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Ação penal condicionada no delito de furto simples

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17/09/2018 às 13:45

Resumo:


  • O Direito Penal deve acompanhar a evolução da sociedade, e a processualização do crime de furto, que é recorrente na história humana, pode ser excessivamente punitiva e sobrecarregar o sistema judiciário.

  • A ação penal incondicionada para o crime de furto implica na obrigatoriedade de instauração de inquérito policial e ação penal pelo Ministério Público, mesmo contra a vontade da vítima, o que pode ser considerado uma repressão desproporcional ao infrator.

  • O anteprojeto do novo Código Penal brasileiro sugere a mudança da ação penal para furto simples de incondicionada para condicionada à representação da vítima, possibilitando que a sociedade jurídica reflita sobre um direito penal minimalista e mais eficiente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Capítulo 2 – O crime de furto, simples e qualificado

Certamente o crime de furto é um dos mais corriqueiros e comuns delitos tipificados em nosso ordenamento jurídico. Existe desde o princípio dos tempos e já figurava como mandamento cristão na tabula trazida por Moises durante o Sermão da Montanha.

Leis podem ser criadas, alteradas ou melhoradas, mas nunca deixará de existir a tipificação para o crime de furto. Código Penal algum, de qualquer parte do globo, deixa ou deixará de tipificar a subtração de coisa alheia móvel como crime.

O presente estudo irá se enveredar pela possibilidade de ação penal condicionada nos casos de furtos simples, conforme prevê o ante projeto do novo Código Penal. Todavia, antes de ingressar no cerne do presente trabalho, há necessidade de se fazer alguns apontamentos sobre o crime de furto, suas qualificadoras, detalhes e variantes.

Segundo o artigo 155 do Código Penal, o delito de furto corresponde à subtração patrimonial não violenta de coisa alheia móvel, para si ou para outrem. Resumidamente, o furto é a tomada de algo que não lhe pertence.

Tauã Lima Verdan Rangel define o furto como o

[...] assenhoramento da coisa com o escopo de dela se apoderar de modo definitivo. O núcleo do tipo é o verbo subtrair, que tem seu sentido atrelado ao ideário de tirar, tomar, sacar do poder de alguém coisa alheia móvel, compreendendo, inclusive, o apossamento à vista do possuidor ou proprietário. Ora, requer o núcleo do tipo uma conduta comissiva, sendo possível também a modalidade omissiva, quando o agente delituoso garantidos gozar da condição de garantidor. (RANGEL, 2012)

O artigo 155 do Código Penal vigente está descrito dessa forma:

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

  • com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
  • com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
  • com emprego de chave falsa;
  • mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (BRASIL, 2015)

No furto o objeto material é uma coisa alheia móvel, o que se entende por tudo que é passível de remoção do lugar original. É de pleno entendimento doutrinário que o furto é praticado em face de coisas que tenham valor econômico, isto é, a res furtiva deve ter valor comercial ou de troca. Em outras palavras, é necessário que o bem tomado tenha alguma utilidade para seu detentor.

Rogério Greco explica o que seriam as coisas alheias, passíveis de subtração, e, consequentemente poderiam, ou não, tipificar o artigo em comento:

“[...] não se configurará no delito de furto substração:

a) res nullius (coisa de ninguém, que jamais teve dono);

b) res derelicta (coisa abandona);e

c) res communeomnium (coisa de uso de todos)” (GRECO, 2011).

Por outro lado, o apoderamento de coisa perdida, res desperdicta, constitui crime de apropriação de coisa achada, previsto no artigo 169, parágrafo único do Código Penal. Isto é, o famoso ditado popular “achado não é roubado”, não é de todo real. Pode não ser roubado, na acepção jurídica da palavra, mas é fruto de crime penalmente tipificado.

Ainda na vertente popular, e buscando mostrar diferenciações típicas, muito se confunde o furto e o roubo. A principal diferença reside no emprego ou não da violência para a prática do caso. No roubo, há sempre o emprego da violência ou grave ameaça. É diante da identificação do emprego ou não da violência que se caracteriza a prática do roubo ou do furto.

O roubo, de acordo com Marcus Cláudio Acquaviva é

“[...]a subtração clandestina de coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou reduzindo-a a impotência para reagir [...]” (ACQUAVIVA,2009).

