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A intercomunicação do direito penal nas esferas do processo disciplinar à luz das recentes decisões dos nossos tribunais

Resumo:


  • A sentença penal condenatória pode levar à perda do cargo público se a pena for privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano em crimes com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou superior a quatro anos nos demais casos.

  • As esferas penal e administrativa são independentes, mas em casos específicos, como na inexistência do fato ou negativa de autoria, a decisão penal pode influenciar a esfera administrativa, levando à absolvição do servidor.

  • Absolvição penal por insuficiência de provas não impede a aplicação de sanção administrativa, podendo haver a punição do servidor com base no resíduo administrativo, que são aspectos não abrangidos pela decisão penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O juízo penal absolveu o agente público. E aí? Será que essa absolvição gera necessariamente uma consequência na via administrativa? E quando há condenação?

Resumo: O objetivo do presente artigo é trazer à tona a discussão acerca da repercussão da sentença penal e seus reflexos no processo administrativo disciplinar, visualizando as posições consolidadas da atual jurisprudência, e, ao perceber divergência na matéria, indicamos a linha de raciocínio a ser adotada, em consonância com as mais recentes decisões do STJ e do STF.


1. Efeitos penais da condenação e seu reflexo em face do servidor

Para melhor compreender as responsabilidades a que os servidores públicos estão sujeitos, vale aqui abrir esse tópico para levantar a seguinte questão: se um servidor público comete crime comum, não funcional, e esse crime leva à privação de liberdade, qual é a relação dessa decisão da esfera penal para a administrativa?

A matéria está regulada, principalmente, no art. 92 do Código Penal, no seu inciso I, que dispõe o seguinte:

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I – a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Analisando-se a questão levantada, claro está que, se houver obtenção do sursis, o servidor não perderá o cargo. O problema ocorre quando há condenação e, neste caso, há que se considerar as duas alternativas previstas no mencionado inciso [[1]]. Sobre a questão em si, porém, logo em seguida, em destaque, serão feitas algumas ponderações sobre a repercussão da sentença penal na esfera administrativa.

Mas, até lá, particularidade oportuna a ser observada é que o servidor é responsável pelos seus atos de maneira subjetiva, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, e isso em relação a terceiros, bem como perante a Administração.

Então, a título exemplificativo, imagine-se que um computador foi quebrado pelo servidor, sendo que o aparelho valia R$ 3.000,00. Pode a Administração obrigar aquele servidor a aceitar o desconto na sua remuneração? A legislação brasileira prevê, em caso de dano ao erário, o desconto na remuneração do servidor?

Nesse caso, a Lei 8.112/90 tem uma norma permitindo o desconto em caso de dano ao erário (art. 45). Mas, esse desconto é obrigatório? E se o servidor não quiser que faça o desconto, ele pode se recusar? Esse ato é um ato autoexecutório ou não? Ele prescinde da anuência do Poder Judiciário para que possa ser concretizado?

Nesta situação, há quem defenda que o desconto, tratando-se de uma punição, não poderia ser feito sem o consentimento do servidor. Outros falam que é possível, tendo em vista que a lei autoriza esse desconto, tendo o servidor que aceitar.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o desconto não poderá ser feito se não houver consentimento do servidor (Informativo 336 do STF), mesmo porque as penalidades a serem aplicadas aos servidores públicos precisam estar previstas na lei.


2. A intercomunicação das esferas penal e administrativa

Enfocaremos, a seguir, algumas ponderações sobre os efeitos de uma decisão penal para o servidor público infrator, haja vista que as questões que a sentença envolve, merecendo ser aqui mais detalhadamente observadas.

Então, pela regra geral, diz a doutrina penal afirma que não há comunicação entre as instâncias, isto é, a regra geral é a independência entre as instâncias civil, penal e administrativa. Por isso, uma pessoa pode cometer uma infração e este ato ser considerado, ao mesmo tempo, uma infração no âmbito civil, no âmbito penal e no âmbito administrativo, e ser punida nestas três esferas, sem que isso se configure bis in idem, porque as instâncias são independentes entre si. Essa é a linha geral.

Sendo assim, as instâncias, em geral, são independentes, não havendo no direito brasileiro a preponderância de uma sobre a outra. No entanto, em dois casos específicos (inexistência do fato e negativa de autoria em assunto penal), o que será visto a seguir, haverá a prevalência da esfera penal sobre a da administrativa, fazendo com que a decisão judicial de absolvição prevaleça sobre as decisões das esferas cível e administrativa, se contrárias[2].

