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A redução da maioridade penal conforme a PEC 171/1993

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23/09/2019 às 17:26
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Há relação de causalidade entre a adoção de medidas punitivas mais severas e repressivas e a diminuição da criminalidade?

1  INTRODUÇÃO

A fugaz transformação social presente nos tempos atuais, além de trazer inovações tecnológicas e novos comportamentos sociais fomentam alterações substanciais no pensamento coletivo, dificultando a formação de bases sólidas ou pilares de sustentação de algumas teorias. Reflexos podem ser sentidos na manifestação da opinião pública, que se faz manipulada ou influenciada por ardilosos meios de comunicação.

Assuntos contendo alto teor de criminalidade excedem ao volume comum de divulgação de notícias, sendo massificados em muitos programas e, consequentemente, formando uma opinião distorcida da realidade em um público que não detém um profundo conhecimento sobre o assunto. Esse fato forma um senso de justiça relativizado, tornando cada pessoa um julgador parcial para cada caso, na maioria deles, dominados pela fúria e o senso de vingança privada aflorada, podendo chegar ao desfecho de adoção de medidas extremas pelos cidadãos.

Além da possibilidade de formação de justiceiros individuais, há uma massificação numa vertente suavizada da vontade geral, uma visão superficial do problema, tendendo as pessoas a acreditarem que a redução da idade para estabelecer a imputabilidade penal resolveria o problema da criminalidade no Brasil com a eliminação de participação de menores nas ações delituosas. 

No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro preza para que a imputação penal somente ocorra após o indivíduo completar dezoito anos, considerando-os sujeitos a aplicação da legislação penal brasileira quando atingem essa faixa etária. O Direito Penal, obrigatoriamente, segue o preceito constitucional, fixando a imputabilidade penal em dezoito anos, definindo, assim, a idade mínima para responsabilização penal do indivíduo, porém sujeita aqueles com menor idade à aplicação de lei especial, o Estatuto da Criança e Adolescente, criado em momento posterior ao texto constitucional.

Contudo, se a conduta praticada por um adolescente, compreendido entre 12 e 18 anos, se amolda a qualquer tipo descrito no Código Penal, inexiste a prática de crime, sendo considerado o ato apenas uma infração (ato infracional). Ao menor, portanto, não será aplicada a pena especificada para o crime, mas tão somente as medidas previstas no ECA. Por essa razão, alguns formadores de opinião atuantes nos meios de comunicação argumentam que crianças e adolescentes são induzidos à realização da prática de atos contrários às normas, bem como são recrutados pelo crime organizado. 

Assim, a questão ganha destaque nas diversas camadas da sociedade, provocando debates acirrados entre aqueles que divergem sobre a necessidade de se reduzir a maioridade penal no Brasil. Há uma clara divergência de opiniões, faces contrárias ou favoráveis sugerem axiomas e quimeras à reflexão sobre a complexidade do tema.

Dessa forma, tendo em vista os princípios resguardados pelas normas constitucionais brasileiras, bem como os direitos humanos vigiados pela nação, e observando o contexto social atual e os aspectos jurídicos e psicossociais, surge o questionamento acerca da viabilidade de se adotar a redução da maioridade penal como solução da criminalidade juvenil.

A doutrina majorante traz uma ideia de proteção integral, baseando-se nos preceitos expressos na Constituição, bem como descritos no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, em plena observância de que o adolescente está na condição de pessoa em desenvolvimento, devendo, dessa forma, ser disciplinado por lei especial.

Diante dos clamores veiculados, com ênfase, pelos meios comunicativos de grande circulação, o estudo da viabilidade de adoção da redução da maioridade penal no Brasil, sob a ótica dos direitos humanos e dos direitos fundamentais, é assunto recorrente. Assim, para se concretizar o objetivo principal do estudo, será necessário apresentar e analisar as correntes que pregam tanto a adoção da medida quanto a sua abdicação, bem como a sua relativização, analisando sobre a proteção estipulada pela Lei nº 8.069/90, ECA.

No intuito de alcançar os objetivos propostos na linha de raciocínio deste estudo, utiliza-se de uma metodologia científica do ponto de vista dos procedimentos técnicos, fundamentada, basicamente, na pesquisa documental voltada para o uso do método indutivo para se chegar a um desfecho com avanços no campo científico literário.

