A legalidade dos requisitos de segurança em instalações e serviços em eletricidade (NR 10 e normas técnicas correlatas)

A importancia do diálogo entre empresas e órgãos fiscalizadores

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11/09/2018 às 10:16
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As NRs (dentre elas, a NR 10) tem eficácia jurídica e, por isso, são de observância obrigatória pelas empresas, as quais tem no Termo de Ajustamento de Conduto (TAC) um instrumento capaz de conciliar a proteção ao trabalho humano e a higidez empresarial.

 “Ensinar a amar a vida, não desistir de lutar, renascer da derrota, renunciar às palavras e pensamentos negativos. Acreditar nos valores humanos e ser otimista.

Aprendi que mais vale tentar do que recuar... Antes acreditar que duvidar, o que vale na vida não é o ponto de partida e sim a nossa caminhada”.

Cora Coralina

RESUMO:A Norma Regulamentadora 10 (NR 10), que tem como tema a segurança em instalações e serviços em eletricidade, é uma das NRs instituídas pelo Ministério do Trabalho em Emprego, cuja aplicação objetiva a proteção do meio ambiente de trabalho equilibrado, um direito com status de direito humano fundamental. Contudo, sua aplicação revela-se problemática para os destinatários dessa Norma que configuram empresas implantadas antes do advento da NR 10, tendo em conta a complexidade da implementação de determinados requisitos dessa Norma. Essa situação, combinada ao fato de tratar-se de norma editada por órgão da Administração Pública e não pelo Legislativo, faz com que frequentemente o empresariado leigo questione a constitucionalidade da NR 10 (e das demais normas técnicas por ela referidas), arguindo sobre a força legal e o poder vinculante dessa norma. Em suma, a NR 10 é mera recomendação de boa prática, ficando sua aplicação sujeita à discricionariedade do destinatário, ou tem ela força de lei, obrigando seu destinatário à fiel observância das determinações nela inseridas? Este estudo se propõe a demonstrar que a NR 10 (e as demais NRs), por decorrerem do poder regulamentar conferido à Administração Pública por delegação normativa do legislador trabalhista, num fenômeno conhecido como deslegalização, é constitucional, e tem eficácia jurídica equivalente às das leis ordinárias, o que a torna de observância obrigatória pelo empregador. As NRs integram um rol de instrumentos que congrega as convenções da OIT, normas previstas na CLT, outras normas legais, além da própria Constituição da República, e que juntos definem o arcabouço normativo destinado à tutela do meio ambiente de trabalho. A função social da empresa revela-se o princípio harmonizador entre a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Vislumbra-se o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como o instrumento de maior eficácia para conciliar esses princípios, provendo agilidade e efetividade à NR 10 por aplica-la de forma consensual, com base na união de vontades do empresário e do agente público.

Palavras chaves: Normas regulamentadoras. NR 10. Poder regulamentar. Deslegalização. Função social da empresa. Termo de ajustamento de conduta. TAC.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.1 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL: A FUNÇÃO SOCIAL DO TRABALHO E A NECESSIDADE DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL.2 FONTES DO DIREITO DO TRABALHO: FORMAS (NORMAS) DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.2.1 CONSTITUIÇÃO.2.2 CONVENÇÕES DA OIT.2.3 NORMAS PREVISTAS NA CLT..2.4 NORMAS REGULAMENTADORAS (NRs)..2.5 OUTRAS NORMAS LEGAIS..3 A NATUREZA JURÍDICA DAS NRs: A CONSTITUCIONALIDADE DA NR 10 E OS ASPECTOS RELEVANTES DESSA NR..3.1 A NATUREZA JURÍDICA DAS NRs E O FENÔMENO DA DESLEGALIZAÇÃO..3.2 COMENTÁRIOS À NR 10.4 A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO ENTRE EMPRESAS E ÓRGÃOS FISCALIZADORES: A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA..4.1 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC)..5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS..


INTRODUÇÃO

De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL[1]), em 2014 foram registrados 55 óbitos decorrentes de acidentes de trabalho com trabalhadores de concessionárias ou permissionárias do setor de energia elétrica (ANEEL, 2015). Se contabilizados os acidentes com terceiros envolvendo a rede elétrica (por isso, não necessariamente considerados como acidentes de trabalho), o número de óbitos salta para espantosos 330 casos (ANEEL, 2015).

