1 INTRODUÇÃO
O Estado Social de Direito, derivado do Estado Liberal, tomou para si a obrigação de suprir o maior número possível de necessidades da sociedade. Ao criar uma Constituição paternalista, como é o caso da Constituição da República de 1988, deixa de lado sua característica minimalista e abraça todo um complexo de deveres, de maneira que a sociedade passa a ter o direito de cobrar por sua efetivação e manutenção.
A conquista pelos direitos sociais não acabou na 3ª geração (ou dimensão, como preferem alguns doutrinadores)[1]. Muito pelo contrário. Quanto mais a sociedade evolui e se dá conta do poder e dos direitos que tem, sobretudo quando constitui estados com documentos escritos, como em constituições, exprimindo nessas cartas todos os seus anseios de Estado modelo, e documentando, de forma expressa, seu ideal de direitos e garantias, mais comprometido fica, devendo suprir esses anseios e tentar, ao máximo, disponibilizar tais exigências, em cada vez que é demandado.
Assim, ao longo da história da sociedade, o Estado tem ganhado mais poder e espaço na vida do cidadão, arrecadando quantias cada vez maiores através de tributos, como forma de angariar recursos para cumprir com seu papel no acordo social.
Ocorre que nem sempre sua forma de administrar esses valores deságua numa boa prestação de contas, e nem sempre os cidadãos ficam satisfeitos, principalmente quando, ao precisarem exercer direitos garantidos na Constituição, se deparam com um discurso do tipo ‘não há verbas bastantes’.
Não parece razoável, ao cidadão de boa índole, trabalhador, pagador de tributos, ter que demandar contra o Estado, através do Poder Judiciário, para requerer acesso a direitos básicos como educação, saúde ou segurança. Pior ainda, quando o argumento do Estado para a não efetivação e disponibilização de tais direitos se baseia na Reserva do Possível.
Como pode o Estado não prover itens básicos, garantidos expressamente na Constituição, para o cidadão que paga suas contas e mantém sua estrutura e funcionamento?
Como pode o Estado não dar prioridade à qualidade da educação, capacidade hospitalar ou segurança pública preventiva, quando foi para dispor de serviços como esses, dentre outros, que fora instituído e para os quais lhe fora outorgado poderes?
Como pode o Estado lançar mão de um recurso que lhe serviria de instrumento contra a própria sociedade, em caso de excessos, quando exigir dele mais do que lhe seria razoável conceder, dentro de sua capacidade e finalidade?
Com o presente estudo pretende-se mostrar que, no Brasil, o instituto tem sido mal utilizado, e servido como impedimento à implementação de direitos sociais, limitando seu conceito à questão de disponibilidade de recursos orçamentários, o que não condiz com sua verdadeira ideia.
Portanto, lançaremos um olhar um pouco mais perto deste instituto que, ao ser utilizado pela corte alemã, dizia respeito muito mais à razoabilidade das prestações exigidas, pela sociedade, do Estado, independentemente de haver recursos financeiros.
2 ABORDAGEM HISTÓRICA DA RESERVA DO POSSÍVEL (ORIGEM, CONTEXTO DE SURGIMENTO E ESSÊNCIA ORIGINAL)
O instituto da reserva do possível surgiu na Alemanha no bojo do processo BVerfGE[2] 33, 303, em que alguns cidadãos exigiam que se reservassem vagas em universidades que ofereciam o curso de medicina com base no artigo 12, I, da sua Lei Fundamental que dispunha o seguinte:
Todos os alemães têm o direito de livremente escolher profissão, local de trabalho e de formação profissional. O exercício profissional pode ser regulamentado por lei ou com base em lei.[3]
Ocorre que o Estado havia limitado as vagas para os cursos de medicina nas universidades de Hamburgo e Baviera, uma vez que haviam exaurido a capacidade de ensino para tal curso em razão da pouca quantidade de vagas existente (numerus clausus)[4].
Destarte, questionou-se esta restrição ao ensino superior diante do Tribunal Constitucional Federal Alemão, alegando ofensa ao artigo supramencionado, pois tratava-se de liberdade de escolha de carreira profissional, direito este bem amplo, na doutrina alemã, abrangendo mesmo a instituição de ensino a ser frequentada para que se possa alcançar a formação profissional.
Entendia-se que, à prática da profissão precedia a escolha do curso e da universidade a ser frequentada, de forma que a limitação do número de vagas interferia, mesmo que indiretamente, na escolha da profissão pelo candidato, que é decorrência direta do exercício de sua liberdade de escolha e da igualdade entre os cidadãos, princípios e direitos, estes, supedâneos do Estado Social de Direito.
Uma limitação de tal grandeza não afetaria apenas a escolha da instituição de ensino, mas acabaria por alterar o ideal de profissão para o candidato.
