Considerações sobre a Liberdade de imprensa e Direitos de Personalidade

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13/08/2018 às 15:18
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4 Conflitos

Verifica-se que o primeiro, o direito da imprensa livre, possui cunho coletivo, o direito da coletividade de ter notícias livres de qualquer censura, enquanto que o segundo possui características de garantias individuais do ser humano sendo, portanto, individual por natureza. Entretanto, um não exclui o outro havendo, em verdade, uma sinergia entre ambos.

No momento em que o ser humano é livre e tem direito à vida, à liberdade, à integridade física e psíquica, etc., a liberdade de imprensa pode ser sua aliada, pois no momento em que a pessoa tem acesso a notícias imparciais e livre de censura pode desenvolver com plenitude sua vida em todos os seus aspectos.

Por exemplo, quando é noticiado imparcialmente todos os efeitos e possíveis fatores favoráveis e desfavoráveis da comida com modificações genéticas dá oportunidade a pessoa decidir se utiliza ou não de tal alimento garantindo assim sua liberdade de escolha, sua saúde física, sua vida, enfim, objetivos do direito da personalidade.

Não obstante a isto, há momentos em que a liberdade da imprensa desmedida ultrapassa seus objetivos, maculando direitos da personalidade. A ferramenta da coletividade adentra e fere princípios garantidores do indivíduo como a privacidade, a honra, a imagem, etc. sendo necessário sobrepesar tais garantias e verificar qual prevalece.

Sobre tal conflito, Luis Martius Holanda Bezerra Júnior (2008, p. 2) afirma:

O exercício da liberdade de imprensa encontra, por vezes, dificuldades de convivência com alguns direitos da personalidade, principalmente quando se manifesta pela veiculação de informações que possam tangenciar a honra, a privacidade e a imagem do titular dos direitos supostamente vergastados, reclamando, em tais hipóteses de crise, solução judicial capaz de harmonizar e permitir a coexistência de dois valores com estatura constitucional, realizando-se a ponderação exigida no caso concreto, de modo a evitar que a proteção legada a um deles possa ser entendida como anulação do outro direito em apreciação.

Para isto, não é possível a análise abstrata e prévia no texto legal, no mundo teórico, e sim se deve adentrar na realidade fática e realizar a análise caso a caso. É necessário, pois, conformar o direito ao caso concreto e aferir qual o plexo de direitos deve prevalecer.

Em entrevista a revista Consulex (2002, p.12), o ministro Marco Aurélio Mello, à época presidente do STF, assim se pronunciou a respeito dos conflitos existentes entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade:

Não temos preceitos antagônicos na Constituição. A constituição é um sistema. Quando surge aparente conflito, temos é que interpretá-la, para se chegar a uma conclusão a respeito. Ou seja, uma garantia, um dispositivo, um direito, não exclui outros. O que ocorre é que temos no artigo 220, se não me engano, de uma forma categórica, a liberdade de expressão de uma forma peremptória, porque diz respeito ao próprio Estado democrático de Direito, tendo o legislador constituinte lançado que lei não poderá criar embaraço à divulgação de notícias e difusão de ideias. Este é um dispositivo. Um dispositivo voltado à manutenção de uma sociedade que se quer aberta. Um dispositivo que gera e tem acento no Direito público subjetivo do cidadão de ser informado. Daí a liberdade, liberdade de imprensa, a liberdade jornalística. No rol das garantias constitucionais constatamos, realmente, a busca da preservação da privacidade. Esta, se violada, há espaço para se buscar a indenização. Sobre a imprensa, de uma forma geral, podemos a priori exercer um controle? A resposta para mim é negativa. Os desvios devem ser combatidos em campo próprio que é o indenizatório. (com adaptações)

A ministra Nancy Andrighi, como relatora no Recurso Especial Nº 1.025.047 - SP (2008/0016673-2), em que se buscava indenização por danos morais, pois houve acusação falsa de paternidade extraconjugal a um político notório assim se pronunciou:

Com efeito, não se está a discutir, na hipótese, eventuais danos morais decorrentes da suposta invasão de privacidade do político a partir da publicação de reportagens sobre aspectos íntimos verdadeiros de sua vida, quando, então, teria integral pertinência a discussão relativa ao suposto abrandamento do campo de proteção à personalidade daquele. O objeto da ação é, ao contrário, a pretensão de condenação por danos morais em vista de uma alegação comprovadamente falsa, ou seja, de uma mentira perpetrada pelo réu, consubstanciada na atribuição errônea de paternidade – erro esse comprovado em ação declaratória já transitada em julgado.

