Resumo: Recorrente, constante e vivo é o Direito Penal. A sociedade evoluiu, devendo o ordenamento jurídico acompanhá-la. O crime de furto é uma constante na humanidade, acompanha sua história desde os primórdios. Sempre houve o furto e sempre haverá. Juntamente com o homicídio, é um dos crimes mais comuns em todo planeta. Todavia, a processualização do mencionado tipo penal, mediante ação pública incondicionada, traz implicações e acumulo laboral às polícias, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, bem como uma repressão excessiva ao infrator. É ideal do legislador, exposto no ante projeto do novo Código Penal, respeitar a vontade da vítima a facultar à mesma, mediante a representação, manifestar sua vontade de mover, ou não, o aparato punitivo estatal.
Palavras-chaves: ação penal – condicionada – furto – infração – patrimônio – violência.
Sumário: INTRODUÇÃO..JUSTIFICATIVA..OBJETIVOS. 1. Objetivo Geral. 2. Objetivos Específicos. METODOLOGIA. Capítulo 1 – Aspectos da Ação Penal. Capítulo 2 – O crime de furto, simples e qualificado. Capítulo 3 – A ação penal no crime de furto - hoje e no novo Código Penal. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..
INTRODUÇÃO
A problemática referente aos delitos contra o patrimônio, em especial o furto, sempre foi um obstáculo ao esperado convívio social pacífico, assim como ao desenvolvimento humano. É o sétimo mandamento do decálogo exposto por Moisés durante o Sermão da Montanha.
O Estado, por sua vez, visando coibir a autotutela, cria e promulga leis que buscam reger o comportamento dos indivíduos, limitando liberdades e penalizando aqueles que descumprem o que fora democrática, e legalmente, determinado.
Especificamente no caso do furto, qualificadoras, atenuantes a agravantes são tipificadas. Leis especiais tratam do assunto de forma específica e voltada para casos pontuais. A lei processual penal, hoje, entende como incondicionada a intervenção estatal no processamento dos delitos de furto, ainda que simples.
No caso do presente trabalho acadêmico, foi feito um levantamento doutrinário, comparado e estatístico a respeito do delito de furto simples e a sua possível processualização somente após a manifestação formal da vítima.
Mas algumas questões precisam ser levantadas. Seria prudente facultar à vítima o direito de representar contra o autor dos delitos de furto simples? Tal prerrogativa não seria prejudicial e alavancaria a criminalidade?
Não é o que entende o ante projeto do novo Código Penal.
Foi feito mão de dados reais obtidos durante o desenrolar de minha vida profissional, como delegado de polícia civil, pelas Comarcas de Rio Vermelho, Sabinópolis, São João Evangelista, Manhumirim e Guanhães, cidades do interior do Estado de Minas Gerais.
Destarte, o ponto de vista que se objetivou quando se digitou a primeira letra desta pesquisa, foi proporcionar aos interessados nas mais diversas áreas do conhecimento, um relato sucinto, porém, com toda dedicação e esforço disponível sobre esse tão controverso instituto do Direito Penal e Processual Penal. Desde maio de 2006, quando ingressei na Polícia Civil de Minas Gerais, centenas de milhares de ocorrências de furto me foram apresentadas. A imensidade de crimes, sem violência contra o patrimônio, foi um dos tópicos que me prendeu a atenção e acarretou uma dedicação especial, haja vista que, trabalhando em cidades do interior do Estado, nas delegacias regionais de Guanhães e Manhuaçu, mantive contato estreito com uma parte extremamente humilde e desassistida da população mineira, oportunidade em que pude constatar que a indiscutível maioria dos Inquéritos Policiais instaurados envolvia pessoas hipossuficientes e que acabavam sendo privadas de seus parcos bens devido à ação reprovável de terceiros, igualmente hipossuficientes.
O presente trabalho acadêmico se justifica pela necessidade da comunidade policial e acadêmica entender a problemática que envolve os conflitos sociais, em especial os delitos de furto, simples e qualificado, destacando o comportamento dos autores e das vítimas, os fatores que geram e agravam as ocorrências, bem como as possíveis soluções, em âmbito policial, social e administrativo, a serem adotadas para a resolução dos conflitos.
Com a elaboração do presente trabalho acadêmico, será possível, aos interessados da esfera policial, vislumbrar detalhes sobre o projeto do novo Código Penal, em especial a mudança do entendimento sobre a ação penal para processar os delitos de furto simples, isto é, de incondicionada para condicionada a representação.
Buscou-se durante a elaboração do texto demonstrar a atual banalização de se instaurar centenas de Inquéritos Policiais, infrutíferos, de furto simples sem autoria, quando, por vezes, sequer a vítima tem interesse no fato, simplesmente porque o crime se processa, hoje, mediante ação penal incondicionada.
No entanto, foi feita uma descrição detalhada onde se busca mostrar que a força policial hoje é escassa e limitada. Há necessidade de maior investimento estatal e um direcionamento de esforços, especialmente sociais, para que o avanço da criminalidade seja obstado.