Ainda sim, o Tribunal entendeu por ser válida tal restrição, uma vez que os direitos sociais reivindicados do estado “se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade”[5].
Utilizando-se, portanto, da expressão reserva do possível, a Corte Constitucional sustentou a impossibilidade de se conceder ao indivíduo todo e qualquer pleito, pois há demandas cuja exigência do estado torna-se desarrazoada, ou, conforme termo empregado, não razoável[6].
Logo, percebe-se que a ideia inicial acerca do estudado instituto nada teve a ver com a questão de capacidade financeira do Estado. Sobre a limitação dos cofres públicos, ainda na mesma decisão, a Corte se pronunciou da seguinte maneira:
Fazer com que os recursos públicos só limitadamente disponíveis beneficiem apenas uma parte privilegiada da população, preterindo-se outros importantes interesses da coletividade, afrontaria justamente o mandamento de justiça social, que é concretizado no princípio da igualdade[7].
Portanto, os critérios utilizados para seleção e escolha dos candidatos são razoáveis e válidos, distribuindo chances iguais para todos que se mostrassem preparados e qualificados para o preenchimento das vagas. Assim, qualquer feito que saísse dessa linha iria contra a ideia de igualdade para todos, defendida, in limini, pelo Estado Social de Direito.
Daí, conclui-se que, a ideia da reserva do possível não está associada diretamente à capacidade fática de suprimento estatal em termos financeiros, e sim do que se pode exigir do Estado e da própria sociedade em termos racionais, cabendo a esta a determinação da razoabilidade das pretensões sendo, a reserva do possível, uma “espécie de limitação às pretensões do indivíduo em tema de direitos sociais de participação em benefícios estatais, com base em um critério de proporcionalidade”[8].
3 O ESTUDO DA RESERVA DO POSSÍVEL NO CENÁRIO JURÍDICO PÁTRIO
3.1 Derivação da aplicação do instituto
A partir da utilização, cada vez mais recorrente da teoria da reserva do possível pelo tribunal alemão, a ideia se difundiu para outros países, passando a ser, cada vez mais aplicada e estudada.
No Brasil, o instituto havia passado despercebido até os anos 90, embora tenha sido utilizada com timidez anteriormente, sendo relacionada apenas à ideia de limitação à prestabilidade social de direitos pelo estado[9].
É fato que a doutrina brasileira costuma importar termos e conceitos do direito comparado, porém, esta prática, muitas das vezes, não é realizada adequadamente, pois não se realiza a devida adequação do conceito à realidade jurídica e social existente no momento de sua aplicação.
No presente caso, não ocorreu diferente, uma vez que a utilidade do instituto pela Corte alemã se deu com base em razoabilidade de aplicação dos recursos em razão do que seria ou não factível, por parte do Estado, em face dos cidadãos, de forma que não houvesse sacrifício de outros serviços públicos.
Já no Brasil, observou-se o uso da reserva do possível como uma “tentativa de blindar o erário público da interferência do Poder Judiciário em relação à efetivação de direitos prestacionais”[10].
O que se iniciou, na Alemanha, com estudos voltados à proporcionalidade e razoabilidade da aplicação dos recursos do Estado bem como da efetivação dos direitos sociais, acabou por desaguar, no Brasil, de forma genérica, na “questão da disponibilidade de recursos, e para os custos dos direitos”[11].
Esta vertente do instituto tem sido mais utilizada em defesa de entes Federativos, desde municípios à União, para que o Estado possa, como se verá adiante, se furtar de suas obrigações, constituindo-se, a reserva do possível, em obstáculos para a efetivação dos direitos sociais, tidos como de 3ª dimensão (Ingo Sarlet[12]).
3.2 Conceituação doutrinária pátria
Passaremos à análise de alguns conceitos dados pela doutrina nacional à Reserva do Possível.
Para Ana Paula Barcelos, conceituada doutrinadora no ramo do direito público brasileiro, do estudo sobre a reserva do possível se extrai que, “além das discussões jurídicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado – e, em última análise, da sociedade, já que é esta que o sustenta - é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos[13]”.
Freire Jr., em sua dissertação de mestrado[14] defende que “a reserva do possível é um argumento que deve ser analisado e sopesado na hora da decisão judicial, não para impedir a fixação da responsabilidade estatal, mas para que seja construída uma forma de viabilização de uma Constituição compromissada com a dignidade da pessoa humana e com os direitos fundamentais”.
Por fim, no posicionamento da profª. Ana Carolina Olsen, “a reserva do possível deve ser trazida para o contexto sócio-político-econômico brasileiro: aqui, o Estado não faz tudo que está ao seu alcance para cumprir os mandamentos constitucionais. Muito pelo contrário, ele cria mecanismos para burlar as exigências dos direitos fundamentais prestacionais. É certo que a economia brasileira não pode ser comparada à alemã. Mas isso não afasta a obrigação de dotação orçamentária para o cumprimento dos mandados constitucionais[15]”.
