2 FONTES DO DIREITO DO TRABALHO: FORMAS (NORMAS) DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
Os parágrafos que se seguem buscam apresentar de maneira sucinta a estrutura normativa identificada no ordenamento jurídico brasileiro relacionada à segurança e saúde do trabalhador e à tutela do meio ambiente de trabalho (OLIVEIRA, 2007, p. 108).
É possível constatar que as NRs constituem apenas um dentre diversos outros instrumentos normativos direcionados para assegurar um meio ambiente do trabalho saudável; esse arcabouço normativo é de extrema importância para “[...] aferir se houve ou não violação de alguma das normas preventivas minuciosamente detalhadas na regulamentação do Ministério do Trabalho”, fornecendo subsídios para determinar a responsabilidade do empregador nos casos de acidentes do trabalho ou no desenvolvimento de doenças ocupacionais, bem como para determinar a efetividade do cumprimento do dever geral de cautela que lhe é exigível no caso concreto (OLIVEIRA, 2007, p. 108).
Por oportuno, numa perspectiva evolutiva, cumpre destacar que o foco inicial do binômio trabalho-saúde centrou-se na
[...] segurança do trabalhador, para afastar a agressão mais visível dos acidentes do trabalho; posteriormente, preocupou-se, também, com a medicina do trabalho para curar as doenças ocupacionais; em seguida, ampliou-se a pesquisa para a higiene industrial, visando a prevenir as doenças e garantir a saúde; mais tarde, o questionamento passou para a saúde do trabalhador, na busca do bem-estar físico, mental e social. Atualmente, em sintonia com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, expressamente adotado pela Constituição de 1988, pretende-se avançar além da saúde do trabalhador: busca-se a integração do trabalhador com o homem, o ser humano dignificado e satisfeito com a sua atividade, que tem vida dentro e fora do ambiente de trabalho, que pretende, enfim, qualidade de vida (OLIVEIRA, 2007, p. 110).
A seguir, faz-se uma abordagem das normas positivadas para proteção da saúde do trabalhador, disseminadas pelas diversas fontes do direito do trabalho.
2.1 CONSTITUIÇÃO
De plano, destaque-se que conforme consagrado em seu art. 1º, entre os fundamentos da CR/88 estão a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Do desdobramento desses fundamentos ao longo do texto constitucional chega-se aos arts. 170 (que preceitua que a ordem econômica deve estar ancorada na valorização do trabalho e na livre iniciativa), e 193 (que estabelece o primado do trabalho como base para a ordem social). É importante também não esquecer que tais comandos constitucionais, bem como todo o restante arcabouço normativo da CR/88 buscam concretizar, como um dos objetivos fundamentais da República Brasileira, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) (OLIVEIRA, 2007, p. 111).
A saúde como um direito de todos e dever do Estado vem estampada como princípio constitucional no art. 196; transposto para a seara do Direito do Trabalho, e interpretado sistematicamente a luz de toda a base principiológica constitucional, significa que “[...] a saúde é direito do trabalhador e dever do empregador” (OLIVEIRA, 2007, p. 111). Corroborando esse entendimento, vem o art. 7º, XXII da CR/88 à garantir a “[...] redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (BRASIL, 1988), este um dos direitos sociais encartados no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição.
Conforme análise muito pertinente de Oliveira (2007, p. 111, grifo do autor),
A segurança visa à integridade física do trabalhador e a higiene tem por objetivo o controle dos agentes do ambiente de trabalho para a manutenção da saúde no seu amplo sentido. Pela primeira vez, o texto da Constituição menciona “normas de saúde”, e, por isso, não pode ser relegada a segundo plano a amplitude do conceito de saúde, que abrange o bem-estar físico, mental e social. A conclusão que se impõe é que o empregador tem obrigação de promover a redução de todos os fatores (físicos, químicos, biológicos, fisiológicos, estressantes, psíquicos etc.) que afetam a saúde do empregado no ambiente de trabalho.
Da interpretação desse princípio da redução dos riscos, impera o entendimento de que o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) deve ser a última alternativa a ser abraçada pelo empregador, quando todos os demais meios conhecidos para extinguir o risco já tenham sido implementados, contudo, sem sucesso (OLIVEIRA, 2007, p. 111).
É importante atentar ainda para o preceito insculpido no § 2º do art. 5º, da CR/88, a saber “§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988), o qual abre as portas para que sejam recepcionados no ordenamento pátrio um repertório de outros direitos e garantias que, albergados na mesma base principiológica que permeia o texto constitucional, tutelem o meio ambiente do trabalho; não restam dúvidas que entre tais diplomas encontram-se as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas pelo Brasil (OLIVEIRA, 2007, p. 111).
Por fim, esse rol de princípios fundamentais aqui pontuados e “[...] entalhados no alto da hierarquia constitucional devem estar no ponto de partida de qualquer análise a respeito das normas de proteção à vida e à saúde dos trabalhadores” (OLIVEIRA, 2007, p. 111).