Essas estatísticas evidenciam os altos riscos inerentes às atividades com eletricidade e a importância de se estabelecerem procedimentos e medidas protetivas para tutelar a saúde e segurança dos trabalhadores que atuam nesse setor.

A tutela à saúde e segurança do trabalhador tem matiz constitucional; com efeito, o art. 7º da CR/88, ao tratar dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, estabelece em seu inciso XXII que a redução dos riscos envolvidos na atividade laboral é um desses direitos, redução essa que será implementada através de normas de saúde, higiene e segurança (BRASIL, 1988).

Nesse preceito constitucional o Capítulo V do Título II da CLT encontra respaldo para disciplinar uma vasta gama de aspectos relacionados à segurança e medicina do trabalho. E ainda atribui competência complementar ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para estabelecer normas específicas que considerem as características próprias de cada atividades ou ramo de trabalho (BRASIL, 1943).

Foi com base nessa competência complementar que o MTE instituiu as chamadas Normas Regulamentadoras (NRs), entre as quais a NR 10 (Segurança em instalações e serviços em eletricidade).

Os desdobramentos dos requisitos trazidos pela NR 10 se refletem na implantação de diversos procedimentos e ações que objetivam reduzir e controlar os riscos elétricos. É possível distinguir dois tipos de iniciativas, a saber: (a) aquelas relacionadas a metodologia/prática operacional a ser observada para o desenvolvimento das atividades; e (b) as relacionadas com as características e configuração/estrutura da própria instalação elétrica para a qual tais atividades serão executadas.

No primeiro grupo tem-se a realização de treinamentos para capacitação de profissionais e sua posterior habilitação/autorização; fornecimento de EPIs especiais; definição de rotinas e práticas operacionais; elaboração de plano de emergência para situações críticas; organização de documentação técnica (sempre atualizada) indicando a situação da instalação elétrica, dentre outras.

O segundo grupo de iniciativas envolve aspectos construtivos das edificações (subestações) que abrigam os sistemas elétricos e especificações técnicas dos equipamentos que configuram estes sistemas; as subestações devem contemplar distâncias mínimas entre os equipamentos para permitir a execução de atividades com segurança, propiciando rotas de fuga adequadas em caso de emergência, tudo devidamente sinalizado para orientação dos trabalhadores que ali atuam; os equipamentos (painéis e quadros elétricos), por sua vez, devem ser dotados de uma série de recursos e dispositivos que ofereçam segurança aos trabalhadores, permitindo que manobras de desligamento e religamento de circuitos sejam executadas sem riscos, e dotados de sistemas de proteção que atuem automaticamente em situações de emergência.

O atendimento aos requisitos estabelecidos pela NR 10 para as instalações surgidas a partir de sua publicação é praticamente uma decorrência natural do processo de concepção, devendo os estudos de viabilidade e projetos de engenharia desses novos empreendimentos contemplar as diretrizes ali definidas, bem como nas referidas normas técnicas.

Contudo, uma abordagem mais detida se faz necessária quando o caso em concreto envolve grandes instalações industriais em operação a longo tempo, concebidas e implantadas sob a égide de requisitos e normas técnicas anteriores. Adequar tais instalações aos novos requisitos da NR 10 não é tarefa simples, que além de invariavelmente envolver investimentos vultosos, demanda prazos que dificilmente se coadunariam com os exíguos prazos determinados a partir da data de publicação da NR 10 (todos já expirados!). Em determinados casos, a adequação revela-se até mesmo tecnicamente inviável.

Empreendimentos implantados em data contemporânea à publicação/revisão da NR 10 e cuja observância lhe seja aplicável, em geral com relativa tranquilidade, são colocados em produção com suas instalações e procedimentos já atendendo as exigências dessa NR, uma vez que tais requisitos são facilmente incorporados aos projetos de engenharia, e os sistemas são adquiridos e implantados em conformidade com o que determina essa NR. Ou seja, o empreendimento já “nasce” em conformidade com a Norma, com ações, investimentos e prazos para tal dentro de parâmetros gerenciáveis e devidamente contemplados no plano de implantação do empreendimento.

