A legalidade dos requisitos de segurança em instalações e serviços em eletricidade (NR 10 e normas técnicas correlatas)

A importancia do diálogo entre empresas e órgãos fiscalizadores

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3 A NATUREZA JURÍDICA DAS NRs: A CONSTITUCIONALIDADE DA NR 10 E OS ASPECTOS RELEVANTES DESSA NR

3.1 A NATUREZA JURÍDICA DAS NRs E O FENÔMENO DA DESLEGALIZAÇÃO

Apresentando uma vasta gama de requisitos que abrangem procedimentos de trabalho, documentação técnica das instalações elétricas, treinamento e capacitação técnica de profissionais, e características construtivas de subestações e equipamentos, a NR 10 está longe de ser uma mera recomendação técnica cujo atendimento esteja condicionado a discricionariedade dos destinatários dessa norma; ela tem verdadeira força vinculante, o que equivale a dizer que possui força legal para constranger seus destinatários ao seu cumprimento.

Com efeito, dentre os diversos diplomas legais que albergam normas de proteção à segurança e saúde do trabalhador, merece destaque a CLT, esta uma lei ordinária, em seu Capítulo V do Título II, que abrange os arts. 154 a 201. Na técnica legislativa empregada na última reformulação feita nesse capítulo (por intermédio da Lei nº 6.514, de 22 de Dezembro de 1977), o legislador limitou-se a enunciar os preceitos básicos, optando por “[...] delegar competência normativa ao Ministério do Trabalho não só para regulamentar, mas também para complementar as normas do capítulo [...]”, condição essa inequivocamente estampada no caput do art. 200, citado anteriormente (OLIVEIRA, 2006b, p. 1434).

Essa delegação normativa genérica prevista no art. 200 da CLT concedeu poderes ao MTE para inovar no mundo jurídico através da criação de normas que, ao detalhar aquelas normas inseridas no Capítulo V do Título II da própria CLT, promovem a prevenção de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. A bem dizer, aquele artigo da legislação ordinária trabalhista foi o marco legal que permitiu ao MTE, por intermédio da Portaria nº 3.214/78, aprovar e instituir as Normas Regulamentadoras (OLIVEIRA, 2006b, p. 1435).

Longe de representar um caso isolado ou atípico, essa delegação normativa tem sido amplamente adotada mundo afora, notadamente para regulamentar matérias de natureza técnica, que requerem conhecimentos especializados, como é o caso das normas de segurança e saúde do trabalhador; isso porque as vicissitudes do processo legislativo não se coadunam com a agilidade requerida por muitas demandas atuais, que exigem soluções imediatas (OLIVEIRA, 2006b, p. 1442).

Observa-se assim que a teoria clássica da separação dos Poderes vem se amoldando em face de tais necessidades urgentes, notadamente aquelas de natureza técnica ou cientifica, condição que se reflete na ampliação das atividades estatais e na flexibilização do princípio da legalidade[10], o qual vedava a delegação normativa (OLIVEIRA, 2006b, p. 1435-1436).

Contudo, essa ampliação da competência regulamentar do Poder Executivo não se faz sem limites; ela subordina-se à competência legislativa, de modo que “[...] o regulamento não pode contrariar qualquer previsão legal, sob pena de ficar caracterizada a ilegalidade da norma regulamentar” (OLIVEIRA, 2006b, p. 1436). Assim, verifica-se que

A lei traça o núcleo do mandamento, as ideias básicas e delega competência a um órgão do Poder Executivo para completar e disciplinar os preceitos normativos, o que tem sido chamado doutrinariamente de discricionariedade técnica, deslegalização, competência normativa secundária ou delegação normativa. Naturalmente, o regulamento, mesmo inovando na ordem jurídica, não poderá afastar-se das razões objetivas da delegação recebida, nem contrariar qualquer preceito expresso ou implícito contido na lei delegante (OLIVEIRA, 2006b, p. 1437, grifo do autor).

Como resultado, depara-se com inúmeras ocorrências no ordenamento jurídico brasileiro que evidenciam essa “[...] ampliação da competência normativa da Administração Pública, delegada expressamente pelo próprio Poder Legislativo, mormente em razão do avanço da ciência e da complexidade técnica da vida moderna” (OLI-VEIRA, 2006b, p. 1437).

Tal fenômeno é uma clara manifestação do poder regulamentar (também designado como poder normativo por alguns autores) da Administração Pública, uma das prerrogativas atribuídas aos agentes administrativos e que possibilita ao Estado desempenhar suas precípuas funções e a consecução dos seus objetivos constitucionais (CARVALHO FILHO, 2014, p. 51).