Visando a analisar o enfoque que é dado à redução da maioridade penal no Brasil contemporâneo, busca-se averiguar se há constitucionalidade ou inconstitucionalidade na redução da maioridade penal frente aos instrumentos protetores e aos direitos humanos que o Estado brasileiro se declara signatário. Nesse diapasão, buscou-se analisar, dentro do ordenamento infraconstitucional, buscando sempre discutir a conveniência ou não da redução da idade penal, a necessidade da adoção da redução da maioridade como forma de solucionar o problema da violência presente nos dias atuais.


2  DA RESPONSABILIDADE PENAL DO INDIVÍDUO

Devido à existência de uma essência natural do homem em percorrer caminhos que o levam a macular os parâmetros estabelecidos para manter a convivência harmônica com os demais membros da sociedade, ou seja, devido à fatal natureza em traçar caminhos que desobedecem às regras de convívio social harmonioso, houve a necessidade de imposição de métodos coercitivos aplicados para manter um curso mínimo de convivência humana. 

Para que se estabelecesse o convívio harmonioso, as sociedades democráticas, legitimamente reguladas pelos Poderes constituídos, observando os ditames estabelecidos em lei, submeteram os indivíduos ao regime básico de comportamento social. Para coagir a indivíduo a seguir tal regramento, especificamente, no que diz respeito às normas penais, nasce, em determinado momento, o ius puniende, que pode ser compreendido como o poder do Estado de punir os indivíduos que maculam a lei (GRECO. 2016, p. 01).

Dentro desses parâmetros, os regramentos e ordenamentos são formulados como fatores de manutenção da sociedade em sua forma ordeira. E da aplicação de penalidades como forma de coibir a prática de atos estabelecidos como ilícitos nascem as formas que foram apregoadas ao longo dos tempos como forma de punição. 

Todo grupo social presente nos caminhos históricos estabeleceu suas regras de convivência, pregando que o rompimento dessas regras importava em punição daqueles que praticavam atos contrários aos interesses coletivos. A pena era vista como um impulso calamitoso reacionário ao mal praticado e, basicamente, consistia em uma forma de provocar um sofrimento ao transgressor do ordenamento (IBIDEM. p. 83 – 84). 

Diante da ocorrência de um fenômeno social que consubstancia um singular aumento da criminalidade no Brasil, demonstrado pelas incontáveis veiculações de notícias nos meios de comunicação, diminuiu ainda mais a sensação de segurança. Esse fato gera uma transformação na consciência coletiva que pede, cada vez mais, um recrudescimento da legislação penal no Brasil, incluindo, nesse rol, a diminuição da idade penal.

 É indubitável que o homem se opõe à aplicação de qualquer tipo de penalidade, por consequência, tem-se que o ser humano reluta quando ocorre o estabelecimento da pena punitiva de prisão, pois a liberdade constitui uma característica essencial ao indivíduo. 

Definitivamente, o homem não nasceu para ficar preso. A liberdade é uma característica fundamental do ser humano. A história da civilização demonstra, no entanto, que, logo no início da criação, o homem se tornou perigoso para seus semelhantes (IBIDEM, p. 83).

Foram estabelecidas, ao longo dos anos, ações para aplacar os impulsos delitivos, criando-se modalidades punitivas de acordo com o contexto social e racional do momento vivenciado. Assim, ficaram conhecidas três grandes modalidades de pena.

A primeira modalidade se funda no conceito de vingança privada, cujo único fundamento é pura e simplesmente a obtenção da vingança pessoal do ofendido. Existia, assim, uma forma de retribuição do mal pelo mal, o que se traduz na expressão característica da Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”. A segunda modalidade, auferida em momento posterior, consiste na chamada composição. Nessa modalidade, surge a figura do árbitro (normalmente, sacerdotes que tinham uma ligação direta com Deus ou com os anciãos) que, por sua experiência e conhecimento dos costumes do grupo social, decidia sobre o caso. Em último estágio, o Estado requereu para si a responsabilidade de resolver os conflitos, bem como o de aplicar as penalidades aos agentes que praticavam qualquer mal (GRECO. 2016, p. 84 – 86).

A aplicação do sistema punitivo apresentou variações conforme os avanços obtidos pela sociedade, seguindo um aspecto cronológico em que noções de filosofia, sociologia e parâmetros foram sendo aderidas ao conceito jurídico de aplicação das penas. Assim, a noção de pena como vista hoje é um resultado da evolução do sistema punitivo, sendo a pena restritiva da liberdade uma invenção recente inserida nos instrumentos jurídicos. 