Outra distinção importante a ser apontada é entre o furto e a apropriação indébita. Nessa a vítima entrega uma posse desvigiada, voluntariamente, ao agente e esse resolve não mais devolver o bem ao possuidor. Exemplo basilar seria do autor que está lendo um livro na biblioteca e o coloca na bolsa, cometendo, dessa forma, o crime de furto, mas, se o retira normalmente do local, com autorização, e dolosamente não o devolve, comete apropriação indébita.

Há na doutrina a caracterização de diversos tipos de furto. Um exemplo disso é o furto famélico, ou por necessidade, que pelas palavras de Marcelo Domingues Roman é conceituado

[...] em tese, decorrência última da desesperadora expropriação do homem em relação aos meios de sua sobrevivência: em um sistema social que se configura como um universo de mercadorias em expansão, condicionado pela acumulação ilimitada, o furto por estado irredutível de necessidade parece não somente ser esperado como tolerado. (ROMAN, 2007:23)

Nessa modalidade de furto, o agente o pratica em estado de extrema penúria e, impelido pela fome, subtrai alimentos ou animais para nutrir-se. Não há crime pela excludente de estado de necessidade. Não se confunde com o furto de bagatela, que ocorre quando o bem subtraído é de valor sem importância. 

Há também o furto de uso, que é configurado pela apropriação de objeto para uso do indivíduo. Se o agente devolver à vítima o objeto furtado em iguais condições ao momento da subtração sem que a vítima tenha conhecimento não há a caracterização do furto. Todavia, caso a subtração venha a se consumar e o autor vier a se arrepende, devolvendo a res à vitima, responderá pelo crime de furto com pena reduzida de 1/3 a 2/3 em face do arrependimento posterior. Não há que se falar também em furto de uso quando o objeto é abandonado em lugar distante ou quando se danifica o bem ou quando o período de uso é muito longo.

Há também, no parágrafo primeiro do mencionado artigo, o furto noturno que acontece durante a noite, e, por isso, deve ser agravado em um terço. Esse fator de aumento de pena se aplica somente ao furto simples. Não se aplica também ao crime praticado na rua, em bares, ônibus, estabelecimentos comerciais, etc, somente em residências, desde que habitadas.

O chamado furto privilegiado, previsto no parágrafo segundo, ocorre quando o criminoso, primário, furta coisa de pequeno valor. Nesses casos o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuindo-a de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Vale ressaltar que a condenação anterior em contravenção não retira a primariedade. Para alguns deve também ter bons antecedentes. Considera-se de pequeno valor a coisa que não exceda a um salário mínimo.

No caso do furto privilegiado, apesar da lei dizer que o juiz "pode", é importante apontar que, uma vez presentes os requisitos, a aplicação do privilégio é obrigatória. Existem divergências acerca da possibilidade da aplicação do privilégio ao furto qualificado.

O terceiro parágrafo do artigo 155 do Código Penal prevê o furto de energia elétrica, quando o agente faz ligação clandestina na rede pública ou de terceiros para obter energia. A jurisprudência tem considerado o sêmen como forma de energia, energia genética.

Apesar do exemplo do sêmen, é de destaque que o ser humano não é coisa e, por isso, não pode ser objeto de furto. Entretanto, pernas postiças, dentaduras, perucas, etc, por serem objetos, podem ser furtados.

Todavia, a subtração de um cadáver ou parte dele tipifica o furto, desde que o corpo pertença a alguém e tenha destinação específica, como corpos pertencentes a faculdades ou laboratórios. Fora desses casos o crime será o de subtração de cadáver, previsto no artigo 211 do Código Penal.

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Por sua vez, a subtração de órgão de pessoa viva ou cadáver, para fins de transplante, constitui crime previsto no art. 14 da Lei 9.434/97.

Pode ser sujeito ativo no crime de furto qualquer pessoa exceto o dono da coisa. Se uma pessoa, por exemplo, empenha um objeto, invade o local em que ele está empenhado e o subtrai, não comete crime de furto, mas, sim, o delito do artigo 346 do Código Penal.

O credor que subtrai bem do devedor para saldar a dívida já vencida e não paga comete o crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 345 do Código Penal.

O funcionário público que subtrai bem público ou particular em se encontra sob a guarda ou sob custódia da Administração Pública, valendo-se de alguma facilidade proporcionada por seu cargo, comete crime de peculato-furto.