Entretanto, existem situações excepcionais, em que as instâncias podem se comunicar, e é isso que a doutrina às vezes aborda muito rapidamente, razão pela qual se vai focar um pouco mais o assunto, já começando por indagar o seguinte: como uma decisão penal vai influenciar uma decisão administrativa? Essa é a questão: quando vai haver intercomunicação entre as esferas penal e administrativa.

Para se obter a resposta, é preciso fazer a distinção que a doutrina faz, pois ela distingue, nesse caso, os crimes funcionais dos crimes não funcionais, ou seja, para a doutrina, quando se trata deste assunto, se a decisão penal vai influenciar na decisão administrativa, a primeira distinção que se tem que fazer é quanto ao crime que foi cometido. É saber se o crime foi cometido no exercício da função pública, se ele tem relação com a função pública (crime funcional), ou se ele foi cometido fora da função pública, na esfera privada do agente público (crime não funcional).

Essa primeira distinção é salutar, pois é óbvio que, se o crime for cometido no exercício da função pública, se o crime é funcional, portanto, aqui se tem necessariamente o ponto de interseção com a decisão administrativa. Já no crime não funcional a regra é não ter esse contato, embora eventualmente possa ter alguma influência na decisão da esfera administrativa, mas a regra, em princípio, é a não comunicação entre as instâncias, se o crime não tem nada a ver coma função pública exercida pelo agente no caso concreto.

Mas, sobre essa questão, a doutrina vai fazer algumas ponderações, e elas decorrem principalmente daquele art. 92 do Código Penal, já observado.

Então, com base nesse dispositivo penal, a doutrina vai começar dizendo o óbvio, isto é, só há duas possibilidades ao servidor infrator: condenação ou absolvição.

1ª possibilidade: condenação por crime funcional

Para levantar essa possibilidade, supõe-se que um agente público, no exercício da função pública, cometeu um crime funcional e foi condenado no processo penal. Na esfera administrativa, ele tem que ser condenado também? Sim, porque aqui a comunicação é obrigatória, e pela seguinte razão: no processo penal vigora a presunção de inocência e, para haver a condenação na esfera penal, essa presunção de inocência fica afastada, ou seja, a dúvida favorece o réu, no processo penal. Para que ele sofra uma condenação penal, o juízo tem que ter certeza, embora nunca seja uma certeza absoluta, mas uma certeza relativa sobre a infração, a materialidade e a autoria da infração.

Portanto, para estabelecer uma sanção penal, a análise dos fatos da autoria é muito mais profunda, muito mais detalhada, muito mais apurada. E, pior, na esfera penal, em regra, a simples culpa não gera a condenação, só se a lei for expressa nesse sentido, pois a forma culposa do delito tem de estar devidamente expressa na lei; a regra é para crime doloso. Se a lei for silente, não cabe o crime culposo; tem que ter dolo, em regra.

Já no processo administrativo, para uma sanção ser aplicada, basta uma culpa leve do agente e uma análise que não precisa ser tão profunda. Bastam indícios de violação à legalidade para aplicar ao agente público uma sanção administrativa. Aqui, então, não se aplicaria aquela necessária interpretação do processo penal, do princípio da dúvida favorecendo ao réu e de uma análise apurada de culpa grave ou dolo para aplicar a sanção. Se isso acontece, quem pode mais, pode menos. Assim, caso se tenha aplicado uma sanção penal, onde tem que ter uma investigação mais apurada e profunda dos fatos, com maior razão essa condenação penal vai gerar também uma condenação administrativa.

Aqui se tem, então, uma sanção administrativa aplicada no processo administrativo, após, é claro, ter sido respeitado o contraditório e a ampla defesa. É claro que a sanção pode variar, não quer dizer que o agente tenha que ser demitido, em princípio, do serviço. Pode ter sido aplicada uma outra sanção no processo administrativo – multa, advertência etc. –ou seja, vai variar de acordo com a gravidade do crime funcional.

Agora, o Código Penal traz um efeito da própria decisão penal, qual seja, não é um efeito automático. Na verdade, é um efeito que decorre do processo penal, mas só que ele não está expresso; é um efeito para ser colocado pelo juízo criminal. Então, se os efeitos da decisão não forem expressamente estabelecidos pela sentença, eles não são gerados automaticamente com a condenação.

