A legalidade dos requisitos de segurança em instalações e serviços em eletricidade (NR 10 e normas técnicas correlatas)

A importancia do diálogo entre empresas e órgãos fiscalizadores

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11/09/2018 às 10:16
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1 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL: A FUNÇÃO SOCIAL DO TRABALHO E A NECESSIDADE DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL

Na abordagem que este estudo pretende desenvolver, a Norma Regulamentadora 10 (NR 10) é apresentada como ferramenta importante para a proteção da saúde e vida do profissional que trabalha com eletricidade. Juntamente com as demais Normas Regulamentadoras (NRs), e aliadas a diversos dispositivos legais, constituem o arcabouço jurídico que visa a proteção de um meio ambiente do trabalho equilibrado.

A lei que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.936/81), apresenta no inciso I de seu art. 3º[2] o conceito da expressão meio ambiente, exarado pelo legislador ambiental da seguinte forma: “[...] conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981, grifo nosso).

A referência cotidiana à essa expressão invariavelmente remete o senso comum a elementos como água, ar, solo, os quais, entretanto, estão relacionados a uma das dimensões desse conceito. Como pode ser inferido a partir da definição legal, o meio ambiente contempla não somente os elementos referidos, mas alcança também outros tais como edificações, locais de trabalho e até a cultura de um povo (ROLEMBERG; SILVA, 2012, p. 376).

De fato, conforme definido por Fiorillo (2012, p. 81-82), o meio ambiente do trabalho constitui

[...] o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc).

Trata-se de um conceito abrangente, que não fica restrito pura e simplesmente ao estabelecimento de trabalho em si, mas engloba tudo o quanto tem relação com a prestação da atividade laboral, indo desde as edificações, instalações elétricas e equipamentos de proteção individual (EPIs), passando pelas condições ambientais a que se encontra submetido o trabalhador (iluminação, temperatura, salubridade e periculosidade), e alcançando as medidas de prevenção ao desgaste e proteção do trabalhador (como jornadas de trabalho, intervalos, férias, dentre outros) (NASCIMENTO, 2011, p. 846). O meio ambiente do trabalho abrange assim toda a imensa gama de fatores com possibilidade de interferir na saúde física e psíquica, na segurança e no bem estar do trabalhador (ROLEMBERG; SILVA, 2012, p. 376).

Na classificação mais acolhida pelos tribunais, o meio ambiente pode ser dividido em quatro dimensões ou aspectos significativos: (i) meio ambiente natural, também comumente designado como meio ambiente físico, é o que de pronto é remetido pelo senso comum posto abranger os elementos da natureza (atmosfera, biosfera, águas, solo, subsolo, fauna, flora etc); (ii) meio ambiente artificial, que compreende todo o espaço edificado, seja ele urbano ou rural, constituindo um aspecto que busca referir “todos os espaços habitáveis” (sua natureza tem relação com o conceito de território); (iii) meio ambiente cultural, composto pelo patrimônio cultural brasileiro conforme previsto no art. 216[3] da CR/88; e, por fim, já caracterizado acima, o (iv) meio ambiente do trabalho (FIORILLO, 2012, p. 77-81).

Essa abrangência do conceito jurídico da expressão meio ambiente alcançando os locais de trabalho não deve causar espanto. E a razão para tal decorre de um elemento basilar da organização da sociedade brasileira e do Estado Democrático de Direito inaugurado a partir da CR/88 (conforme arts. 1º, III, e 3º, IV)[4], os quais estão centrados na dignidade da pessoa humana (EBERT, 2012, p. 1334).

De fato, em face de tal “centralidade”, decorre que

o conceito de meio ambiente assumido pelo ordenamento jurídico pátrio no art. 225, caput, da Carta Magna e no art. 3º da Lei n. 6.938/81 compreende a totalidade dos elementos materiais e imateriais que circundam os seres humanos e são essenciais para a manutenção de sua integridade física, bem como de sua qualidade de vida (EBERT, 2012, p. 1334).