2.2 CONVENÇÕES DA OIT
A OIT tem como uma de suas vertentes a “[...] uniformização internacional do Direito do Trabalho [...]”, buscando estimular a “[...] evolução harmônica das normas de proteção ao trabalhador [...]”, para o que produziu ‘[...] diversas convenções relacionadas com a segurança, a saúde e o meio ambiente do trabalho [...]”, e ratificadas pelo Brasil (OLIVEIRA, 2007, p. 112).
Conforme anteriormente disposto, após ratificadas as convenções da OIT são incorporadas ao ordenamento jurídico; desse processo, novos dispositivos legais podem ser criados, assim como podem ser alterados ou revogados outras normas vigentes;
a aplicação de tais convenções é fiscalizada pela OIT, “[...] devendo o Estado-Membro remeter relatórios anuais e comunicações periódicas para acompanhamento” (OLIVEIRA, 2007, p. 112).
Apenas para citar alguns exemplos, questões de saúde, segurança e meio ambiente do trabalho, incluindo a indicação das respectivas medidas preventivas a serem adotadas pelo empregador, são o objeto das convenções nº 115 (proteção contra radiações ionizantes), nº 136 (proteção contra os riscos de intoxicação pelo benzeno), nª 139 (prevenção e controle de riscos profissionais causados por substâncias ou agentes cancerígenos), nº 162 (utilização do amianto com segurança), nº 170 (segurança no trabalho com produtos químicos), nº 171 (trabalho noturno), dentre outras, todas elas ratificadas pelo Brasil (OLIVEIRA, 2007, p. 113).
Outras três convenções se notabilizam em função de sua abrangência e importância, a saber, a Convenção nº 148 (contaminação do ar, ruído e vibrações), a Convenção nº 155 (segurança e saúde dos trabalhadores), e a Convenção nº 161 (serviços de saúde do trabalho) (OLIVEIRA, 2007, p. 113). Destaque-se, por oportuno, a Convenção nº 155, a qual pelo seu teor, atribui ao Estado-Membro dela signatário
[...] importantes compromissos perante a comunidade internacional, pois deverá instituir e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho. [...] seja pela via legal ou regulamentar, deverão ser adotadas as medidas necessárias para tornar efetivas as normas de proteção à segurança e saúde dos trabalhadores (OLIVEIRA, 2007, p. 113).
Além de propiciarem a criação, no ordenamento jurídico brasileiro, de inúmeras normas trabalhistas de relevância inquestionável, as convenções da OIT operam como fundamento da legalidade de uma vasta gama de regulamentos editados pelo Ministério do Trabalho e Emprego que tratam de saúde, segurança e meio ambiente do trabalho (OLIVEIRA, 2007, p. 114).
2.3 NORMAS PREVISTAS NA CLT
Conforme assevera Oliveira (2007, p. 115), “As normas que tratam da proteção à segurança e à saúde do trabalhador estão dispersas em diversos diplomas legais, abrangendo vários ramos do Direito, sem uma consolidação adequada, o que dificulta o seu conhecimento, consulta, aplicação e efetividade”.
Entre as leis ordinárias, é na CLT que se encontrará a principal fonte de tais normas, mais precisamente em seu Capítulo V (Da Segurança e da Medicina do Trabalho), Título II, abarcando os artigos 154 à 201. Na segunda reformulação desse capítulo, ocorrida por força da Lei nº 6.514/77, empregou-se a técnica legislativa de “[...] delegar competência normativa ao Ministério do Trabalho não só para regulamentar, mas também para complementar as normas do capítulo [...]”, condição essa expressamente indicada no caput do art. 200[7] desse capítulo; (OLIVEIRA, 2007, p. 115).
O mesmo Capítulo V alberga uma série de outros artigos que, ao contrário da delegação genérica do art. 200, contém delegações específicas conferindo ao MTE competência para elaboração de normas técnicas que regulamentem ou complementem as matérias disciplinas por tais artigos; são exemplos dessas delegações normativas os artigos 155, 162, 163, 168, 169, 174, 175, 178, 179, 182, 186, 187, 188, 190, 192, 193, 194, 195, 196 e 198 (OLIVEIRA, 2007, p. 116).
Oliveira (2007, p. 117) destaca com razão um outro artigo do Capítulo V; trata-se do art. 157[8], que na precisa síntese desse autor estipula em seus incisos I e II que cabe ao empregador
[...] tomar a iniciativa de criar uma cultura prevencionista, especialmente porque detém o poder diretivo e disciplinar, podendo até mesmo dispensar por justa causa o empregado que resiste ao cumprimento de suas determinações no campo de segurança e saúde no trabalho (art. 158).
A partir da competência que lhe foi atribuída pela delegação normativa supracitada, o MTE publicou a Portaria nº 3.214/78 através da qual foram instituídas as NRs que detalham as normas básicas do Capítulo V da CLT; de acordo com o ponto de vista de Oliveira (2007, p. 117), aquela portaria do MTE “[...] representa na prática a consolidação das normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores no Brasil”.
2.4 NORMAS REGULAMENTADORAS (NRs)
As NRs constituem uma sistematização das normas preventivas de saúde e segurança do trabalho, operada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que, legitimado pela delegação normativa do legislador trabalhista, as instituiu através da Portaria nº 3.214/78 (OLIVEIRA, 2007, p. 123).
