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A função social da terra e a desapropriação para fins de reforma agrária

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4 A DESAPROPRIAÇÃO CUMPRINDO A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Resta, agora, saber se a desapropriação cumpre a função social da propriedade, como elemento que irá fechar nosso trabalho. Albuquerque (2006, p. 164) explica que o interesse social constitui tudo aquilo que, em dado momento histórico da vida de um povo, necessita-se de composição, apaziguamento, previdência e prevenção impostos por circunstâncias que exigem o cumprimento da função social da propriedade. O autor cita o art. 184, da Constituição Federal: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fina de reforma agrária” e questiona, dizendo que a compreensão do que seja função social pode modificar, mas o legislador, o julgador, o doutrinador deverão, sempre, por mandamento constitucional, interpretar como incluso neste conceito a reforma agrária.

Conforme ensina Rocha (1998), foi o Estatuto da Terra - Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 - que consignou expressamente o objetivo da desapropriação de imóveis rurais como política de reforma agrária, discriminando as hipóteses que autorizam essa modalidade de desapropriação. A autora elenca estas hipóteses: a) condicionar o uso da terra a sua função social; b) promover a justa e adequada distribuição da propriedade; c) obrigar a exploração racional da terra; d) permitir a recuperação socioeconômica de regiões; e) estimular pesquisas pioneiras, experimentais experimentação, demonstração e assistência técnica; f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais; g) incrementar a eletrificação e a industrialização do meio rural; h) facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias (art. 18 do Estatuto da Terra).

Como se vê, são muitos os itens que englobam o que se entender por função social da terra. Entende-se que a reforma agrária, mais do que tendente a corrigir distorções do uso, domínio e do acesso à terra, é conceito forjado em razão da funcionalidade da propriedade da terra.

Marcos Prado de Albuquerque (2006) observa que o Estatuto da Terra privilegia a expressão desapropriação por interesse social, através da alínea a, do art. 17 e do art. 18, caput, afirmando que o Estado somente nomeará desapropriação para os fins de reforma agrária no seu art. 24. Porém, ressalta o autor, a denominação completa desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária não aparece no texto estatutário. Completa o autor:

Entretanto, já que a compreensão de reforma agrária é dada pelo Estatuto da Terra e é o momento legal em que se configuram os elementos do conceito pré-falado de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, não se pode deixar de reconhecer que é no Estatuto da Terra que o instituto tem a sua consolidação primeira (ALBUQUERQUE, 2006, p. 164).

Considerando-se o conceito formulado neste trabalho para desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, sua origem no ordenamento brasileiro veio com o advento da Lei n° 4.132/62 e que, com a Emenda n° 10 à Constituição de 1946, de novembro de 1964, passa a ter previsão constitucional expressa, que se consolida ao ser regulamentada pelo Estatuto da Terra, do mesmo ano.

Assim, conclui-se que todo imóvel que não estiver cumprindo com a função específica da propriedade imobiliária rural pode ser objeto de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, sendo que a pequena e a média propriedade rural não estão imunes a este tipo de desapropriação, sempre enfatizando que a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária cumpre sua função social de justa distribuição da propriedade.


CONCLUSÃO

Ao proprietário da terra cumpre a obrigação da conservação do solo e dos demais recursos naturais renováveis, cultivando-a corretamente, de modo a obter a maior produtividade e melhor qualidade de produção. Ao Estado incumbe, por outro lado, adotar um conjunto de medidas que dê ao indivíduo condições de assim agir, ou seja, promover a colonização e aproveitamento das terras públicas, a diversificação da produção, a valorização do trabalho no campo, organizando melhor a comercialização dos produtos agrários e a incorporação da família campesina e a comunidade rural ao processo de desenvolvimento nacional.

A função social da propriedade vincula-se propriamente ao uso da mesma, e não à propriedade como instituto, que contém outros elementos constitutivos, além do uso, do gozo e da disposição. Assim, a desapropriação, dentro do âmbito da Lei, é a forma, por excelência, pela qual a propriedade rural pode atingir seu fim social, produzindo de acordo com sua capacidade e seu potencial.

Entende-se que não deve haver uma transferência da posse do imóvel para aqueles que desejam a terra, pois o ser humano nem sempre tem consciência de sua função social. Desta forma, há a possibilidade de venda do imóvel tão logo a família o tenha conquistado, em função de necessidades financeiras. Por isto, preconizamos que a ocupação da terra sem a propriedade pode render maiores frutos. Não podendo vendê-la, somente quem está interessado em produzir na terra teria acesso à mesma, evitando-se, assim, a especulação e o oportunismo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre a autora
Gabriela de Oliveira Mascarenhas de Souza

Advogada, graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, pós graduada em Direito da Empresa e da Economia pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, e pós graduada em Direito Público pela Universidade de Caxias do Sul - UCS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Gabriela Oliveira Mascarenhas. A função social da terra e a desapropriação para fins de reforma agrária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6230, 22 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66844. Acesso em: 25 abr. 2024.

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