (na figura de importação), prosseguindo o feito quanto à comercialização de produtos imputadamente nocivos.

Agravo Regimental em Recurso Ordinário em Habeas Corpus provido. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 44.105 - SC (2013/0421854-5) – 6ª Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Revista Eletrônica de Jurisprudência. 02/05/2002, D.J.U. de 18/08/2016).

Como se observa as consequências advindas da incompreensão correta do termo justa causa são danosas, visto que além das consequências acima elencadas, também poderá causar na sociedade a sensação de impunidade por parte do Estado-juiz, ao beneficiar o denunciado/querelado que não sofrerá a ação penal. Por outro lado, poderá também prejudicar a vítima, que sofreu a ação criminosa daquele denunciado/querelado, pela sensação de injustiça.

Diante da imprecisão do termo justa causa no processo penal e as consequências advindas da sua correta incompreensão, deve-se perquirir junto ao poder judiciário, principal protagonista para o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, e indagar qual seria o posicionamento do judiciário no tocante ao significado do termo justa causa?

2.2. Crítica à indefinição do termo. Análise da jurisprudência pátria.

Ao se indagar qual seria o posicionamento da jurisprudência no tocante ao significado do termo justa causa, verifica-se que também não há consenso no judiciário sobre o real significado deste termo. No dizer que Saulo Romero Cavalcanti dos Santos (2010)[5] a imprecisão do termo não se encontra apenas na doutrina, mas também no judiciário ao discorrer que:

[...]. É preciso acrescentar ainda, que essa problemática não se faz presente apenas na doutrina; a jurisprudência também não possui entendimento pacífico. De acordo com Carvalho et al, entende-se que, pela ausência de textos legais precisos na conceituação da justa causa processual penal, gera-se a necessidade da doutrina e da jurisprudência buscar em contornos a solução à tal questão, porém, ainda não havendo um consenso a esse respeito.(SANTOS, 2010)

Ora, se o termo justa causa não está pacificado pelo próprio judiciário, qual seria então a posição destes tribunais sobre ele? O questionamento pode ser respondido verificando, primeiramente, o posicionamento do STF e em seguida os demais tribunais.

O Supremo Tribunal Federal entende que a justa causa se refere à existência de um suporte probatório mínimo, como se observa no acórdão exarado pela Relatora Ministra Rosa Weber em RHC nº 129774, a saber:

EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR. DANO QUALIFICADO. ARTIGO 259, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO EXISTENTE. 1. Não se exigem, quando do recebimento da denúncia, a cognição e a avaliação exaustiva da prova ou a apreciação exauriente dos argumentos das partes, bastando o exame da validade formal da peça e a verificação da presença de indícios suficientes de autoria e de materialidade. 2. A denúncia, na hipótese, revela ocorrência de fato típico com prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, de modo a possibilitar o pleno exercício da defesa. 3. Inviável a análise do liame entre a conduta do paciente e o fato criminoso, porquanto demandaria o reexame e a valoração de fatos e provas, para o que não se presta a via eleita. Precedente. 4. O trancamento da ação penal na via do habeas corpus só se mostra cabível em casos excepcionalíssimos de manifestas (i) atipicidade da conduta, (ii) presença de causa extintiva de punibilidade ou (iii) ausência de suporte probatório mínimo de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre no presente caso. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.(RHC 129774, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 10/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-035 DIVULG 24-02-2016 PUBLIC 25-02-2016)

Ainda, segundo Saulo Romero Cavalcanti dos Santos (2010), o entendimento do STF está fundado em provas suficientes que autorizem o início da ação penal, ao apresentar sua conclusão com os seguintes dizeres:

Infere-se, portanto, que, no entendimento do Pretório Excelso, a justa causa é o fundamento suficiente de provas que autorizem o início de uma ação penal. Da expressão "que autorizem" denota-se a aplicação da proporcionalidade, uma influência dos princípios constitucionais sob a conotação processual penal.

Mesmo entendimento tem Aldo de Campos Costa[6], argumentando que o entendimento que o STF tem sobre o significado do termo justa causa é o que legitima a instauração do processo penal e está fundado na suspeita de crime e existência de elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, ao escrever que:

Sob o ângulo da profundidade cognitiva, o reconhecimento da ocorrência, ou não, de justa causa na persecução penal deve se dar de forma superficial ou rarefeita, a ser constatado prima facie e mediante prova pré-constituída, à semelhança do que ocorre, mutatis mutandi, com o direito líquido e certo no mandado de segurança. Em outros dizeres, havendo suspeita fundada de crime, e existindo elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, torna-se legítima a instauração do processo penal, eis que se impõe, ao poder público, a adoção de providências necessárias ao esclarecimento da verdade real. Por outro lado, também se revela possível a sua extinção anômala, desde que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação (STF HC 82.393).

