A democracia entre a expansão da jurisdição constitucional e a interpretação constitucional no novo constitucionalismo

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3. Formação do novo constitucionalismo

O século XX demonstrou que nem sempre a lei coincide com a racionalidade, fundamento do positivismo jurídico. Países constituídos no cerne do Estado de Direito como a Itália e a Alemanha foram abrigo de regimes totalitários que sob o aspecto estritamente legal gozavam de legitimidade. O fascismo e, principalmente, o nazismo, colocaram em cheque muitas certezas a respeito do Estado de Direito.

A atuação do Estado conforme a lei, se esta é completamente absurda, pode gerar situações também absurdas. Por mais que o poder legislativo, em tese, deva representar a vontade geral do povo, isto nem sempre acontece, e, em muitos casos, tal poder acaba sendo a fonte legitimadora de ações injurídicas por parte do Estado:

A lei, no Estado Contemporâneo, é resultado de ajustes legislativos marcados pela vontade dos lobbys e dos grupos de pressão. O fracasso da soberania do paramento e da concepção da lei como vontade geral sepultou o positivismo jurídico clássico centrado na identificação da lei como expressão do direito (CAMBI, 2006, p. 673).

A legalidade passou a ser utilizada como subsídio para qualquer tipo de atuação estatal, por mais injurídica que fosse tal atuação. A lei já não mais representava a certeza da atividade legítima por parte do Estado, seja no Estado Liberal seja no Estado Social em que este deve agir.

Assim, a lei deixou de ser a única garantia de legitimidade e passou a não ser confundida com o direito. A Lei Fundamental de Bonn, na Alemanha, de 1949 foi um sinal de que o Estado deveria estar de acordo não só com a lei, mas, sobretudo, com o direito:

Nesse sentido, o artigo 20, § 3º, da Lei Fundamental da Alemanha, de 8-5-49, estabelece que “o poder legislativo está vinculado à ordem constitucional; os poderes executivo e judicial obedecem à lei e ao direito”. Idéias semelhantes foram inseridas nas Constituições espanhola e portuguesa (DI PIETRO, 2008, p. 29).

O local onde o direito de um Estado deveria ter suas fontes principais passou a ser a Constituição. Em 1959, Konrad Hesse elaborou a tese da força normativa da Constituição. Até então, o constitucionalismo iniciado no século XVIII e disseminado no século XIX significava apenas um atestado formal de existência do Estado de Direito. A Constituição nos países de tradição romano-germânica, em que a fonte principal do direito é a lei, era algo bastante vulnerável. Apenas com a tese de Konrad Hesse esse panorama começa a ganhar novos contornos:

A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social.

(...) A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia (HESSE, 1991, p. 15-16).[1]

A legalidade, nesse viés, deveria estar subordinada a algo maior do que a simples aprovação de uma lei pelo poder Legislativo. A lei deve estar incorporada à perspectiva da juridicidade, refletindo o direito inerente à Constituição. O cenário jurídico dos países de tradição romano-germânica começava a mudar.

No caso do Brasil e da América Latina, muitas das tendências jurídicas seguem a teorização europeia e, geralmente, com certo lapso temporal. A tendência de juridicidade em que o direito deve ser garantido pela Constituição chegou ao Brasil de forma efetiva após a ditadura militar.

Ditaduras militares no Brasil e na América Latina corresponderam ao mesmo desrespeito jurídico ocorrido na Europa no período entre guerras. Assim como os regimes fascistas, as ditaduras militares na América Latina tinham um aparato legal que “legitimava” o Estado totalitário.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é promulgada em um momento de superação do padrão exclusivamente legal no que diz respeito à atuação do Estado. O próprio princípio da legalidade tem previsão na Constituição Federal (artigo 37, caput, da Constituição Federal), justamente para dotá-lo de força constitucional. A lei deve ser constitucional.

A partir da inserção da legalidade dentro da ordem constitucional, as teses passam a ser no sentido de que a abstenção e/ou atuação do Estado é/são legítima/s se de acordo com a Constituição e o direito, não somente com a lei.

Essa questão de estar conforme o direito e conforme a Constituição são bastante próximas e comprometidas. No Brasil, a Constituição é fundamento para toda a legislação. Legislação destoante da Constituição Federal é inconstitucional. O mesmo raciocínio vale para os atos normativos do poder Executivo. O direito brasileiro tem, atualmente, como fonte majoritária a Constituição Federal, por isso que a atuação de acordo com o direito passa, necessariamente, por um exame de constitucionalidade evidenciando a supremacia constitucional.