O âmbito mais preciso da discussão, portanto, fica restrito à verificação da possibilidade de condenação do réu ao pagamento de compensação por danos morais em face a falsa atribuição que imputou ao autor, falso esse que possui, como é evidente, enorme potencial lesivo à imagem do político, pois existe amplo interesse público na obtenção de dados que possibilitem ao eleitorado a formação de um juízo de valor a respeito dos atributos morais do candidato; e, sem dúvida, a imputação aqui realizada não colabora para que tal juízo seja positivo.

Assim, muito embora se reconheça, em termos teóricos, o valor da tese esposada pelo acórdão, sua aplicação ao presente caso é inviável, pois a redução da esfera de proteção ao político não pode ir ao ponto de deixá-lo vulnerável a toda e qualquer ofensa, ainda que inverídica – o que, em último caso, impossibilitaria o próprio debate político, pois o eleitorado não teria mais como separar a verdade da falsidade e, em consequência, impossível seria formar um juízo qualquer sobre o caráter dos postulantes aos cargos públicos.

A citada ministra relatora deu provimento ao recurso fixando indenização por danos morais ao entendimento que tal imputação falsa ultrapassou a liberdade de imprensa e maculou o direito imagem e honra do citado político.

Já o acórdão recorrido entendia de maneira inversa da qual expomos in verbis: “Falsa imputação de paternidade – dano moral não configurado – redução espontânea dos limites da privacidade – conceito social inabalado – abalo emocional inexistente diante da qualidade de político experiente”.

Assim, é observável que em determinado momento a liberdade de imprensa prevalece no caso de uma reportagem verdadeira sobre a vida privada de um político notório, pois ao ser um homem público tem reduzido seu direito a vida privada, pois é de interesse do eleitorado conhecer a vida do homem que poderá votar. Entretanto, no momento que esta liberdade de informação ultrapassa a verdade e começa a ser realizadas imputações falsas sem esteio na realidade o direito da personalidade prevalece sendo devido à indenização neste caso, por uso indiscriminado, por exemplo, das “fake news”. Nesse sentido, a mesma ministra se pronunciou no Resp nº 801.249/SC:

em se tratando de questões políticas, é natural que haja críticas mútuas entre os adversários. Contudo, não há como se tolerar que essa crítica desvie para ofensas pessoais aos adversários políticos. Oexercício da crítica não pode ser usado como pretexto para atosirresponsáveis, porque isso pode implicar em mácula de difícil reparação à imagem de outras pessoas – o que é agravado para aquelas que têm pretensões políticas, que, para terem sucesso nas urnas, dependem da boa imagem pública perante seus eleitores, notadamente em cidades pequenas, onde todos se conhecem e os assuntos dessa natureza viram tema principal entre os moradores. As disputas políticas devem ocorrer sempre no campo ideológico, não no pessoal.

O dano moral é uma ferramenta de cunho indenizatório que serve para reparar e repelir novas ofensas a dignidade da pessoa humana (honra, imagem, nome, etc.), por exemplo, não devendo ser utilizado como uma verdadeiro “prêmio de loteria” que a pessoa “torce” para ser ofendida de qualquer forma para ser “contemplada” com uma indenização. Além disso, nem toda suposta ofensa dá ensejo à indenização, conforme se percebe no Resp 944.218:

DANO MORAL. DIVULGAÇÃO. FOTOS.