Numa outra via, lembrando que a tutela da vida saudável é o objeto maior do direito ambiental (FIORILLO, 2012, p. 77), implica dizer que a Política Nacional de Meio Ambiente, por todo o seu arcabouço jurídico que a amolda, tem como centro o ser humano, e, assim,

[...] todas as ações implementadas nos espaços públicos e privados, artificiais e naturais, materiais e imateriais, deverão primar pela manutenção do equilíbrio necessário à integridade física e psíquica dos indivíduos, sem que nenhum outro interesse de qualquer natureza justifique o contrário (EBERT, 2012, p. 1334).

Essa amplitude do conceito jurídico de meio ambiente e a constatação de sua relação visceral com a dignidade humana dão fundamento a uma premissa insofismável: é inegável que o conteúdo desse conceito comporta também os locais de trabalho, onde se dispendem consideráveis parcelas de tempo na execução das atividades laborais (EBERT, 2012, p. 1334). Negar essa premissa seria o mesmo que admitir que a condição de trabalhador enseja para o indivíduo um demérito, uma condição de desvalor se confrontada com as demais condições de exercício da cidadania que a Politíca Nacional de Meio Ambiente busca proteger; em obras palavras, negar que os locais de trabalho integram o âmbito do meio ambiente equivaleria a afirmar que, na condição de trabalhador, o indíviduo “[...] teria um valor social menor do que aquele conferido à generalidade dos cidadãos em outros aspectos de sua vida pública ou privada [...]” (EBERT, 2012, p. 1334), configurando uma condição absolutamente esdrúxula.

Não estando os locais de trabalho contemplados no âmbito de incidência do conceito de meio ambiente, a base principiológica deste conceito não os alcançaria, e assim a tutela à qualidade de vida dos trabalhadores estaria obstada, numa verdadeira afronta ao que busca toda a legislação trabalhista (EBERT, 2012, p. 1334).

Fica patente que a inclusão dos locais de trabalho no campo de incidência do conceito jurídico de meio ambiente, estendendo a eles os efeitos dos seus princípios norteadores, é fundamental para impedir o comprometimento da integridade física e da própria vida dos trabalhadores (EBERT, 2012, p. 1334-1335).

Por essa razão, não devem restar dúvidas de que a Constituição da República, ao assegurar um “meio ambiente ecologicamente equilibrado” (na expressa dicção do caput do seu art. 225[5]), está tutelando igualmente o meio ambiente do trabalho, posto estar este inserido no meio ambiente como um todo, do qual constitui um dos seus quatro aspectos significativos (juntamente com os aspectos natural, artificial e cultural) (GARCIA, 2009, p. 57-58).

A essência dessa tutela constitucional centra-se na redução de riscos como forma de propiciar a manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado; por essa razão, a tutela ao meio ambiente do trabalho equilibrado tem natureza de direito fundamental (FAVA, 2009, p.104).

De fato, uma série de direitos trabalhistas que versam sobre segurança e medicina do trabalho (com destaque para o art. 7º, XXII[6]) estão encartados no capítulo da Constituição da República que traz os direitos sociais; tal capítulo, por sua vez, integra o Título II da Carta Magna que trata dos direitos e garantias fundamentais. Ora, o cerne axiológico dos direitos fundamentais é a dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da CR/88 (GARCIA, 2009, p. 56). Ou seja, existe um inexorável liame entre o meio ambiente do trabalho, a segurança e medicina do trabalho, e os direitos fundamentais (GARCIA, 2009, p. 56). Por essa razão, o meio ambiente do trabalho configura verdadeiro direito humano fundamental, tido como um direito fundamental de 3ª geração, e cujo núcleo essencial é a qualidade de vida do trabalhador; é um direito difuso, uma vez que assiste a toda a coletividade, e seus titulares, ainda que indeterminados, tem um comum a circunstância de serem parte em uma relação de trabalho (ROLEMBERG; SILVA, 2012, p. 377).

Assim também é o pensar de Melo (2008, p. 29) para quem o

Direito ambiental do trabalho constitui direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (art. 196 da CF/1988), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art. 225 da CF/1988. É difusa a sua natureza, ainda, porque as consequências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade, que paga a conta final.