Corrobora em parte neste sentido o Superior Tribunal de Justiça entendendo que a ação penal deve ser obstada quando faltar prova da materialidade do delito e de indícios suficientes de autoria. Contudo, o egrégio tribunal também entende a justa causa como sendo atipicidade da conduta e ocorrência de circunstância extintiva de punibilidade, o que se observa na decisão exarada pelo Relator Ministro Jorge Mussi em RHC nº 354.302, a saber:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO.

1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.

2.   O alegado constrangimento ilegal será analisado  para  a verificação  da  eventual  possibilidade  de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal.

ROUBO CIRCUNSTANCIADO. NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. MATÉRIA NÃO APRECIADA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

1.  A alegada falta de fundamentação  da  decisão que recebeu a denúncia  não  foi alvo de deliberação pela autoridade apontada como coatora, o que impede o seu exame diretamente por este Sodalício, sob  pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.

2.  Ainda que assim não fosse, é pacífico neste Sodalício e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que, em regra, a decisão que recebe a denúncia prescinde de fundamentação complexa, justamente em razão da sua natureza interlocutória.

FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. INEXISTÊNCIA DE PROVAS EM DESFAVOR DO ACUSADO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA.

1. Em sede de habeas corpus somente deve ser obstada a ação penal se restar demonstrada, de forma indubitável, a atipicidade da conduta, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade e a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

2.   Estando a decisão impugnada em total consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por este Sodalício, não há que se falar em trancamento da ação penal, pois, de uma superficial análise dos elementos probatórios contidos no presente mandamus, não se vislumbra estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da persecução criminal por esta via, já que a  alegada ausência de provas de que o recorrente teria praticado os crimes descritos na  denúncia demandaria profundo revolvimento do conjunto probatório.

3.  Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento no sentido de que as disposições  insculpidas  no  artigo  226  do Código de Processo   Penal  configuram uma recomendação legal, e não uma exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato.

Precedentes.

4.  Na hipótese dos autos, a referida prova ainda será contrastada com os demais elementos de convicção reunidos na instrução processual, e poderá ser repetida na fase judicial, o que confirma a possibilidade de sua utilização para  o  início  da  persecução criminal.

5. Habeas corpus não conhecido.

(HC 354.302/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 14/06/2016).

Nota-se que para o STJ a justa causa é mais abrangente e está consubstanciada na tipicidade da conduta, na não incidência de causa de extinção de punibilidade, bem como na presença de indícios de autoria ou de prova de materialidade. Assim, além do lastro probatório mínimo de autoria ou materialidade, acrescenta-se ao conceito a tipicidade de conduta e a não existência de causa extintiva da punibilidade.

Em julgado extraído do repositório de jurisprudências do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, percebe-se que o sentido dado ao termo justa causa converge no mesmo entendimento que o Supremo Tribunal Federal tem sobre a matéria, ou seja, que a justa causa é o suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação para o exercício da ação penal. Conforme pode ser observado na decisão exarada pelo Relator Desembargador: Paulo Calmon Nogueira da Gama do TJMG, no Recurso de Apelação Criminal 1.0024.13.307414-6/001, a saber:  

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS - RECURSO DEFENSIVO - PRELIMINARES - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DEFLAGRAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL - ILEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE - INVASÃO DE DOMICÍLIO - NULIDADE DAS PROVAS - REJEIÇÃO - MÉRITO - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE APENAS EM RELAÇÃO A UM DOS ACUSADOS - MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS QUANTO AOS DEMAIS RÉUS - DECOTE DA PENA DE MULTA - PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL - RECURSO MINISTERIAL - DECOTE DA MINORANTE PREVISTA NO ARTIGO 33, §4º, DA LEI DE DROGAS E RECRUDESCIMENTO DO REGIME PRISIONAL - PERTINÊNCIA EM RELAÇÃO A UM DOS ACUSADOS - AFASTAMENTO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS - CABIMENTO. 1. A justa causa é o suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação para o exercício da ação penal. Exatamente como ocorre na espécie, a peça acusatória deve estar arrimada em elementos razoáveis de convicção quanto ao fato delituoso e sua autoria. 2. O crime de tráfico de drogas é de natureza permanente, motivo pelo qual remanesce a situação de flagrante em todo o lapso temporal em que perdurar o evento ilícito, o que legitima a atuação policial, bem como torna desnecessária a autorização prévia para que a polícia adentre no imóvel onde o crime está ocorrendo. 3. O recebimento de notícia anônima pode ensejar a deflagração da investigação criminal. 4. À míngua de provas mais robustas a dar suporte à versão incriminadora, deve ser um dos réus socorrido pelo princípio in dubio pro reo, impondo-se a solução absolutória. Contudo, estando satisfatoriamente demonstradas a materialidade e a autoria delitiva em relação ao delito de tráfico de drogas, deve ser mantida a condenação dos demais acusados, ficando descartado o pleito absolutório quanto a eles. 5. Comprovado que um dos apelantes se dedicava à atividade criminosa relacionada ao tráfico, necessário o afastamento da figura do tráfico minorado reconhecido na sentença em seu favor. 6. Após o STF ter declarado a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90, no julgamento do HC 111.840/ES, com a redação dada pela Lei 11.464/07, em obediência a diretriz emanada da Corte Constitucional, tem-se por mitigada a obrigatoriedade de estabelecer o regime inicialmente fechado em relação aos crimes desta natureza, que deve ser mantido, apenas quando se mostrar necessário ao caso concreto. 7. Inviável a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, se não preenchidos os requisitos legais e, sobretudo, se tal medida não se mostrar socialmente recomendável.  (TJMG -  Apelação Criminal 1.0024.13.307414-6/001, Relator(a): Des.(a) Paulo Calmon Nogueira da Gama, 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 10/12/2015, publicação da súmula em 16/12/2015)                         

