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A guarda compartilhada como instrumento jurídico eficaz a inibir a alienação parental

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15/10/2019 às 10:40
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CAPÍTULO II

METODOLOGIA DE PESQUISA

 

O objetivo deste capítulo é apresentar o referencial teórico que norteou a coleta de dados, o contexto em que essa coleta aconteceu, os instrumentos utilizados para a coleta e os procedimentos seguidos para a análise dos dados.

 

6. DO REFERENCIAL TEÓRICO PARA COLETA DE DADOS

 

Com o propósito de tornar mais claro o que vem a ser a Alienação Parental no mundo jurídico brasileiro, bem como a Guarda Compartilhada, como instrumento jurídico eficaz para redução dessa prática, optamos por desenvolver a pesquisa com uma abordagem qualitativa, ou seja, visa a um aprofundamento da compreensão dos institutos postos para análise, de modo que os procedimentos a serem utilizados para obtenção dos resultados desejados serão o bibliográfico, documental e estudo de caso comparativo (GERHARDT e SILVEIRA, 2009).

Segundo Fonseca (2002), o procedimento bibliográfico é ponto de partida de qualquer pesquisa científica, pois torna possível ao pesquisador um aprofundamento sobre os estudos já realizados sobre o tema, seja por meio de livros ou artigos publicados em revistas e internet, complementando, portanto, todo know-how já existente, para um melhor desenvolver do ensaio.

O procedimento documental assemelha-se ao bibliográfico, ao passo que, com ela, lidamos igualmente com dados escritos e geralmente catalogados, contudo, conforme análise de Fonseca (2002):

 

A pesquisa documental recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de televisão, etc. (FONSECA, 2002, p.32).

 

Por sua vez, o método comparativo cuida-se do estudo das semelhanças e diferenças entre diversos tipos de grupos, sociedade ou povos, proporcionando uma melhor compreensão do comportamento humano em si (LAKATOS e MARCONI, 2003).

Com base nessa proposta apresentada, trataremos de evidenciar as principais diferenças, no que diz respeito aos critérios para o deferimento do instituto da guarda compartilhada, entre a lei inaugural (11.698/2009) e atual (13.058/2014), bem como analisaremos, em forma de estudo comparativo, as decisões jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul (RS) e São Paulo (SP), além do órgão revisor de convergência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a finalidade de saber se houve ou não um reflexo positivo, no que tange à aceitação da Guarda Compartilhada após esse aprimoramento legal, uma vez que essa se trata, a nosso ver, da medida mais adequada para minimizar os atos do ascendente alienador.

A escolha correta do método de pesquisa, segundo Lakatos e Marconi (2003, p. 83) proporcionam “maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros –, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”. Outrossim, a escolha adequada do método faz com que outros pesquisadores possam constatar ou verificar os dados aqui lançados, dando assim, a necessária credibilidade que o estudo requer.

Nesse esteio, Lamy (2011) assevera:

 

A clareza nesse elemento estrutural da pesquisa é o que torna os resultados verificáveis por outros. Ora, o paradigma almejado pela ciência é justamente esse: que as conclusões alcançadas por um pesquisador possam ser testadas, verificadas ou mesmo matizadas por outros (LAMY, 2011, p. 67).

 

Assim, o trabalho foi estruturalmente montado em três etapas: na primeira, houve a delimitação do tema e objeto da pesquisa; na segunda, realizamos a captação da bibliografia necessária para dar sustentação ao analisado, bem como a coleta de documentos, na qual materializou-se na figura das jurisprudências dos TJ’s de São Paulo e Rio Grande do Sul, além do Superior Tribunal de Justiça e, por fim, na terceira, é feita a organização dos dados obtidos nas fases anteriores e redação dos resultados do estudo.

 

6.1 Procedimentos para coleta de dados

 

A coleta de dados, em geral, foi realizada de abril a outubro de 2017 e essa coleta se deu, de certo modo, inteiramente por meio eletrônico.

Exordialmente houve uma coleta bibliográfica, com o intuito de expandir nossa visão sobre o complexo problema que é a Alienação Parental, pois segundo Lakatos e Marconi (2003, p. 158), tal método é capaz “de fornecer dados atuais e relevantes relacionados ao tema”.

Em seguida, iniciamos a coleta documental para o trabalho seguindo o seguinte roteiro: i) Legislações (Site do Planalto: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/), por meio do portal de legislação do site do Planalto, realizamos a coleta das leis 11.698/2008, 12.318/2010 e 13.058/2014; e, ii) Jurisprudências: Tribunal de Justiça de São Paulo (https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1, acessado entre abril e outubro de 2017), Rio Grande dos Sul (http://www.tjrs.jus.br, acessado entre abril e setembro de 2017) e Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, (http://www.stj.jus.br/SCON/, acessado entre abril e outubro de 2017).

O roteiro foi assim definido para que melhor atendesse os propósitos da pesquisa, pois sem o devido conhecimento das legislações, tanto a revogada como a em vigor, dificilmente seria viável e proveitosa a coleta de jurisprudencial.