O furto de coisa comum acontece quando o agente subtrai coisa comum que foi removida furtivamente em prejuízo do condômino, co-herdeiro ou ainda do sócio.

Com bastante objetividade serão descritas as modalidades do furto qualificado, previstas no quarto parágrafo do tipo.

São qualificadoras a destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa. Consiste no arrombamento de trincos, portas, fechaduras, cofres, janelas, alarmes, que devem ser destruídos, não desarmados. Eventual desarme de alarmes pode ser enquadrado como destreza.

Cães de guarda não são considerados obstáculos. A morte do animal caracteriza crime de dano e não qualificadora. Da mesma forma a simples remoção de parafusos de janelas ou retirada de telhas não qualifica o crime.

É de nota que, se depois de consumado o crime de furto o agente destrói uma janela para sair, responderá pelo furto simples e pelo crime de dano em concurso material.

Para a caracterização da qualificadora exige-se a elaboração de perícia, pois, é crime que deixa vestígios. Se estes estiverem desaparecidos, a prova testemunhal poderá suprir a perícia.

O abuso de confiança é a amizade, parentesco, relação profissional. A mera relação empregatícia, por si só, não configura confiança. É necessário, para se qualificar, que o agente aproveite-se dessa confiança.

A fraude é o artifício, o meio enganoso, capaz de reduzir a vigilância da vítima, como o uso de disfarces ou falsificações. Visa diminuir a vigilância da vítima, retirando o bem desta sem que ela perceba. Diverge do estelionato, visto que, nesse, o objetivo é fazer a vitima incidir em erro para entregar espontaneamente a coisa.

A escalada, segundo a jurisprudência vem exigido, impinge, para caracterização da qualificadora, no uso de instrumentos, como cordas, escadas, ou, ao menos, a utilização de grande esforço, como saltar um muro alto, por exemplo. Até mesmo escavação de um túnel tipifica o delito qualificado.

A destreza é a habilidade física ou manual que permite ao agente executar a subtração sem que a vítima perceba. Aplica-se somente a qualificadora quando a vítima traz os objetos junto a si. Se a vítima percebe a conduta do agente, não tem lugar a qualificadora, há tentativa de furto simples, mas, se a conduta é vista por terceiro que impede a subtração, há tentativa de furto qualificado. Se a subtração é feita em pessoa que está dormindo ou embriagada, há furto simples.

A qualificadora do emprego de chave falsa tem alguns detalhes. Considera-se chave falsa a imitação da verdadeira, desde que feita sem autorização, ou qualquer instrumento, com ou sem forma de chave, como chaves de fenda ou tesouras. Prevalece a opinião de que não se aplica a qualificadora de chave falsa na "ligação direta", uma vez que, em regra, não há emprego de qualquer objeto, tão somente a conexão de fios de contato.

É aplicável a qualificadora do concurso de duas ou mais pessoas ainda que um dos envolvidos seja menor ou apenas um deles tenha sido identificado. Existe divergência se para a tipificação da qualificadora se ambas deveriam estar executando diretamente o delito.

Por fim, a qualificadora prevista no quinto parágrafo é a subtração de veículo que venha a ser transportado para outro Estado ou exterior. Se consuma quando o veículo transpõe a divisa de outro Estado. Se consumar o furto, mas não sair do Estado e for apanhado, responderá por furto simples. A tentativa somente é possível se o agente está próximo à divisa e é perseguido até que transponha o marco divisório, mas é preso sem ter conseguido a posse tranquila do bem. O reconhecimento da presente qualificadora afasta a incidência das demais por incompatibilidade.

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Sobre o autor
Endgel Rebouças

Delegado Regional de Polícia Civil de Minas Gerais desde 2006. Formado em Direito pelo Centro Universitário do Espírito Santo em 2003, onde também se pós graduou em Direito Civil no ano de 2005. Pós graduado ainda pela Unyleya em Direito Penal e Processual Penal no ano de 2018 e em Gestão em Segurança Pública em 2017.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REBOUÇAS, Endgel. Ação penal condicionada no delito de furto simples. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5556, 17 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68604. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado como exigência para conclusão do curso de pós graduação em Direito Penal e processual Penal pela Faculdade Unyleya

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