Mesmo entendimento tem o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de que a justa causa é o suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação para o exercício da ação penal, como pode ser observado na decisão exarada pelo Relator Desembargador: Carlos Monnerat, no Recurso em Sentido Estrito nº 0004002-82.2014.8.26.0564, saber:

Recurso em Sentido Estrito. Falsidade ideológica. Rejeição da denúncia por falta de justa causa. Ausência de realização de perícia. A denúncia preencheu os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal e expôs de forma clara a dinâmica do delito imputado à Ré. Existência de indícios suficientes de autoria e materialidade para seu recebimento. Atestado preenchido por médico que não integra o corpo hospitalar. Prescindível a realização de perícia. Recurso provido para determinar o prosseguimento do feito. (TJSP – Recurso em Sentido Estrito nº 0004002-82.2014.8.26.0564 - Relator(a): Carlos Monnerat; Comarca: São Bernardo do Campo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal; Data do julgamento: 11/08/2016; Data de registro: 18/08/2016).

Portanto, como visto acima, nota-se que não está pacificado junto da jurisprudência qual seria o real significado do termo justa causa para a ação penal, uma vez que, para os tribunais, a justa causa pode significar a materialidade do delito e indícios suficientes de autoria, como também a atipicidade da conduta e a ocorrência de circunstância extintiva de punibilidade.

Diante de todo contexto de incertezas, tanto da doutrina quanto da jurisprudência, questiona-se se não seria necessário repensar a justa causa no modelo constitucional de processo previsto na Constituição Federal de 1988.

2.3. (Re)pensando a justa causa no modelo constitucional de processo.

Primeiramente, antes de se (re)pensar a justa causa no modelo constitucional de processo, deve-se buscar conhecer os princípios constitucionais que são as bases estruturantes do processo penal brasileiro e que garantem que não haverá por parte do Estado-juiz um abuso de sua parte quando for aplicar o seu direito subjetivo de punir “jus puniend”, com vistas ao correto exercício da ação penal.

Os mais importantes princípios constitucionais que fundamentam o processo penal brasileiro são, entre outros: o princípio da ampla defesa – que assegura ao acusado o direito de utilizar todos os meios de defesa e de prova com a finalidade de se defender de uma acusação que lhe é imputada; princípio do contraditório – que assegura direito de resposta à acusação com todos os meios de defesa admitidos em direito; o princípio do devido processo legal - que assegura a todos o direito a um processo com todas as etapas previstas em lei e todas as garantias constitucionais, o qual se não forem observadas suas regras torna o processo nulo, e o princípio da presunção de inocência – que assegura ao acusado o status de não culpável até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória[j3] .[7]

Aury Lopes Júnior (2016) diz que a Constituição Federal de 1988 definiu um processo acusatório pautado nestes princípios constitucionais. Contudo, segundo o autor, deve se fazer uma “filtragem constitucional” no processo penal brasileiro, pois o mesmo contém traços inquisitórios, prevendo dispositivos inconstitucionais incompatíveis com o processo acusatório, ao afirmar que:

Precisamos compreender que a Constituição de 1988 define um processo penal acusatório, fundado no contraditório, na ampla defesa, na imparcialidade do juiz e nas demais regras do devido processo legal. Diante dos inúmeros traços inquisitórios do processo penal brasileiro, é necessário fazer uma “filtragem constitucional” dos dispositivos incompatíveis com o princípio acusatório (como os arts. 156, 385 etc.), pois são “substancialmente inconstitucionais”. Assumindo o problema estrutural do CPP, a luta passa a ser pela acoplagem constitucional e pela filtragem constitucional, expurgando de eficácia todos aqueles dispositivos que, alinhados ao núcleo inquisitório, são incompatíveis com a matriz constitucional acusatória. (JÚNIOR, 2016, p. 49).