O aparelho judiciário durante o período iluminista, antes de estabelecer a pena de prisão, estabelecia formas mais recrudescidas de aplicação das penalidades. Já no período medieval, executava-se o condenado, tendo sido proclamada a sua culpa reconhecida publicamente, por vezes, ocorria, forçosamente, com suplícios e flagelos. Ocorriam ainda, basicamente, torturas com caráter de espetáculo público, executadas a céu aberto nas praças e ruas da cidade. Essas execuções mostravam o poder aterrorizante do governante (FOUCAULT. 2012, p. 44 – 59).

A aplicação dessa modalidade de punição tinha uma finalidade intrínseca embutida em seu conteúdo. As penas não eram executadas somente como punição ao ato ilícito praticado, elas continham duas finalidades: a primeira consiste na aplicação da punição excessivamente severa como castigo pelo crime praticado e a segunda era destinava a dissuadir todo o corpo social à prática de qualquer conduta considerada delituosa. 

Até no Século XVIII, as penas consistiam em ataques ao corpo ou aplicação de pena capital. Já em alguns casos menos graves, aplicavam-se as penas infamantes (penas pecuniárias). Houve fundamental avanço durante o período Iluminista com o apoio da “razão”, ocorrendo a substituição das práticas despóticas em virtude da necessidade de

apresentar provas para ocorrer a condenação. Dá-se, com o raciocínio jusnaturalista, o início do reconhecimento de alguns direitos inatos ao ser humano (GRECO. 2016, p. 87).

É certo que as penalidades não se iniciaram nos moldes em que são aplicadas hoje, visto que penas mais duras eram aplicadas aos infratores da legislação penal conforme cada época.

A princípio, a prisão não tinha a finalidade de cumprir um papel de condenação principal para aquele que havia violado a norma, praticando determinada infração penal.

A prisão do acusado era tida como uma custodia de natureza cautelar, tão somente processual, uma vez que, como regra, aguardava a decisão que, se concluísse pela sua responsabilidade penal, o condenaria a uma pena de morte ou mesmo a uma pena corporal, ocasião em que, logo depois de aplicada, seria libertado (IBIDEM, p. 97 – 98).

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Mesmo com a morosa marcha estabelecida na aquisição de direitos fundamentais do indivíduo, esse período foi marcado por uma evolução fundamental no caráter punitivo dos indivíduos, tendo ocorrido a essencial substituição das penas aviltantes, que tinham por objetivo os castigos corporais, incluindo a pena de morte, pela pena de privação da liberdade individual.  

É oportuno lembrar os diversos momentos da história em que foram aplicadas as formas de penalidades conforme a vontade do soberano, a exemplo, no período monárquico, em que se fazia a vontade dos reis e não das leis, ou mesmo nos períodos posteriores com a implantação de direitos que eram constantemente violados.

Com o resplandecer do Estado Democrático de Direito, com a sujeição do Estado ao império da lei e a observação dos direitos fundamentais pelos regimes políticos, formula-se uma nova estrutura de atuação do Estado com a observação dos princípios da constitucionalidade, democracia, igualdade, segurança jurídica e legalidade, superando as desigualdades e promovendo a justiça social (SILVA. 2012, p. 121 – 122).

Vale mencionar que os atos praticados por agentes do Estado, que não seguem a definição escorreita da aplicação do texto restrito à lei, não constituem na aplicação do ius puniendi do Estado, mas sim, na prática da vontade pessoal do agente que acaba por realizar uma ação delitiva e que deve ser punida pelo próprio ente responsável com o fim de corrigir as atitudes delituosas praticadas pelos indivíduos. 


3 DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DE ADOLESCENTES E GARANTIA DE DIREITOS INDIVIDUAIS.

O questionamento acerca da redução da maioridade penal, em qualquer que seja a sua possibilidade de adoção, merece análise sobre vários pontos específicos, uma vez que se trata de uma punição extrema aos indivíduos que ainda buscam desenvolver suas potencialidades. Assim, cabe um olhar sobre inúmeros ângulos, observando princípios, dispositivos presentes na lei e ainda os aspectos sociais antes de se adotar um posicionamento sobre a questão.

No entanto, na busca de alcançar um fundamento do direito sobre a idade penal, entende-se que é inevitável se debruçar em questionamentos sobre temas que refletem a presença de enfermidades sociais. Assim, resta o debate acerca de duas características diferentes amplamente difundidas nos círculos acadêmicos, devendo adotar mais visões claras, voltadas tanto para o direito individual quanto para o direito coletivo (DUGUIT. 2009, p. 15 – 16).