Superado esse ponto, a escolha dos referidos tribunais sustentam-se pela hipótese de divergência de pensamentos, comumente encontrada em suas decisões. Enquanto o Estado de São Paulo possui como principal característica o conservadorismo, no Rio Grande do Sul vislumbra-se uma política de decisões mais progressistas, com julgados e decisões bastante inovadoras, não só na seara do direito de família, mas sim nos diversos ramos do direito brasileiro.

Com efeito, dessa primeira análise, restou necessário observarmos o que vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, haja vista que este é sede recursal de instância superior, tendo como incumbência precípua de estabilizar ou sanar divergências oriundas dos tribunais de justiça brasileiros no que diz respeito à interpretação da legislação federal (art. 105, III, “a”, CF/88) e, com isso, criar uma espécie de tendência a ser seguida pelas instâncias inferiores em situações semelhantes.

 

6.2 Procedimentos para análise e interpretação dos dados

 

Considerando as questões de pesquisas deste trabalho, que objetivam: i) examinar a lei 12.318/2010, que versa sobre a Alienação Parental, e as leis 11.698/2008 e 13.058/2014, que tratam da Guarda Compartilhada; ii) identificar os motivos que levaram o Estado a optar pela Guarda Compartilhada como regra; e, iii) evidenciar a principal diferença, no que diz respeito aos critérios para o deferimento do instituto da guarda compartilhada, entre a lei inaugural e atual; iv)  examinar, em forma de estudo comparativo, as decisões jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul (RS) e São Paulo (SP), além do órgão revisor de convergência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a finalidade de saber se houve ou não um reflexo positivo, no que tange à aceitação da Guarda Compartilhada após esse aprimoramento legal. Os procedimentos de análise de dados coletados para essa pesquisa foram baseados em Lakatos e Marconi (2003), Gerhadt e Silveira (2009) e Fonseca (2002).

Em sintonia com isso, inicialmente, analisamos a legislação referente à alienação parental (12.318/2010), para indicar-nos a noção exata do bem jurídico tutelado por ela, bem como a evidenciar as medidas que o Estado adotou para coibir ou ao menos tentar, a propagação desse mal silencioso e se elas são eficazes para seu intento. Em seguida, traçamos um roteiro dentro do contexto guarda compartilhada, analisando suas leis (11.698/2008 e 13.058/2014) e extraindo delas suas reais propostas e anseios, para que possamos ao final, definir se ela é ou não meio adequado para inibir a alienação parental, além de nos possibilitar o levantamento dos agentes motivadores, que levam o Estado a apontá-la como regra, em casos de disputas de guarda de menores, em situações de rompimento de sociedade conjugal ou casamento.

 Por fim, tratamos de apontar os motivos que levaram o legislador a realizar a alteração no § 2º do art. 1.584 do CC/02, além de saber se essa alteração gerou reflexos positivos, no tocante à aceitação da guarda compartilhada. Para tanto, realizamos um estudo comparativo entre as decisões jurisprudenciais de três Tribunais: Rio Grande do Sul, São Paulo e Superior Tribunal e Justiça, no qual examinamos as fundamentações de cada magistrado, ao denegar ou conceder a modalidade de corresponsabilização parental. Entretanto, sabendo que a catalogação de todas as decisões desses órgãos, para a finalidade de leitura e comparação se trata de missão muito difícil, que demandaria um acesso a registros em sigilo e tempo cujo qual não possuímos, utilizaremos como material subsidiário, as pesquisas relacionadas às estatísticas de registros civis do IBGE, dos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, últimas publicadas sobre o tema, para aferirmos a evolução do instituto em apreço na 1ª Instância do judiciário pátrio.

 


CAPÍTULO III

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

 

7. DA ANÁLISE LEGISLATIVA SOBRE: ALIENAÇÃO PARENTAL E GUARDA COMPARTILHADA

 

7.1 Da lei 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental)

 

A lei 12.318/2010 foi instituída, principalmente com o intuito de coibir ou ao menos minimizar, as incidentes causas de alienação parental, constantemente vistas nos Tribunais brasileiros. Sob essa perspectiva, o legislador tratou de forma bastante didática e cuidadosa os seguintes pontos: a) o modus operandi trilhado pelo ascendente alienador; b) o bem jurídico a ser tutelado pela legislação; c) os meios para a constatação da prática de alienação parental; e, d) as possíveis consequências para àqueles que a cometerem.

Tal proteção expressa à necessidade de criação de políticas públicas, no sentido de coibir e erradicar toda e qualquer violência contra as crianças e adolescentes em seu núcleo familiar. Essa obrigação decorre do art. 226, §8°, da CF/88: "o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações" (BRASIL, 1988).