Passa-se, portanto, à análise desses conceitos.
No entendimento da profª. Ana Paula Barcelos, é válido que se observe as limitações econômico-financeiras do Estado além de uma análise meramente jurídica, pois os cofres públicos são limitados, não podendo, portanto, o Estado, ainda que quisesse, suprir todas as demandas da sociedade.
Concordamos parcialmente com este conceito, tendo em vista que, embora possa haver situações em que a concessão de uma demanda exigida pela sociedade ou por um indivíduo extrapole os limites do possível dos cofres públicos, ou mesmo de mão de obra, sacrificando a prestação de outros serviços mais relevantes ou urgentes, ou que abranja uma parcela maior da sociedade, esta não é a realidade da aplicação recorrente de instituto, até por que, se fosse este o caso, acreditamos que sua utilização não seria tão combatida. Pelo contrário, ganharia força e suporte.
O prof. Freire Jr., por sua vez, entende o instituto apenas como um posicionamento, um argumento a ser analisado apenas na fase judicial, extraindo completamente seu caráter econômico, pois é assim que deve ser encarada uma constituição voltada ao suprimento das necessidades da sociedade que norteia.
Levando em conta as diferenças socioeconômicas entre Brasil e Alemanha, acreditamos ser mais condizente com a realidade social e jurídica brasileira, o posicionamento da profª. Dra. Ana Carolina Olsen, isso é, sem nos afastarmos muito da ideia apresentada pelo Tribunal Alemão, quando da aplicação do instituto, pois, na medida em que a Alemanha, no cumprimento de seu papel enquanto Estado Social, lança mão do instituto para negar ao cidadão tudo que está fora da ideia de razoável e proporcional para um Estado proporcionar aos seus administrados, gerando discrepância de tratamento, no Brasil, o instituto serve de argumento e escudo para que o Estado sequer disponha o que seria considerado o ‘mínimo existencial’.
No posicionamento ora defendido, o Estado tem como dever primevo disponibilizar recursos para suprimento dos pilares básicos para os quais fora criado, seja através de dotação orçamentária ou qualquer outro meio, para que se cumpra os mandados expressos constantes do Documento Maior.
- [16] explica que “na Alemanha os direitos fundamentais sociais de cunho prestacional são uma decorrência do princípio do Estado Social, e não se encontram expressamente positivados no texto da Lei Fundamental. Não é o que ocorre com a Constituição Federal do Brasil, que previu expressamente estes direitos como direitos fundamentais, e inclusive instituiu normas que balizam a alocação dos recursos necessários à implementação das prestações correspondentes”.
Assim, no caso brasileiro, existe uma obrigação constitucional expressa do Estado de destinar recursos para a satisfação dos direitos fundamentais sociais. Se esta alocação de recursos não se verifica nos termos da Constituição, em respeito aos parâmetros nela previstos, tem-se uma clara violação ao comando explícito de dispor determinada porcentagem do orçamento a despesas como educação, saúde, assistência social, previdência, etc.. Trata-se da violação a uma regra, em primeira análise, e, consequentemente, ao princípio instituidor do direito fundamental que seria realizado com aquela dotação orçamentária.
Para além destes padrões mínimos, existe um mandado constitucional subliminar, que embasa todos os direitos fundamentais sociais determinando sua efetivação, sua realização no plano social. Neste sentido, a reserva do possível age como uma restrição que deve ser ponderada: é razoável exigir do Estado um leito em hospital para tratamento de saúde, quando os hospitais públicos negam a internação por falta de vagas? É razoável alegar que não há possibilidade de internação deste paciente, pois o Estado não tem mais recursos para gastar com a saúde, embora gaste bilhões de reais todos os anos com o pagamento das dívidas públicas? É preciso ponderar os bens jurídicos em conflito, com todos os pormenores que a realidade pode fornecer e levar ao conhecimento do intérprete para aplicação do Direito.
Portanto, o presente trabalho defende que, ao Estado cabe, ao invés de lançar mão da reserva do possível sempre que lhe for exigido alguma prestação, alegando não ter recursos para efetivação de direitos sociais, priorizar a disponibilidade de orçamento para o cumprimento de tais demandas, pois, foi para suprir necessidades como essas que fora criado, inicialmente.
Assim, gastos com folhas de pagamentos, infraestrutura, propagandas governamentais, etc., deixam de consumir a maior porcentagem do orçamento do estatal, deixando de ser, também, escusa para que o Estado não cumpra seu principal papel, que é utilizar os poderes e recursos a ele concedido pelos contribuintes para gerir a vida em sociedade e proporcionar aos cidadãos saúde, educação e segurança, para dizer o mínimo.
