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Segurança jurídica diante da impugnação ao título judicial fulcrada na decisão proferida em sede de controle constitucionalidade

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2 IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA FUNDADA EM NORMA DECLARADA INCONSTITUCIONAL

Ponto que merece destaque diz respeito à possibilidade de ser opor à execução de sentença sob a alegação de inexigibilidade da obrigação constante de título judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido por esta Corte como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, conforme dicção do §12 do art. 525 do CPC/2015.

O instituto em comento[19], conforme assinala MARINONI, ARENHART e MITIDIERO (2015, p. 552), tem ascendência na Lei do Tribunal Constitucional Alemão, mas daí advém crítica do sobredito autor, na medida em que lá – diversamente do Brasil (sistema misto) é adotado o sistema de controle de constitucionalidade concentrado, de modo que aqui o “antepassado” do art. 525 no CPC/1973 (art. 475-L) representava uma desconsideração do controle difuso levado a efeito pelo juiz ordinário.

A rigor, o teor do dispositivo legal em testilha não importa na relativização da coisa julgada, na medida em que a inexigibilidade em questão diz respeito ao efeito condenatório e não à declaração contida na sentença - esta sim atingida pela coisa julgada (MARINONI, ARENHART e MITIDIERO, 2015, p. 648).

Sob o enfoque crítico, com o dispositivo supramencionado tem-se uma tentativa de delegar às impugnações uma função que, a rigor, não lhe é própria, qual seja, manter a uniformidade das decisões judiciais em detrimento da coisa julgada, afetando-se, pois, a estabilização que lhe é pertinente.

Conforme magistério de Nery Jr. (2015, 1373):

Em boa hora o texto normativo comentado veio corrigir a disposições anteriores, revogadas, do CPC/1973 475-L § 1.º e 741 par.ún., que não faziam a ressalva constante do CPC 525 § 14. Já apontávamos essa inconstitucionalidade existente no sistema do CPC/1973, agora corrigida pelo texto comentado (Nery-Nery. CPC Comentado , coments. 35 a 39 CPC/1973 475-L § 1.º, pp. 920/921; coments. 14 a 19 CPC/1973 741 par.ún., pp. 1350/1352). Caso se admitisse a retroação prevista nos revogados CPC/1973 475-L § 1.º 741 par.ún. como possível, isso caracterizaria ofensa direta a dois dispositivos constitucionais: CF 1.º caput (Estado Democrático de Direito, do qual a coisa julgada é manifestação) e 5.º XXXVI (garantia individual ou coletiva da intangibilidade da coisa julgada). O CPC/1973 475-L § 1.º, instituído pela L 11232/05, era, portanto, materialmente inconstitucional.

Sobreleva trazer a lume que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.418-3/DF, ajuizada em 22/01/2001 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e relatada pelo Ministro Teori Zavaski, julgou, por maioria, improcedente a ação, a qual restou ementada na forma infra:

CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DAS NORMAS ESTABELECENDO PRAZO DE TRINTA DIAS PARA EMBARGOS À EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (ART. 1º-B DA LEI 9.494/97) E PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS PARA AÇÕES DE INDENIZAÇÃO CONTRA PESSOAS DE DIREITO PÚBLICO E PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS (ART. 1º-C DA LEI 9.494/97). LEGITIMIDADE DA NORMA PROCESSUAL QUE INSTITUI HIPÓTESE DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL EIVADO DE INCONSTITUCIONALIDADE QUALIFICADA (ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 475-L, § 1º DO CPC/73; ART. 525, § 1º, III E §§ 12 E 14 E ART. 535, III, § 5º DO CPC/15). [...] 3. São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional – seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. 4. Ação julgada improcedente. (ADI 2418, Relator:  Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2016, Acórdão Eletrônico Dje-243 Divulg 16-11-2016 Public 17-11-2016)

Assinale-se que a coisa julgada não detém caráter absoluto e, a toda evidência, deve ceder passo a outros princípios constitucionais, tal como o da supremacia da Constituição, o qual atribui prevalência das normas constitucionais sobre todas as regras existentes no ordenamento jurídico pátrio.