 Sob essa égide, o art. 2º da lei em apreço, além de conceituar a conduta do ascendente alienador, define de forma bastante simplória, um rol exemplificativo das condutas que caracterizarão a prática de alienação parental; o art. 3º deixa claro qual o bem jurídico tutelado na lei, que é o direito fundamental da criança ou adolescente à convivência familiar saudável, não somente com os progenitores, mas também com todos os membros integrantes da família extensa ou ampliada[23]; o art. 4º trata das medidas emergenciais a serem tomadas pelo juízo, quando constatada à prática de alienação, visando à manutenção da integridade física e psicológica da criança e adolescente, abrangendo, ainda, a manutenção da convivência familiar; no art. 5º foi tratado caminho a ser seguido, processualmente, para a elaboração dos laudos necessários para a aferição, tanto do estágio que a alienação encontra-se, como das medidas a serem adotadas para interromper a prática, sejam estas, com a finalidade de reestabelecer o elo entre o menor e o ascendente alienado ou, com a finalidade de definir a medida punitiva cabível no caso concreto; no art. 6º encontramos elencadas, as consequências jurídicas a serem tomadas, quando comprovado o ato do ascendente alienador que são, in verbis:

 

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III – estipular multa ao alienador;

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII – declarar a suspensão da autoridade parental.

Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar (BRASIL, 2010).

 

Cumpre ressaltar que as medidas supra expostas tanto podem como devem ser aplicadas cumulativamente a depender do caso sob judice, ou seja, dependendo do grau em que a alienação se encontra, deve o juiz ponderar sobre a cumulatividade ou não, das medidas em si, visando ao atingimento de sua finalidade disciplinar e educadora. Outrossim, é, igualmente, de pertinência ímpar, entender que o rol de medidas previstas no presente artigo não possuem caráter exaustivo, podendo nesse caso, serem aplicadas medidas diversas, que no entendimento do magistrado serão aptas ou necessárias para a interrupção do ato.

O art. 7º preconiza que a guarda, uma vez inviável a manutenção ou o estabelecimento do modelo compartilhado, deve ser deferida àquele que, melhor viabilizará a convivência do menor com o não guardião; por fim, o art. 8º trata do foro competente para o ajuizamento da ação, pelo presente artigo, o último domicílio do menor é o competente, contrariando, pois o definido pelo art. 50, do CPC/15: “a ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente” e art. . Nesse vértice, Madaleno e Madaleno (2015), adverte:

 

(...) será irrelevante para a determinação da competência o fato de o menor, por iniciativa de seu guardião, haver alterado seu domicílio, salvo que sua mudança para outro Município tenha sido decorrência de consenso dos genitores, ou proveniente de autorização judicial (MADALENO e MADALENO, 2015, p. 129).

 

Tal excepcionalidade se justifica pelo fato de que a alteração de endereço de per si, trata-se de conduta típica da alienação parental. Desse modo, ao definir o último domicílio como o competente, a legislação visa a amenizar, o prejuízo adicional do genitor alienado ao se deslocar, geralmente, para locais distantes, para que posso gozar de um penoso direito de visitas (MADALENO e MADALENO, 2015).

Em outras palavras, a Lei da Alienação Parental trouxe à luz do direito brasileiro um mecanismo que, apesar de sucinto, mostra-se ser bastante eficaz e esclarecedor, retirou do ostracismo jurídico uma realidade extremamente dolorosa para aqueles que as vivenciaram ou vivenciam o problema, trazendo medidas que a nosso ver podem ser suficientes para a cessação dos atos do progenitor-alienador.

Todavia, outras medidas devem ser adotadas, principalmente as de caráter educativo, para que seja possível uma correta instrução dos pais em geral, a respeito das consequências nefastas causadas à vida da prole, quando essas são vítimas da alienação parental, haja vista que, em muito dos casos, o alienador não possui a real noção do mal que inflige aos filhos.

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Nesse esteio, o Concelho Nacional de Justiça (CNJ) possui um programa educacional muito interessante, porém pouco divulgado, trata-se da Oficina de Pais e Filhos, ela é direcionada as famílias que enfrentam problemas na reestruturação familiar, causada pela ruptura do laço conjugal, busca-se com a oficina da parentalidade, auxiliar todos os integrantes da família a superarem suas eventuais dificuldades inerentes a essa complexa fase, possibilitando uma redução nos traumas, principalmente com relação aos filhos.

Um de seus objetivos, segundo a cartilha do instrutor, é “prevenir a alienação parental, na medida em que procura conscientizar o casal que é importante para a criança conviver com ambos os pais, para que construa uma relação e forme por si uma imagem de cada um dos pais” (ROCHA, 2013, p. 9).

Sobre outro viés, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 4.488/2016, de autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que visa à criação de um tipo penal, cuja pena para aquele que, “por ação ou omissão, cometa atos com o intuito de proibir, dificultar ou modificar a convivência com ascendente, descendente ou colaterais, bem como àqueles que a vítima mantenha vínculos de parentalidade de qualquer natureza”, seria a detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos.

Ocorre que, divergindo desse pensamento e, nos alinhando com o parecer da Relatora do PL, Deputada Shéridan, entendemos que apesar de bem intencionado, tal medida pode trazer consequências catastróficas a relação já abalada por conta das mazelas embutidas na cabeça do menor, contra aquele que luta pelo reestabelecimento do vínculo, sem, contudo, afastar, a possibilidade de inibir ou infligir receio injusto na cabeça de um genitor, em denunciar a existência real de abusos cometidos pelo outro. Nessa perspectiva, imaginem como ficaria a cabeça daquela criança, ao ver sua mãe ou pai (defensora e protetora do descaso praticado pelo outro genitor), sendo presa.