O poder regulamentar “[...] é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 57). A essência desse poder advém da necessidade da Administração de prover efetividade à leis editadas pelo Legislativo mas que não podem ser prontamente aplicadas por constituírem cláusula geral ou por seu conteúdo genérico ou impreciso; para tanto, utiliza-se de mecanismos de complementação para leis dessa natureza, garantindo-lhes a aplicabilidade (CARVALHO FILHO, 2014, p. 57).

Importante ressaltar que a prerrogativa destina-se unicamente à complementação de lei, sendo defeso à Administração alterar a essência da lei que se busca complementar com o processo de regulamentação. Se assim agir, caracterizado estará o abuso do poder regulamentar, posto ter sido violada a competência do Legislativo, atentando-se contra o Princípio da Separação de Poderes (expresso no art. 2º da CR/88). Na ocorrência de tal situação, os atos normativos que ultrapassem as fronteiras do poder de regulamentação poderão ser sustados pelo Congresso Nacional, conforme inteligência do art. 49, V, CR/88 (CARVALHO FILHO, 2014, p. 57).

O uso da prerrogativa do poder regulamentar pela Administração configura inequívoco exercício de função normativa, tendo em conta que resulta na edição de “[...] normas de caráter geral e com grau de abstração e impessoalidade, malgrado tenham elas fundamento de validade na lei” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 57).

Como ensina Carvalho Filho, “[...] a função normativa é gênero no qual se situa a função legislativa, o que significa que o Estado pode exercer aquela sem que tenha necessariamente que executar esta última. É na função normativa geral que se insere o poder regulamentar” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 57, grifos do autor). Destaque-se ainda, por oportuno, que o poder regulamentar tem natureza derivada (ou secundária), uma vez que “[...] somente é exercido à luz de lei preexistente” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 57).

Em que pesem as restrições decorrentes da separação de poderes, que impedem o legislador de delegar por completo seu poder legiferante à Administração (CARVALHO FILHO, 2014, p. 59), observa-se modernamente o fenômeno da deslegalização (ou deslegificação) segundo o qual “[...] a competência para regular certas matérias se transfere da lei [...] para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador: a normatização sai do domínio da lei [...] para o domínio de ato regulamentar” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 59).

A ideia central da deslegalização consiste na atribuição de competência à órgãos da Administração Púbica para a produção normativa em disciplina afim do órgão delegado, para a qual este possui indiscutível especialização; não tendo o legislador conhecimento e domínio na profundidade necessária para regulamentar a disciplina, ele atribui essa tarefa ao administrador público para que a desempenhe em caráter complementar (CARVALHO FILHO, 2006, p. 56).

[...] incapaz de criar a regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica, o próprio Legislativo delega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica de instituí-la, valendo-se dos especialistas e técnicos que melhor podem dispor sobre tais assuntos. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 59).

Importante ressaltar que a delegação legislativa supramencionada não significa liberdade absoluta para a produção normativa da pessoa administrativa; a delegação é limitada: o legislador fixa os preceitos básicos do regramento, “[...] transferindo tão somente a competência para a regulamentação técnica mediante parâmetros previamente enunciados na lei. [...] Daí poder afirmar-se que a delegação só pode conter a discricionariedade técnica” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 59).

Não há que se falar em substituição da lei pela norma editada pela Administração Pública com base na delegação do legislador; a norma assim editada apenas complementa e regulamenta a lei. Em outras palavras, como já afirmado anteriormente, a ação do órgão administrativo não é ilimitada, ficando adstrita aos limites e padrões fixados pela lei; cumpre ao Legislativo estabelecer esses limites que deverão ser observados para a legítima produção do ato de regulamentação (CARVALHO FILHO, 2006, p. 56).

Deve-se aqui fazer uma ressalva: observados os limites impostos pela lei, a atividade normativa da Administração Pública não fica necessariamente restrita à formulação de meras cláusulas de conteúdo organizacional; nesse processo de complementação, a norma assim editada pode dar origem a normas técnicas não contempladas pela lei, “[...] proporcionando, em consequência, inovação no ordenamento jurídico” (CARVALHO FILHO, 2014, p. 59). Nesse sentido, é esclarecedora a cátedra de Carvalho Filho (2014, p. 59, grifos do autor) ao afirmar que

O poder regulamentar é subjacente à lei e pressupõe a existência desta.

[...]

Por essa razão, ao poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser. Decorre daí que não podem os atos formalizadores criar direitos e obrigações [...].

É legítima, porém, a fixação de obrigações subsidiárias (ou derivadas) – diversas das obrigações pimárias (ou originárias) contidas na lei – [...]. Constitui, no entanto, requisito de validade de tais obrigações sua necessária adequação às obrigações legais.

