4 DA APLICAÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
A violência e a criminalidade são assuntos passivos de grande volume de discussões dentro dos mais variados segmentos de interação humana. Não existem fronteiras que impeçam ou protejam os indivíduos da sua exposição, por isso, indivíduos que ainda estão em condição peculiar de formação ou desenvolvimento fazem parte das estatísticas dos setores policiais cada vez em maior número.
A violência é um fenômeno generalizado que não escolhe vítima, nem autor, nem classe social. Todos estão sujeitos a serem violados na sua esfera pessoal, na sua integridade física, psíquica, moral, ou intelectual. Cada um pode sentir-se privado, despojado, desapossado de alguma coisa.
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A violência também não escolhe país ou cidade a partir do seu desenvolvimento econômico. Conforme aponta Antônio Marcio Junqueira Lisboa, enquanto nos Estados Unidos algumas cidades (como Nova Iorque, Los Angeles, etc.) apresentam índices elevados de violência, na Índia, país de grande miséria e pobreza, as taxas de criminalidade são menores (IBIDEM, p. 317 – 318).
No cenário nacional, com o surgimento da organização criminosa, ocorre um alastramento da criminalidade. Fenômenos que antes se concentravam nos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo, agora passam a fazer parte da realidade de outros estados. A grande motivação para o surgimento do crime organizado foi o abandono estatal no trato com o sistema punitivo que surgiu como forma de denunciar as condições e fazer reivindicações para a organização de pessoas dentro do sistema prisional.
Em um primeiro momento, diante da continuidade do descaso estatal com o sistema prisional, essas organizações passam a realizar rebeliões, fugas em massa, chacinas, até culminar em ações criminosas, dentro e fora dos presídios superlotados. Essas facções assumiram um status e força de governo paralelo que determina e impõe condições e normas aos indivíduos da coletividade (DOMINGO, 2016, p. 317 – 319).
O Estado vem praticando ações públicas que visam retomar o controle da situação, restabelecendo a ordem quanto aos aspectos da criminalidade. Entretanto, o poder que é exercido por facções criminosas se encontra num ponto de alastramento gigantesco, angariando adeptos em todo o território nacional. Mas esse não é o único fator que contribui para o aumento da criminalidade. No Brasil, inúmeros foram os fatores que contribuíram para se alcançar o patamar em que estamos hoje, entretanto, a solução para a problemática sempre se esbara em divergências de ordem política, jurídica ou social.
De certa forma, cada indivíduo, com uma visão única, adota uma postura diferente para a solução do problema do aumento da criminalidade numa tentativa de responder ao questionamento:
O que você faria para combater a violência? [...] O famoso jornalista televisivo Boris Casoy certamente responderia que acabaria com o narcotráfico. O Datena, do programa de televisão Cidade Alerta, acabaria com a impunidade. Os militares e os órgãos de segurança desejariam desarmar a população e acabar com o contrabando de armas. Os economistas tenderiam a trabalhar pelo fim das desigualdades sociais e da miséria. Os médicos erradicariam a desnutrição. Os professores lutariam pelo fim do analfabetismo e priorizariam a educação. Os psicólogos, a saúde mental. Os pediatras, a saúde e bem-estar das crianças. Os assistentes sociais, o fim dos maus tratos e o aumento da renda familiar. Os maltusianos, o controle de natalidade. E assim por diante. Sem dúvida todos esses fatores são importantes no combate a violência e não podem ser negligenciados (LISBOA, apud DOMINGO, 2016, p. 317).
A respeito da criminalidade juvenil, sempre emerge o assunto acerca da redução da maioridade penal como solução eficaz para o problema com uma versão relativizada dos fatos, mostrando apenas uma parcela do que realmente ocorre no seio social, porém quase sempre o assunto é revestido de simples opiniões e não baseado em fatos e estudos sobre o tema.
Na verdade, há um notável esquecimento de que a medida socioeducativa é uma providência que tem origem na sentença proferida por um juiz da infância e da juventude devidamente constituído, percorrendo todos os caminhos do devido processo legal. De fato, as medidas socioeducativas contêm tanto uma natureza educativa quanto sancionadora e são satisfatórias diante da prática do ato infracional cometido pelo adolescente, portanto apresentando característica pedagógica e funcionando como instrumento de defesa social (ISHIDA. 2014, p. 280).
Assim, quanto verificada a ocorrência de ato infracional, depois de percorridos os caminhos do devido processo legal e assegurados todos os direitos individuais do adolescente, a autoridade competente aplicará medidas necessárias, definidas em lei, que possuem o caráter educativo e sancionador, garantindo a defesa do corpo social contra esse tipo de mazela.
Dessa forma, após realizado o ato infracional pelo menor, dá-se início a uma ação socioeducativa por meio da representação feita pelo membro do parquet, cabendo, ao final do processo, caso seja confirmada a prática do ato pelo adolescente, a aplicação da medida adequada prevista no Art. 112 do ECA (ISHIDA. 2014, p. 281).
Assim, podem ser aplicadas medidas que são definidas pelo Art. 112 do ECA e que estabelecem:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (BRASIL. 1990).
O artigo supramencionado representa a vontade do Estado de estabelecer a vertente socioeducativa semelhante ao que é aplicado aos indivíduos que estão numa faixa etária acima dos 18 anos e que maculam a lei penal. Seguindo o que estabelece as normas previstas no artigo do ECA, nota-se uma semelhança entre as medidas cabíveis aos menores e as medidas cabíveis na esfera penal (IBIDEM, p. 281).