Não obstante, é pertinente ressaltar que, àquele que comente crimes, em regra, sempre, ou abusa da ignorância de outros, ou utiliza-se de métodos sórdidos pra salvaguardar a conduta ilícita. Assim, essa punição poderia fatalmente, ser utilizada como inibidora de condutas reais, ante ao medo de ser enquadrada pelo dispositivo.

De toda forma, a sensação de ausência de punição, por conta da inexistência de um tipo penal específico, nesse caso, não pode prosperar, uma vez que o art. 6º traz um rol de medidas bastante duras contra aqueles que intentam uma campanha denegritória contra o outro ascendente, e.g., aplicação de astreintes pela reincidência ou descumprimento de cláusulas de acordo/decisão judicial; alteração da modalidade ou detentor da guarda do menor; suspensão da autoridade parental; entre outras já descritas anteriormente. Devemos compreender que um possível agravamento da punição, incluindo a esse rol, uma cumulação com sanção penal poderia agravar a confusão já estabelecida na cabeça do infante, uma vez que, sua mãe ou pai, estaria sendo preso por provocação do outro.

Por seu turno, a ausência de um crime específico não significa que o ascendente alienador não poderá responder penalmente por seus atos.  Dentro do contexto de atos que configuraram a prática de alienação parental, o alienador pode ser responsabilizado penalmente em dois tipos penais distintos, in verbis:

 

Art. 330 – Desobedecer ordens de funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a três meses, e multa.

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

 

Na primeira hipótese, trata-se de medida contra o descumprimento de ordem judicial, tal excepcionalidade, pode ser plenamente utilizada contra aquele que, uma vez declarada judicialmente a conduta típica de alienação, em momento posterior a notificação da decisão, volta-se contra a essa, ignorando-a ou persistindo, com a mesma conduta ou com conduta diversa, objetivando obstar ou embaraçar a manutenção do vínculo familiar entre a prole e o genitor não guardião.

Já a segunda, reserva-se a conduta que, a nosso ver, trata-se da mais grave e odiosa dentre aquelas previstas como atos de alienação parental, isto é, a falsa denúncia de abuso sexual. Tal conduta pode ensejar ao acusador, a responsabilização penal pelo crime de denunciação caluniosa, entretanto, essa falsa denúncia deve ser levada a termo, sendo necessário, inclusive, ter havido a notitia criminis, materializada por meio de um Boletim de Ocorrência dando causa à instauração de uma investigação policial, contra pessoa que seja sabida a inocência ou inexistência da conduta criminosa.

Isso posto, podemos dizer que medidas contra o alienador já existem, tanto civil como penalmente e, assim sendo, qualquer ato legiferante visando a criação de um tipo penal específico, poderá desvirtuar a função social precípua do direito penal, qual seja, ser ultima ratio ou forma subsidiaria de resolução de conflitos, resguardado tão somente, para causas que trazem extremo temor a sociedade, fomentando cada vez mais um inchaço ao ramo penal, que poderá, se não freado esse ímpeto, findar por banalizar o direito de punir do Estado, ao avocar para si, condutas que em regra, devam ser resolvidas no seio do direito civil.

O que realmente devemos temos que ter em mente, é que a criança é a titular absoluta da preocupação movida na presente celeuma, e essa não conseguirá enquanto na tenra idade, absorver e ter a exata noção, que o ocorrido com um dos seus pais deu-se pelo comportamento condenável e, em determinados casos, inclusive, criminoso daquele.

Em derradeiro, a atenção agora se volta ao judiciário com sua habitual morosidade em solucionar determinadas lides, que deverá, por conta da complexidade e consequências causadas pela demora, dar cabo de maneira segura e célere ao problema enquanto iniciado, pois não basta que tenhamos leis eficazes, se não são efetivadas pelos juízos Brasil a fora.

Para ilustrar os efeitos nocivos causados e nos propiciar um momento de reflexão sobre o tema, principalmente naquilo que tange a respeito das consequências trazidas pela demora do judiciário para desvendar práticas de alienação parental. Assim, transcrevo um trecho do depoimento da Sra. Erika, de 32 anos, concedida aos organizadores do livro e documentário “A morte inventada” (2014),  na qual conta parte de sua agonia, antes da entrada em vigor da lei em estudo, para o reconhecimento da prática exercida pelo outro genitor:

 

(...) Depois de 5 anos, um novo depoimento.