Os críticos da deslegalização alegam ser ela inconstitucional por caracterizar uma delegação legislativa inominada; isso porque o ato de regulação, por ser infralegal, não teria o condão de alterar o procedimento legislativo (CARVALHO FILHO, 2006, p. 57). Esse entendimento, contudo, não pode prosperar; conforme assevera Carvalho Filho (2006, p. 57),

A deslegalização não implica qualquer delegação legislativa no sentido de o Poder Legislativo transferir a função legiferante a órgão de natureza diversa. O que o Legislativo faz é conferir a órgão administrativo [...] o poder de minudenciar a norma da lei, a complementá-la, enfim, permitindo sua execução. A admitir-se aquela extensão de sentido, ter-se-ia fatalmente que inadmitir qualquer tipo de regulamento, o que seria inviável ante a previsão constitucional do poder regulamentar (art. 84, IV, da CF). [grifo do autor].

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Somente em caso de deslegalização genérica, aquela onde o âmbito material do poder regulamentar não fica delimitado de forma precisa e expressa, é que o princípio constitucional da reserva legal estaria vulnerabilizado, posto estar-se diante de caso de delegação do próprio poder legiferante. A legitimidade da deslegalização reside na sua especificidade e “[...] na oferta de maior densidade regulamentadora [...]” relativamente à disciplina a ser regulamentada (CARVALHO FILHO, 2006, p. 57-58).

A tutela à saúde e segurança do trabalhador tem matiz constitucional; com efeito, o art. 7º da CR/88, ao tratar dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, estabelece em seu inciso XXII que um desses direitos consiste na “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (BRASIL, 1988).

Ancorados nesse preceito constitucional, dispositivos abrigados pela CLT expressamente atribuem competência ao MTE para a produção de normas que busquem tutelar a segurança e saúde do trabalhador; insculpidos em seu Capítulo V, que trata da segurança e da medicina do trabalho, tais dispositivos são exemplos inequívocos da delegação de poder regulamentar do legislador trabalhista para o MTE (um órgão da Administração Pública), nos exatos moldes do anteriormente exposto; senão vejamos:

Art. 155 - Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho:

I - estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200 [...] (BRASIL, 1943).

Art. 179 - O Ministério do Trabalho disporá sobre as condições de segurança e as medidas especiais a serem observadas relativamente a instalações elétricas, em qualquer das fases de produção, transmissão, distribuição ou consumo de energia (BRASIL, 1943).

Art . 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho [...] (BRASIL, 1943).

A sintonia desses dispositivos com o supracitado preceito constitucional é patente, de modo que não há como negar que a CR/88 recepcionou a Portaria nº 3.214/78 do MTE, bem como as Normas Regulamentadoras (NRs) que dela se originaram (DALLEGRAVE NETO, 2010, p. 119).

No preciso entender de DALLEGRAVE NETO (2010, p. 119),

Não se duvide da força normativa dessas NRs pelo simples fato de elas serem Portarias do MTE e, portanto, meros atos regulamentares do Poder Executivo. De uma adequada interpretação do sistema jurídico, verifica-se que tanto a lei (art. 200 da CLT) quanto a Constituição Federal (art. 7º, XXII) inspiram, referendam e impulsionam as aludidas NRs, conferindo-lhes indubitável e autêntica normatividade [grifo nosso].

Numa abordagem mais pragmática, citem-se as demandas trabalhistas com pedidos de enquadramento de insalubridade e periculosidade, para os quais a Justiça do Trabalho vem, desde remota data, acertadamente aplicando as Normas Regulamentadoras (nos termos da NR 15 e NR 16). São casos evidentes da plena aplicabilidade das NRs, não havendo registro de episódio bem sucedido de alegação de ilegalidade ou de ausência de força normativa em relação às mesmas (DALLEGRAVE NETO, 2010, p. 120). Registre-se ainda que esse mesmo entendimento é esposado pelo próprio STF que, ao editar a Súmula nº 194 (“É competente o Ministro do Trabalho para a especificação das atividades insalubres”), pacificou essa questão.

Também na jurisprudência dos tribunais pátrios, a questão da constitucionalidade das NRs já se encontra absolutamente sedimentada; apenas para citar um exemplo, veja-se a ementa a seguir, na qual as NRs são reconhecidas como referências normativas cujo descumprimento por parte do empregador pode configurar a chamada culpa acidentária:

Indenização por dano acidentário. Culpa. Configuração. A Constituição assegura aos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho por normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII). As Normas Regulamentares traçam as medidas mínimas de proteção individuais e coletivas que devem ser observadas pelo empregador para, quando menos, atenuar os riscos aos quais se expõem para que se atinjam os fins colimados pela empresa. Sendo assim, se as normas são descumpridas, revela-se a culpa em potencial que se qualifica quando o dano físico é revelado, como no caso presente. De tal modo, por força da regra do artigo 159 do Código Civil, deve o empregador reparar o dano sofrido pelo empregado, ao qual culposamente deu causa. (TRT - 2ª Reg. - 20010153017/01 - 8ª T. - Ac. 20020279960 - Rev. Maria Luíza Freitas -DJSP 14/05/02). (DALLEGRAVE NETO, 2010, p. 120, grifo do autor).