Nesse diapasão, na esteira do que assentou a Corte Suprema, a despeito de correntes doutrinárias em sentido contrário, aquilata-se que o legislador ordinário, com o art. 525, §§12-15, busca, a rigor, compatibilizar a garantia da coisa julgada com a supremacia da Constituição, precipuamente diante do fato de que o Direito pátrio caminha, há muito, em direção a um sistema de precedentes, a exemplo da súmula impeditiva de recurso, prevista a teor do art. 518, §1º[20], do CPC/1973.

Quanto à natureza jurídica da impugnação, há divergência doutrinária. Há quem sustente possuir natureza obstaculizadora da eficácia do título judicial, e, de outro lado, rescisória, a exemplo de Marinoni (2015).

Perfilha-se à orientação segundo a qual, de fato, a impugnação em estudo atua no plano da eficácia, na medida em que ainda que a sentença rescindenda esteja calcada em norma tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, poderá produzir seus efeitos jurídicos, na hipótese de o executado não opô-la, nem aforar a ação rescisória, não havendo que se falar, pois, em modificação da coisa julgada propriamente dita.

2.1 PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARADIGMAS

Ab initio, esclareça-se que uma sentença pode ser acoimada de inconstitucional em quaisquer casos em que ofenda a Constituição da República, de modo que as hipóteses previstas na Lei Adjetiva Civil vigente (art. 525, §12) – que serão infra-analisadas – não disciplinam todos estes.

Anote-se que desde a vigência do CPC de 1973, a jurisprudência interpretava de modo restritivo os dispositivos correspondentes (art. 475-L, §1º), conforme aresto infra, de lavra do Superior Tribunal de Justiça:

[...] O art. 741, parágrafo único, do CPC, atribuiu aos embargos à execução eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Por tratar-se de norma que excepciona o princípio da imutabilidade da coisa julgada, deve ser interpretada restritivamente, abarcando, tão somente, as sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que:

(a) aplicaram norma declarada inconstitucional;

(b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional; ou

(c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional.

2. Em qualquer desses três casos, é necessário que a inconstitucionalidade tenha sido declarada em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso e independentemente de resolução do Senado, mediante:

(a) declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto; ou

(b) interpretação conforme a Constituição.

3. Por consequência, não estão abrangidas pelo art. 741, parágrafo único, do CPC as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação firmada no STF, tais como as que:

(a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional, ainda que em controle concentrado;

(b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade;

(c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-aplicável; e

(d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado.

4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à vigência do dispositivo. [...]. (REsp 1189619/PE, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 25/08/2010, DJe 02/09/2010)

O Código de Processo Civil de 2015, ao tratar das hipóteses referentes às decisões do Supremo Tribunal Federal aptas a arrimar a impugnação ao cumprimento de sentença em testilha, não contrariou a orientação jurisprudencial supramencionada, mas inovou a redação legal do dispositivo ao explicitar que estas podem ser em “controle de constitucionalidade concentrado ou difuso”, bem como acresceu os §§12 a 15 em seu art. 525, o que não era tratado pelo Código de Processo Civil de 1973. Veja-se:

Art. 525.  Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 1o Na impugnação, o executado poderá alegar:

[...]

III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

[...]

§ 12.  Para efeito do disposto no inciso III do § 1o deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Da análise das disposições transcritas alhures, afirma-se, sem embargo, ao menos três requisitos para se admitir a impugnação à sentença exequenda com supedâneo no art. 525, §12, do CPC/2015, a saber: tenha ocorrido a declaração de inconstitucionalidade pelo STF em controle concentrado ou difuso; que esta tenha sido proferida antes do trânsito em julgado da sentença impugnada; e que a decisão exequenda seja fundamentada nessa norma declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso.

No controle concentrado (abstrato), levado a cabo exclusivamente pela Corte Constitucional, a provocação do STF se dá mediante o ajuizamento da ação própria – Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) –, da qual são legitimados aqueles previstos no art. 103[22] da Constituição da República. Nesse caso, o mérito da demanda constitui-se justamente o controle de constitucionalidade da norma e vinculará todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Direta e Indireta, em todas as esferas, conforme arts. 102, §2º[23], da CF/88 e 10, §3º[24], da Lei nº 9.882/99.