O que ocorre, contudo, é que esse cenário muda radicalmente quando a questão envolve a adequação de um empreendimento industrial já há muito em produção, ou seja, implantado em passado remoto em relação à publicação da NR 10 à qual a adequação lhe é exigível; em muitos casos, a tarefa de adequação se revela uma missão extremamente penosa e que envolve investimentos e prazos elásticos, estes últimos quase sempre incompatíveis com os prazos estabelecidos na Norma para a adequação das empresas. Não raro, a adequação de algumas das instalações existentes exige a ampliação das dimensões físicas de suas subestações, situação muitas vezes difícil de equacionar tendo em conta o intrincado e congestionadíssimo “lay out” dessas plantas industriais que não dispõem de espaço físico nas subestações e seus arredores.

Esse tipo de situação acaba por ensejar dúvidas por parte de empresários e profissionais da área técnica que, leigos nas questões jurídicas envolvidas, questionam sobre a efetiva obrigatoriedade de que instalações antigas, em produção há longo tempo, se adequem a NR 10 que foi concebida posteriormente, sendo assim submetidas a processos de “revitalização” para se ajustarem à nova Norma, e que impactam a produção da instalação durante o período de adequação, com consumo de orçamentos expressivos.

A argumentação quase sempre recorrente é de que “Afinal, quando foi implantada e iniciou suas operações, a instalação atendia a todas as legislações e normas exigíveis à época!!!”. Em outra via, questionam se tal NR e as normas técnicas que elas referenciam (notadamente, as normas da ABNT) tem força de lei a lhes exigir a fiel observância, sob risco de serem aplicadas sanções legais nas diversas esferas jurídicas decorrentes do seu descumprimento (ou que potencializem sua responsabilidade em caso de acidentes de trabalho ocorridos em instalações ainda não adequadas à NR 10).

Nesse contexto, mostra-se relevante estabelecer as bases da força legal da NR 10 e das normas técnicas da ABNT, e discutir a possibilidade de se estabelecer critérios para a adequação das diversas instalações às exigências dessa NR, tanto em relação aos prazos definidos para o atendimento à essas exigências, bem como através da consideração, no caso concreto, da efetiva necessidade do atendimento integral ao escopo da NR (neste último caso, definindo ações alternativas que possam produzir efeitos da mesma ordem, porém com menor impacto para a estrutura produtiva).

A abordagem dessa questão deve passar pela discussão acerca da obrigatoriedade de observância da NR 10, perquirindo sobre sua força jurídico-normativa para vincular seus destinatários, tendo em conta tratar-se de norma emanada pelo Poder Executivo (MTE); essa investigação deve estender-se às normas técnicas da ABNT, com o objetivo de igualmente discutir sua força legal e vinculante. Assumindo a hipótese de que a NR 10 e as normas da ABNT tem força de lei, o olhar se voltará para a possibilidade de se firmar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a autoridade trabalhista competente, em face da complexidade de adequação de instalações implantadas antes do advento da NR 10.

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Na medida em que se viabilizem mecanismos de adequação à NR 10, com o objetivo imediato de dar efetividade ao cumprimento dessa Norma, empreende-se de fato verdadeira ação de proteção para um meio ambiente do trabalho equilibrado, de extrema importância e interesse social, uma vez que os danos decorrentes dos acidentes de trabalho não penalizam somente a pessoa do acidentado e seus próximos, mas a sociedade como um todo.

Num primeiro lançar de olhos, como hipóteses que nortearão o desenvolvimento deste estudo, tem-se que:

a)    Um meio ambiente do trabalho equilibrado deve propiciar condições saudáveis e seguras para que o trabalhador desenvolva suas atividades laborais, livres de riscos que ameacem sua saúde e sua vida, e que lhe assegure bem estar e qualidade de vida;

b)    No considerável arcabouço normativo que configura o sistema protetivo para um meio ambiente do trabalho equilibrado, as NRs constituem importante ferramenta, alinhadas com o preceito estampado no art. 200, da CLT;

c)    Constata-se que as NRs são reconhecidas como autênticas normas jurídicas, dotadas de força vinculante (ou seja, estão longe de ser meras proposições programáticas). De fato, partindo da evidência inarredável de que as espécies normativas previstas no art. 59, CR/88 (os chamados dispositivos legais tradicionais), por sua natureza jurídica comum, possuem eficácia normativa e eficácia jurídica (logo, dotadas de força vinculante), e tendo em conta que as NRs têm natureza jurídica idêntica, o raciocínio dedutivo conduz à conclusão de que as NRs são igualmente dotadas de força vinculante (ou seja, são autênticas normas jurídicas, e, nessa condição, podem por si só, fundamentar decisões judiciais);

d)    Verifica-se a relevância da criação de um canal de diálogo entre os órgãos fiscalizadores do MTE e as empresas o qual, guiado pela razoabilidade e proporcionalidade, permita estabelecer uma relação de compromisso entre aspectos tão sensíveis para a sociedade (a saúde e vida do trabalhador e a oferta de empregos);

e)    A argumentação que defende a criação do canal de diálogo acima referido não esconde uma motivação de cunho meramente utilitarista, focada na maximização de lucros em detrimento da saúde e vida do trabalhador; ao contrário, é crescente no meio empresarial a consciência acerca da importância de um meio ambiente do trabalho equilibrado.