Acabou... depois de 5 anos, finalmente o processo judicial chegou ao final. Sinto uma sensação estranha, um vazio, não sei explicar. Lutei durante estes últimos 5 anos, e a sentença não foi favorável a mim. Perdi a guarda das minhas duas filhas, que hoje estão com 17 e 12 anos. Durante esses 5 anos, perdemos totalmente a convivência, o contato. Houve muita discussão, muitas ofensas, muitas brigas, vários boletins de ocorrência, depois de toda tentativa de reaproximação. Não sei mais quem elas são. Me deparei no fórum com duas moças, e a mais nova eu não reconheci. Apesar de tudo, mesmo perdendo a guarda, consegui provar que eu não estava inventando coisas, que eu não menti. Há cinco anos, quando o assunto ainda era quase desconhecido até para o meio jurídico, eu era vista como mentirosa. O estudo social comprovou a alienação e a juíza deixou claro que reconheceu este fato e responsabilizou o pai das minhas filhas por isso, mas, segundo ela, apesar de ser contra a sua vontade, ela mantém a guarda definitiva com o pai para poupar a criança de um sofrimento ainda maior, que pode resultar em mais revolta, fuga e até atitudes mais graves. Sinto como se tudo tivesse sido em vão. Agora, vou tentar novamente me reaproximar e espero que agora a reação delas diante dessa reaproximação seja diferente. Eu finalmente tive a oportunidade de dizer pra elas que eu sinto falta das duas em minha vida e que eu não espero que elas me entendam e perdoem; pedi apenas uma chance. Estou de coração e braços abertos sempre, mas não quero me impor ou forçar as visitas. Gostaria que tudo acontecesse naturalmente. Solicitei o acompanhamento psicológico, pois a meu ver doença mental é contagiosa. Não sei como vai ser daqui pra frente, e espero que o tempo amenize todas as dores (SILVA e BORBA, 2014, p. 137-138).

 

7.2 Das leis 11.698/2008 e 13.058/2014 (guarda compartilhada)

 

O Código Civil de 2002, em seu texto inaugural, garantiu aos pais em situação de ruptura da vida conjugal, a liberdade para escolha da modalidade de guarda que melhor lhes conviesse, ante a realidade social de cada um enfrentaria nessa nova etapa de vida. Em contrapartida a isso, insistiu na manutenção de uma única hipótese de guarda legalmente instituída, quando inexistisse tal possibilidade de acordo.

Atento a esse equívoco na elaboração do Capítulo XI – Da Proteção da Pessoa dos Filhos e, ainda dentro do período de vacância da novel legislação, o então Deputado Federal, Tilden Santiago, apresentou o PL 6.350/2002.

A principal justificativa do então PL era a de que a presente modalidade de guarda tratava-se da melhor solução prática em prol das crianças e adolescentes, quando do divórcio ou separação dos pais, pois era o meio mais adequado para o exercício da autoridade parental, em respeito à igualdade entre homens e mulheres na responsabilização dos filhos (art. 226, §5º, CF/88).

Sobre essa ótica e, após longos 6 (seis) anos de debates, o PL foi aprovado, convertendo-se em lei ordinária n.º 11.698, de 13 de junho de 2008 .

A presente lei alterou dois artigos do CC/02, o 1.583 e 1.584. No artigo 1.583, limitou a duas, as modalidades de guardas possíveis em casos de ruptura da sociedade conjugal, qual seja: guarda unilateral e guarda compartilhada; no §1º, do referido artigo, ambas as modalidades de guardas foram brevemente conceituadas; no §2º, tendo em vista que a guarda unilateral não se trataria mais da regra legal em caso de dissenso dos pais, criou critérios objetivos, vislumbrando o melhor interesse do infante para a sua concessão, quando as situações fáticas do caso, não permitissem a guarda compartilhada; finalizando esse artigo, no §3º, garantiu ao genitor não guardião o poder-dever de fiscalizar os interesses desse menor. Já no artigo 1.584 (em consonância ao antigo art. 1.583[24]), em seu inciso I, permitiu o legislador, que quaisquer das modalidades de guarda existentes (compartilhada ou unilateral), fossem fruto de acordo entre os genitores, o que de fato, entendemos ser o meio mais adequado para definição do instituto; já no inciso II, possibilitou que o juiz, em face ao desacordo entre os pais e objetivando ao melhor interesse do menor, escolher qual a modalidade guarda que melhor assistirá as necessidades da criança; no §1º, em decorrência da nova modalidade de custódia de filhos e, visando a uma melhor compreensão dos ascendentes, a respeito da necessidade de uma convivência mais sadia dos filhos com cada um dos ascendentes, determina que o juiz, durante a audiência de conciliação, explique o significado e importância da guarda compartilhada; o §2º, torna a guarda compartilhada em regra, mas, a expressão sempre que possível, obsta demasiadamente sua aplicação; o §3º, estabelece meios para facilitar a decisão do magistrado, no que tange a divisão das atribuições e convivência entre pai, mãe e prole; no §4º, encontramos uma espécie de punição a ser atribuída a quaisquer dos genitores em caso de descumprimento do acordo ou decisão sobre a guarda, incluindo nesse caso, a possibilidade de redução do período de convivência com o filho; e, por fim, no §5º, concede ao juiz, objetivando ao melhor interesse, à possibilidade de deferir à guarda dos menores a pessoa diversa da do pai e mãe.

Ocorre que, em consequência do texto do §2º, in verbis: “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada” (BRASIL, 2008), diversos juízos obstaram sua concessão, sob a alegação de que a mesma não se compatibilizaria com o estado de beligerância, tão comum e presente, nas maiorias dos casos de rupturas de relações familiares em geral, o que, de certo modo, frustrou a intenção dos defensores da modalidade.

De modo geral, a referida lei inovou de forma positiva ao sistematizar a forma com que o judiciário deveria lidar, quando o assunto fosse à guarda de menores em situação de findar de relações. O texto legal, em sua nova redação, atendeu de forma um pouco mais ampla que o texto anterior, a proteção tão esperada, emanada do art. 227, da CF/88.