A temática requer reflexões sobre a violência e a prevenção presentes na sociedade atual, bem como verificar os efeitos que a incidência da proteção integral, exigida para o ser humano em estágio de desenvolvimento como direito fundamental, irá produzir no conjunto de ações praticadas pelos adolescentes. A atenção e a adoção de princípios do direito que estabelecem proteção diferenciada nessa etapa da vida humana, e atendendo a fundamentos de programas específicos que giram em torno da defesa de indivíduo que está em pleno desenvolvimento de suas potencialidades, são aspectos a serem perseguidos para atender à efetivação dos direitos fundamentais, utilizando-se de políticas públicas para alcançar o objetivo (DOMINGO. 2016, p. 15 – 18). 

Dessa forma, na busca por estabelecer um fundamento que confira viabilidade para a adoção da redução da maioridade penal no Brasil como solução para a criminalidade juvenil, torna-se relevante o estudo de vários tentáculos que envolvem o tema. 

Nesse sentido, “o problema do fundamento de um direito apresenta-se, diferentemente, conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter” (BOBBIO. 2004, p. 15).

No que tange à faixa etária mínima penal no Brasil que regula o limite mínimo dos dispositivos de aplicação sancionadora do Estado, observam-se direitos e princípios. A legislação brasileira, com a promulgação da Constituição de 1988, passou a adotar uma postura protetora dos direitos individuais dos seres humanos, garantindo, assim, um rol de direitos de grande amplitude e assegurando aos indivíduos a possibilidade de exercer a plenitude de condições de sua vida.

A utilização de doutrinas jurídicas utilizadas como fundamento de responsabilização penal de adolescentes não é recente. Ao longo da História brasileira, existiram, com separação grosso modo, ao menos três etapas penais: a Etapa Penal Indiferenciada, a Etapa Tutelar e a Etapa Garantista. 

A Etapa Penal (Doutrina Penal do Direito Penal do Menor), presente tanto no Código Penal do Império de 1830 como no Código Penal da República de 1890, buscava alcançar uma pesquisa de discernimento da criança ou adolescente considerado delinquente para aplicar a responsabilização penal da época. A Etapa Tutelar (Doutrina da Situação Irregular) constitui-se na construção inovadora advinda dos Estados Unidos por intermédio do “Juvenile Court Act”, irradiando pelo mundo teorias e demonstrando a existência de diferenças radicais entre crianças e adultos, pondo relevo nas características da adolescência (DOMINGO. 2016, p. 195 – 208).

O primeiro momento apresentado ficava a cargo da discricionariedade do juiz em averiguar a capacidade do menor pelos atos delinquentes e, após condenado, ele era recolhido e sua correção ocorria em estabelecimentos de caráter industrial e disciplinar, transparecendo a pedagogia do trabalho. Na Etapa Tutelar, o Estado pautava-se na visão criminológica positivista com preocupação primária em responder à categoria delinquente e não ao ato criminoso concreto e específico, tratando preventivamente o fenômeno. Houve, assim, um recolhimento indistinto de menores aos reformatórios para proteger a sociedade (IBIDEM, p. 195 – 201).

Nesses períodos, os menores foram tratados, peculiarmente, como objetos do controle penal brasileiro. Considerados como problema, eles eram retirados do seio familiar e social e enviados para locais tidos como verdadeiros depósitos humanos e ali eram abandonados pelo Poder Público, pois esse era o interesse da elite da época, dito de outro modo, esconder o problema. 

Com o processo de abertura democrática no Brasil, no final dos anos de 1970 e 1980, há uma mudança na percepção, passando a criança e adolescente, no cenário jurídico-político, a ser percebido como um sujeito de sua história e povo, com isso, sujeito de direitos. Configura-se, assim, o resplandecer da Etapa Garantista (Doutrina da Proteção Integral), surgindo então o Direito da Criança e Adolescente, sendo eles, então, reconhecidos como detentores de direitos e garantias fundamentais como qualquer outro cidadão e compreendidos numa faixa etária pertencente à fase de desenvolvimento de todas as suas peculiaridades humanas, merecendo, portanto, proteção especial (IBIDEM, p. 208 – 215). 

Dessa forma, o sistema jurídico passou a dispensar a essa população uma maior proteção mediante a postulação de novos documentos normativos, rompendo com a velha legislação “protecionista-segregadora”, trazendo, como sua característica fundamental, a diferenciação na forma de responsabilização juvenil dos adultos, adotando uma postura que dispensava proteção aos adolescentes.