4. Fundamento filosófico do novo constitucionalismo efetuado através da hermenêutica constitucional

A força normativa da Constituição é um marco para o direito contemporâneo, e, consequentemente para o Estado. O direito contemporâneo tem superado a perspectiva do positivismo jurídico, inaugurando uma fase denominada pós-positivismo.

Esta fase de pós-positivismo jurídico é marcada pela hermenêutica, em que é estabelecida uma nova normatividade:

Sob o aspecto filosófico, a identificação do direito com a lei, marcada pelo dogma da lei como expressão da “vontade geral”, foi superada pela hermenêutica jurídica que, sem cair na tentação de retornar à compreensão metafísica proposta pelo direito natural, desenvolveu a distinção entre as regras e os princípios, para dar força normativa a estes, com o escopo de ampliar a efetividade da Constituição (CAMBI, 2006, p. 673).

Os princípios passam a ser normas tanto quanto as regras. Isto é importante porque a Constituição é (também) uma manifestação normativa, sobretudo de caráter principiológico:

Um dos movimentos mais fantásticos ocorrido nas Teorias do Direito e da Constituição contemporâneas foi, sem dúvida, a afirmação da força normativa dos princípios constitucionais, com a superação das correntes teóricas que ainda sustentavam um Direito formado apenas por regras estritas, vistas como únicos preceitos dotados de juridicidade (PEREIRA, 2001, p. 127).

O novo constitucionalismo é a forma atual de o direito se manifestar a partir da Constituição, nesse sentido, todos os institutos jurídicos passam a ser, em última análise, institutos constitucionais, estando positivamente previstos na Constituição ou não. Por questão de lógica, o sistema jurídico contemporâneo é um sistema normativo constitucional, logo, a norma jurídica válida é, inevitavelmente, uma norma constitucional:

Por isso, deve-se afirmar que existe apenas uma Hermenêutica: a Hermenêutica Constitucional que promove, por assim dizer, uma verdadeira “absorção” da chamada Hermenêutica Jurídica Clássica.

Nesse sentido, é possível sustentar igualmente que toda jurisdição é necessariamente jurisdição constitucional (PEREIRA, 2001, p. 122-123).[2]

No cenário liberal clássico, a Constituição existia para afastar a intervenção do Estado. No cenário social subseqüente ao liberal a Constituição ditava direções gerais de atuação ao Estado, mas faltava a normatividade destas direções. Já no cenário contemporâneo, os princípios constitucionais gozam de juridicidade, inclusive quando importam em direções gerais.

Graças a esta normatividade de princípios constitucionais pode-se dizer que as normas programáticas ganham novo sentido:

O sentido dessas normas não é, porém, o assinalado pela doutrina tradicional: “simples programas”, “exortações morais”, “declarações”, “sentenças políticas”, “aforismos políticos”, “promessas”, “apelos ao legislador”, “programas futuros”, juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade. Às “normas programáticas” é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da constituição (CANOTILHO, 2003, p. 1176).

Então, o fundamento filosófico remete à questão da normatividade da Constituição, em especial a juridicidade dos princípios que passam a ser normas constitucionais, graças à hermenêutica constitucional própria do novo constitucionalismo.


5. Fundamentos teóricos do novo constitucionalismo

A supremacia constitucional é possível graças a um dos aspectos teóricos essenciais ao novo constitucionalismo: a força normativa da Constituição. Os outros dois aspectos teóricos são: a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional [BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e a Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Salvador, 2007. < http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ% 20 ROBE RTO %20BARROSO.pdf > Acesso em: 12/10/2011].

A força normativa da Constituição foi evidenciada no tópico terceiro deste artigo quando da formação do novo constitucionalismo e a importância teórica de Konrad Hesse bem como o início da recepção desta teoria no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988.

No que diz respeito à expansão da jurisdição constitucional, a temática tem sido muito discutida (e difundida), ensejando o estudo da jurisdição constitucional e do processo constitucional.

Já a nova dogmática da interpretação constitucional modificou a forma mesmo de perceber a norma jurídica no novo constitucionalismo.

Tais aspectos teóricos serão analisados em tópicos separados, tendo em vista algumas críticas a serem consideradas.

