A responsabilidade civil nas sociedades empresárias

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Resumo:


  • A Teoria "Ultra Vires" origina-se do Direito Inglês e estabelece que atos praticados por administradores de sociedades que excedam os poderes conferidos pelo contrato social são considerados nulos, não vinculando a pessoa jurídica.

  • A Teoria da Aparência protege aqueles que, de boa-fé, realizam negócios jurídicos com alguém que aparenta ter autoridade ou posição para fazê-lo, mesmo que, na realidade, essa pessoa não possua tal autoridade ou posição.

  • O Direito Brasileiro adota uma forma mista da Teoria "Ultra Vires", responsabilizando o administrador por atos que excedam o objeto social, mas a jurisprudência tem aplicado a Teoria da Aparência para proteger terceiros de boa-fé e garantir a segurança das relações jurídicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8. A TEORIA DO ATO “ULTRA VIRES” E A TEORIA DA APARÊNCIA

A teoria “Ultra Vires”, surge na Inglaterra em 1855, em razão das falhas que existiam na administração da sociedade empresária, esta teoria surge com o intuito de minimizar e evitar tais falhas, o ‘leading case’ foi o caso: “Ashtray Railway Carriage and Iron Company Ltd v. Riche”, que teve grande repercussão à época.

Neste ‘Leading Case’, uma empresa chamada "The Ashbury Railway Carriage and Iron Company" foi constituída nos termos do Companies Act de 1862[17], sendo que o seu objeto no contrato social era: "fazer, vender ou emprestar em comércios, carruagens ferroviárias e vagões, e todos os tipos de instalações ferroviárias, acessórios, máquinas e material circulante; para exercer o negócio de engenheiros mecânicos e contratados em geral; para comprar, arrendar, trabalhar e vender minas, minerais, terrenos e edifícios; para comprar e vender, como comerciantes, madeira, carvão, metais ou outros materiais, e para comprar e vender esses materiais em comissão ou como agentes”.

Os diretores desta empresa concordaram em comprar uma concessão para fazer uma ferrovia em um país estrangeiro, e depois concordaram em atribuir a concessão a uma Sociedade Anônima formada naquele país.

O contrato com tal S.A. era fornecer os materiais para a construção da ferrovia e receber pagamentos periódicos da empresa inglesa.

Porém, conforme estabelecido no contrato social da empresa, deveriam fornecer e vender os materiais necessários para a construção de ferrovias, mas não para realizar sua construção.

Portanto, ao instituir que a empresa construiria a ferrovia, os administradores foram contrários ao Contrato Social da empresa, o violando. Em razão desta violação, a Corte Britânica, considerou que este contrato, era objeto estranho ao contrato social da empresa, confirmando a aplicação da Teoria ‘Ultra Vires’, de modo que mesmo o consentimento dos seus acionistas não teria poder para ratificar tal contrato, a Corte Britânica, portanto, considerou nulas todas as obrigações que fossem tidas como estranhas ao objeto social das empresas, consolidando tal entendimento nesse caso.

A expressão “ultra vires” vem da conjugação de duas palavras, sendo que a palavra “ultra” tem o significado de “além”, e a palavra “vires” tem o significado de “força”, em conjunto pode ser traduzida a expressão “ultra vires” como “agir além de suas forças”, ou seja, “agir além de seus poderes”.

A apreensão da Corte Britânica ao adotar a “Teoria Ultra Vires”, se deu pelo fato de que à época abriu-se a possibilidade da separação do patrimônio dos sócios com o patrimônio das empresas, e em razão disto, estavam surgindo muitas empresas com responsabilidade limitada, criando assim diversos problemas, por isso a Corte Britânica começa a preocupar-se, objetivando prevenir prejuízo à economia do país.

Porém, a Teoria “Ultra Vires” passa a ser aplicada de forma muito rígida, o que acaba por prejudicar e gerar um retrocesso na economia, porém, aos poucos no século XX, passa a ser mitigada e ajustada conforme as necessidades da sociedade.

Portanto, a aplicação da “ultra vires doctrine”, passa por três fases:

A primeira fase da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, considerava que qualquer ato que fosse praticado a revelia do objeto social deveria ser considerado nulo de pleno direito, sendo a pessoa jurídica responsabilizada por tais atos violadores do contrato social.

Em momento posterior, a segunda fase da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, passa-se a considerar que a Pessoa Jurídica por possuir personalidade ficta e não ter controle direito sobre os seus atos, mas que são controladas por seus respectivos administradores, não deve ser punida pelos atos que estes realizem em violação ao objeto social, portanto, as pessoas jurídicas em si, passam a não ser responsabilizadas, nesta fase, a responsabilização recai sobre o administrador da sociedade, que é quem a presenta, essa forma de aplicação da Teoria “Ultra Vires” foi adotada no Direito Brasileiro.

