CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fato é que o direito, assim como qualquer outra ciência humana, se apresenta como um fenômeno eminentemente social, haja vista que corresponde a evolução natural da sociedade e ao desenvolvimento da integração e aprimoramento das relações do ser humano como indivíduo pensante e portador de direitos e obrigações. Talvez hoje seja o tempo em que o direito e o acesso à jurisdição emanciparam-se em sua plenitude, em um processo de hierarquização das normas e correspondência aos ditames da Constituição Federal.
Não se pode mais interpretar e estudar o ordenamento jurídico brasileiro sob a constatação de valores individuais, na medida em que o exercício da jurisdição fica adstrito ao comportamento “interdisciplinar” do magistrado, que antes de se fazer valer o poder coercitivo e de subsunção da norma ao caso concreto, deve quantificar socialmente a onipresença de cada demanda aos olhos da justiça.
A Justiça do Trabalho se apresenta como um órgão responsável por fazer valer a missão de equalizar as relações de trabalho frente as mudanças das estruturas comunitárias, evolução das relações de trabalho e a condição de hipossuficiência do obreiro.
É de se destacar que a Reforma Trabalhista de 13 de julho de 2017 nascia com um propósito esperançoso de se modernizar a justiça como um todo e pacificar incongruências que acompanham as relações trabalhistas como um todo, sempre sob a égide dos princípios constitucionais e trabalhistas que dinamizam, talvez, o campo mais importante dos direitos sociais.
A Lei nº 13.467/2017 não deve ser balizada de forma isolada, mas de forma que a aplicação de seus dispositivos correspondam às mudanças naturais do ordenamento e, em hipótese alguma, devem corresponder a um retrocesso social. Não se pode permitir a presença de elementos contrários ao valor social do trabalho e busca constante pela redução de desigualdades sociais e a promoção do bem de todos.
Nesse caso, a previsão legal da justiça gratuita faz referência a valores fundamentais consagrados pela Constituição Federal, como a assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CRFB), exercício da cidadania, dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III da CRFB) e igualdade de todos perante a lei, sem a emancipação de qualquer espécie de privilégio.
Todavia, o que se vê pela Reforma Trabalhista é a mitigação à abrangência objetiva e plena da concessão da gratuidade da justiça de forma a permitir a responsabilização e execução pelo pagamento de honorários advocatícios e periciais à parte sucumbente, mesmo que ela seja beneficiária da justiça gratuita. A inovação legislativa contrária, ao que sucede a norma prevista na Constituição, além de ferir o princípio da isonomia, passa a dar legitimidade ao tratamento desigual aos jurisdicionados hipossuficientes e, de certa forma, ceifa e inviabiliza a plenitude do acesso à justiça.
Destarte, a reforma trabalhista não estabeleceu regras de direito intertemporal na vigência da Reforma e, muito menos, determinou a forma de cômputo da sucumbência recíproca, matéria esta que viá, mais uma vez, a ser objeto de debate nos fóruns de Direito do Trabalho. Evidencia-se aqui um dos pontos em que a Reforma se dispõem inócua, sem a ampla reflexão que a temática dessa envergadura merece, inexistindo atenção a um tema básico e tão sensível a classe obreira.
Percebe-se, também, que o legislador reformista flexibilizou a garantia constitucional de acesso à gratuidade, tendo em vista que a impugnação do benefício pode ser feita em qualquer ponto do processo.
Assim, conforme as regras processuais mais comuns, a declaração de miserabilidade preconizada pela parte, pessoa por ora natural, tem presunção de veracidade e é eminentemente pessoal, sendo certo que, apesar de estar-se representado por advogado particular, inexiste óbice do direito ao benefício. Entretanto, a partir das alterações introduzidas pela Reforma, não mais persiste na justiça trabalhista a mera presunção de veracidade da declaração firmada pela parte, tal como estabelece de forma expressa o novo código processualista civil. É necessária a comprovação efetiva e documental que a parte faz jus ao benefício.
Por conseguinte, resta cristalino que qualquer medida legislativa disposta a onerar, dificultar e obstaculizar formalmente o acesso à jurisdição por parte dos trabalhadores, além de inverter a ordem e a concepção de Estado Social, revela-se inconstitucional e inconveniente, pois se legitima um óbice à justiça gratuita, aos direitos sociais dos trabalhadores e, porque não, à justiça social que se almeja com a pretensão trabalhista em relação a uma “quebra” significativa do aparato e funcionabilidade que a Justiça do Trabalho exerce no cotidiano nacional. É forçoso que se reconheça um formalismo radical e exacerbado, sem qualquer parâmetro justo que dê legitimidade às mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista de 2017, sem falar no correspondente desprezo e desapego aos valores da Constituição Federal.