5.1. Expansão da jurisdição constitucional

O liberalismo trouxe a ideia de que o poder Legislativo traduzia a razão em leis por refletir nestas a vontade geral do povo. Isto propiciou um ambiente de predominância do poder Legislativo a partir do Estado Liberal.

A fase do Estado Social elevou o Estado a protagonista de ações políticas e sociais, sendo que tal papel protagonista é em grande medida exercido pelo poder Executivo. Não significou o fim do poder Legislativo, apenas adicionou à cena do jogo de poderes o Executivo.

Tanto no constitucionalismo liberal quanto no constitucionalismo social, os atos políticos com teor legislativo (mesmo os atos emanados do Executivo com tal função, no caso do Brasil a proliferação do decreto-lei, em situações de Estado Intervencionista/Social) são os mais importantes, ou seja, a lei tem mais significado político prático do que a própria Constituição. Por isto, tanto o Estado Liberal, quanto o Estado Social, por mais que sejam Estados formatados a partir de uma constituição, são Estados, sobretudo, Legais.

O Estado Contemporâneo é um Estado Constitucional por excelência, não se restringe à lei ou está reduzido a um Estado Legal. O Estado Constitucional Contemporâneo é formatado a partir de uma constituição, e a Constituição deste Estado deve ser efetivada. A Constituição do Estado não pode se limitar a um documento político ou cultural, mas deve ser um documento também normativo, dotado, por evidente, de juridicidade.

O novo constitucionalismo está presente neste Estado Contemporâneo e Constitucional. A Constituição ganha relevância social a cada dia dentro deste Estado. As questões de Estado são questões constitucionais, como se a Constituição fosse o centro gravitacional em torno do qual gira todo o aparato jurídico do Estado.

Nesse diapasão, a discussão sobre as normas envolve cada vez mais a constitucionalidade das mesmas, uma vez que dentro de um Estado Constitucional não pode haver norma que não seja constitucional. Há um crescimento do conhecimento da Constituição, da aplicação da mesma tendo em vista a efetividade.

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A Constituição é a fonte do direito no novo constitucionalismo. Com o amplo acesso à justiça garantido na Constituição brasileira de 1988, os cidadãos tendem a buscar a concretização dos seus direitos através do poder Judiciário, incrementando essa tendência de expansão da jurisdição constitucional. Aliás, o amplo acesso à justiça é uma das causas apontadas por Eduardo Cambi (2006, p. 665) para explicar a expansão da jurisdição constitucional.

Luís Roberto Barroso justifica o crescimento da jurisdição constitucional com a Constituição de 1988 que ampliou a legitimidade para o direito de propositura de ação direta de constitucionalidade:

(...) a jurisdição constitucional expandiu-se, verdadeiramente, a partir da Constituição de 1988. A causa determinante foi a ampliação do direito de propositura. A ela somou-se a criação de novos mecanismos de controle concentrado, como a ação declaratória de constitucionalidade e a regulamentação da argüição de descumprimento de preceito fundamental (BARROSO, 2007, p. 07).

A jurisdição constitucional remete ao controle de constitucionalidade e atualmente a doutrina tem estipulado os contornos teóricos de um processo constitucional: “estudo dos instrumentos estabelecidos nos diversos ordenamentos jurídicos para a resolução dos conflitos ou controvérsias de caráter estritamente constitucional” (BARACHO, 2001, p. 136).

Sobre o processo constitucional, na doutrina brasileira podemos exemplificar através de Willis Santiago Guerra Filho (2000, p. 27). O autor diz “que a Constituição possui a natureza (também) de uma lei processual, assim como institutos fundamentais do direito processual possuem estatuto constitucional”. No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco (2005, p. 207-208) ressalta que o método constitucionalista compreende a tutela constitucional do processo e a jurisdição constitucional das liberdades.

A relação entre Constituição e processo encontra guarida em doutrina estrangeira também, como ressalta Gustavo Binenbojm (2001, p. 106), “a compreensão procedimentalista da jurisdição constitucional – que, de resto, reflete uma visão procedimental da própria Constituição – foi recebida com interesse por teóricos da filosofia política como Robert Dahl e Jürgen Habermas”. O processo constitucional gira em torno da jurisdição constitucional.

A jurisdição constitucional evidencia um ativismo judicial, logo, no Estado Contemporâneo delineado pelo novo constitucionalismo corre o risco de proeminência do poder Judiciário.