A Turma reconheceu a improcedência da ação de reparação de danos materiais e morais, reafirmando que a divulgação de fotografia sem autorização não gera, por si só, o dever de indenizar. Na hipótese, a exposição do recorrido deu-se em cartazes e folders publicitários que serviam apenas para divulgar jogos universitários. A sentença julgou improcedente o pedido, assinalando que o autor trabalhava no complexo desportivo da universidade com a função de atender aos alunos e ao público frequentador, além de ser responsável pela locação de canchas esportivas, assim, devia saber, com certa antecedência, de qualquer acontecimento a ser promovido e realizado no seu local de trabalho, mas o Tribunal a quo deu parcial provimento ao apelo, reconhecendo o dano moral. Para o Min. Relator, no contexto dos autos, não há o dever de indenizar por uso da imagem utilizada (em folders e cartazes) porque não trouxe ao autor qualquer dano à sua integridade física ou moral, além de que o recorrente não a utilizou com fins econômicos. Precedentes citados: AgRg no Ag 735.529-RS, DJ 11/12/2006, e REsp 622.872-RS, DJ 1º/8/2005. REsp 803.129-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 29/9/2009.

É observável, portanto que, às vezes na ânsia de uma indenização, as pessoas buscam qualquer motivo para ingressar com um pleito indenizatório sem lastro em real ofensa a sua moral.

Outro ponto de atrito entre os direitos em comento é o dano moral porventura existente contra o nome de pessoa jurídica e abalo a sua imagem.

Neste sentido, o STJ tem decidido pela possibilidade de tal defesa do nome e da sua imagem frente à coletividade. A ministra Nancy Andrighi, como relatora no Resp Nº 744.537 - RJ (2005/0066975-1) realizou pequeno levantamento de algumas decisões favoráveis a indenização por ofensa ao nome e a imagem da pessoa jurídica:

Os precedentes que se referem à compensação por ofensa à honra objetiva de pessoa jurídica, no STJ, dizem respeito, em sua quase totalidade, ao protesto indevido de títulos. Nesse sentido, o Resp nº 295.130/SP, 4ª Turma, rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 04.04.2005, no qual fixado o montante de 50 salários mínimos [equivalentes, nesta data, a R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais)]; no Resp nº 176.662/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 01.07.2004, estabeleceu-se o valor de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais); no Resp nº 538.687/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 29.03.2004, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Há, ainda, muitos outros muitos acórdãos que tratam de ofensa à honra objetiva de pessoas físicas ou jurídicas, mas quase sempre as violações são cometidas pelos meios de imprensa. A questão aqui versada, conforme já demonstrado, é substancialmente diversa. No Resp nº 575.696/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 16.05.2005, analisou-se hipótese onde candidato a prefeito (portanto, pessoa natural) teve seu nome veiculado, em panfletos de campanha eleitoral, a atos desabonadores. Neste precedente, a Turma entendeu por manter o valor da compensação pelos danos morais em R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), em face da ausência de demonstração de prejuízo à carreira política do candidato e da falta de repercussão da acusação na imprensa.

Na presente hipótese, verifica-se, contudo, que a apostila impressa pelos ora recorridos foi objeto de referência em discurso do Exmo. Sr. Deputado Federal Francisco Rodrigues, em sessão plenária de 09.03.2000 (fls. 252 e ss.). Assim, as afirmações desabonadoras à recorrente obtiveram repercussão em uma das Casas do Legislativo, e o discurso proferido em Plenário pelo i. Deputado foi reproduzido por alguns jornais, como afirmado pelos próprios réus em sua contestação (fls. 326). Por sua vez, no Resp nº 605.088/MT, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 03.10.2005, pessoa jurídica que foi injustamente autuada pela Fisco por sonegação fiscal e fraude, por culpa do banco que não efetuou corretamente o pagamento do tributo devido, teve seu abalo moral reconhecido e compensado no valor de R$ 90.000,00 (noventa mil reais).

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No caso em questão, determinada ONG teve seu nome envolvido em uma série de informações falsas e distorcidas que abalaram sua credibilidade frente a população. A citada ministra deu provimento ao recurso e condenou os réus ao pagamento de indenização a pessoa jurídica autora por danos morais.