Como se pode observar, estes princípios são garantias constitucionais de que um acusado, no processo penal, não sofrerá uma violação em seus direitos constitucionais. A plena eficácia destes princípios está associada à sua correta aplicação no processo penal para que os dispositivos inconstitucionais existentes do CPP não restrinjam as garantias constitucionais do acusado no processo penal.

Sabendo-se que os pilares do processo penal brasileiro estão fundados nos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência entre outros, seria possível então se (re)pensar a justa causa no modelo constitucional de processo? A resposta a essa indagação pode ser entendida no posicionamento de Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho et al.(2004), para o qual a justa causa concretiza os preceitos constitucionais no processo penal, ao escrever que:

[...] A justa causa é uma cláusula de encerramento, que concretiza, no âmbito processual penal, os preceitos constitucionais da dignidade, da proporcionalidade, além de exercer todas aquelas outras funções antes referidas. Ela concretiza a legitimidade de submeter alguém a um processo criminal sob todas as perspectiva exigidas pela ordem constitucional. (CARVALHO et al., 2004, p. 105).

Como se nota, a justa causa já tem sua importância no modelo constitucional de processo, desde que observados os princípios constitucionais, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio da proporcionalidade entre outros.

Maria Thereza Rocha de Assis Moura (2001, apud JÚNIOR, 2009) entende que a justa causa teria um papel de garantidor constitucional contra o abuso do ius ut procedatur, ou seja, do direito de acusar do Ministério Público, ao aduzir que:

[...] que a justa causa é um verdadeiro ponto de apoio (topos) para toda a estrutura da ação processual penal, uma inegável condição da ação penal, que, para além disso, constitui um limite ao (ab)uso do ius ut procedatur, ao direito de ação. Considerando a instrumentalidade constitucional do processo penal, conforme explicamos anteriormente, o conceito de justa causa acaba por constituir numa condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar. (ASSIS MOURA, apud JÚNIOR, 2009, p. 361).

Aury Lopes Júnior (2009), mormente quanto ao princípio da proporcionalidade e no que se refere ao controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal, vê a justa causa como a base constitucional para a proibição do excesso de intervenção penal, ao aduzir que:

Quando se fala em justa causa, está se tratando de exigir uma causa de natureza penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas processuais que ele contém. Inclusive, se devidamente considerado o princípio da proporcionalidade visto como proibição de excesso de intervenção pode ser visto como a base constitucional da justa causa. Deve existir, no momento em que o juiz decide se recebe ou rejeita da denúncia ou queixa, uma clara proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e processual, de um lado, e o custo do processo penal do outro. (JÚNIOR, 2009, p. 362 e 363).

Apesar de criticável o posicionamento do Prof. Aury Lopes Jr., no sentido de querer justificar a importância da justa causa no momento em que iniciada a persecução penal in juízo, o autor, lamentavelmente, recorre-se à proporcionalidade, princípio de semelhante vagueza e imprecisão semântica.

No entanto, tal posicionamento merece louvor por validar o esforço da doutrina em buscar oferecer limites ao arbítrio estatal, especialmente no modo como a petição inicial é valorada pelo juiz ao realizar o juízo de admissibilidade da inicial que poderá receber ou rejeitar a denúncia ou a queixa.

Nesse sentido, ressalte-se o fato de que o Código de Processo Civil, em seus artigos 11 e 489, § 1º, também corroboram que é dever do juiz fundamentar suas decisões, sob pena de nulidade por falta de fundamentação. Estes artigos mostram que o Código de Processo Civil está em sintonia com o que já estava previsto no Art. 93, IX, da Constituição Federal de1988 reforçando o dever de fundamentação das decisões judiciais.

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Sobre os autores
Jânio Oliveira Donato

Advogado criminalista. Mestre em Direito Processual (2013) e Especialista em Ciências Penais (2007) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Gestão de Instituições de Ensino Superior (2016) pela Faculdade Promove de Minas Gerais. Professor de Direito Processual Penal e Filosofia do Direito da graduação e pós-graduação das Faculdades Kennedy de Minas Gerais. Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas de Minas Gerais (ABRACRIM-MG).

William Batista Honório

Bacharel em Direito pela Faculdade Kennedy de Minas Gerais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente artigo foi elaborado como trabalho de conclusão do curso de Direito da Faculdade Kennedy de Minas Gerais, pelo Bacharel William Batista Honório.

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