O estudo da reserva do possível é rico e amplo, porém, como a proposta do presente trabalho não é exaurir o tema, nem apresentar um conceito diferente e inovador, passa-se, agora, à análise de alguns julgados dos tribunais superiores levando em consideração o instituto ora analisado.
3.3 O posicionamento dos tribunais diante do argumento da reserva do possível
Os tribunais são uníssonos na ideia de que direitos sociais são direitos de todos, e que o Estado deve investir em políticas públicas de implementação desses direitos. Ocorre que ainda pode ser visto uma ligeira timidez na hora de ponderar acerca da reserva do possível, quando utilizada, uma vez que esse instituto interfere em na tênue linha que separa os poderes do Estado.
A seguir, serão verificados alguns julgados, para que se possa ter uma referência do posicionamento das cortes superiores sobre o tema.
STF[17] – A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana.” (grifo nosso)
Em outro julgado[18], o Min. Celso de Mello já havia se pronunciado de forma semelhante, como se pode ler abaixo:
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. (grifos nosso)
Importante salientar que este julgado foi considerado um importante precedente para que o poder judiciário, aqui considerado na figura do STF, condenasse o Estado em ações que versavam sobre direitos sociais.
Segue julgado do STJ[19] que caminham no mesmo sentido:
(...) a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preteri-los em suas escolhas. (...)
11. Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social. No caso dos autos, não houve essa demonstração. (grifei)
Ocorre que, recentemente, os tribunais superiores têm dado mais atenção à questão orçamentária, daí o surgimento de julgados no sentido de corroborar o entendimento da doutrina nacional acerca da reserva do possível, voltada para o caráter de disponibilidade de recursos humanos e financeiros por parte do Estado.
O mesmo ministro Celso de Mello, responsável por julgados anteriores, que foram considerados precedentes para nortear vários outros julgados esparsos nas cortes superiores ou nos tribunais estaduais, no julgamento da ADPF 45[20], surpreendeu ao se posicionar em favor da reserva do possível, a respeito do direito à saúde, ao dizer que “a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais (...) depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política”.
Tal consideração é um avanço, ainda que, em seguida, retire um pouco do peso de suas palavras ao frisar que o argumento não pode ser utilizado de forma desmedida e arbitrária.
E, por último, decisão do Ministro Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça, em 2005, em Suspensão de Liminar e de Sentença nº90-PA[21]:
Trata-se de “quantia extremamente vultosa necessária para a realização do transplante do autor da ação no exterior, US$300.000,00 (trezentos mil dólares), poderia beneficiar um sem-número de pacientes também necessitados de tratamento”. E, além disso, teve por “configurada a potencialidade lesiva à própria saúde pública e presente o efeito multiplicador, mormente porque aqui [STJ] já aportaram algumas ações iguais, circunstância que pode acarretar irreversível lesão ao Erário”.
Neste último exemplo, no entanto, o posicionamento da corte está mais ajustado à ideia inicial do instituto, uma vez que leva em consideração a proporcionalidade ao negar a concessão do benefício, pois entende não ser razoável (ideia que circunda a natureza do instituto, similar ao que pretendia a corte alemã, quando do julgamento de numerus clausus) que o estado pague um tratamento de valor tão alto, mormente no exterior, para apenas um cidadão, pois tal decisão causaria uma lesão ao Erário capaz de prejudicar outras centenas, ou mesmo milhares, de cidadãos igualmente enfermos.
Aqui, observa-se um posicionamento tendente para princípios como igualdade e isonomia, igualmente importantes para o funcionamento do Estado. Mas, ainda assim, não é um posicionamento pacificado na doutrina do STJ ou mesmo do STF, pois inúmeros outros julgados podem ser encontrados, no sentido de proporcionar, sim, ao cidadão moribundo, requerente, acesso a tratamentos e medicamentos raríssimos, de fácil acesso, muitas vezes só existentes no exterior.
Portanto, nota-se que ainda há divergências acerca do assunto, pois tratar da reserva do possível e do mínimo existencial esbarra em questões sensíveis como separação dos poderes, gestão do patrimônio público, disponibilidade de recursos, implementação de políticas públicas, programação orçamentária, etc.
Não há uma solidez no posicionamento do poder judiciário, em geral. Embora a doutrina seja majoritária no sentido de imprimir um caráter econômico mais presente na essência do instituto, os tribunais oscilam entre aceitar o argumento, quando apresentado pelo Estado, em situações em que se demonstra ser evidente a escusa deste em prestar serviços de caráter urgente e necessários ao bom convívio social; em outras, nega, em respeito ao direito à saúde, educação, previdência, exigindo do Estado a disponibilização destes recursos, pois se trata de mandamento constitucional, devendo ser, portanto, cumprido de plano. Estes são os posicionamentos mais comuns, embora, como demonstrado acima, se consiga extrair um ou outro julgado condizente com a sua aplicação no caso das universidades alemãs.