Assim, é perceptível mais uma vez a importância da veracidade das informações transmitidas para afastar possível pleito indenizatório. Não se faz necessário a verdade absoluta e plena, mas sim indícios consistentes que possam comprovar o que fora dito. Além disso, faz-se importante permitir o direito de resposta, a exposição da opinião contraposta, o que torna plena a informação transmitida.

O então ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no Recurso Especial Nº 655.357 - SP (2004/0054517-2) negou indenização a magistrado que a pleiteava por reportagens efetuadas sobre sua atuação na vara da família e adolescente, em especial no quesito das decisões sobre adoção. O saudoso ministro entendeu que a reportagem se limitou a expor os fatos não afetando diretamente o magistrado. Privilegiou, neste caso, a liberdade de imprensa frente o direito da personalidade do autor da ação:

Em nosso país a liberdade de imprensa, como todos sabemos, está subordinada ao regime da reserva legal qualificada, o que quer dizer que se deve preservar sempre a dignidade da pessoa humana, a sua honra, a sua vida privada. O eixo da reserva legal qualificada está na necessidade de avaliar cada situação de modo a não sacrificar a liberdade de imprensa e não malferir os direitos da personalidade que são assegurados pela Constituição Federal.

Como assinalei alhures, a “proteção aos direitos da personalidade ganha uma dimensão muito especial nessa quadra da nossa vida, à medida que o sistema de comunicação social une a humanidade” . Em razão disso, “surge um ponto crítico, que é o balanceamento entre a proteção constitucional”.

...

No presente caso, trata-se de atuação do Juiz no tocante à defesa e proteção de menores, presente processo de adoção e de guarda. São decisões que necessariamente envolvem paixões e estão suscetíveis de inconformidade. Esse é o drama da judicatura que exige do Magistrado dizer o direito deixando uma das partes vencida. Quando tal ocorre e a parte substitui o direito de recurso pela manifestação pública por meio da imprensa, assume ela própria o risco de agredir a honra do Magistrado, que julga com sua consciência obedecendo ao que dispõe o direito positivo e a prova dos autos. A notícia da inconformidade realizada pela imprensa não escapa do âmbito da responsabilidade civil, podendo ser apenada civilmente se a matéria divulgada está em desconformidade com a realidade dos fatos ou se ajunta a esses fatos avaliação que foge ao padrão narrativo aceitável diante do princípio constitucional da liberdade de imprensa ou, ainda, se ficar comprovado que houve o ânimo de atingir a honra do autor.

Nesta busca por uma imprensa livre e livre de censura o STF se pronunciou contrário a dispositivos da lei de imprensa, de número 5250/67, norma esta editada antes da CF/88, conforme se verifica no ADPF 130 MC / DF:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. LEI Nº 5.250, DE 09 DE FEVEREIRO DE 1967 - LEI DE IMPRENSA. LIMINAR MONOCRATICAMENTE CONCEDIDA PELO RELATOR. REFERENDUM PELO TRIBUNAL PLENO. 1. Em que pese a ressalva do relator quanto à multifuncionalidade da ADPF e seu caráter subsidiário, há reiterados pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal pela aplicabilidade do instituto. 2. Princípio constitucional de maior densidade axiológica e mais elevada estatura sistêmica, a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da República Federativa brasileira. Democracia que, segundo a Constituição Federal, se apoia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do Poder, seja ele político, seja econômico, seja religioso (art. 220 da CF/88). 3. A Lei nº 5.250/67 não parece serviente do padrão de Democracia e de Imprensa que ressaiu das pranchetas da Assembleia Constituinte de 87/88. Entretanto, a suspensão total de sua eficácia acarreta prejuízos à própria liberdade de imprensa. Necessidade, portanto, de leitura individualizada de todos os dispositivos da Lei nº 5.250/67. Procedimento, contudo, que a prudência impõe seja realizado quando do julgamento de mérito da ADPF. 4. Verificação, desde logo, de descompasso entre a Carta de 1988 e os seguintes dispositivos da Lei de Imprensa, a evidenciar a necessidade de concessão da cautelar requerida: a) a parte inicial do § 2º do art. 1º (a expressão "a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem"); b) íntegra do § 2º do art. 2º e dos arts. 3º, 4º, 5º, 6º e 65; c) parte final do art. 56 (o fraseado "e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa"); d) §§ 3º e 6º do art. 57; e) §§ 1º e 2º do art. 60 e a íntegra dos arts. 61, 62, 63 e 64; f) arts. 20, 21, 22 e 23; g) arts. 51 e 52. 5. A suspensão da eficácia dos referidos dispositivos, por 180 dias (parágrafo único do art. 21 da Lei nº 9.868/99, por analogia), não impede o curso regular dos processos neles fundamentados, aplicando-se-lhes, contudo, as normas da legislação comum, notadamente, o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal. 6. Medida liminar parcialmente deferida.