Um dos principais espeques para a confecção desse texto foi o Código Penal e o ante projeto do novo Código Penal (PL 236/2012). Bem como a leitura de obras voltadas ao direito comparado que tratam do processamento do furto simples via ação penal condicionada à representação.
Igualmente foram feitos levantamentos em doutrinas da área do direito que tratam do tema, onde foi possível angariar preciosas informações sobre a aplicação do texto legal e os remédios jurídicos disponíveis para a repreensão do delito. Trabalhos e estudos de cunho social e cientifico, oriundos de Organizações Não Governamentais (ONGs) e congêneres internacionais também foram amplamente explorados, assim como publicações na rede mundial de computadores, que trouxeram elementos estatísticos e sociais para o enriquecimento do estudo.
Contudo, foram precipuamente as pesquisas empíricas, pessoais e profissionais que regeram a redação do trabalho, quando se buscou, sempre, adequar a realidade da população envolta em delitos contra o patrimônio com o trabalho da polícia judiciária, a atuação do Ministério Público e do Judiciário.
Capítulo 1 – Aspectos da Ação Penal
O direito e a leis surgiram como meio de garantir à sociedade a segurança de seus bens e uma convivência pacífica entre todas as pessoas, penalizando aqueles que não se adequarem às regras jurídicas. Nesse sentido, explica Tauã Lima Verdan Rangel:
“Onde está a sociedade, está o Direito, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém.” (RANGEL, 2012)
O mencionado “Direito”, exercido pelo Estado, visando evitar a autotutela, se faz mediante a ação penal, que corresponde a um direito do cidadão de pedir ao Estado que aplique a lei penal a determinado caso concreto, garantindo a tutela dos direitos protegidos pela legislação penal.
A ação penal pode ser classificada mediante o elemento subjetivo, podendo ser pública ou privada, sendo aquela promovida pelo Ministério Público e esta pela vítima. Tal classificação está prevista no artigo 100 do Código Penal:
Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.
§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.
§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
Júlio Fabbrini Mirabete (2009) assim define a Ação Penal:
Ação Penal é, conceitualmente, o jus persequendi, ou jus accusationis, a investidura do Estado no direito de ação,que significa a atuação correspondente ao exercício de um direito abstrato, qual seja, o direito à jurisdição.(MIRABETE; FABRINI, 2009:104)
O Estado tem a obrigação de exercitar o jus puniendi e assim restabelecer a ordem jurídica quando lhe é comunicada a ocorrência de um crime. Compete ao do Estado a propositura da ação, que nas palavras de Luis Regis Prado refere-se
[...]tanto no campo penal como no civil, pode ser conceituada como o direito público, subjetivo, determinado, autônomo, especifico e abstrato de invocar o Estado-Juiz a aplicação do direito objetivo a um caso concreto, vale dizer, a prestação jurisdicional. (PRADO, 2010:686)
A tutela estatal é, portanto, um direito assegurado na Constituição Federal, sendo um instituto fracionado em outras espécies cujo intuito é atender o jus persequendi. Assim, a ação penal divide-se em ação penal pública, que pode ser condicionada ou incondicionada, e em ação penal privada.
A ação penal pública incondicionada tem como titular o Ministério Público, como prevê o artigo 129 da Constituição Federal:
“Art.129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. (BRASIL, 2015)
E ainda há esta previsão no Código de Processo Penal:
Art. 257. Ao Ministério Público cabe:
I- promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código [...]” (BRASIL,2015).
Diante disso, nota-se que cabe ao Ministério Público então determinar se vai oferecer denúncia, se serão necessárias diligências ou se ação deverá ser arquivada.
A regra do direito penal é que a ação penal seja pública incondicionada. As possibilidades variantes, condicionada ou privada, devem ser explicitadas.
Na ação penal incondicionada, uma vez comunicado ao Ministério Público, por regra via Inquérito Policial, a ocorrência de um crime processado mediante ação penal pública incondicionada, deverá o parquet oferecer a denúncia, se existente a materialidade e indícios suficientes de autoria.
Na ação penal pública condicionada à representação do ofendido, que é a base e objeto do presente estudo, o agente criminoso será processado se a vítima fizer representação perante a autoridade policial. Porém, após a representação do indivíduo lesado, a titularidade de ação recai sobre o Ministério Público.
Para haver a ação penal pública condicionada à representação do ofendido, é necessária a manifestação da vontade do mesmo para autorizar o Ministério Público a oferecer denúncia e assim instaurar a ação penal. Se não houver manifestação da vontade do ofendido em querer processar o ofensor não é possível iniciar qualquer processo. Desta forma a representação é necessária na ação penal pública condicionada para que se inicie o inquérito e o processo.
João de Mesquita Laux e Jorge Roberto Krieger esclarecem que
A importância da representação do ofendido como causa de procedibilidade vem de que, em certos casos, o crime afeta tão profundamente a esfera intima do individuo que a lei, a despeito de sua gravidade, respeita a vontade do ofendido, evitando assim a intimidade ferida pelo crime se torne ainda maior. É o chamado strepitusjudicii. (LAUX; KRIEGER, 2014)
A previsão legal da representação do ofendido se origina no fato de que o crime praticado afetou mais o interesse privado que o público, sendo mais salutar que a ação penal seja pública condicionada à representação.