Todavia, aderindo à justificativa do Projeto de Lei 1.009/2011, nos filiamos à corrente que entende por imprecisa, a interpretação dada a mens legis da lei 11.698/2008, por parte da doutrina e judiciário. Nesse vértice, o Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, autor do PL, ao demonstrar a necessidade de uma nova mudança no texto sobre a guarda compartilhada, justificou-se de forma enérgica:

 

Obviamente, para os casais que, sabiamente, conseguem separar as relações de parentesco “marido / esposa” da relação “Pai / Mãe”, tal Lei é totalmente desnecessária, portanto, jamais poderiam ter sido tais casais (ou ex-casais) o alvo da elaboração da lei vez que, por iniciativa própria, estes já compreendem a importância das figuras de Pai e Mãe na vida dos filhos, procurando prover seus rebentos com a presença de ambas. Ocorre que alguns magistrados e membros do ministério público, têm interpretado a expressão “sempre que possível” existente no inciso em pauta, como “sempre os genitores sem relacionem bem”. Ora nobres parlamentares, caso os genitores, efetivamente se relacionassem bem, não haveria motivo para o final da vida em comum, e ainda, para uma situação de acordo, não haveria qualquer necessidade da criação de lei, vez que o Código Civil em vigor a época da elaboração da lei já permitia tal acordo. Portanto, ao seguir tal pensamento, totalmente equivocado, teria o Congresso Nacional apenas e tão somente desperdiçado o tempo e dinheiro público com a elaboração de tal dispositivo legal, o que sabemos, não ser verdade (FARIA DE SÁ, 2011, p. 1 - 2).

 

Sob essa assertiva, o tema foi novamente debatido nas casas do Congresso e, ao final, convertido na lei n.º 13.058/2014 (ANEXO III). A presente legislação promoveu alterações nos artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil, corrigindo, a nosso ver, as imprecisões interpretativas supracitadas, tanto por parte de alguns magistrados e membros do Ministério Público, como por parte da doutrina civilista.

Nessa esteira, no art. 1.583 foi alterado o §2º, que antes sistematizava a forma para se conceder a guarda unilateral, passou a definir que o tempo de convivência familiar entre pai/mãe e filhos sob a guarda compartilhada, devem ser equilibradamente distribuídas, para que ambos possam gozar do desenvolvimento deste; igualmente, alterou a redação do §3º, definindo que a cidade ou lar base de moradia dos filhos, seja aquela que melhor atenda o interesse do menor; incluiu o §5º, que na realidade, tratava-se de parte do então alterado §3º, isto é, o poder-dever conferido ao pai/mãe não guardião, de fiscalizar os interesses da prole, contudo, de forma bastante acertada, pormenorizou a forma que esse controle ocorreria; no art. 1.584, foi alterado o §2º, trazendo um caráter de aplicação obrigatória da guarda compartilhada, quando da inexistência de acordo entre os pais; no §3º, o texto existente não foi alterado, apenas acresceu-se que os meios utilizados pelo magistrado para definir as atribuições de cada um dos pais, sob a guarda compartilhada, devem visar à divisão equilibrada do tempo de convivência entre ambos, o importante a se notar aqui, é que a expressão divisão equilibrada não deve ser tratada como sinônimo de igualar o tempo de convivência entre os pais, todavia, em nada se obstará, se em acordo for assim firmado, e tal fato não interferir negativamente na vida da prole; no §4º, retirou a possibilidade existente no texto anterior de redução das horas de convivência entre pai/mãe, em decorrência de descumprimento de cláusula de guarda, seja unilateral ou compartilhada; apesar de constar como alterado, o §5º permaneceu com o mesmo texto fornecido pela lei 11.698/2008; para finalizar o art. 1.584, foi incluído o §6º, criando uma obrigação expressa do fornecimento de informações a quaisquer dos genitores sob pena de aplicação de astreintes pelo não atendimento do pedido; o art. 1.585, recomendou que a concessão, em sede de cautelar ou fixação liminar de guarda, seja proferida após à oitiva de ambas as partes em juízo, ressalvada a estrita necessidade em face do interesse dos filhos, na qual deverá ser observado o disposto no artigo 1.584; e, por último, no art. 1.634, definiu que o exercício do poder familiar, deve, em qualquer que seja a sua situação conjugal, ser exercido por ambos os pais.

A guarda compartilhada, de modo amplo, visa à densificação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, ou seja, objetiva assegurá-los, tanto quanto possível, que ambos os progenitores participem ativamente do desenvolvimento de sua prole, mesmo após findada a vida conjugal (GRISARD FILHO, 2016). Por meio do compartilhamento, o legislador buscou limitar a dor da criança ou adolescente, da perda da comunicação e vivência diuturna que havia entre ele e ambos os pais, fazendo com que esse complexo momento, seja superado sem maiores traumas.

