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Substituição processual e a exigência de outorga de procuração do Projeto de Lei do Senado n. 77/2016

07/08/2018 às 13:00
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Análise sobre o Projeto de Lei do Senado n. 77/2016, que apresenta exigência de outorga de procuração sempre que o sindicato precisar atuar na defesa de interesses ou direitos individuais heterogêneos.

Há dois anos atrás, no dia 9 de março de 2016, por initiative do Senador Paulo Paim, começou a tramitar no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 77/2016, que versa sobre a aplicação da substituição processual no âmbito judicial e extrajudicial.

Examinando o projeto em epígrafe e a possibilidade da almejada regulamentação do  referido instituto jurídico, a princípio, verificou-se grande conquista no campo do Direito Coletivo, digna de comemoração.

No entanto, a proposta legislativa aduz normas que sinalizam retrocesso quanto ao quesito efetividade da substituição processual, denotando inquietude aos operadores do Direito.

Embora ela caminhe para ser dignificada por lei própria (particularmente, sonho há anos com o dia em que isso ocorra), da forma como foi proposta, preferível que nos valhamos de sua aplicação baseada nos entendimentos jurisprudenciais. Estes, diga-se de passagem, avançam em prol da utilização do instituto em comento ano após ano, gradativamente.

Nesse ponto, frisa-se a recente decisão tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), por maioria, no sentido de cancelar o Enunciado n. 310.

A súmula cancelada se baseava no posicionamento segundo o qual o dispositivo constitucional não seria autoaplicável, isto é, dependeria de legislação definindo as hipóteses em que o sindicato poderia atuar judicialmente.

Assim, o TST potencializou o entendimento de que o sindicato pode e deve atuar de forma ampla: a partir da extinção do Enunciado n. 310, ilimitava-se a atuação sindical.

Ao contrário disso, na contramão dessa vereda de viés jurisprudencial, o Projeto de Lei do Senado n. 77/2016 restringe, drasticamente, a atuação sindical e vai de encontro ao melhor entendimento.

Demonstrar-se-á neste artigo as mais graves modificações previstas em prejuízo dos trabalhadores, dos sindicatos e dos militantes do Direito.


EXIGÊNCIA DE OUTORGA DE PROCURAÇÃO

Logo de início, cabe pontuar que o art. 2º do PLS n. 77/2016 exige instrumento de procuração em processos que tratem da defesa de interesses ou direitos individuais heterogêneos. Transcreve-se a seguir o dispositivo em comento:

“Art. 2º Na defesa dos interesses de que tratam os incisos I [interesses ou direitos difusos], II [interesses ou direitos coletivos] e III [interesses ou direitos individuais homogêneos] do § 1º do art. 1º, é dispensável a outorga de procuração dos substituídos processuais.” (apostos e grifos nossos)

Como se lê acima, a proposta legislativa “dispensa” a outorga de procuração, com exceção da previsão contida no inciso IV do § 1º do art. 1º, que disciplina:

“IV – interesses ou direitos individuais heterogêneos, assim entendidos, para efeitos desta Lei, aqueles de que seja o titular o integrante da categoria profissional, sem a origem comum a que se refere o inciso III.” (grifo nosso)

Em outras palavras, sempre que o sindicato precisar atuar na defesa de interesses ou direitos individuais heterogêneos, deverá obrigatoriamente juntar procuração outorgada pelo trabalhador substituído na ação.

A exigência de procuração, em qualquer hipótese, fere a própria razão de ser da substituição processual, a qual, por sua própria natureza, isenta o trabalhador de qualquer ato, agindo a instituição sindical em defesa do obreiro, como se este ela fosse.

Se a substituição processual por sindicato objetiva a busca pelo cumprimento dos direitos dos trabalhadores que representa, independente de filiação, onde a entidade profissional vai a juízo em nome próprio e pleiteia direito alheio como se seu fosse, não parece razoável que, a partir de agora, se exija outorga de procuração, tal como colima o PLS.

Pode-se dizer que há inquestionável contradição nisto, pois, se a Carta Magna autoriza o sindicato a representar a categoria em juízo, inconstitucional se mostra a obrigação de receber poderes para defesa de interesses ou direitos individuais heterogêneos.

A Constituição Federal não limitou a atuação sindical. A ampla jurisprudência (inclusive a da mais alta Corte de Justiça) autoriza a amplitude do alcance da substituição processual.

Condicionar a atuação sindical à outorga de poderes pelo trabalhador ofende a própria construção do instituto jurídico da substituição processual e a toda sua história.

A proposta vai de encontro com o teor do art. 8º, III, da Constituição Federal de 1988, o qual disciplina que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

Ademais, afronta ainda o entendimento da Suprema Corte quanto à aplicação da substituição processual de forma ampla e irrestrita, estampada no julgamento do RE 772719 RS.

De igual forma, através do julgamento do RE 883642, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento sobre desnecessidade de autorização do trabalhador para execução de sentença pelo próprio Sindicato. O Ministro Ricardo Lewandowski fundamentou em sua decisão que “o artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal, estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da carreira que representam”. Segundo ele, essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. “Por se tratar de típica hipótese de  substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos”.