A segunda fase da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, possuía uma grande crítica, pois, atingia terceiros de boa-fé, que contratavam com a sociedade e depois não possuíam ações de regresso contra esta, em virtude da responsabilização pessoal dos administradores por aqueles atos.

Portanto, passa-se a analisar a boa-fé de terceiros, possibilitando a exigência da sociedade pelo cumprimento do contrato mesmo que contrariando o objeto social, se o terceiro não tivesse conhecimento da cláusula delimitadora do objeto social e agisse comprovadamente de boa-fé.

Nesse sentido, o Enunciado 219, criado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal determina que:

“Está positivada a Teoria Ultra Vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas:(a) o ato ultra vires não produz efeitos apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da Teoria Ultra Vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade (...)”.

Em razão desta mitigação da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, surge a consagração da “Teoria da Aparência”, que exclui a responsabilidade daquele que presumidamente desconhecia o contrato social da empresa, que age de boa-fé e que poderá responsabilizar diretamente a sociedade pelos atos de seus administradores.

A Teoria “Ultra Vires” foi de tal forma atenuada, que não tem mais aplicação em alguns países Britânicos e dos Estados Unidos da América.

A teoria da aparência tem suas formas mais destacadas partir da década de 1950 no Brasil, e como uns de seus grandes doutrinadores Pontes De Miranda E Orlando Gomes.

Nas palavras de ORLANDO GOMES, este afirma que:

“Manifesta-se, a aparência em relação ao próprio mandato e em relação a um ato praticado pelo mandatário”.

Tal teoria preconiza sobre a gestão em excesso pelos administradores, de atos para os quais não lhes conferem poderes os estatutos, ou o contrato social.

Ainda nas palavras de ORLANDO GOMES, que conclui:

“Entende-se, em suma, que em todas essas situações aparentes devem os terceiros merecer proteção, exigindo-se, apenas, que seu erro, provenha de circunstâncias tais que teriam podido enganar o indivíduo medido”.

A aplicação da Teoria da Aparência no caso concreto deve observar a boa-fé do terceiro, e que tal erro seja escusável de forma que a situação de fato possua aparência de situação de direito em consonância com o ordenamento jurídico.


9. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ATO “ULTRA VIRES” E A TEORIA DA APARÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO

 No Direito Brasileiro, é aplicada a Teoria “Ultra Vires”, em sua forma mista, conforme segunda fase de aplicação, na qual há a responsabilização do administrador e não da pessoa jurídica pelos atos praticados fora do objeto social (Arts. 47 e 1.015 do Código Civil de 2002).

“Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”.

“Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”.

A Teoria “Ultra Vires” só passa a ser aplicada no Direito Brasileiro com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, sendo que o Brasil no século XX não a aplicou, época em que foi largamente aplicada fora do Brasil, tido com o auge de sua aplicação.

Atualmente, a aplicação da “ultra vires doctrine” tem sido relativizada em decisões jurisprudenciais no Brasil, em que pese a previsão expressa do Código Civil de 2002 pela sua aplicação.

Confira-se decisão no Recurso Especial nº 704.546 – DF (2004), com relatoria do Min. Luis Felipe Salomão:

DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA.

1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito.

2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.

3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine.

4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade.

4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.

5. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente.

6. Recurso especial improvido.

A relativização da “ultra vires doctrine” já é uma realidade na jurisprudência brasileira, pois, em consonância com a boa-fé e aplicação das cláusulas gerais de direito, bem como, a função social dos contratos, tal entendimento traz maior liberalidade para que o julgador possa no caso concreto, aplicar teorias que se amoldem melhor as sociedades empresárias nos dias atuais, e que também acompanhem a rápida evolução destas, ao utilizarem doutrinas mais modernas como a “teoria da aparência”, podendo a análise do magistrado incidir sobre qual doutrina deve ser aplicada no caso concreto ou não.

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O posicionamento que vem sido adotado pelos tribunais, pelo abrandamento da “teoria ultra vires” no Direito Brasileiro, tem sido grande destaque em relação a essa matéria, e também encontra grandes adeptos e elogios pelos doutrinadores, uma vez que, não seria razoável que se pudesse preencher todas as lacunas possíveis que surgiriam do contrato social, ou seja, impossível seria que os contratantes pudessem imaginar todas as formas e atos que a empresa e o administrador realizariam em sua gestão, portanto, desproporcional seria que eles pudessem se resguardar por meio do contrato de todas as possíveis violações ao seu patrimônio pessoal.