Segundo Luís Roberto Barroso (2009, p. 335), as “origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norte-americana” e a “ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”.

O problema do ativismo judicial é que, diferentemente dos poderes Legislativo e Executivo, o poder Judiciário, no Brasil, não passa por um processo eleitoral, expressão base da democracia representativa:

As críticas, como já salientado, partem da ausência de legitimidade democrática do Poder Judiciário. Poderiam os magistrados, não tendo sido eleitos pelo voto direto, tomar decisões políticas, em nome da maioria da população? (CAMBI, 2006, p. 666).

Eduardo Cambi (2006, p. 666-667) salienta, contudo, que a democracia representativa está em crise por três motivos: a “vontade do representante não se identifica com a do representado; cada vez mais se verifica o afastamento do povo do processo político; falta de igualdade de participação no processo político”.

A expansão da jurisdição constitucional e o consequente ativismo judicial, não são em si causas da “crise” da democracia. A democracia de uma forma geral, em especial a democracia representativa (modelo majoritário, inclusive no Brasil), passa por alguns problemas que envolvem não só o poder Judiciário e o ativismo judicial, mas a própria “crise do Estado-Nação”.[3]

A judicialização da política e o “risco de politização da Justiça” (BARROSO, 2009, p. 340) podem sinalizar para um problema político de legitimidade caso o poder Judiciário exceda seus limites institucionais.

O estabelecimento dos limites do poder Judiciário passa, necessariamente, pelo exame do terceiro componente do novo constitucionalismo: nova dogmática da interpretação constitucional, analisado a seguir.

5.2. Nova dogmática da interpretação constitucional

A título de preliminar, necessário destacar que interpretação é algo distinto de hermenêutica:

A hermenêutica e a interpretação são conceitos que não se confundem. A hermenêutica, como uma teoria científica, tem por objetivo fundamental ordenar métodos e princípios próprios para o exercício das operações interpretativas. Já a interpretação, como atividade criadora, visa dar operacionalidade ao Direito, convertendo a norma geral e abstrata numa norma individualizada e concreta (MARIN, 2008, p. 117).

A hermenêutica constitucional permite a interpretação das disposições normativas. Neste ponto, importa distinguir ainda a diferença entre norma e proposição (ou disposição normativa). Grosso modo, a disposição normativa é um texto, uma forma seca e ainda sem interpretação. A norma começa a se definir a partir do momento que a disposição normativa é dotada de significado. O conceito de norma, assim, necessita de um trabalho hermenêutico para se chegar a uma interpretação da proposição da qual se extrai a norma jurídica, o que, na perspectiva do novo constitucionalismo, será uma norma constitucional.

Muito embora hermenêutica e interpretação constitucional não sejam a mesma coisa, a dogmática da interpretação constitucional sob a égide do novo constitucionalismo exige a consideração de aspectos da hermenêutica constitucional, uma vez que esta hermenêutica possibilita a interpretação constitucional compositora de normas constitucionais.

Em primeiro lugar, a Constituição possui singularidades na manifestação de suas normas:

Embora seja uma lei e como tal deva ser interpretada, a Constituição merece uma apreciação destacada dentro do sistema, à vista do conjunto de peculiaridades que singularizam suas normas. Quatro delas merecem referência expressa: a) a superioridade hierárquica; b) a natureza da linguagem; c) o conteúdo específico; d) o caráter político (BARROSO, 2009, p. 111).

Esse conjunto de peculiaridades singulariza as normas constitucionais e são os pressupostos da hermenêutica constitucional, o que nos leva à questão dos intérpretes da Constituição e os princípios de interpretação especificamente constitucional.

No quesito de intérpretes da Constituição, importante os ensinamentos de Pablo Lucas Verdú sobre a “Constituição aberta”, o que nos leva a Peter Häberle e sua “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”.

A questão de uma “Constituição aberta”, e de uma “sociedade aberta de intérpretes” reflete a constitucionalidade contemporânea, e cabe a toda a sociedade a interpretação de seu documento jurídico máximo, sobretudo em um cenário dotado de pluralismo político, e, naturalmente, pluralismo jurídico.

A interpretação, ao mesmo tempo em que deve ser possível aos diversos elementos e setores sociais, num processo democrático, também deve observar critérios e princípios interpretativos relativos à Constituição.

O fundamento ou princípio primeiro é o da supremacia da Constituição (superioridade hierárquica da Constituição enquanto pressuposto de singularidade da norma constitucional), sendo esta a origem da discussão sobre o fundamento da hermenêutica constitucional (PEREIRA, 2001, p. 92 ss).