Os direitos estabelecidos dentro do Capítulo I, Título II, do texto constitucional, sugestivamente intitulado de “direitos e garantias individuais e coletivos”, estão descritos em um rol exemplificativo de direitos, não se excluindo os princípios formadores dos pilares constitucionais e nem os tratados internacionais dos quais a República seja parte, tendo como regra, nos termos do Art. 5º, § 1º, que as normas definidoras de direitos possuem condão de aplicação imediata, com algumas exceções (LENZA. 2009, p. 673).

Mesmo em condições de serem aplicadas imediatamente, as garantias destinadas dos direitos individuais, em primeiro momento, ocorrem apenas no sentido de sua postulação (positivação) e não em sua plena efetividade, fazendo-se necessária a luta pelo estabelecimento de direitos já positivados, pois deixava o Estado de conceder aos portadores do direito a possibilidade de usufruir de uma garantia estabelecida.

Conforme apontamento,

O termo ‘eficácia’ engloba indubitavelmente uma múltipla gama de aspectos passíveis de problematização e análise, ainda que esta restrinja ao direito constitucional, constituindo, além disso, ponto nevrálgico para o estudo da Constituição, na medida em que está intimamente vinculado ao problema da força normativa de seus preceitos. A controvérsia, aliás, alcança inclusive a própria utilização do termo ‘eficácia’, bem como os diversos sentidos que a este podem ser imprimidos (SARLET. 2012, p. 235).

Verifica-se substancial diferenciação no consenso sobre de vigência e eficácia dos direitos e garantias fundamentais, porém em linhas gerais, vigência consiste na correta adoção dos requisitos exigidos para a criação da norma, ou seja, se foram transcorridos ordeiramente por todas as etapas e estão presentes todos os requisitos de existência jurídica da norma e, somente após seu regular processo de criação, promulgação e publicação, é que a norma oferece condições de se verificar sua eficácia, pois só a norma vigente é capaz de vir a ser eficaz. 

No entanto, conforme estudos feitos por Ingo Wolfgang, mesmo existindo uma correlação de complementariedade entre as expressões, há que se fazer uma distinção entre vigência e eficácia, seja qual sentido essa última for assumir. Surgem desse exame, conforme a concepção clássica de Jose Afonso da Silva, as noções de eficácia jurídica, possibilidade de

sua aplicação jurídica (aplicabilidade, exigibilidade e executoriedade da norma), eficácia social, real obediência e aplicação no mundo dos fatos (SARLET. 2012, p. 237).

Quanto ao questionamento sobre a eficácia, Sarlet, revivendo os estudos de José Afonso da Silva, expõe que a “eficácia e aplicabilidade são fenômenos conexos”, um possuindo a potencialidade e outro, a realizabilidade ou praticidade. Portanto, se a norma não apresenta todos os requisitos jurídicos para a sua aplicação no caso concreto, falta-lhe eficácia e não dispõe de aplicabilidade (IBIDEM, p. 238).

Sem que se pretenda aprofundar nessa discursão, vale acrescentar que, aliado ao problema da eficácia jurídica dos direitos fundamentais, o questionamento enfrentado ainda caminha no sentido defrontar a sua eficácia no plano social dos direitos fundamentais, sobretudo, pelo fato dos direitos sociais requerem a existência de instrumentos jurídicos e políticos capazes de prover a sua execução. 

Portanto, alcançar o objetivo de concretizar a eficácia das garantias e direitos fundamentais, em sua força plena e aplicabilidade, carece de observação de todos os requisitos jurídicos até o seu regular ato de promulgação e publicação, possibilitando que ela produza efeitos no mundo jurídico, embora necessitando ainda de instrumentos que assegurem a sua aplicabilidade no mundo dos fatos. 

A faixa etária consubstanciada pela infância e adolescência possui os mesmos direitos estabelecidos no texto constitucional para o indivíduo que já está na fase adulta, ou seja, adquiriu a maioridade. O Art. 5º da Constituição estabelece a previsão de que todos são iguais perante a lei, garantindo ainda a inviolabilidade de direitos. Aliás, o texto constitucional transpõe esse limite dos direitos e garante um “plus” em relação a direitos destinados à infanto-adolescência, mesmo enfrentando a mesma problemática da eficácia dos seus direitos.