Na elaboração dessa regulamentação, o MTE utilizou uma metodologia de segregação dos temas, editando normas individualizadas para cada assunto específico de interesse; tal estratégia propiciou maior flexibilidade e dinamismo ao processo de revisão das NRs, o qual pode se dar em função da necessidade conjuntural; é o que sustenta Gonçalves (2006, p. 31) quando afirma que
em decorrência da acelerada revolução tecnológica que tem desencadeado profundas mudanças na relação trabalho-capital, as normas regulamentadoras da proteção jurídica à segurança e saúde no trabalho encontram-se em contínuo processo de atualização e modernização, objetivando a melhoria das condições ambientais do trabalho, afinal de contas, é missão institucional do Estado velar pela saúde e integridade física de sua força produtiva.
O conjunto de NRs conta atualmente com 36 normas; seu atual procedimento de elaboração baseia-se num sistema tripartite e paritário, formado por representantes dos empregados, dos empregadores e do próprio governo, condição que conferiu mais legitimidade e maior aceitação social às NRs assim elaboradas (OLIVEIRA, 2007, p. 124-125).
Repita-se, como já destacado em outra seção deste estudo, que as NRs produzidas pelo MTE possuem eficácia jurídica de lei ordinária, e conforme também já sinalizado anteriormente, fiel ao estipulado pelo art. 157, I, da CLT, cabe ao empregador desenvolver as medidas necessárias para a sua implementação (OLIVEIRA, 2007, p. 125).
Em função de sua especificidade, algumas NRs são aplicáveis somente à determinadas atividades/categorias profissionais; mas há também aquelas que pelo seu espectro abrangente, são aplicáveis a todo o universo de empregadores independentemente da atividade desenvolvida (OLIVEIRA, 2007, p. 125).
No procedimento de análise de acidente de trabalho ou de doença ocupacional, uma das iniciativas a ser desenvolvida é a pesquisa para
[...] verificar se a empresa cumpria corretamente as normas regulamentadoras da Portaria n. 3.214/78. Uma vez constatado qualquer descumprimento e que esse comportamento foi a causa do acidente, o empregador arcará com as indenizações pertinentes porque ficará caracterizada a culpa contra a legalidade (OLIVEIRA, 2007, p. 125, grifo nosso).
2.5 OUTRAS NORMAS LEGAIS
Em consulta à legislação ordinária, o olhar atento será capaz de identificar dispositivos legais dispersos nos mais variados ramos do Direito e leis extravagantes voltados para a tutela da vida, saúde e segurança do trabalhador ou que buscam assegurar um meio ambiente do trabalho saudável (OLIVEIRA, 2007, p. 127).
Um desses diplomas é a chamada Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90); o art. 2º[9] desse dispositivo reafirma a saúde como um direito fundamental do ser humano, mas esclarece que o dever do Estado como principal agente do pleno exercício desse direito não afasta o dever, dentre outros, das empresas, numa indiscutível referência à responsabilidade do empregador pela promoção da saúde do trabalhador (OLIVEIRA, 2007, p. 127). A lei também é clara quando expressamente determina que as ações do Sistema Único de Saúde (SUS) devem contemplar também a saúde do trabalhador (art. 6º, I, c), e que ao SUS compete também colaborar “[...] na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (art. 6º, V) (BRASIL, 1990b).
A Lei Orgânica da Saúde traz ainda importante contribuição para a tutela da saúde e do meio ambiente do trabalho saudável, ao estabelecer, no § 3º do art. 6º, o conjunto de ações no âmbito do SUS para a promoção da saúde do trabalhador (OLIVEIRA, 2007, p. 127), e que segue aqui transcrito:
§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:
I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;
II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;
III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;
IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;
V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;
VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e
VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores (BRASIL, 1990b).
Outro dispositivo legal que merece menção é a Lei nº 8.213/91 (“dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social”). O caput do seu art. 19 traz a definição de acidente de trabalho; o § 1º desse artigo preceitua que “[...] a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador”. E o seu § 3º expressamente determina que “[...] é dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular” (BRASIL, 1991).
É extensa a lista das leis ordinárias que trazem dispositivos orientados à proteção da vida e saúde do trabalhador, e à tutela do meio ambiente do trabalho; numa breve relação exemplificativa, apenas para citar algumas dessas normas: (a) Lei nº 5.280/67 que “[...] proíbe a entrada no país de máquinas e maquinismos sem os dispositivos de proteção e segurança do trabalho exigidos pela CLT”; (b) Lei nº 5.889/73 que “[...] estatui as normas reguladoras do trabalho rural”; (c) Lei nº 6.938/81 que “[...] dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente”; (d) Lei nº 7.802/89 que “[...] dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins”; (e) Lei nº 9.605/98 que “[...] dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”; (f) Lei nº 9.719/98 que “[...] dispõe sobre normas e condições gerais de proteção ao trabalho portuário”; (g) Lei nº 10.803/2003 que estabelece penas e indica hipóteses que configuram “[...] trabalhos em condições análogas à de escravo” (OLIVEIRA, 2007, p. 128).