I - OS FATOS
Juiz de Fora, lugar em que Bolsonaro foi esfaqueado, já apareceu outras vezes na história do Brasil.
Juiz de Fora tem histórico de conspirações políticas. Em 1964, abrigou as conversas dos conspiradores civis Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. Dali partiu o general Olympio Mourão Filho com sua tropa. Seguiram-se 21 anos de ditadura militar — reverenciada por Bolsonaro.
A vitimização do candidato do PSL terá efeitos eleitorais. Por enquanto, a única certeza é que a ponta da faca esgrimida por um aluado levou a campanha para um novo rumo imprevisível.
Temos presenciado nos últimos tempos radicalizações diversas de ambos os extremos em luta pelo poder. A caravana de Lula foi atingida por tiros, o acampamento em Curitiba, depois de sua prisão, foi atacado por adversários políticos. No outro extremo, Jair Bolsonaro, que cansou de estimular a população a se armar, e chegou a ensinar uma criança a atirar, acabou atingido por um radicalismo aparentemente de fundo religioso, uma novidade perversa na disputa política brasileira.
O debate político deixará de girar em torno das últimas tentativas vãs de Lula de concorrer à presidência da República e passará a se centralizar na situação física de Bolsonaro, que dificilmente terá condições de prosseguir na campanha eleitoral.
O atentado contra Bolsonaro é inaceitável. Numa democracia, as divergências devem ser resolvidas no debate de ideias e no voto. O discurso radical do deputado não justifica o uso da força contra ele.
Nunca se viu, pelo menos na história do Brasil recente, uma tentativa de homicídio, desta forma, contra um deputado federal, candidato a presidente da República que está na liderança das pesquisas.
No atual ambiente político nacional, em que crescem a irracionalidade, a intolerância e as fake news, é de desejar que o estúpido ataque a Bolsonaro não venha a fomentar, em especial entre seus entusiastas mais radicais, novas ondas de paranoia política.
A população deve renovar em seu repúdio ao ato um apreço pela tolerância, pela convivência e pela democracia que, apesar dos dissensos e paixões ideológicas, se consolidou e persiste no Brasil.
O ato criminoso contra Bolsonaro, que será vitimizado, atinge à democracia, forma de convivência, de frente, e pode abrir caminho para mais violência.
II - O INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL
O homem que esfaqueou o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), Adelio Bispo de Oliveira, foi transferido na manhã do dia 7 de setembro deste ano, da sede da Polícia Federal em Juiz de Fora para o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (CERESP), também no município mineiro.
Após o ataque, Adelio, de 40 anos, foi preso em flagrante por agentes da Polícia Federal e levado para a delegacia, onde assumiu o crime e disse que teria agido por contra própria e "em nome de Deus". Ele será indiciado com base na Lei de Segurança Nacional, segundo a PF.
Constatando a situação de dúvida sobre a sanidade mental do acusado, o juiz ordenará, de oficio, ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, do descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja ele submetido a exame médico-legal(artigo 149 do CP).
A instauração do incidente poderá ocorrer na fase do inquérito policial, a pedido da autoridade policial, artigo 149, parágrafo primeiro, do CP.
Instaurado, por portaria, o incidente é nomeado um curador e suspenso o processo, devendo as partes oferecer quesitos, ficando o perito com a obrigação de se manifestar em 48 horas.
A decisão que determina a instauração do incidente é irrecorrível.
Durante o cumprimento da pena, na fase da execução da sentença, advindo a inimputabilidade pode aplicar o artigo 183 da Lei de Execuções Penais, que determina que o juiz, de ofício, a pedido do MP ou da autoridade administrativa pode determinar a conversão da pena por medida de segurança.
Se durante o julgamento da ação penal, sobrevier insanidade mental do acusado, deverá o juiz suspender o processo, aguardando solução sobre sua doença.
Se houver necessidade de produção de atos urgentes, como a oitiva de testemunhas, haverá a realização do ato com a presença do curador.
Poderá o juiz, diante de insanidade superveniente, determinar internação, intervenção familiar, a tratamento psiquiátrico próprio.
III - A APLICAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL
A Lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional, foi promulgada pelo regime militar em 1983, com a justificativa de definir crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Portanto, um texto legal criado num regime de exceção, com o objetivo maior de proteger a ditadura que se instalou no país. Porém, essa norma não foi revogada e ainda se encontra em pleno vigor. Analisando seu conteúdo à luz de um Estado democrático de Direito, constitui-se certamente um entulho autoritário que permanece até nossos dias, embora, ao que parece, vinha sendo um tanto esquecida.
É certo que a lei de segurança nacional é plena de enunciados vazios, abertos, que podem levar à sua não efetividade.
A característica mais saliente e significativa da lei de segurança nacional é a do abandono da doutrina da segurança nacional.
No que concerne ao caso há uma conduta comissiva, tendo como elemento subjetivo o dolo específico. Trata-se de crime de ação múltipla.
Especificamente prescreve a Lei de Segurança Nacional com relação a crime cometido contra deputado federal o que segue:
Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
IV - A COMPETÊNCIA PARA INSTRUIR E JULGAR O FEITO
A competência para instruir e julgar o crime é da Justiça Federal, não só porque o crime envolve a segurança nacional, mas porque ainda a vítima do crime doloso foi um deputado federal.
Observe-se o artigo 109, IV, da Constituição Federal:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
O artigo 30 da Lei 7.170, de 1983, determina que compete à Justiça Militar julgar os crimes nele previstos.
Ocorre que a Constituição Federal, em seu artigo 124, estabelece que cabe à Justiça Militar “processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”.
Lembre-se que o artigo 30 da norma infraconstitucional referenciada não foi recepcionado pela Constituição de 1988, do que se lê do artigo 109, IV, onde se observa que cabe aos Juízes Federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
A matéria tem leading case no julgamento do Conflito de Competência 21.735, Relator Ministro José Dantas, DJ de 15 de junho de 1998, em que se entendeu que cabe à Justiça Federal e não a Justiça Estadual o processo e julgamento por crime contra a segurança nacional segundo a regra do artigo 109, IV, da Constituição Federal.
Aliás, o Superior Tribunal Militar, no julgamento do Conflito de Competência 2004.02.000316-1/DF, entendeu que a Lei de Segurança Nacional, em seus artigos 1º e 2º, adota, respectivamente, a teoria objetiva e subjetiva da proteção ao bem jurídico tutelado. Assim, todos os crimes descritos na Lei de Segurança Nacional são crimes políticos objetivamente considerados e devem ser processados e julgados perante a Justiça Federal, a teor do artigo 109, IV, da Constituição Federal.