Em outra decisão do STJ, datada de 2006, tendo como relator o ministro Jorge Scartezzini, o processo de número 818.764 - ES (2006/0028021-9), em que revista de grande circulação divulgou lista contendo nomes de pessoas investigadas pela Polícia Federal, concluiu pela procedência da indenização.

Inicialmente, cumpre examinar a questão referente à conduta do ora recorrente ao divulgar, por meio de veículo de comunicação de massa, reportagem contendo lista de investigados pela Polícia Federal e pela Comissão Parlamentar de Inquérito, com base em relatório elaborado pela Procuradoria-Geral da República, em ofensa à honra do ora recorrido, configurando-se, por conseguinte, o dano moral, e impondo-se, por consequência, a sua reparação.

A discussão em espeque envolve dois direitos fundamentais de relevância ímpar no ordenamento jurídico pátrio: a liberdade de informação ou de comunicação e a tutela dos direitos da personalidade, entre os quais se destacam a honra, a imagem e a vida privada. Verificando-se que ambos foram albergados pelo texto constitucional, constando eles, aliás, do título que trata dos direitos e garantias fundamentais, tem-se que a solução se encontra no equilíbrio entre os referidos valores, de maneira que a preponderância de um dos direitos ou princípios diante das particularidades de uma situação concreta não resulta na invalidade ou exclusão do outro, mas de mera mitigação pontual do princípio contraposto.

É certo que a atividade jornalística deve ser livre para exercer, de fato, seu mister, qual seja, informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, ajudando a formar opiniões críticas, em observância ao princípio constitucional consagrador do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF/88); contudo, o direito de informação não é absoluto, devendo os profissionais da mídia se acautelar com vistas a impedir a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).

Neste caso, verifica-se que a revista não publicou inverdades, tendo respaldo em investigação policial, razão pela qual não haveria, a princípio, ofensa a honra de qualquer que seja sendo incabível pleito indenizatório.

Diferente, por exemplo, das reportagens tidas como investigativas ou programas de apelo ao sensacionalismo e ao exagero, que prestam um desserviço público ao deturpar a verdade ou humilhar a pessoa “investigada”. É possível perceber diversos programas na televisão nacional deste tipo que, por exemplo, no intuito de cobrir eventual furto de uma loja com o meliante capturado pela polícia põe a imagem do infrator na televisão e o apresentador começa a humilhá-lo, ofendê-lo com palavras de baixo escalão realizando verdadeiro julgamento popular prévio do criminoso levando-o, de antemão, a ser repudiado pela sociedade. Neste caso, a liberdade de imprensa ultrapassou as balizas da razoabilidade e maculou o direito da personalidade do indivíduo sendo devido indenização por danos morais.