Portanto, vem o judiciário, através da proporcionalidade e razoabilidade, aplicar o que há de mais moderno em relação à “ultra vires doctrine”, gerando assim uma maior segurança para terceiros e para a própria empresa.

A teoria da aparência não se encontra positivada em nosso ordenamento jurídico de forma expressa, apesar disso, pode ser encontrada de forma implícita em alguns dispositivos que tratam da proteção do terceiro que age de boa-fé, conforme se verifica no artigo 1.015 do Código Civil de 2002.

A teoria da aparência tem sido nos dias atuais aplicada de forma a alcançar a estabilidade social, impedindo que aquele que agiu de boa-fé possa ser prejudicado por terceiros que ostentam ‘aparência’ de agirem com regulares poderes em suas ações, em razão disso, com a evolução do direito privado o reconhecimento da eficácia de atos fundados na aparência devem ser aplicados no Direito Brasileiro.

Nas palavras do Dr. Arnaldo Rizzardo do Direito no Rio Grande do Sul, o qual preconiza:

“As relações sociais se baseiam na confiança legítima das pessoas e na regularidade do direito de cada um. A todos incumbe a obrigação de não iludir os outros, de sorte que, se por sua atividade ou inatividade violarem esta obrigação, deverão suportar as consequências de sua atitude. A presença da boa-fé é requisito indispensável nas relações estabelecidas pelas pessoas para revestir de segurança os compromissos assumidos”.[18]

A boa-fé contratual deve ser exigida, criando responsabilidades e restringindo as nulidades, para que haja confiança nos negócios jurídicos realizados pelas empresas e por seus administradores.

O administrador é a figura que carrega a aparência de titular de um direito, porém, muitas vezes não o é, podendo em alguns casos, aparentar poderes que não possui, e por conta disso, terceiros de boa-fé podem realizar negócios jurídicos com aparência de válidos.

Por isso, importante a aplicação da denominada “Teoria da Aparência”, teoria tal que sustenta a proteção à boa-fé, manifestada através da confiança depositada na aparência.

O STF aplicou a teoria da aparência ao julgar o RE n° 77.814/SP, sendo este o caso paradigma da aplicação, pois, a Primeira Turma, em julgamento de 02/04/1974, com relatoria do Ministro Luiz Gallotti, no caso concreto, tratou-se da responsabilidade empresarial por ato de ex-dirigente que mesmo depois de afastado de sua atividade por impedimento, continuou a administra-la e contrair obrigações com terceiros em nome desta, o que gerou presunção de veracidade perante terceiros quanto aos negócios realizados com excesso de poderes pelo ex-dirigente, pugnando então a Suprema Corte pela aplicação da teoria da aparência ao caso, confira-se:

EMENTA

“TEORIA DA APARENCIA. ACÓRDÃO QUE BEM A APLICOU. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF - RE: 77814 SP, Relator: Min. LUIS GALLOTTI, Data de Julgamento: 02/04/1974, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 10-05-1974)”.

“[...] Em relação ao art.121 daquela lei, o recurso assente, a toda evidência, em pressuposto que o acórdão não adotou. Lembra o recorrente que segunda a lei o diretor só faz a sociedade responsável pelos atos que pratica, “quando atua em nome desta”, - e afirma em seguida que no caso o corretor teria vinculado a sociedade, “em ato pessoal seu, em que nenhuma declaração há de que agia em nome da firma que era procurador” (fls.1895). Ora, o acórdão discorre longamente sobre a prova e sobre “as circunstâncias, fatos e indícios” precisamente para decidir que ficou demonstrado o contrário, isto é, que no caso, de acordo com a “teoria da aparência”, o corretor agia em nome da sociedade; e, firmando nesse pressuposto, o acórdão declarou a sociedade responsável pelos atos de Joaquim Pinto Júnior, - com a implícita aplicação do dispositivo que o recurso afirma ter sido demonstrado[...]”.

A 4ª Turma do STJ, por sua vez, em julgamento do RESP n° 12.811, no dia 31/05/1993, com relatoria do Ministro Sálvio De Figueiredo, decidiu, por unanimidade, que:

“A teoria da aparência mostra-se aplicável nos casos em que vendedor, gerente ou pessoa equiparada, por expressa ou tácita permissão do comerciante, vende mercadorias, salvo se comprovado má-fé de adquirente”.

Confira-se a ementa do julgado:

“CIVIL E COMERCIAL. COMPRA E VENDA DE GADO. CONTRATO "FICA". RELAÇÃO DE TRABALHO. MANDATO MERCANTIL. TEORIA DA APARENCIA. RECURSO DESACOLHIDO.