Assim, quando o art. 92 determina que, se a condenação por crime funcional for a pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano (aqui, então, a sanção poderia ser um ano, certo?), a consequência administrativa é a demissão do servidor. É claro que esse efeito acessório da sentença penal, para existir, o juízo penal deve ter estabelecido expressamente na sentença condenatória. E isto é o que está expresso no Código Penal. Mas, o que importa é a regra geral: a condenação por crime funcional gera uma sanção administrativa, e esta pode variar. Agora, fato é que, se a condenação criminal for a pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano, a sanção administrativa já está definida pela lei: é a demissão. E não pode ser outra, porque a própria lei está estabelecendo que é a demissão, pois se trata de ato vinculado.

Mas, e se o juiz não fizer menção à perda do cargo ou função, expressamente, na sentença, quando a condenação é acima de um ano, a Administração pode abrir um Processo Administrativo Disciplinar para a exclusão do servidor? Pode e deve, porque o Código Penal traz a possibilidade da demissão administrativa obrigatória, e é o que parece prevalecer na sua literalidade. Porém, para que ela ocorra – os penalistas e os processualistas vão dizer isso de uma maneira geral –, o juízo criminal tem que estabelecer isso expressamente na sentença, isto é, o efeito deve estar expresso na sentença, pois, caso contrário, não será efeito necessário da condenação. Observe-se, contudo, que isso não retira o poder-dever da Administração de apurar irregularidades, na busca da verdade material, e se o crime é, na verdade, um fato funcional, uma infração funcional, e um crime funcional também gravíssimo, e foi aplicada aquela sanção no âmbito penal, a nosso ver, não haveria outra saída a não ser aplicar, no âmbito administrativo, a demissão. Mas é preciso análise do caso concreto para isso.

Então, ao que parece, a intenção do Código Penal foi mais ou menos a seguinte: “não importa a sanção em abstrato, o que importa é a sanção em concreto, a gravidade em concreto”. Só que, ao trazer a demissão, no caso de pena superior a um ano privativa de liberdade, porque o crime é grave, o administrador não é obrigado a esperar um ano para o servidor voltar ao serviço. Ele pode, portanto, analisando o caso concreto, demitir aquele agente, por conta da gravidade e do tempo que ele vai ficar fora.

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2ª possibilidade: absolvição

O juízo penal absolveu o agente público. E aí? Será que essa absolvição gera necessariamente uma consequência na via administrativa? Depende, porque aqui se deve fazer uma divisão, isto é, depende do motivo da absolvição. Então, o que a lei vai dizer? Se, na absolvição, o juízo penal diz que não houve o fato (negativa do fato – o fato não ocorreu) ou o agente público não foi o autor daquele fato (negativa de autoria), o que acontece na via administrativa? Absolvição necessária.

O raciocínio é parecido. Se, numa análise muito mais aprofundada, no processo judicial, o juízo criminal chega à conclusão de que o fato sequer ocorreu, não há conduta a ser sancionada, ou, se ele chega à conclusão de que o agente não foi o autor da infração, caso exista essa infração, ele não pode ser sancionado por uma infração que ele não cometeu. Na via administrativa, então, tem que se absolver esse agente e, por isso, nesse caso, existe também a vinculação da esfera administrativa à decisão penal.

Ora, mas o processo administrativo não é independente do processo judicial? E se, nesse caso concreto, já houve processo administrativo e, neste processo, o agente foi condenado? Aí, agora, o processo penal absolve o agente. O que acontece com aquela sanção administrativa? A sanção administrativa é anulada e o agente público vai ter direito a receber, em relação a sua remuneração, tudo aquilo que ele receberia no período, corrigido, com juros etc. Nesse caso, vincula-se necessariamente a esfera administrativa.

Agora, tem o fundamento da absolvição, e lá vigora a presunção de inocência. Supõe-se, então, que a absolvição se deu pela ausência de provas e, na dúvida, não se condenou aquele réu. Neste caso, o juízo penal não condenou o réu devido a ausência ou a insuficiência de provas, dizendo o seguinte: a dúvida favorece o réu e, para eu condená-lo, tenho que ter uma certeza em relação à autoria e à materialidade, mas não tenho essa certeza, estou na dúvida, vou então absolvê-lo.

