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Segurança jurídica diante da impugnação ao título judicial fulcrada na decisão proferida em sede de controle constitucionalidade

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3 AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA

3.1 hipótese de cabimento

Consoante se infere do item anterior, tem-se que a impugnação não tem por escopo rescindir a decisão exequenda, mas sim torná-la inexigível, de molde a afastar a pretensão executiva, devendo ser calcada em decisão paradigma do Supremo Tribunal Federal proferida antes do trânsito em julgado da primeira.

Sucede que se a decisão exarada pelo Pretório Excelso for ulterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, deve ser aforada ação rescisória e não mais impugnação ao cumprimento de sentença, primando-se, neste ponto, a conferir maior proteção à coisa julgada.

A ação rescisória está prevista no CPC/2015 em seu art. 966 e, quando se tratar da hipótese de cabimento supramencionada, deverá ser arrimada no inciso V, vale dizer, “por violar manifestamente norma jurídica”, fazendo-se alusão a princípio, regra ou postulado normativo (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2015).

Ademais, mister destacar que com o fito de se resguardar certa margem interpretativa – ínsita ao sistema de precedentes – fora editada a súmula nº 343 do Supremo Tribunal Federal segundo a qual: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação normativa controvertida nos tribunais”.

Acerca da súmula em testilha, pertinentes são as anotações de Filho, Vieira e Costa (2014, p.321):

A exemplo do que sucede que com o Enunciado nº 400, o de nº 343, também da súmula do STF, não tem aplicação quando a norma violada for de índole constitucional. É que a violação a uma norma constitucional é bem mais grave do que a ofensa a um dispositivo de lei infraconstitucional; violar a Constituição equivale a atentar com a base do sistema normativo. Cumpre, diante disso, preservar a supremacia da Constituição e, de resto, garantir a autoridade das decisões do STF, enquanto guardião do texto constitucional. Não é sem razão, aliás, que as decisões do STF, ainda que no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, despontam como paradigmáticas; e, por isso, os demais tribunais da Federação devem segui-las.

De outro vértice, a jurisprudência predominante ao reinterpretar o verbete sumular supramencionado tem aceitado a ação rescisória por violação de lei, em matéria constitucional nos casos em que a decisão objeto de rescisão se tiver embasada em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais. A esse respeito, confira-se o RE nº 89.108 e o REsp 138.853.

Acerca do verbete sumular em comento, concluiu o saudoso Ministro Zavascki (2014, p. 176) que este não se aplica às normas constitucionais, as quais não admitem “interpretação razoável”, mas tão somente aquela advinda do Supremo Tribunal Federal:

[...] razão por que se sujeitam a ação rescisória, independentemente da existência de controvérsia sobre a matéria nos tribunais, as sentenças contrárias a precedente do STF, seja ele anterior ou posterior ao julgado rescindendo, tenha ele origem em controle concentrado de constitucionalidade, ou em controle difuso, ou em matéria constitucional não se sujeita aos mecanismos de fiscalização de constitucionalidade dos preceitos normativos; não havendo precedente do STF sobre a matéria, o princípio da supremacia da Constituição e a indispensabilidade da aplicação uniforme de suas normas impõem que se admita ação rescisória, mesmo que se trate de questão controvertida nos tribunais;

Ademais, faz-se mister obtemperar que ao se admitir – via ação rescisória – a rescisão de uma decisão com base em precedente do STF lavrado após o trânsito em julgado daquela (art. 966, V c/c 525, §15 do CPC/2015), fala-se em aplicação retroativa pura do novo precedente.

De outro vértice, interessante a ponderação feita por Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr., em profícuo artigo sobre o tema, ao defender a tese que se revela inviável a impugnação ao título judicial calcado em norma inconstitucional se a questão da inconstitucionalidade da lei em que se embasou a sentença fora discutida e decidida na fase de conhecimento.

3.2 CELEUMA TANGENTE AO PRAZO

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a despeito de neste não haver menção expressa, observa-se uma clarividente objeção à possibilidade de relativização da coisa julgada, a exemplo do prazo máximo de 5 (cinco) para ajuizamento de ação rescisória calcada em nova prova, contado do trânsito em julgado da última decisão exarada no feito.

Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 553) aludem que:

Se até aqui o sistema parece razoável (ou ao menos, viável), o mesmo não ocorre em relação ao art. 525, §15, do CPC. Esse § 15 supõe que a coisa julgada possa ser desconsiderada desde que a decisão de inconstitucionalidade seja invocada mediante ação rescisória. Acontece que a decisão que se fundou na lei declarada inconstitucional é uma decisão legítima. Admitir rescisória, em caso de decisão de inconstitucionalidade posterior à formação da coisa julgada material, é voltar a confundir a validade da lei com validade do juízo sobre a lei. É fundamentadamente, esquecer da garantia constitucional da coisa julgada. [...] O real problema é que não se pode admitir a retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada, pois isso nada mais é do que negar a autonomia da interpretação judicial em face da lei.

Imperioso anotar que o próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 590.809[32], decidiu pelo não cabimento de ação rescisória quando – à época da decisão rescindenda – havia controvérsia no que tange à interpretação constitucional.

Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 553) sustentam que o §15 do art. 525 “já nasce destituído de validade em face do entendimento do STF”. Urge, obtemperar, que os retromencionados autores ainda criticam a submissão da coisa julgada à condição destituída de limite temporal. Veja-se:

Pior do que isso, o §15, do art. 5255, do CPC, implica subordinar a estabilidade da coisa julgada a uma verdade condição atemporal. Na medida em que, a qualquer momento, reconhecida ou declarada a inconstitucionalidade de certa norma (ou de certa intepretação da norma) pelo Supremo Tribunal Federal, passa daí a contar o prazo para uma ação rescisória contra qualquer julgado que tenha aplicado aquela norma ou aquela interpretação no passado, torna-se inviável pretender falar em estabilidade, imutabilidade ou indiscutibilidade da coisa julgada. Ela se torna, apenas, uma estabilidade provisória, no aguardo da confirmação – eterna, diga-se – pelo Supremo Tribunal Federal, da legitimidade das regras e das intepretações jurídicas aplicadas por essa decisão. Carece, portanto, totalmente, de constitucionalidade o art. 525, §15, do CPC.

Lado outro, avulta notar que, em uma interpretação literal, a norma estampada no art. 525, §15[33], do CPC/2015, estabelece um novo prazo para se valer da ação rescisória, qual seja, o trânsito em julgado da própria decisão tomada pelo STF.

Exsurge, a toda evidência, que ao se admitir o aforamento de ação rescisória tendo por dies a quo o trânsito em julgado da decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, estar-se-ia a ir de encontro ao princípio da segurança jurídica e a garantia da coisa julgada, já tratadas neste artigo, porquanto se teria uma pretensão atemporal, na medida em que, a rigor, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, v.g., não tem prazo para ser manejada no ordenamento jurídico pátrio.

Em sentido consentâneo, aduz Nery Jr. (2015, p. 1374):

A pretensão rescisória extinta pela decadência não pode renascer pela decisão futura do STF. [...]a rescisória – instituto que se caracteriza como exceção à regra constitucional da intangibilidade da coisa julgada material (CF 5.º XXXVI), que, como exceção, deve ser interpretada restritivamente – não pode receber esse mesmo tratamento e nem as partes devem submeter-se à essa absoluta insegurança jurídica. Daí por que, extinta a pretensão rescisória pela decadência, não pode renascer. Entendimento diverso ofenderia o princípio constitucional da segurança jurídica e a garantia fundamental da intangibilidade da coisa julgada (CF 5.º XXXVI).

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Ante essas considerações, perfilha-se com o presente estudo ao entendimento de que para se ter a norma em comento como constitucional e aplicá-la sem malferir a coisa julgada e a segurança jurídica, o dies a quo do prazo de ajuizamento da ação rescisória somente poderá ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão da Corte Suprema se ainda não tiver sido extinta a pretensão rescisória cujo prazo tenha-se iniciado do trânsito em julgado da decisão exequenda (NERY JR., 2015, p. 1374).


CONCLUSÃO

O presente estudo teve por escopo analisar os limites e a eficácia da coisa julgada, para, após, tratar da impugnação ao cumprimento de sentença calcada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade (art. 525, §12 seguintes do CPC/2015), bem como a ação rescisória por violação manifesta de norma jurídica e o novo prazo previsto na Lei Adjetiva Civil para o aforamento desta, diante do §15 do mesmo dispositivo, considerando-se a abordagem legal, doutrinária e jurisprudencial pertinente ao tema.

Não detém caráter absoluto a coisa julgada e esta atua nas fronteiras objetiva, subjetiva, temporal e territorial, e dá ensejo, em certa medida, à garantia da segurança jurídica ínsita ao Estado Democrático de Direito.

A impugnação estudada tem origem no Direito alemão e, embora haja divergência doutrinária quanto à sua natureza jurídica, aquilata-se que atua no plano da eficácia. Ademais, foi reputada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e acaba por servir de supedâneo à uniformidade das decisões judiciais. Os precedentes paradigmas emanados do STF e que são aptos a arrimá-la podem ser proferidos em controle de constitucionalidade concentrado (ADIn, ADC, ADPF) ou difuso (RExt, HC, etc).

O STF modulava os efeitos de suas decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade (de regra, ex tunc e erga omnes) antes mesmo da Lei nº 9.868/99 tratar da matéria, de modo que deve ser observado o termo inicial dos efeitos da decisão fixado pela Corte Suprema para eventual apresentação da impugnação nela arrimada. Ademais, esta decisão deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda (art. 525, §14, CPC/2015.

Se a decisão de inconstitucionalidade for exarada pelo STF após o trânsito em julgado da decisão exequenda, cabe ação rescisória com fulcro nos arts. 525, §15, do CPC/2015.

Verificou-se- que a impugnação ao cumprimento de sentença, diante da norma expressa contida a teor do art. §14 do art. 525 (CPC/2015) não viola a coisa julgada, posto que atua no plano da eficácia.

De outro vértice, depreendeu-se que se revela inconstitucional o prazo fixado para ajuizamento da ação rescisória com supedâneo nos art. 525, §15 da Lei Adjetiva Civil vigente, na medida em que se exsurge como medida atemporal e relativa demasiadamente a coisa julgada e, por conseguinte, a segurança jurídica, devendo ser interpretado conforme a Constituição, ou seja, que houve apenas uma extensão do prazo da rescisória já em curso.

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Sobre o autor
Matheus Florêncio de Oliveira

Graduado em Direito pela PUC-GO. Especialista em Direito Processual Civil junto à Escola da Magistratura do Estado de Goiás (ESMEG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Matheus Florêncio. Segurança jurídica diante da impugnação ao título judicial fulcrada na decisão proferida em sede de controle constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5489, 12 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66707. Acesso em: 22 dez. 2024.

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