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Adicionalmente, anota-se que a SDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho proferiu decisão esclarecedora ao julgar o Processo RR-1477-08.2010.5.03.0064, de relatoria do ministro Augusto César Leite de Carvalho. Transcreve-se, por oportuno, notícia publicada no site daquela Corte:

“(Seg, 04 Mai 2015 07:50:00) A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso de embargos da Vale S/A contra decisão que reconheceu a legitimidade do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias dos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais (Sindfer) para ajuizar ação em nome de apenas um trabalhador, pleiteando direito à equiparação salarial.

A legitimidade foi reconhecida pela Terceira Turma do TST, que proveu recurso do Sindfer, por violação do artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal, e determinou o retorno do processo ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) para prosseguir no julgamento. A ação foi ajuizada pelo Sindfer, na qualidade de substituto processual, em benefício de um maquinista de viagem, que pretendia equiparação com colegas que exerciam a mesma função, com salários superiores.

A preliminar de ilegitimidade ativa do sindicato, suscitada pela Vale desde a contestação, foi rejeitada pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de João Monlevade (MG), mas acolhida pelo TRT-MG, que aplicou analogicamente o artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, que considera como interesses ou direitos individuais homogêneos "os decorrentes de origem comum". Para o TRT, o eventual direito do maquinista à equiparação não decorre da mesma origem, pois as atividades de cada trabalhador podem variar entre si e também com relação aos paradigmas. Com isso, declarou a ilegitimidade do Sindfer para extinguir o processo.

SDI-1

Com a decisão da Terceira Turma favorável ao Sindfer, a Vale interpôs embargos à SDI-1, reiterando a tese de ilegitimidade do Sindicato. Segundo a empresa, o fato de o sindicato agir em nome de apenas um trabalhador com pedido de equiparação com quatro paradigmas retiraria o caráter homogêneo do interesse, pois "o direito não repercute de forma uniforme na esfera patrimonial de vários trabalhadores".

O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho, observou que, de acordo com entendimento prevalecente no Supremo Tribunal Federal (STF), o artigo 8º, inciso III, da Constituição permite que os sindicatos atuem como substitutos de forma ampla, abrangendo todos os integrantes da categoria profissional que representam ("associados e não associados, grupos grandes, pequenos ou mesmo um único substituído").

Em seu voto, o ministro cita também precedentes do TST no mesmo sentido. "Não me filio à corrente que entende que a substituição processual somente poderá ocorrer nos casos de direitos individuais homogêneos definidos no Código de Defesa do Consumidor", afirmou. Por maioria, a SDI-1 seguiu o voto do relator e negou provimento aos embargos da Vale, vencido o ministro Márcio Eurico Amaro. (Lourdes Côrtes/CF)” (grifo nosso)

Cabe dizer que é mais benéfico aos trabalhadores ter seus direitos conquistados por intermédio da Substituição Processual do que exercer seus direitos de ação.

Até porque o aludido instituto tem sido grande aliado dos trabalhadores no sentido de resguardá-los da exposição que a ação individual em nome próprio acarreta.

Desse modo, uma vez violado determinado direito, o empregado (muitas vezes sem coragem de ajuizar ação em nome próprio e de assumir o risco do sofrimento de represálias) socorre-se no sindicato de sua categoria, o qual, valendo-se de sua prerrogativa constitucional, vai à frente em busca do direito do trabalhador. Se assim não o fizesse, maiores seriam os casos de direitos prescritos não pleiteados por temor de represália pelo empregado.

Destemido, o sindicato enfrenta o empregador violador de direitos, bate à porta do Estado, defende a categoria e, por fim, alcança a prestação jurisdicional. E a obtém não para si, mas para o trabalhador. Não como coadjuvante, mas como verdadeiro protagonista.

Assim, no que tange à finalidade da outorga de um instrumento de procuração, o artigo 2º do Projeto de Lei do Senado n. 77/2016 estaria perfeito, se incluísse em seu teor também o inciso IV do § 1º do art. 1º do próprio PLS.

Eis a beleza da substituição processual: atuação sindical de forma ilimitada e irrestrita, não fazendo diferenciação entre a busca do direito de um trabalhador ou de milhares deles.

 

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Sobre a autora
Karoline Monteiro

Advogada Trabalhista. Coach formada pela Febracis. Proprietária da Advogue Ensino. Sócia do Escritório Boutique MONTEIRO AKL. Especialista em Advocacia Trabalhista pela LFG, com atuação especializada em ações de doença ocupacional e acidente de trabalho. Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Museo Social Argentino. Autora da Tese de Doutorado sobre Regulamentação da Substituição Processual na Justiça do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Karoline. Substituição processual e a exigência de outorga de procuração do Projeto de Lei do Senado n. 77/2016. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5515, 7 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68095. Acesso em: 28 mar. 2024.

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