E, neste caso, não se aplicando a pena na esfera penal, pode a esfera administrativa aplicar uma sanção? Pode, e sem problema nenhum, sendo aí que entra a independência entre as instâncias, como naquele caso relatado do ex-servidor policial. É claro que a sanção vai trazer vinculação de acordo com o que a lei estabeleceu. Agora, tirando o efeito automático, só se estiver expresso na sentença penal, mas isso não impede que, na esfera administrativa, seja instaurado o processo administrativo para aplicar a sanção.

Bem oportuno, então, é esse caso, que é chamado de resíduo administrativo, o que já mencionamos acima, que costuma cair muito em prova, vale lembrar, havendo até uma súmula do STF, a Súmula 18, cujo teor é o seguinte: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.

Por esse teor, o sentido é o seguinte: aqueles fatos não geraram a aplicação de uma sanção penal porque não foram suficientes para se condenar. Mas, de qualquer forma, lá existe um resíduo, podendo a autoridade administrativa aplicar uma sanção, que é mais leve que a sanção penal para aqueles fatos, ou seja, existe aí um resíduo que pode ser sancionado, que pode ser analisado pelo agente público competente, pela autoridade competente, porque a avaliação judicial que foi feita não esgota o tema. Aqui, então, abre-se espaço para a análise pela autoridade administrativa, que pode aplicar uma sanção.

E para se aplicara sanção administrativa, o fato precisa ser típico? Em princípio, não. O simples fato de se ter algum fato atípico na esfera penal não impede a sanção administrativa. Vale aqui citar um caso que, inclusive, foi questão de prova para a Magistratura do Rio de Janeiro.

Murilo, carcereiro policial, e Marcílio, auxiliar de necropsia, ambos afastados de suas funções por razões disciplinares, com armas e carteiras apreendidas, abordaram em rua do centro da cidade, por volta das 23 horas, um cidadão angolano, que estaria em “atitude suspeita” junto a uma agência bancária. Conforme relataram os servidores, houve reação à abordagem, gerando luta corporal e disparo de tiros (as armas não eram registradas e suas numerações estavam raspadas) por parte de Murilo e Marcílio, o que culminou com a morte do estrangeiro. A autoridade administrativa instaurou sindicância para apuração dos fatos, a qual foi seguida pelo devido inquérito administrativo. A ampla defesa foi assegurada. Embora o relatório final opinasse pela suspensão, a Secretaria de Segurança Pública determinou a demissão (penalidade legal máxima), e fora sufragada pelo Governador, dada a gravidade dos fatos. Inconformados, ingressam os servidores demitidos no Judiciário. Arguindo vícios no processo administrativo disciplinar, requereram a anulação da demissão, a reintegração nos cargos, bem como verbas patrimoniais e morais. Aduzem que a ação penal relativa àquele fato sequer havia chegado a termo e que poderia ocorrer a absolvição naquela sede, sendo prematura a decisão administrativa.

Na prova, perguntava-se o seguinte: a) Pode o Judiciário sindicar a decisão administrativa?; b) Caso ocorra a absolvição em sede penal, a sentença surtirá efeitos sobre a decisão administrativa?; c) O que se entende por “resíduo administrativo”?;e d) Se a legislação que dispõe sobre as sanções aplicáveis for modificada no futuro, de forma a não mais apontar a demissão como sanção aplicável, poderá a decisão anterior ser revista?

Existentes e idôneos os motivos, tal como os fatos acima narrados, a severidade da sanção é matéria afeta, com exclusividade, à autoridade administrativa competente, que decidiu pela demissão dos servidores, com base nos fundamentos expendidos após regular processo disciplinar e no exercício legítimo de sua discrição.

A existência e a idoneidade dos motivos do ato administrativo são sindicáveis pelo controle judicial da legalidade, mas a aferição meritória lhe é defesa, salvo se entre os motivos e o conteúdo do ato houver disparidade de todo desarrazoada ou desproporcional, o que no caso não ocorre.

Servidores que, não obstante sua situação funcional – uma vez que já estavam suspensos por razões disciplinares –, usurpam função para a qual não estão autorizados, nem preparados, causam lesão a terceiro, envolvendo-se na prática de crime, revelam conduta efetivamente enquadrável no art. 52, VIII, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Rio de Janeiro, que autoriza a demissão diante de ineficiência comprovada, com caráter de habitualidade, no desempenho dos encargos de sua competência.