Nessa perspectiva, indiretamente, objetiva atenuar as chances de um dos pais, intentarem ações de alienação parental, uma vez que, estando ambos os genitores investidos da autoridade parental plena, certas ações visando a embaraçar o acesso ao filho podem ser reduzidas. Entretanto, a presente afirmação não pretende induzir a idéia que tal autoridade não possui condão, dentro do contexto da guarda unilateral, contudo, essa modalidade confere intrinsicamente ao guardião uma potestade inexistente, trazendo a lume, os já conhecidos problemas tão discutidos nos tribunais, v.g., atos que dificultam o exercício do direito de visitas, criação de impedimentos à retirada dos filhos para passeios, etc.

Destarte, vemos com bons olhos as alterações promovidas pela lei 13.058/2014, ela trouxe contornos mais sólidos ao instituto da guarda compartilhada, tornando-a regra a ser seguida pelo judiciário, podendo sim, a nosso ver, ser considerado um instrumento capaz de inibir a famigerada prática de alienação parental. Ademais, iremos tratar de forma mais isolada e cuidadosa, em seções próprias, pontos de controvérsia entre as duas legislações.

 

7.2.1 Dos motivos da alteração do §2º, do art. 1.584, entre as leis 11.698/2011 e 13.058/2014

 

Importante é enfatizar, as diferenças e semelhanças entre os diplomas, ambos delinearam uma espécie de compulsoriedade na aplicação da guarda compartilhada e, igualmente, impuseram limitações a essa imposição. Assim sendo, para melhor demonstrarmos, montamos o seguinte quadro comparativo:

 

Quadro 1 – Comparativo entre §2º, do art. 1.584, CC/02, com a lei 11.698/08 e 13.058/14.

LEI 11.698/2008

LEI 13.058/2014

 

Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (...)

§ 2o  Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

 

Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (...)

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

 

Analisando o presente quadro, podemos observar, em ambos os lados, a imposição (sublinhada) e a limitação (negritada). Com a primeira lei, a 11.698/2008, no que tange à limitação, esta carregava uma subjetividade bastante ampla, na qual a aplicação do instituto encontrou diversos entraves nos juízos brasileiros, de modo que, o embaraço mais utilizado era a presença do estado de beligerância[25]. Por seu turno, com a alteração legislativa, presente no segundo quadro, em derradeiro, apregoou a guarda compartilhada como regra, infringindo uma obrigatoriedade a sua aplicação, retirando, desse modo, a amplitude subjetiva para denegação do pleito, reduzido e restringindo a o ato negativo a análise do binômio vontade-aptidão, que garantiria, em tese, mais efetividade na aplicação da norma.

A aplicação da guarda compartilhada antes da alteração do instituto, com base nos dados obtidos por meio da biblioteca digital do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), eram pífias. Em 2012, se considerarmos a média nacional, somente em 6% (seis por cento) dos divórcios, ocorrido em território brasileiro, terminaram com o deferimento da guarda compartilhada, contra 87,1% (oitenta e sete, um por cento) de guarda unilateral concedida a mulheres e 5,4% (cinco, quatro por cento) concedidas aos homens (IBGE, 2012, p. 44). Em 2013, em iguais perspectivas, a guarda compartilhada passou a figurar em 6,8% (seis, oito por cento), contra 86,3% (oitenta e seis, três por cento) concedidas as mulheres e 5,2% (cinco, dois por cento) aos homens (IBGE, 2013, p. 59).

Sobre esses dados, Grisard Filho (2016) pondera a respeito da obrigatoriedade instituída com o novo texto do §2º, do art. 1.584, advindo a lei 13.058/2014:

 

A obrigatoriedade se fez necessário em razão da tímida aplicação da guarda compartilhada pelos tribunais. Mesmo após a positivação do modelo compartilhado, não chegavam a 6% (seis por cento) os caso em que fora fixado a guarda compartilhada. Esse baixo percentual se deve a criação do equivocado requisito jurisprudencial de que a guarda compartilhada apenas poderia ser aplicada quando houvesse um bom relacionamento entre os pais. Buscar esse bom relacionamento em separações e divórcios litigiosos é como atravessar um deserto em busca de água (GRISARD FILHO, 2016, p. 222).

 

A percepção de que a aplicação da guarda compartilhada seria realmente viável, somente com um bom relacionamento é de tamanha inverdade e imprecisão, que em sua justificativa, o Eminente Deputado, autor do PL 1.009/2011, de forma irretocável afirma:

 

(...) a suposição de que a existência de acordo, ou bom relacionamento, entre os genitores seja condição para estabelecer da guarda compartilhada, permite que qualquer genitor beligerante, inclusive um eventual alienador parental, propositalmente provoque e mantenha uma situação de litígio para com o outro, apenas com o objetivo de impedir a aplicação da guarda compartilhada, favorecendo assim, não os melhor interesse da criança mas, os seus próprios, tornando inócua a lei já promulgada. Além disto, é comum encontrarmos casos onde uma medida cautelar de separação de corpos teve por principal objetivo a obtenção da guarda provisória do infante, para utilizá-lo como “arma” contra o ex-cônjuge, praticando-se assim, a tão odiosa Alienação Parental (FARIA DE SÁ, 2011, p. 2).