5 SOBRE A PEC/171
O debate acerca da maioridade penal sempre foi objeto de acaloradas e controvertidas discussões, provocando um confronto entre classes distintas e colocando em uma disputa aqueles que defendem a redução da idade penal contra aqueles que pregam a proteção integral do menor.
Embora a comunidade internacional tenha tecido inúmeros elogios à legislação, considerando o Estatuto da Criança e do Adolescente uma das mais avançadas no mundo em matéria de proteção à infância e à juventude, no momento em que comemorava 25 anos de existência no cenário nacional, essa legislação recebeu severa crítica da mídia e do Congresso Nacional (DOMINGO. 2016, p. 473 – 475).
Atualmente, há um clamor social ou, pelo menos, uma instigação dos aparelhos de divulgação de notícias de massa pelo recrudescimento dos aparatos punitivos do Estado, fazendo dessa alternativa o método correto de resolução do fenômeno crescente de criminalidade.
Há um equívoco muito grande quando se depara com a mentalidade popular de que a solução do problema do adolescente em conflito com a lei seria a redução da maioridade penal. Infelizmente, a maioria da população não tem acesso à informação verídica, científica, aprofundada, capaz de orientar para um debate prudente e racional. Atualmente, as pessoas se informam por redes sociais, jornais televisivos sensacionalistas, revistas de parcialidade duvidosa, veículos de comunicação em geral pouco comprometidos com a verdade dos fatos (nem sempre abordando todos os vieses que compõem a questão da adolescência e do ato infracional), mas altamente compromissados com o ibope e com a audiência, sobretudo com seus financiadores e mantenedores, que geralmente já possuem um lado acerca de determinado assunto ou querem fazê-lo prevalecer na opinião pública (IBIDEM, p. 539).
Dessa forma, há a massificação de uma ideia, incutindo-a no pensamento coletivo como forma milagrosa de resolução da mazela social consubstanciada pela criminalidade. Nesse quadro, também se insere a questão da redução da maioridade penal do indivíduo, endurecendo o aparelho penal do Estado para os adolescentes e inserindo-os na modalidade de penalização conforme os adultos.
Utilizando a justificativa consubstanciada na “vontade popular”, o parlamento brasileiro apresenta a Proposta de Emenda à Constituição 171/1993, que visa a diminuir a faixa etária que compõe o início da imputação penal de 18 para 16 anos de idade, em se tratando de determinados crimes (IBIDEM, p. 475).
O debate ficou ainda mais ardente com a aprovação de uma emenda pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, no dia 31.03.2015. Cabe esclarecer que se trata de uma proposta de emenda constitucional de autoria do ex-deputado federal Benedito Rodrigues (PP-DF), cuja finalidade é a de alterar o Art. 228 da Constituição Federal, fixando o início da imputabilidade penal aos 16 anos.
Em primeiro momento, a PEC 171/93 previa a redução da maioridade penal para 16 anos, independentemente da natureza da infração ou do bem jurídico violado, punindo os adolescentes da mesma forma com que são punidos os adultos, porém o cumprimento da pena aconteceria em estabelecimento prisional diferente do estabelecimento em que se encontram os adultos. Entretanto, a proposta de emenda sofreu alterações durante o processo legislativo, sendo restringido o alcance da redução da maioridade quando da ocorrência dos seguintes crimes: hediondos e equiparados, homicídio doloso, lesão corporal grave ou gravíssima seguida de morte ou não, bem como o roubo na forma agravada e qualificada (DOMINGO. 2016, p 483 – 484).
Alguns questionamentos surgem por parte daqueles adeptos do polo contrário, ou seja, aqueles que pregam a manutenção da imputabilidade penal aos 18 anos, consubstanciando a inviabilidade jurídica e social da PEC 171/93. Dentre as alegações, destacam-se as teses: da violação de cláusula pétrea da Constituição Federal, violação da inconstitucionalidade formal e material, incompatibilidade com os direitos humanos postulados, retrocesso social da medida e inconveniência do tratamento do menor de 18 anos como adulto.
Em síntese, apresentando as teses contrárias à PEC 171/93, antes mesmo da possibilidade de exercício do controle de constitucionalidade judicial pelo Poder Judiciário, fundam-se na incompatibilidade com a Doutrina de proteção postulada pelas Nações Unidas, pela Constituição Federal da República do Brasil e pelas leis brasileiras e, ainda, com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, justificando um tratamento diferenciado para aplicação da imputabilidade (DOMINGO. 2016, p. 528 – 538).
As teses apresentadas pela corrente contrária à aprovação da proposta de emenda procuram demonstrar que não há relação de causalidade entre a adoção de medidas punitivas mais severas e repressivas e a diminuição da criminalidade e que a redução da maioridade, muito menos, provocaria a míngua dos índices hoje vislumbrados.
Assim, antes da adoção de qualquer medida tendente a levar a vigor a imputabilidade penal ou a diminuição da maioridade penal, os institutos presentes na Constituição federal e no ECA deveriam ser cumpridos, possibilitando, dessa forma, a garantia de um universo farto de direitos, como vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, todos previstos na legislação brasileira. Nesse sentido, resultados positivos certamente aconteceriam. Entretanto, para uma classe de políticos descompromissados, é mais fácil diminuir a idade de imputação penal do que aplicar o estabelecido em lei (IBIDEM, p. 536 – 537).
Assim, haveria uma correção na equivocada distorção que está alojada na mentalidade popular que vê a redução da maioridade como solução para os problemas da criminalidade juvenil presente nos dias atuais.