Ainda que a ação penal não haja chegado a termo ou que, chegando, venha a produzir a absolvição dos réus, a responsabilização funcional pode decorrer de resíduo administrativo inconfundível com a matéria penal. Isto significa que as jurisdições criminal e administrativa, embora autônomas, intercomunicam-se. A primeira repercutirá de modo absoluto na segunda quando a absolvição proclamar a inexistência da autoria ou a inexistência do fato. Diferente, porém, quando fundar-se em falta ou insuficiência de prova, cabendo à Administração, sem censura, analisar eventual resíduo administrativo. Ou seja, se a decisão penal absolver os servidores por insuficiência de provas quanto à autoria ou porque a prova não foi suficiente para a condenação (art. 386, IV e VI, do CPP), isto “não influirá na decisão administrativa se, além da conduta penal imputada, houver a configuração de ilícito administrativo naquilo que a doutrina denomina de conduta residual[3]”.

Essa orientação já está pacificada nos Tribunais, embora alguns profissionais ainda postulem a reintegração de servidores absolvidos na esfera criminal por insuficiência de provas, valendo observar a decisão do Egrégio STF:

“Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a que respondeu, não importa tal ocorrência a sua volta aos quadros do serviço público, se a absolvição se deu por insuficiência de provas, e o servidor foi regularmente submetido a inquérito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvição criminal só importaria anulação do ato demissório se tivesse ficado provado, na ação penal, a inexistência do fato, ou que o acusado não fora o autor”.

No caso em testilha, há resíduo administrativo bastante para arrimar o ato demissório, calcado no poder-dever da Administração, segundo critérios outros que não os do direito penal – exigentes da tipicidade estrita –, de avaliar se o crime praticado, nas circunstâncias em que o foi, incompatibilizava os acusados com os valores ético-funcionais que devem presidir a atuação do agente público. Cumpre assinalar que tal juízo é do mérito administrativo, vedado que o Judiciário substitua a autoridade administrativa para dizer se os indiciados deveriam ser suspensos ou demitidos. Basta verificar se houve motivos suficientes para embasar o ato pelo qual optou a autoridade administrativa competente, observado o devido processo legal.


NOTAS

  1. Nessa linha de inteligência, vale conferir, ainda, os ensinamentos do professor Diógenes Gasparini, que também são no sentido de que, se o servidor público for apenado criminalmente, ele “perderá parte do seu vencimento durante o afastamento por motivo de prisão preventiva ou em virtude de prisão decorrente de condenação definitiva, conforme disciplinavam os estatutos, e disso é exemplo o art. 229 da Lei nº 8.112/90, (...). Por fim, diga-se que, para efeitos penais, considera-se servidor público, nos termos do art. 327 e § 1º, aquele que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidade estatal, autárquica ou paraestatal”. GASPARINI, Diógenes. São Paulo: Saraiva, 13ª. Edição. cit., p. 227-228.

  2. A independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. Somente em face de negativa de autoria ou inexistência de fato, a sentença criminal produzirá efeitos na seara administrativa, sendo certo que a eventual extinção da punibilidade na seara criminal, pela suspensão condicional do processo, não obsta a aplicação da punição na esfera administrativa (STJ – RMS 18188/GO; Ministro Gilson Dipp – Quinta Turma). (grifo nosso).

  3. Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. Ed. São Paulo. São Paulo: Atlas, 2015, p.546.

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Sobre os autores
Amanda de Abreu Cerqueira Carneiro

Advogada/RJ – Jornalista – Pós-Graduada em Direito Público e em Direito do Trabalho/Processo do Trabalho/Previdenciário

José Maria Pinheiro Madeira

Mestre em Direito do Estado, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Doutor em Ciência Política e Administração Pública. Curso de pós-graduação no exterior. Procurador do Legislativo (aposentado). Parecerista na área do Direito Administrativo. Examinador de Concurso Público. Membro Integrante da Banca Examinadora de Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro de diversas associações de cultura jurídica, no Brasil e no exterior. Professor Emérito da Universidade da Filadélfia. Professor-palestrante da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ - Professor Coordenador de Direito Administrativo da Universidade Estácio de Sá. Professor da Fundação Getúlio Vargas. Professor integrante do Corpo Docente do Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo da Universidade Cândido Mendes, da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal Fluminense. Membro Titular do Instituto Ibero-Americano de Direito Público. Membro Efetivo do Instituto Internacional de Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARNEIRO, Amanda Abreu Cerqueira ; MADEIRA, José Maria Pinheiro. A intercomunicação do direito penal nas esferas do processo disciplinar à luz das recentes decisões dos nossos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5923, 19 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68509. Acesso em: 22 dez. 2024.

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