Adentrando no sistema nacional de tutela, 

Interessa, neste ponto, abordar o Sistema Nacional de Tutela a partir das mudanças de paradigmas ocorridas primeiramente na ordem internacional, incorporadas posteriormente pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, que consolidaram a Proteção Integral. Além de ser princípio (diretriz, preceito, mandamento, norma jurídica, etc.) e paradigma (modelo, padrão, estalão, etc.), a Proteção Integral consiste na atual Doutrina (‘ensinamento’, ‘pregação’, um ‘conjunto de princípios que servem de base para um sistema religioso, político, filosófico, científico’) regulamentadora do Direito da Criança e do Adolescente (DOMINGO, 2016, p. 83). 

A Constituição de 1988, verdadeiro marco histórico jurídico brasileiro no campo dos direitos e garantias fundamentais, colocou o ser humano no centro do ordenamento jurídico, elencando como preceitos valores e princípios que buscam atingir a justiça social, a solidariedade, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo democrático. 

No que se refere às crianças e adolescentes, a Constituição dispôs expressamente sobre a sua proteção nos Artigos 227, 228 e 229. Esses mandamentos representam a quebra do sistema correcional vertical e repressivo que era estipulado pelo revogado Código de Menores de 1979 e adota direitos indispensáveis para o desenvolvimento livre e pleno da personalidade da criança e do adolescente (DOMINGO, 2016, p. 84 – 85).

 Nesse sentido, 

Em matéria de direitos infanto-juvenis, a Constituição Federal traz em seu bojo:

a) todos os direitos fundamentais reconhecidos à pessoa adulta;

b) direitos fundamentais exclusivos para as crianças e adolescentes (convivência familiar, não trabalho, trabalho protegido, inimputabilidade penal, excepcionalidade e brevidade na privação da liberdade);

c) sejam de todos ou exclusivos, esses direitos devem ser assegurados pelo Estado, sociedade e família com prioridade absoluta;

d) a igualdade entre crianças e adolescentes no tocante à proteção e prioridade, ou seja, a Constituição criou a “desequiparação jurídica protetiva”, em consonância com a fase atual de evolução dos direitos humanos infanto-juvenis, adotada pela Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente (ONU, 1989). A única diferença reside na responsabilidade por seus atos (IBIDEM, p. 88 – 89).

A imposição de direitos infanto-juvenis estabelecida nesses dispositivos constitucionais não exige somente uma relação vertical, ou seja, não é apenas o Estado o detentor da responsabilidade, mas a família e a sociedade também têm sua parcela de responsabilidade perante a execução desses direitos, portanto fala-se a existência também de um plano de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), muito influenciado pela Convenção das Nações Unidas de 1989, segue a tendência de proteção integral estabelecida no âmbito internacional. Além da substituição do modelo utilizado anteriormente, modelo de correção repressiva, esse instituto preconizou a adoção de princípios jurídicos como o da proteção integral, prioridade absoluta, dignidade da pessoa humana etc.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), como não poderia deixar de ser, segue os parâmetros estipulados pela Constituição Federal, trazendo um rol de direitos da referida categoria. 

O rol exemplificativo de onze direitos fundamentais, elencado pela Constituição Federal, é pormenorizado pelo ECA, que traz ainda mais direitos específicos à categoria. Os direitos fundamentais estão alocados no Título II (arts. 7º a 69) do ECA, que, por sua vez, subdivide-se em cinco capítulos:

Capítulo I – Do direito à vida e à saúde – arts. 7º a 14;

Capítulo II – Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade – arts. 15 a 18;

Capítulo III – Do direito à convivência familiar e comunitária – arts. 19 a 27;

Capítulo IV – Do direito à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer – arts. 53 a 59;

Capítulo V – Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho – arts. 60 a 69 (DOMINGO, 2016, p. 91).

O diploma mencionado adota um sistema especial de proteção, formando um microssistema jurídico específico destinado à satisfação dos anseios e necessidades dessa categoria, o que se alcança mediante a fundamentação nos princípios basilares da prioridade absoluta, do superior interesse e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. 

Dessa forma, garantir os direitos individuais da pessoa ainda em estágio de formação do seu caráter e personalidade requer uma observância ímpar no modo e contexto em que são aplicadas as penalidades estatais, as quais são definidas como necessárias para o convívio em sociedade e não aplicadas, deliberadamente, sem se ater a qualquer parâmetro.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rafael Nogueira. A redução da maioridade penal conforme a PEC 171/1993. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5927, 23 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67051. Acesso em: 21 nov. 2024.

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