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Notas
[1] Ibid., p. 1027.
[2] Ibid., p. 1031.
[3] PIVATTO, 2017, p. 1031.
[4] Ibid., p. 1031.
[5] BRASIL, 1943.
[6] ROCHA, 2017, p.18.
[7] ROCHA, 2017, p.18.
[8] JUNIOR, 2018, p. 445.
[9] ROCHA, op. cit., p.18.
[10] PIVATTO, Bruno Tauil. Honorários Advocatícios. In: A Reforma Trabalhista e seus impactos. Salvador: Jus PODVIM, 2017, p. 1023.
[11] BRASIL, 1943.
[12] BRASIL, loc. cit.
[13] BRASIL, 1943.
[14] PIVATTO, 2017, p. 1024.
[15] BRASIL, op. cit.
[16] PIVATTO, op. cit., p. 1024.
[17] BRASIL, op. cit.
[18] PIVATTO, 2017, p. 1024.
[19] Ibid., p. 1025.
[20] Ibid., p. 1025-1026.
[21] GASPAR; VEIGA, 2017, p. 08.
[22] GASPAR; VEIGA, 2017, p. 08.
[23] GASPAR; VEIGA, loc. cit.
[24] JUNIOR, 2018, p. 448.
[25] Ibid., p. 448-449.
[26] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual e direito processual civil. Volume único. 8. ed .Salvador: JusPodivm, 2016, apud GASPAR; VEIGA, 2017, p. 12.
[27] GASPAR; VEIGA, 2017, p. 08.
[28] JUNIOR, 2018, p. 441.
[29] Ibid., p. 442.
[30] JUNIOR, 2018, p. 442.
[31] JUNIOR, loc. cit.
[32] JUNIOR, loc. cit.
33] BRASIL, 1943.
[34] JUNIOR, 2018, p. 442.
[35] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília/DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15. mai. 2018.
[36] BRASIL, 2015.
[37] GASPAR; VEIGA, 2017, p. 06.
[38] GASPAR; VEIGA, loc. cit.
[39] GASPAR; VEIGA, 2017, p. 06.
[40] GASPAR; VEIGA, loc. cit.
[41] Ibid., p. 07.
[42] JUNIOR, Antonio Umberto de Souza...[et. al]. Reforma Trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei 13.467/2017. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2018, p. 438.
[43] BRASIL, Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 1º maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Brasília/DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 15. mai. 2018.
[44] BRASIL, 2015.
[45] JUNIOR, 2018, p. 448.
[46] Ibid., p.16.
[47] BOMFIM, Vólia. Comentários à Reforma Trabalhista. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2017/09/26/comentarios-reforma-trabalhista/>. Acesso em: 15 mai. 2018.
[48] SEVERO, Valdete Souto. E agora, José? A “reforma” trabalhista diante da ordem constitucional. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/07/17/e-agora-jose-reforma-trabalhista-diante-da-ordem-constitucional/>. Acesso em: 15 mai. 2018.
[49] SILVA, Homero Mateus da. Comentários a Reforma Trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1. ed. E-book, 2017, p. 8.
[50] SILVA, 2017, p. 08.
[51] ROCHA, 2017, p.16-17.
[52] Ibid,.
[53] GASPAR, Danilo Gonçalves; VEIGA, Fabiano Aragão. A Responsabilidade pelo pagamento dos honoráriosa advocatícios e periciais do beneficiário da Justiça Gratuita após a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). Universidade Salvador. In: Revista Unifacs, 2017, p. 02. Disponível em: < http://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/5395/3429>. Acesso em: 15 mai. 2018.
[54] Ibid., p. 05.
[55] TEIXEIRA FILHO, 2017, p. 75
[56] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Frabris, 1988, p. 12. Disponível em: <http://www.irib.org.br/app/webroot/publicacoes/diversos003/pdf.PDF>. Acesso em: 09 mai. 2018.
[57] Ibid., p. 13.
[58] BELTRAMELLI NETO, Silvio. A reforma trabalhista e o retrocesso na proteção jurídica da saúde e segurança no trabalho : notas críticas sobre jornada e outros dispositivos alusivos ao meio ambiente laboral. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 51, p. 183-202, jul./dez. 2017. Disponível em: <https://hdl.handle.net/20.500.12178/125458>. Acesso em: 10 mai. 2018.
[59] ROCHA, Fabio Ribeiro. Lei 13.367/2017 (Reforma Trabalhista) Direito Intertemporal - Gratuidade Judicial Honorários Periciais - Honorários Sucumbenciais. Revista Jurídica da Escola da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região/Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (2. Região). Ano 5. n.10. jul./dez. 2017. São Paulo, p. 16-20. Disponível em: < http://www.amatra2.org.br/PDF/09012018131057miolo.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2018.