Capa da publicação Tinta vermelha no STF: atentado à democracia
Capa: Divulgação/STF
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Um atentado à democracia

26/07/2018 às 08:40
Leia nesta página:

A característica mais saliente e significativa da lei de segurança nacional é a do abandono da doutrina da segurança nacional.

I – OS FATOS

O Globo informou, no dia 25 de julho de 2018, que cerca de 20 pessoas jogaram tinta vermelha no Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde do dia 24 de julho do corrente ano. Foi um protesto contra a prisão do ex-presidente Lula. Os manifestantes ficaram poucos minutos. No fim da tarde, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou nota de repúdio aos “atos de vandalismo" no STF. Em nota, o STF informou que “já está adotando, na forma da Lei, as providências para apurar os atos ocorridos".

É uma tentativa de constranger a Justiça para criar um clima em cima da prisão de Lula e dizer que a Justiça não merece respeito, o que é um perigo para a democracia.

II – APLICAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

A  democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, da sensatez. 

Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição. 

Aplica-se para o caso emblemático a Lei de Segurança Nacional. 

A Lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional, foi promulgada pelo regime militar em 1983, com a justificativa de definir crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Portanto, um texto legal criado num regime de exceção, com o objetivo maior de proteger a ditadura que se instalou no país. Porém, essa norma não foi revogada e ainda se encontra em pleno vigor. Analisando seu conteúdo à luz de um Estado democrático de Direito, constitui-se certamente um entulho autoritário que permanece até nossos dias, embora, ao que parece, vinha sendo um tanto esquecida. 

É certo que a lei de segurança nacional é plena de enunciados vazios, abertos, que podem levar à sua não efetividade. 

A característica mais saliente e significativa da lei de segurança nacional  é a do abandono da doutrina da segurança nacional. 

O artigo 23, I, da Lei de Segurança Nacional indica o crime de incitar à sublevação da ordem pública ou social. 

O art. 1.º da lei esclarece: "Esta lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I - a integridade territorial e a soberania nacional; II - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III - a pessoa dos chefes dos Poderes da União." Criticando o projeto de que resultou o texto definitivo da lei, em parecer aprovado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, Heleno Fragoso sugeriu que esse art. 1.° tivesse a seguinte redação: "Esta lei prevê crimes que lesam ou expõem a perigo: I - a existência, a integridade, a unidade e a independência do Estado; II – a ordem política e social, o regime democrático e o Estado de Direito". Desta forma se teria melhor especificado a objetividade jurídica desses crimes, indicando, com maior precisão, o âmbito da segurança externa e, com mais propriedade, os bens que importa preservar, no âmbito da segurança interna. 

O art. 2.° da lei estabelece que devem levar-se em conta, na aplicação da lei, a motivação e os objetivos do agente e a lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos anteriormente mencionados, sempre que o fato esteja também previsto em outras leis penais. Isso significa que nos crimes políticos próprios (em que a ação, por sua natureza, se dirige a atentar contra a segurança do Estado), o fim de agir (motivação política) é elementar ao dolo. Nos crimes políticos impróprios (crimes comuns cometidos com propósito político) a aplicação desta lei depende de indagação sobre os motivos (que devem ser políticos) e os objetivos (que devem ser subversivos).E depende também da existência de lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos que a lei tutela. 

É crime depredar bens por inconformismo político. Trata-se de crime que exige o dolo específico e é um crime de resultado, que pode ser efetuado em concurso de agentes. 

De toda sorte, a conduta merece ser investigada e garantida a ordem pública diante dos fatos narrados, de forma a respeito às decisões judiciais do Estado Democrático de Direito. O crime narrado, envolvendo imóvel onde funciona o STF, visou a agredir poder do Estado e teve motivação própria de agredir a democracia. 

III - A COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR O CRIME 

No passado, no Brasil que vivia a ditadura militar, foi editado o Decreto-lei 314, de 13 de março de 1967, que, em seu artigo 25, introduziu na Lei de Segurança Nacional a incriminação de diversos atos isolados já previstos na lei penal comum, os quais passaram à categoria de crimes políticos quando praticados com o propósito de atentar contra a segurança do Estado. Assim, tinha-se um tipo penal, envolvendo: Praticar massacre, devastação, saque, roubo, sequestro, incêndio ou depredação, atentado pessoal, ato de sabotagem ou terrorismo, impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização.

Posteriormente, a ditadura militar editou o Decreto-lei 510, de 20 de março de 1969, modificando aquele artigo 25, que passou a ter a seguinte redação: Praticar devastação, saque, assalto, roubo, sequestro, incêndio ou depredação, ato de sabotagem ou terrorismo, inclusive contra estabelecimento de crédito ou financiamento, massacre, atentado pessoal, impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização.

A Lei 6.620, de 1978, artigo 26, incriminou a conduta ao dispor: Devastar, saquear, assaltar, roubar, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal, sabotagem ou terrorismo, com finalidades atentatórias à segurança nacional.

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A par do fato de que assaltar não tem uma acepção técnica definida, ao contrário de roubar, furtar, a matéria revelava erros técnicos flagrantes já identificados naquele período da vida nacional.

Veio a Lei 7.170, de 1983, ainda na égide de uma doutrina de segurança nacional, legislar com relação a crimes praticados com o propósito de atingir o Estado e desestabilizar as instituições.

Mas, discute-se aqui a questão da competência para instruir e julgar crimes cometidos contra a segurança nacional.

O artigo 30 da Lei 7.170, de 1983, determina que compete à Justiça Militar julgar os crimes nele previstos.

Ocorre que a Constituição Federal, em seu artigo 124, estabelece que cabe à Justiça Militar “processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”.

Lembre-se  que o artigo 30 da norma infraconstitucional referenciada não foi recepcionado pela Constituição de 1988, do que se lê do artigo 109, IV, onde se observa que cabe aos Juízes Federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

A matéria tem leading case no julgamento do Conflito de Competência 21.735, Relator Ministro José Dantas, DJ de 15 de junho de 1998, em que se entendeu que cabe à Justiça Federal e não a Justiça Estadual o processo e julgamento por crime contra a segurança nacional segundo a regra do artigo 109, IV, da Constituição Federal.

Aliás, o Superior Tribunal Militar, no julgamento do Conflito de Competência 2004.02.000316-1/DF, entendeu que a Lei de Segurança Nacional, em seus artigos 1º e 2º, adota, respectivamente, a teoria objetiva e subjetiva da proteção ao bem jurídico tutelado. Assim, todos os crimes descritos na Lei de Segurança Nacional são crimes políticos objetivamente considerados e devem ser processados e julgados perante a Justiça Federal, a teor do artigo 109, IV, da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um atentado à democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5503, 26 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67873. Acesso em: 22 dez. 2024.

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