 

É fato que o estado de beligerância entre os ex-consortes é extremamente danoso ao sadio desenvolvimento do infante, este, convivendo em um ambiente inóspito, travestido na figura da segurança materna ou paterna, pode causar sérios transtornos durante seu desenvolvimento. Entretanto, utilizar-se desse estado beligerante para denegar a corresponsabilização parental, trata-se de inócua argumentação.

Pensemos de forma objetiva: em uma relação conflituosa, na qual um dos genitores visa à exclusividade de afeto da prole, é realmente útil isolar a guarda? Realmente irá por um termo à celeuma?

De fato, entendemos que a medida mais acertada em casos de conflitos na ruptura de laços familiares é a imposição de que os pais participem em medidas educativas, como as adotadas nas Oficinas da Parentalidade, propostas pelo CNJ, citadas na seção 7.1. Essas são inúmeras vezes mais eficientes que a implantação da guarda exclusiva, pois essa reveste o guardião de uma potestade inexistente, enquanto existir o conflito. Todavia, persistindo o pensamento e a conduta nociva, cabe ao juiz impor medidas mais austeras para que o compartilhamento se concretize (aplicação de astreintes, advertências, participação em terapia, etc.), ainda que de maneira forçosa, somente em ultima ratio deve ser aceita a guarda unilateral.

Em outras palavras, reside nesse pensamento o porquê da alteração legislativa do §2º, instituindo a guarda compartilhada como regra.

O compartilhamento da guarda dos filhos trata-se de medida indispensável para o seu pleno desenvolvimento, é a densificação do princípio do melhor interesse da criança, pois essa necessita de espelhos para sua evolução, e refiro-me a espelhos no plural, em decorrência de uma questão bem simples, fatidicamente um dia, ele se encontrará na posição de seus genitores e terá por companhia uma pessoa que figurará a pessoa da mãe/pai[26], a base para a criação de sua futura prole, irremediavelmente, será a de sua criação. Trata-se de um ciclo que se repete e renova constantemente, e quanto mais sadio for o originário, melhor será o sucessor.

É fato que atualmente visa-se a blindagem das crianças e adolescentes a causas que levem a frustrações. Entretanto, tais dessabores são inerentes à fase do natural crescimento e amadurecimento de um indivíduo, não devendo esse, ser privado por completo dessas circunstâncias tão naturais na vida cotidiana, sob pena da criação de um ser, envolto a uma bolha fantasiosa, e essa, ao se romper, já na fase juvenil-adulta, pode dar causa sérios problemas ou transtornos, principalmente no que tange a aceitação de resultados negativos.

Desse modo, é salutar ressaltar que, problemas decorrentes de controvérsias não resolvidas pelos pais, ainda que torpes, são partes indispensáveis para a plena formação do caráter da criança e adolescente, pois maus exemplos, ainda são e devem ser considerados como exemplos, por mais que isso possa soar redundante lastreiam o conceito de certo e errado, bom e mau, justo e injusto, etc., que será incutido na criança.

Em última análise, é pertinente trazer a lume, dada a importância do tema, que objetivando quebrar a resistência de magistrados do judiciário brasileiro, em 22 de agosto de 2016, a então Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Nancy Andrighi, visando a dar maior clareza sobre a real intenção do legislador, quando da elaboração da Lei 13.058/2014, editou a Recomendação n.º 25/2016, com os seguintes dizeres:

 

Art. 1º. Recomendar aos Juízes das Varas de Família que, ao decidirem sobre a guarda dos filhos, nas ações de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar, quando não houver acordo entre os ascendentes, considerem a guarda compartilhada como regra, segundo prevê o § 2º do art. 1.584 do Código Civil.

§ 1º Ao decretar a guarda unilateral, o juiz deverá justificar a impossibilidade de aplicação da guarda compartilhada, no caso concreto, levando em consideração os critérios estabelecidos no § 2º do art. 1.584 da Código Civil.

Art. 2º. As Corregedorias Gerais da Justiça dos Estados e do Distrito Federal deverão dar ciência desta Recomendação a todos os Juízes que, na forma da organização local, forem competentes para decidir o requerimento de guarda ou para decretá-la, nas ações de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar (ANDRIGHI, 2016, p. 3).

 

Com a edição da presente recomendação, a eminente Ministra, buscou dar efetividade a norma legal, para que esta não restasse letra morta, e que não vigorasse por mais uma vez, o pensamento estapafúrdio de que “essa lei não pegou”, como se fosse possível tal circunstância. A seguir, trataremos de examinar se houve ou não, uma mudança significativa na aplicação da guarda compartilhada após edição da lei 13.058/2014.

 

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Sobre o autor
José Carlos de Moraes Horta

Agente de Segurança Penitenciário no Estado de São Paulo desde 2002. Bacharel em Direito e aprovado no XXV Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduando em Direito Público pela Faculdade Legale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORTA, José Carlos Moraes. A guarda compartilhada como instrumento jurídico eficaz a inibir a alienação parental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5949, 15 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67438. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso, apresentado na Faculdade de Caieiras, Grupo Uniesp S/A, aprovado com nota máxima pela banca examinadora. Prof. Orientadores: Me. Renato Antonio de Souza e Esp. Eduardo da Costa Nunes Miguel

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