Portanto, a representação se faz como condicionante à instauração de investigação. O ofendido pode requerer mediante sua representação que se faça uma investigação sobre o crime que sofreu, mas poderá também não fazer tal representação acarretando na impunidade do criminoso.
Fernando da Costa Tourinho Filho assim disserta acerca do tema:
O ofendido pode ter razões em não levar o fato ao conhecimento da justiça, preferindo não divulgar sua própria desgraça. O perigo do escândalo é mais temível que a própria impunidade do criminoso. O Estado, então, respeita a vontade do ofendido, deixando a propositura da ação penal ao seu critério, condicionando, desse modo, o seu poder repressivo: se o ofendido manifestar a vontade de punir o seu ofensor, estará satisfeita a condição, o órgão do Ministério Público iniciará a ação penal. Em uma palavra: nesses casos, o ofendido julga sobre a conveniência e oportunidade de provocar a instauração do processo. (TOURINHO FILHO, 2009)
A não representação do ofendido impede a colheita de provas e, consequentemente, a responsabilização do infrator. A lei atual exige a representação, por exemplo, para os crimes de furto de coisa comum assim como em casos de lesão corporal leve e culposa, perigo de contágio venéreo ameaça, violação de correspondência, divulgação de segredo, violação de segredo profissional.
A representação pode ser feita diretamente ao juiz, ao Ministério Público ou à polícia. Ela é facultativa, estando vinculada a critérios de conveniência e oportunidade do ofendido, é um ato de livre manifestação de vontade que pode ser prestada oralmente ou por escrito.
A manifestação da vontade da vítima ou de seu representante enseja a intenção de ver o infrator processado criminalmente e, é o essencial para que se dê prosseguimento à investigação do ato delituoso. Portanto, a simples manifestação oral do ofendido frente à autoridade policial já é o suficiente para que se instaure o inquérito policial e, se tal representação for feita frente à autoridade judicial, inicia-se o processo crime. Qualquer que seja a representação, para a autoridade policial ou judicial é suficiente e válida para que se busque a punição do ofensor.
É por meio da representação que o parquet assume o dominus litis e prossegue com a investigação criminal para processar o infrator.
A representação é irretratável depois que a ação penal se inicia, ou seja, uma vez que o ofendido autoriza o Ministério Público a instaurar processo criminal, cabe obediência ao princípio da indisponibilidade, assim caso deseje, o Ministério Público somente poderá pedir o arquivamento do caso, submetendo ao juiz as razões para tal fato, para que este julgue a possibilidade de arquivamento.
Passando a ação penal condicionada a ter como titular o Ministério Público. Este deve atuar de maneira igual aos casos de ação penal pública incondicionada. Assim a ação penal mediante representação do ofendido, ou ação penal pública condicionada à representação é regida pelos princípios da oficialidade, da obrigatoriedade, da indisponibilidade, da indivisibilidade e da intranscedência.
Segundo o princípio da oficialidade, o Ministério Público ingressa em juízo de ofício e deve promover a ação penal pública na forma da lei. O princípio da obrigatoriedade ou da legalidade trata da obrigação do Ministério Público a propor ação penal pública em prazo legal toda vez que houver elementos razoáveis que detectam a existência do crime e os indícios de autoria.
Há ainda o princípio da indisponibilidade, que se refere ao fato de que o Ministério Público não pode desistir da ação penal iniciada.
O princípio da indivisibilidade que trata da propositura da ação penal contra todos que cometeram a infração, não sendo permitido ao promotor escolher dentre os infratores quais serão denunciados.
E, por último, existe o princípio da intranscedência, que significa que somente aqueles que têm responsabilidade criminal é que devem figurar na ação penal. Em outras palavras, o processo-crime não poderá ser proposto contra quem tem somente obrigação civil originária do fato.
A ação penal privada, por sua vez, também conhecida como personalíssima, exclusiva ou subsidiária da pública, é movida pela vítima ou seu representante legal, e não pelo Ministério Público. Não se afasta o direito de punir do Estado, caberá ao particular tão somente escolher se aciona ou não o poder público.
Na ação penal privada subsidiária da pública, o particular, em um caso típico de ação penal pública, oferece a queixa em decorrência da inércia do Ministério Público, iniciando, então, a ação penal. O Ministério Público, diante de tal fato, pode aditar a denúncia subsidiária ou retomar a titularidade no caso de inércia do querelante.
A queixa-crime, da ação privada, assim como a representação na ação penal pública condicionada, é facultativa. Prevalece a vontade da vítima. Uma vez iniciada ação penal privada, ela pode ser disposta pela vítima livremente, seja pelo perdão ou pela perempção.
Todavia, os princípios da indivisibilidade e da intranscendência são comum aos da ação pública. O querelante não pode escolher qual ofensor quer processar. Deve redigir sua queixa-crime em face de todos os autores. O perdão a um, aproveita os outros.