I - O PECUARISTA QUE DE FORMA HABITUAL COMPRA E VENDE GADO COM OBJETIVO DE LUCRO QUALIFICA-SE COMO COMERCIANTE, FICANDO, NESSA CONDIÇÃO, OBRIGADO POR ALIENAÇÃO DE BOVINOS REALIZADA PELO GERENTE-GERAL DA FAZENDA A TERCEIROS DE BOA-FE.

II - O CONTRATO DE TRABALHO, ALEM DE CONSTITUIR E ESTABELECER AS CONDIÇÕES DO VINCULO EMPREGATICIO, PODE, QUANDO CELEBRADO ENTRE COMERCIANTE (EMPREGADOR) E COMERCIARIO (EMPREGADO), REVESTIR-SE DE NATUREZA HIBRIDA (LABORAL E COMERCIAL), CONSUBSTANCIANDO TAMBEM MANDATO MERCANTIL.

III - A TEORIA DA APARENCIA MOSTRA-SE APLICAVEL NOS CASOS EM QUE VENDEDOR, GERENTE OU PESSOA EQUIPARADA, POR EXPRESSA OU TACITA PERMISSÃO DO COMERCIANTE, VENDE MERCADORIAS, SALVO SE COMPROVADO ERRO INESCUSAVEL OU MA-FE DO ADQUIRENTE”.[19]

A aplicação da teoria da aparência se coaduna com as relações jurídicas atuais, uma vez que a sociedade necessita que o direito acompanhe a sua rápida evolução, o crescimento da população e dos negócios jurídicos aumenta dia a dia, o que faz ser importante a forma com estes se apresentam.

Aliado com a boa-fé objetiva e a proteção dos terceiros, a teoria da aparência passa segurança jurídica às relações.

Conforme asseveram também algumas decisões, que aplicaram a Teoria da Aparência:

“RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS PUBLICITÁRIOS. CONTRATO FIRMADO POR PREPOSTO DA AUTORA. TEORIA DA APARENCIA. EMPRESA QUE DEVE SER RESPONSABILIZADA POR ATOS DE SEUS PREPOSTOS. COBRANÇA INDEVIDA NÃO EVIDENCIADA.

1. O funcionário que contratou os serviços da ré em nome da autora (fl. 24) é justamente aquele que atuou como preposto da demandante na audiência de conciliação (fl. 32), o que demonstra agir em nome da parte autora. Assim, plausível concluir-se que, na hipótese, contratou em nome da autora, inclusive utilizando-se do carimbo da empresa requerente (fl. 24). Incide, portanto, a Teoria da Aparência, nas circunstâncias, tendo a demandada acreditado estar contratando com representante da autora que agia em nome e no interesse desta.

2. Ausentes indícios de que tenha ocorrido a alegada cobrança indevida, bem assim coação por parte da ré. Foi o próprio advogado da autora (fls. 19/23) quem solicitou a emissão do boleto bancário para realizar o pagamento contra o qual agora se insurge. E não há qualquer comprovação de que assim agiu sob coação, até mesmo porque, sendo profissional do Direito, sabia da possibilidade de judicialmente buscar eventual determinação para que o nome da empresa autora não fosse inscrito em órgão de devedores, caso efetivamente não tivesse anuído com a contratação.

3. Inexistindo elementos a invalidar o negócio firmado entre os litigantes, deve ser reconhecida a improcedência dos pleitos... contidos na inicial. RECURSO PROVIDO SENTENÇA REFORMADA”. {C}[20]

“DIREITO CIVIL. PAGAMENTO. TEORIA DA APARÊNCIA. CÓDIGO CIVIL, ART. 935. NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I - A incidência da Teoria da Aparência, em face da norma do art. 935 do Código Civil, calcada na proteção ao terceiro de boa-fé, reclama do devedor prudência e diligência, assim como a ocorrência de um conjunto de circunstâncias que tornem escusável o erro do devedor.

II - Se as notas fiscais, nas quais se arrimou o devedor para efetuar o pagamento, expressamente consignavam que o negócio somente seria quitado pela empresa vendedora, lícito não era ao adquirente pagar a concessionária, especialmente quando reconhecidamente insolvente”.[21]

“PROCESSUAL CIVIL. CONSÓRCIO. TEORIA DA APARÊNCIA. LETIGIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA.

A empresa que, segundo se alegou na inicial, permite a utilização da sua logomarca, de seu endereço, instalações e telefones, fazendo crer, através da publicidade e da prática comercial, que era responsável pelo empreendimento consorcial, é parte passiva legítima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nesses fatos.