Os princípios de interpretação especificamente constitucional compreendem o próprio princípio da supremacia da Constituição; o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público; o princípio da interpretação conforme a Constituição; o princípio da unidade da Constituição; os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; e, por fim, o princípio da efetividade (BARROSO, 2009, p. 155-279).

A supremacia da Constituição decorre do pressuposto de superioridade hierárquica da Constituição. Este pressuposto reflete na questão temporal do direito, em que pese a revogação e recepção de leis anteriores ou contrárias à Constituição (BERNARDES, 2002, p. 13 e ss).

A supremacia da Constituição, como o próprio nome já diz, concentra-se na relação entre lei e Constituição, superando os métodos clássicos de interpretação da hermenêutica clássica que acabava privilegiando a lei isoladamente. Com a supremacia, não há como considerar uma lei sem considerar a Constituição. Nesse viés, consequências decorrem do princípio em tela: vínculo legislativo; vínculo de atos estatais; reserva constitucional; força normativa da Constituição (CANOTILHO, 2003, p. 242 e ss).

O princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público, conforme proposto por Canotilho (acima), é uma consequência da supremacia constitucional. Parte-se sempre do pressuposto de que as leis, e não somente estas, as normas de uma forma geral (engloba-se aí os atos do Poder Público) são constitucionais. Este princípio considera tanto a legitimidade do poder público constituído sob uma perspectiva democrático-representativa cuja legitimidade se manifesta através de normas a princípio constitucionais como também reflete a tendência do novo constitucionalismo em que as normas jurídicas, em qualquer seara do direito, são normas constitucionais, conforme já exposto.

No caso, ao ser considerada uma norma emanada do Poder Público, a interpretação da mesma se inicia com a dialética entre a norma pública e a norma constitucional, em que o trabalho do hermeneuta sintetizará uma norma necessariamente constitucional. Sentido oposto, se verificada a inconstitucionalidade, o que é uma exceção dentro desta perspectiva, a norma deve ter sua aplicação afastada.

Com relação à interpretação conforme a Constituição, trata-se de um princípio interpretativo cujo escopo principal é prevenir antinomias. Como dito no escopo deste tópico, norma e disposição normativa (proposição) não se confundem. De uma disposição normativa podem surgir mais de uma norma jurídica. Ao se interpretar uma disposição e dotá-la de significado, portanto, tornando-a norma jurídica, o intérprete deve se atentar à melhor interpretação tendo em vista a Constituição, desta forma prevenindo antinomias. Mais uma vez, é um princípio de interpretação constitucional. Entretanto, vale a crítica a respeito do uso equivocado deste princípio como se fosse técnica decisória de controle abstrato de constitucionalidade (BERNARDES; FERREIRA, 2011, p. 495).

Sobre a unidade da Constituição, mais uma vez, remetemos à questão de sistema jurídico, o qual, atualmente, parte do princípio de que o sistema jurídico é um sistema constitucional. A unidade refere-se à Constituição enquanto um todo que abrange as diversas áreas do direito, as quais devem estar consoantes à Constituição. O princípio reforça a ideia de que toda norma deve ser dotada de constitucionalidade para ter validade. Aqui, concordamos com as teses jurídicas a partir da autopoiese luhmanniana, em que a Constituição seria um sistema autopoiético, sustentável a partir de si mesmo (VILLAS BÔAS FILHO, 2006, p. 268). A unidade da Constituição enquanto princípio.

As noções de proporcionalidade e razoabilidade têm sido bastante disseminadas na constitucionalidade contemporânea. Todavia, existem duas problemáticas envolvendo a proporcionalidade e a razoabilidade: a primeira é o uso pouco técnico dos termos, como se sinônimos fossem. A segunda é que, apesar de serem bastante reverenciados, ainda são pouco praticados.

A primeira questão que se faz necessária é que há sim distinções entre a proporcionalidade e a razoabilidade.

Inicialmente, cumpre-nos ressaltar que, para a doutrina brasileira, proporcionalidade e razoabilidade são princípios especificamente de interpretação constitucional (BARROSO, 2009, p. 224 e ss).

As origens da razoabilidade moderna têm raízes no devido processo legal de pioneirismo estadunidense. A relação entre razoabilidade e processo é extremamente necessária na tendência constitucional contemporânea:

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar (BARROSO, 2009, p. 230-231).