A outro lance, se a declaração de inconstitucionalidade se dá em sede de controle concreto (difuso) pelo Supremo Tribunal Federal, nos casos de julgamento de v.g. recurso extraordinário, mandado de segurança, recurso ordinário, habeas corpus, etc, em atenção ao capitulado no art. 506 do CPC/2015, a eficácia do respectivo acórdão atingirá somente as partes (inter partes).

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A esse respeito, Medina (2015, p. 875) faz uma leitura conjunta do artigo em questão (525, §12) com o que preceitua o art. 52, X[25], da Constituição da República, de molde a restringir a aplicação do dispositivo na hipótese de controle concentrado, salvo se o Senado Federal suspender previamente a execução da norma em caso de controle difuso, ensejo em que a decisão terá a partir de então eficácia erga omnes.

Em sentido consentâneo, Nery Jr. (2015, p. 1371) disserta que:

O texto normativo, quando se refere à declaração de inconstitucionalidade pelo STF em controle concreto da constitucionalidade de lei ou de ato normativo (CPC 525 § 12 in fine), só faz sentido se interpretado conforme a Constituição, vale dizer, se considerar-se a incidência da CF 52 X: julgado o RE afirmando a inconstitucionalidade – controle difuso -, e, remetido o acórdão ao Senado Federal, a Câmara Alta expediu resolução suspendendo a execução da lei ou do ato normativo em todo o território nacional. Somente nesse caso é que o texto normativo poderá ser aplicado. Vale lembrar que o STF, quando julga RE não é tribunal de teses, mas tribunal que julga o caso concreto, subjetivo, corrigindo a decisão que aplicou incorretamente a CF ou lei que o STF considera inconstitucional. Sem autorização constitucional expressa não pode haver “objetivação” do recurso extraordinário, entendimento que só pode ser considerado de lege ferenda. Não se pode opor esse julgamento concreto do STF ao credor-exequente. Sem a resolução do Senado, na forma da CF 52 X, a decisão do STF em controle difuso vale apenas como precedente jurisprudencial, isto é, como entendimento do tribunal. A ela não pode ser dada eficácia de lei geral, que atinge a todos, como é o caso da declaração da inconstitucionalidade em sede de controle abstrato. Prevalece sobre ela (declaração em concreto) a coisa julgada decorrente do título judicial que aparelha o cumprimento da sentença.

Contudo, importa obtemperar que esta interpretação não é unívoca na doutrina, a exemplo de Didier Jr. (2017, p. 545), segundo o qual revela-se despicienda a resolução do Senado Federal, de modo que a decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso, per si, é apta para a incidência da norma dita em estudo. Ademais, ressalte-se que no que tange ao controle difuso (ou incidental) de constitucionalidade, o próprio STF já dispensou a resolução do Senado Federal para que o julgamento em controle difuso opere efeitos erga omnes[26].

A propósito, Assis (2015, p. 1507) anota que:

Não é qualquer juízo de inconstitucionalidade, consoante os termos expressos dos arts. 475-L, §1 e 741, parágrafo único, do CPC DE 1973, hábil a paralisar o vínculo decorrente da coisa julgada. É indispensável julgamento definitivo do STF no controle concentrado de constitucionalidade, que acolhendo a ação direta de inconstitucionalidade, quer rejeitado a ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a, c/c § 2.º, da CF/1988). No primeiro caso, de ordinário desaparecerá a lei ou ato normativo, objeto do controle, admitindo-se outras técnicas adotadas pelo STF e referidas nas regras; no segundo, a norma perderá vigência. Em ambas as situações, a eficácia do julgamento opera erga omnes, vinculando aos demais órgãos judiciários.

Ademais, importa anotar que a impugnação também pode ser viabilizada quando, a despeito de o Supremo Tribunal Federal já ter considerado o texto legal inconstitucional, o juízo prolator da sentença o aplicou e o interpretou de tal modo. Trata-se neste ponto, de dois instrumentos de controle de constitucionalidade, vale dizer, “declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto” e “interpretação conforme a Constituição”.