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Ter uma vida digna é um direito que decorre de imediato do princípio da dignidade da pessoa humana, um direito que assiste a todo ser humano; vida digna também se traduz como qualidade de vida, e assim, ter uma vida digna é ter também qualidade de vida. O direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado assegura ao trabalhador uma vida saudável, numa outra volta, qualidade de vida. Reside aí o ponto de toque desse direito com a dignidade da pessoa humana, e que faz dele um direito fundamental tal como o expressivo rol dos demais direitos fundamentais constitucionais, todos eles axiologicamente permeados pelo princípio da dignidade da pessoa humana (ROLEMBERG; SILVA, 2012, p. 378).

A aura de direito fundamental faz com que o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado tenha também eficácia erga omnes, o que significa dizer que ele vincula os particulares nas relações que estes estabelecem entre si, como forma de assegurar que as liberdades de cada um sejam respeitadas pelos demais; nessa linha, ao tutelar a vida saudável do trabalhador, o meio ambiente do trabalho equilibrado exige que seja “[...] evitado todo e qualquer ato advindo de terceiros que venha a ser humilhante ou que de alguma maneira degrade a sua existência” (ROLEMBERG; SILVA, 2012, p. 378).

O trabalhador tem sua qualidade de vida degradada sempre que, preocupado exclusivamente em maximizar seus lucros, o empregador não atenta para aquele que de fato lhe proporciona ganhos e ganhos de produtividade, uma vez que nessas circunstâncias são comuns as cobranças desmedidas de resultados que se apoiam em metas irreais ou de extrema complexidade (ROLEMBERG; SILVA, 2012, p. 378-379).

Na lúcida abordagem de Rolemberg e Silva (2012, p. 379),

A despeito da concorrência empresarial, em mercado globalizado, o trabalhador deve ter garantido o direito à segurança e bem-estar no exercício da relação laboral. É certo que os direitos laborais não se restringem a aspectos pecuniários – a exemplo de salário, férias, horas extras, FGTS – alcançando também uma qualidade de vida digna no ambiente laboral.

[...] é comum observar no ambiente laboral a inobservância do direito a um meio ambiente fisicamente adequado, bem como de estratégias importantes para que se evitem doenças laborais.

O lucro e os recordes de produção não podem ser dar à custa do desrespeito ao direito do trabalhador à segurança e à saúde, à uma vida digna; a preocupação primeira do empregador deve ser a de “[...] assegurar que os trabalhadores se desenvolvam em um ambiente moral e rodeados da segurança e higiene próprias das condições e dignidade de que se revestem” (NASCIMENTO, 2005, p. 429).

Antes mesmo de pensar no aumento de sua lucratividade, o empregador tem obrigação de observar as normas de segurança e saúde do trabalhador, não podendo lhe causar nenhum dano; pois o valor do homem, o bem da vida, da integridade física e psíquica, é muito superior à simples produção material de bens em uma empresa. (ROLEMBERG; SILVA, 2012, p. 380).

A reforçar a importância de se proteger o meio ambiente do trabalho equilibrado há ainda a constatação de que o valor social do trabalho constitui-se num dos pilares do Estado Democrático de Direito, conforme estabelece o art. 1º, IV, da CR/88, e consagrado pelo caput do seu art. 170 como um dos fundamentos da ordem econômica (FAVA, 2009, p. 104).

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Sobre o autor
José Manuel de Abreu Paulo

Advogado, Bacharel em Direito (2010) pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória), e Engenheiro Eletricista (1983) pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Adequar instalações industriais antigas, implantadas antes do advento da NR 10 não é tarefa simples, que além de invariavelmente envolver investimentos vultosos, demandam prazos que dificilmente se coadunariam com os exíguos prazos determinados a partir da data de publicação da NR 10. Essa situação suscita dúvidas por parte do empresariado que, leigo nas questões jurídicas envolvidas, questiona a efetiva obrigatoriedade de atendimento à NR 10.

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