Exemplificando os limites do direito de informar, segue abaixo trecho do relatório no Resp Nº 719.592 - AL (2005/0011894-5), relator JORGE SCARTEZZINI:

O douto Juízo a quo reconheceu o dolo da conduta dos réus que, noticiando inquérito policial relativo a prostituição infanto-juvenil envolvendo autoridades da cidade de Porto Calvo/AL, não opuseram exceção da verdade, imputando falsamente aos investigados a prática de crimes, execrando-os publicamente, bem como excederam o animus narrandi , veiculando fatos de forma distorcida, ao apelidar os acusados de "tarados" e "bestiais" , por "manterem relações sexuais com prostitutas de 12, 13 anos". (grifo nosso)

Observa-se que a utilização de tal linguajar não se coaduna com o dever de informar sendo depreciativo para a imagem dos acusados. O direito a defesa e ao contraditório não ficam enclausurados dentro do processo judicial, mas devem servir de parâmetro para todo tipo de acusação contra outrem.

No mesmo sentido, esta busca por ponderar os princípios e garantias expostas na carta magna é labuta diária nos tribunais superiores e a conclusão favorável ou desfavorável sobre determinada garantia perpassa pela análise fática como é observável em decisão unânime da quarta turma do STJ no Resp 713102 que ao analisar o direito a liberdade de impresa versus os direitos de personalidade decidiu pela prevalência deste último, pois, no caso, houve a falta de consistência da notícia, sem amparo em uma investigação séria, o que culminou no afastamento do direito da liberdade de imprensa e a imposição de uma indenização a parte envolvida fruto da violação do seus direitos de personalidade:

O jornal, ao reproduzir entrevista da ex-companheira de Falcão, teria ofendido a sua dignidade e a sua imagem. A matéria continha insinuações quanto a sua opção sexual, além de acusação de suposta prática de crime de sequestro do filho de ambos, bem como, salientando suposto caso de assédio sexual a uma telefonista da empresa para a qual trabalha. Em primeiro grau, a empresa foi condenada ao pagamento de valor equivalente a 50 salários-mínimos a título de indenização por danos morais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença, ao argumento de que, embora se tratando de matéria anteriormente publicada por outro periódico, a veiculação pelo jornal teria violado os direitos de personalidade do ex-jogador. No STJ, a empresa jornalística sustentou a legalidade de sua conduta ao republicar notícia anteriormente veiculada e que estaria no seu exercício regular do direito de informar. Para o relator, ministro Luís Felipe Salomão, o jornal, ao reproduzir a reportagem, não se desincumbiu do ônus de um mínimo de diligência investigativa, principalmente quando se verifica que o indicado sequestro do filho de Falcão foi, na realidade, o cumprimento, por um oficial de Paz da Seção de Apreensão de Crianças do Condado de Los Angeles (Califórnia), de uma ordem judicial de guarda conferida a ele pela Justiça brasileira e confirmada pela justiça americana. “Ao republicar as acusações da entrevistada, o jornal agiu no mínimo com culpa, sem ter o cuidado de checar ao menos um indício de plausibilidade daquelas declarações que imputam ao recorrido [Falcão] a prática de crime, que se verificou não ter ocorrido. Ao assim agir, difundindo a um maior número de pessoas a notícia, o órgão de imprensa acabou por ampliar o gravame à honra e à dignidade do autor”, afirmou o ministro.Segundo o relator, o jornal, embora seja obrigado a ter certeza plena dos fatos, como ocorre em juízo, deve buscar um mínimo de diligência investigativa, devendo ser considerada culposa a divulgação de informações uma vez que o veículo de comunicação agiu de forma irresponsável ou desidiosa.

Percebe-se que se houve eventual acusação em jornal, revista ou outro meio de comunicação é dever da mídia expor a versão do acusado e sua defesa nos mesmos termos que a acusação e com a mesma amplitude e cobertura jornalística, sob pena de ser responsabilizada. A notícia, portanto, para que não viole os direitos da personalidade, não pode ser mero boato, mas sim calcada na verdade dos fatos, ou pelo menos em indícios subsistentes, com utilidade ou interesse público no seu bojo garantindo, sobretudo, ao envolvido o direito de se opor a notícia e expor seu ponto de vista.

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Sobre o autor
Alexandre Santos Sampaio

Advogado. Mestre em Direito pela Uniceub - Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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