Em ambas as técnicas, verifica-se a nítida redução das hipóteses de aplicação dos dispositivos, sem contudo, alterar-se seu texto legal.

No primeiro caso – declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto – a despeito de não haver qualquer alteração na redação da norma legal controlada, determinadas hipóteses de aplicação desta são consideradas inconstitucionais, ao passo que na intepretação conforme a Constituição, se estabelece uma única intepretação consoante a Carta Magna. Ademais, a última deve ser empregada nos casos em que as leis forem manifestamente inconstitucionais, enquanto a primeira deve ser utilizada nos casos em que as leis são, em princípios, compatíveis com a Carta Política (MARINONI, ARENHART e MITIDIERO, 2015).

O constitucionalista Novelino (2018, p. 245), bem diferencia os instrumentos em epígrafe:

A despeito da semelhança entre elas, é possível, no entanto, identificar algumas diferenças. Na interpretação conforme é conferido um sentido à norma e afastados outros analisados na fundamentação, enquanto na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto é excluída uma determinada interpretação, permitindo-se as demais comportadas pelo texto constitucional. Ao fixar dada interpretação como constitucional, não se declara a inconstitucionalidade de todas as outras possíveis interpretações, podendo surgir novas hipóteses compatíveis com o texto da Lei Maior. Por esse motivo, há quem defenda que a declaração de nulidade sem redução de texto é dotada de maior clareza e segurança jurídica. Ademais, a declaração de inconstitucionalidade é técnica de decisão utilizável exclusivamente no controle normativo abstrato, ao passo que a interpretação conforme pode ser empregada, pelo Tribunal Constitucional, como técnica decisória mas também, por qualquer intérprete da Constituição, como princípio de interpretação das leis.

À guisa de exemplo, anote-se que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADPF 54[27] (interrupção da gravidez no caso de feto anencéfalo), empregou a técnica da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução texto, mas no âmbito do controle abstrato o Pretório Excelso se vale de ambas as técnicas como equivalentes (NOVELINO, 2015, p. 245).

Sublinhe-se, por oportuno, que em sendo as decisões tidas por definitivas exaradas pelo STF como supedâneo para se opor a impugnação em testilha, as decisões de cunho provisório (medidas cautelares em ADIn, ADC e ADPF, bem assim as proferidas em controle difuso emanadas das Turmas[28]) não se prestarão a este fim.

Em arremate, cumpre evidenciar que para que haja o acolhimento da impugnação em comento, deve haver necessária correlação entre a conclusão pela procedência do pedido exarada pelo juízo prolator da decisão exequenda e a lei, ato normativo ou interpretação cuja constitucionalidade já tenha sido delineada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que, conforme lição de Marinoni (2015, p. 133): “se o desrespeito ao pronunciamento vinculante não impuser a alteração da sentença, mas admitir apenas a modificação da sua fundamentação, não há como acolher a impugnação”.

Sob esse enfoque, parece clarividente chegar-se ao entendimento suso mencionado, na medida em que não faria sentido o acolhimento da impugnação se persistisse a conclusão do julgador ainda que afastada a norma tida por inconstitucional pelo Pretório Excelso. Destarte, em linhas gerais, acentua-se que apenas a ratio decidendi (tese ou princípio jurídico do precedente da Corte Suprema) enseja a aplicação do instituto, ou seja, os motivos determinantes da decisão.

2.2 MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Não se olvide que no âmbito da doutrina e jurisprudência tangente ao Direito Constitucional é cediço que, de regra, as decisões do Supremo Tribunal Federal de inconstitucionalidade ostentam efeito temporal ex tunc, vale dizer, retroagem ao momento da edição norma legal, considerando-se que esta é um ato nulo[29], podendo, não obstante – mas excepcionalmente – ter seus efeitos modulados, conforme dicção dos arts. 27 e 28, ambos da Lei nº 9.868/99, in verbis:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Anote-se que, a rigor, antes mesmo da edição da norma dita alhures, a jurisprudência do Pretório Excelso já permitia a modulação dos efeitos de suas decisões de inconstitucionalidade, v.g. no julgamento do Recurso Extraordinário nº 122.202[30].