A proposta deste trabalho é abordar essa situação, partindo da constatação da natureza jurídica e força legal da NR 10 e procurando respostas para a seguinte questão: que mecanismos podem ser desenvolvidos pelos órgãos de fiscalização do trabalho e pelas empresas de modo a viabilizar a adequação à NR 10 das instalações industriais implantadas em época anterior à sua publicação?

Nessa linha, o primeiro capítulo busca apresentar o meio ambiente do trabalho como um direito humano fundamental, e na esteira dessa abordagem discute a importância social da tutela do meio ambiente do trabalho, contextualizando a relevância da necessidade de um meio ambiente do trabalho saudável na persecução da função social do trabalho.

O segundo capítulo tem por objetivo situar as NRs (entre as quais obviamente se insere a NR 10) como ferramentas para a proteção do meio ambiente do trabalho, abordando as diversas fontes do direito do trabalho para destacar as formas (normas) e mecanismos protetivos do meio ambiente do trabalho já contempladas no ordenamento jurídico.

O terceiro capítulo apresenta uma incursão pela “competência complementar” atribuída ao MTE para instituir as NRs, perquirindo inicialmente sobre a natureza jurídica das mesmas, para num segundo passo, centrando foco na NR 10, identificar a força legal desta NR bem como das normas técnicas da ABNT (e de outras organizações) referenciadas por ela. A visita aos principais aspectos da NR 10 complementa o capítulo, possibilitando uma visão geral da sua extensão e complexidade.

O quarto capítulo inicia ressaltando a importância do princípio constitucional da função social da empresa como ferramenta para a promoção do bem estar coletivo e justiça social. Sopesando esse princípio com o direito fundamental ao meio ambiente do trabalho equilibrado, é abordada a importância de estabelecer um canal de diálogo eficaz entre os órgãos de fiscalização do MTE e as empresas, para o desenvolvimento de mecanismos para a adequação à NR 10. A última seção do capítulo se ocupa da análise da aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade como balizadores do processo de busca desses mecanismos que permitam a adequação à NR 10 das instalações industriais anteriores à sua publicação, abordando-se especificamente os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).

Em seu quinto e último capítulo, o estudo traz considerações finais relacionadas à temática central deste trabalho, em face da inarredável necessidade de conciliar os princípios da iniciativa privada e da valorização do trabalho humano com as garantias imprescindíveis para a obtenção de um meio ambiente do trabalho equilibrado.

Busca-se, assim, lançar luz sobre a questão em torno da obrigatoriedade da observância das NRs e, principalmente, destacar a importância dos TACs como ferramenta para promoção da efetividade das normas protetivas do meio ambiente do trabalho (em particular, da NR 10), trazendo elementos que demonstrem que, na sistemática adotada na sua implementação e operacionalização (com ampla participação e acompanhamento dos órgãos fiscalizadores), ao invés de ferir, essa ferramenta privilegia e fortalece o equilíbrio do meio ambiente do trabalho, razão pela qual não há que se lhe atribuir a pecha de veículo de procrastinação de obrigações em favor da classe empresarial. É instituto que, na sua essência, privilegia a sociedade como um todo.

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Sobre o autor
José Manuel de Abreu Paulo

Advogado, Bacharel em Direito (2010) pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória), e Engenheiro Eletricista (1983) pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Adequar instalações industriais antigas, implantadas antes do advento da NR 10 não é tarefa simples, que além de invariavelmente envolver investimentos vultosos, demandam prazos que dificilmente se coadunariam com os exíguos prazos determinados a partir da data de publicação da NR 10. Essa situação suscita dúvidas por parte do empresariado que, leigo nas questões jurídicas envolvidas, questiona a efetiva obrigatoriedade de atendimento à NR 10.

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