Recurso conhecido e provido”.

“MANDATO. RENÚNCIA INOPERANTE EM RELAÇÃO A TERCEIROS DE BOA-FÉ. TEORIA DA APARÊNCIA.

A situação peculiar do negócio jurídico celebrado ensejou ao tribunal ´´a quo´´ a aplicação do disposto no art. 1.318 do Código Civil, assim como a incidência da Teoria da Aparência.

Imputação de má-fé a terceiros, que exige, todavia, o reexame de matéria probatória, defeso na instancia excepcional (Súmula n. 07/STJ).

Agravo improvido”.

 “PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - PROVA: CERCEAMENTO DE DEFESA.

1. O STJ, quando julga Recurso Especial, está restrito ao exame de teses jurídicas, não podendo analisar provas (Súmula n. 07).

2. Considera-se autorizada a representar a empresa administrativamente aquele que se apresentar ao Fisco como empregado encarregado da contabilidade: Teoria da Aparência (art. 17 do CC e art. 12 do CPC).

3. Para realizar provas em audiência não basta requerer. É preciso demonstrar a necessidade e indispensabilidade das mesmas (art. 330 do CPC).

4. Recurso especial improvido”.

“DUPLICATA. COMPRA E VENDA MERCANTIL. MERCADORIA RECEBIDA NA SEDE DA EMPRESA POR FUNCIONÁRIOS. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA.

– Não ofende os arts. 17 do Código Civil de 1916 e o art. 144 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976, o julgado que, em face das circunstâncias da causa (recebimento da mercadoria na sede da compradora por seus funcionários, com a participação do ‘supervisor de vendas’) dá prevalência à boa-fé da vendedora e à ‘teoria da aparência’, em oposição ao aspecto meramente formal (empregado desprovido de poderes de representação).

– Pretensão da recorrente, ademais, de modificar a base fática da lide. Incidência da Súmula nº 7-STJ.

Recurso especial não conhecido”.

 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 267, IV, DO CPC. ART. 535, II DO CPC.

1. Não há violação ao art. 267, IV, c/c o art. 12, VI, do CPC, quando o acórdão, aplicando a Teoria da Aparência na elaboração dos atos processuais, aceita como perfeita representação de pessoa jurídica sem que tenham sido apresentados os estatutos. O fato do outorgante da procuração vir praticando atos contínuos em nome da empresa, defendendo-a até em procedimento administrativo, caracteriza uma presunção que a representa de modo legítimo e tem, portanto, poderes para constituir advogado.

2. Não há violação ao art. 535, II, do CPC, quando o acórdão repele a tese dos embargos, não obstante, ao final, registre que os rejeita. Alegação de fato superveniente que, na verdade, se acolhida, implicaria em desconstituir a decisão, dando-lhe efeito rescisório.

3. Recurso especial improvido”.

Orlando Gomes indica três razões, que fundamentam tal teoria (da aparência):

“1 – para não criar surpresas à boa-fé nas transações do comércio jurídico; 2 – para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência; 3 – para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica. A boa-fé nos contratos, a lealdade nas relações sociais, à confiança que devem inspirar as declarações de vontade e os comportamentos exigem a proteção dos interesses jurisformizados em razão da crença em uma situação aparente, que tomam todos como verdadeira” (Transformações Gerais do Direito das Obrigações, Ver. Dos Tribs. São Paulo, 1967, p.96).

Nos negócios, não é possível que se coloque o ônus ao contratante de saber com certeza a quem é a pessoa que com ele está contratando, pois há um milhões de situações que nos ocorrem todos os dias, sendo que não seria possível catalogar todas, e prever suas consequências, portanto, é forçoso que adotemos certa confiança diante dessas situações, sem maiores questionamentos.

Seria muito difícil para as relações que se exigisse a comprovação da qualidade de todos os envolvidos em cada mera situação cotidiana, o que geraria sem dúvida, tumulto e atrasaria tais relações, portanto, há a necessidade que tenhamos a crença daquilo que os outros representam.

Atualmente, o direito brasileiro, tanto em sua jurisprudência quanto em sua doutrina, aceita a “Teoria da Aparência”, porém, há divergência quanto a sua fundamentação quando de sua aplicação, pois, em um momento aparece como proteção à boa-fé de terceiros, e em outro momento aparece fundamentada no erro escusável de terceiro.

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Sobre a autora
Daniela Lugia Brigagão de Carvalho

Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial na Faculdade de Direito Damásio de Jesus – concluída em fevereiro de 2018. Graduação em Direito – concluída em dezembro de 2015. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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