Destarte, conforme dispõem os dispositivos legais alhures, a decisão do STF – seja qual for a técnica empregada – operará efeitos erga omnes e ex tunc, ressalvada, a toda evidência, a modulação dos efeitos da decisão, a ser realizada de forma expressa, podendo, pois, excepcionalmente ter eficácia ex nunc (a partir do trânsito em julgado) ou pro futuro (a partir de um certo momento no futuro).

Nesse compasso, dessume-se que o termo inicial dos efeitos da inconstitucionalidade dependerá de manifestação expressa do Pretório Excelso no julgado (ASSIS, 2015).

Sucede que o §13 do art. 525 do CPC/2015 não possui redação de clara interpretação acerca de quem tomaria a iniciativa de modular os efeitos da decisão a que se refere esse dispositivo: o juízo da execução ou o Supremo Tribunal Federal.

Acerca do tema, Scarpinella (2015), por exemplo, entende que o juízo da execução é que deverá proceder à modulação dos efeitos da decisão do STF, quando este não o fizer. Em sentido contrário, importa anotar que o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou no Enunciado nº 57, do qual se comunga, no sentido de que compete exclusivamente à Corte Suprema, na medida em que o juízo ordinário não detém competência para tomar providências pertinentes aos efeitos da decisão de inconstitucionalidade em controle concentrado, conforme preceitua o já citado art. 27 da Lei nº 9.868/99.

A rigor, o dispositivo em questão sofre duras críticas da doutrina, conforme profícuo comentário de Nery Jr. (2015, p. 1372):

Uma segunda interpretação deste parágrafo nos dá a impressão de que ele parece sem sentido. Afinal, não se pode declarar a inexequibilidade do título ou a inexigibilidade da obrigação sem que tenha havido prévia decisão do STF. Ora, essa decisão deverá já conter a modulação de efeitos, em razão da segurança jurídica necessária, nos termos da LADIn 27.

Obtempere-se que o acolhimento da impugnação importa em desfazimento da eficácia da sentença e não propriamente a inexistência da coisa julgada. Em confluência, Assis (2015, p. 1509):

Conforme já se afirmou, os efeitos da sentença definitiva são desfeitos, admitida a ineficácia absoluta do julgado, mas não se reabre o processo findo. Esse radical efeito só tem cabimento se o provimento baseia-se unicamente no preceito inconstitucional. A existência de outros fundamentos (v.g., a aplicação de outra norma) torna a sentença incólume à superveniente resolução da questão constitucional ou naquele sentido.

2.3 MOMENTO INVOCÁVEL

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal apta a arrimar a impugnação em estudo, conforme se infere do §14 do art. 525 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. Se for posterior, será caso de ação rescisória, do que exsurge maior proteção à coisa julgada.

Pontua-se que o Pretório Excelso, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 730.462, deparou-se com esse tema, ainda no período de vacatio legis do CPC/2015, ensejo em que se chegou a mesma conclusão, in verbis:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA REFORMA OU DESFAZIMENTO.

1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito.

2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se, tem como instrumento próprio, embora não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, “l”, da Carta Constitucional.

3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional.

4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado.

5. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 730462, Relator(a):  Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, Julgado Em 28/05/2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-177 Divulg 08-09-2015 Public 09-09-2015)”

De relevo pontuar, ainda, que conforme se extrai da regra de transição contida a teor do art. 1.057 do CPC/2015, o §14[31] do art. 525 do mesmo diploma, aplicar-se-á somente aos feitos iniciados após sua vigência.

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Sobre o autor
Matheus Florêncio de Oliveira

Graduado em Direito pela PUC-GO. Especialista em Direito Processual Civil junto à Escola da Magistratura do Estado de Goiás (ESMEG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Matheus Florêncio. Segurança jurídica diante da impugnação ao título judicial fulcrada na decisão proferida em sede de controle constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5489, 12 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66707. Acesso em: 22 dez. 2024.

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