A razoabilidade enquanto princípio de interpretação deve se expressar de forma interna: relação razoável entre meios e fins dentro da própria norma; e de forma externa: relação razoável entre meios e fins constitucionais. Ou seja, edita-se uma norma, e seu próprio fundamento deve ser razoável. Além deste fundamento próprio, deve estar consoante à Constituição quanto ao que esta preconiza em seus meios e fins.

Grosso modo, portanto, a razoabilidade tende a ser expressa como uma conciliação entre os meios e os fins.

A proporcionalidade foi muita difundida na doutrina alemã através de Robert Alexy (2011, p. 156 ss). Ao analisar a prática de muitos tribunais alemães, Alexy destaca que um dos temas principais sobre a interpretação dos direitos fundamentais (os quais estão presentes na maioria das Constituições contemporâneas) é a ponderação. E continua dizendo que a ponderação é parte do princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade consiste em três princípios parciais, a saber: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito:

Os princípios parciais da idoneidade e da necessidade concernem à otimização relativamente às possibilidade fáticas. O terceiro princípio parcial, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, concerne à otimização relativamente às possibilidades jurídicas (ALEXY, 2011, p. 156).

A questão de possibilidades jurídicas múltiplas refere-se, sobretudo a diversidade principiológica e a conciliação entre eles, em especial quando cada princípio aponta em sentido contrário e precisa-se de ponderar qual o princípio deve ser aplicado.

Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade têm sido considerados, principalmente, na seara do direito administrativo (inclusive processo administrativo) e do direito processual. Isto porque a razoabilidade e proporcionalidade devem ser utilizadas para interpretação de disposições normativas, criando normas. Ora, a criação de normas é um trabalho cuja aplicabilidade reside na seara processual, seja judicial ou administrativo.

Os textos, proposições e disposições normativas estão espalhados pelos diversos setores sociais e áreas do direito. Mas, é na decisão dos conflitos em que as disposições normativas são trazidas à discussão, que se faz necessário o trabalho interpretativo, logo, a razoabilidade e a proporcionalidade vão orientar a tomada de decisão mitigando um exagero de discricionariedade por parte de quem dá significado à disposição e cria a norma aplicável.

O princípio interpretativo da efetividade é a própria meta do novo constitucionalismo proposta desde a teoria da força normativa da Constituição, sendo que as normas constitucionais devem sim ser realizadas, materializadas e concretizadas.

Em relação, então às críticas ao ativismo judicial, devemos considerar que o poder Judiciário tem um papel institucional de decidir questões cruciais ao Estado e em prol do cidadão. No caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal tem tido destaque em importantes decisões, inclusive políticas. É normal que o poder Judiciário se manifeste sobre questões políticas, faz parte do seu papel institucional a guarda da Constituição (art. 102, CF), que é um documento jurídico, dotado de normatividade, mas também um documento de expressão política, assim:

A Constituição faz a interface entre o universo político e o jurídico, em um esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o Direito, como a justiça, a segurança, o bem-estar social. Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente (BARROSO, 2009, p. 341).

O poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, que embora não seja um tribunal constitucional ao molde estadunidense, ainda assim é o órgão máximo responsável pelas questões constitucionais em última instância, deve considerar toda a dinâmica da interpretação constitucional para que a proeminência do Judiciário, tendência do novo constitucionalismo através da expansão da jurisdição constitucional, “não se converta em uma instância autoritária de poder” (BINENBOJM, 2001, p. 114). Aliás, Gustavo Binenbojm, em referência a Habermas, escreve sobre a “atuação legítima da jurisdição constitucional: a proteção do sistema de direitos possibilita a autonomia privada e política dos cidadãos, condição da gênese democrática das leis” (2001, p. 112).

A relevância do poder Judiciário pode e deve possibilitar a democracia no Estado Contemporâneo, inclusive através de tribunal constitucional que tenha suas decisões político-normativas pautadas na nova interpretação constitucional.

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Sobre o autor
Andrey Borges Pimentel Ribeiro

Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Pós-graduado em Direito Administrativo e Processo Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Advogado. Licenciado em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professor Adjunto no Curso de Direito da Faculdade Sul-Americana (FASAM/GO). Coordenador Adjunto de Pesquisa e TCC do Curso de Direito da Faculdade Sul-Americana (FASAM/GO).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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