Igualmente significativo é o que estabelece o art. 154 da CLT, inserido nas Disposições Gerais do já citado Capítulo que trata da segurança e medicina do trabalho; segundo a inteligência desse artigo, ainda que tenham observado os regramentos contemplados ao longo do Capítulo, as empresas não ficam desobrigadas do cumprimento de outras disposições que versem sobre segurança e medicina do trabalho (DALLEGRAVE NETO, 2010, p. 120, grifo nosso). Assim, ao analisar os desdobramentos de tal artigo, Dallegrave Neto (2010, p. 120) afirma que

Como se vê, a sua abrangência é ampla e atinge qualquer tipo de norma cujo conteúdo verse sobre segurança e saúde. Logo, cabe ao empregador obedecer toda e qualquer norma a respeito, seja ela prevista em lei, tratados internacionais, instrumento normativo da categoria ou portarias ministeriais.

Na abordagem que faz sobre a força vinculante das Normas Regulamentadoras, esse autor é preciso ao corroborar a natureza jurídica das NRs, não deixando dúvidas quanto à sua constitucionalidade e concluindo que

As Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego (MET) [sic] que dispõem sobre medidas complementares no campo da prevenção de doenças e acidentes do trabalho cumprem expressa delegação normativa estampada em lei federal (art. 200, I, da CLT), além de efetivarem direito fundamental previsto no art. 7º, XXII, da Constituição Federal. Logo, as NRs contêm densidade legal e vinculante para todas “as empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos de administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos poderes legislativo e judiciário, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho CLT” (DALLEGRAVE NETO, 2010, p. 123).

Prevalece portanto o entendimento de que a Portaria nº 3.214/78 do MTE e as próprias Normas Regulamentadoras por ela aprovadas, têm eficácia jurídica equivalente às das leis ordinárias, o que as torna de observância obrigatória pelo empregador que deverá empreender todas as ações necessárias para o seu adequado cumprimento (OLIVERIA, 2006, p. 1439, grifo nosso).

À corroborar o entendimento acima está a constatação, evidenciada por farta jurisprudência dos tribunais trabalhistas, de que as NRs são frequentemente utilizadas como fundamento para a caracterização da chamada culpa contra a legalidade. A culpa contra a legalidade é um dos primeiros aspectos pesquisados na investigação que se segue à ocorrência de acidente de trabalho ou ao diagnóstico de doença ocupacional, quando se busca identificar eventual culpa por parte do empregador; nesse momento, a investigação busca verificar se o empregador violou alguma norma legal ou regulamentar cujo cumprimento lhe era obrigatório. Constatada a violação e o nexo causal com o acidente ocorrido, decorre a

[...] presunção de culpa pelo acidente do trabalho ocorrido, porquanto o dever de conduta do empregador é inquestionável, em razão do comando expresso da legislação. O descumprimento da conduta legal prescrita já é a confirmação de sua negligência, a ilicitude objetiva ou culpa contra a legalidade (OLIVEIRA, 2006a, p. 150).

As sentenças dos tribunais trabalhistas nas mais variadas instâncias têm penalizado os empregadores para os quais restou comprovado o descumprimento das prescrições daquelas NRs relacionadas à atividade empresarial desenvolvida. Em boa parte dos casos, a condenação decorre da comprovação da culpa in elegendo, ou seja, quando se evidencia descumprimento das prescrições das NRs por parte de gerentes ou prepostos do empregador, sendo este penalizado pela “[...] má escolha que se fez da pessoa a quem se confiou uma tarefa diretiva”; em outros tantos casos, a condenação vem pela existência da culpa in vigilando, em função da comprovada negligência da obrigação de cuidar para que as prescrições das NRs fossem cumpridas, e, por fim, por culpa in omittendo do empregador, quando tem-se patente a “[...] omissão ou indiferença patronal”. Registre-se ainda que ganharam considerável relevância as sentenças com fundamento na responsabilidade objetiva do empregador, prevista no art. 933 do Código Civil de 2002 (OLIVEIRA, 2006a, p. 158-159).

3.2 COMENTÁRIOS À NR 10

Com base nesse amparo legal, o MTE publicou a Portaria GM nº 3.214, de 08 de Junho de 1978 através da qual foram aprovadas e instituídas as Normas Regulamentadoras (NR), dentre elas a NR 10 (Instalações e Serviços de Eletricidade); esta foi posteriormente reformulada pela Portaria GM n.º 598, de 07 de dezembro de 2004, passando então a ser referida como “Segurança em instalações e serviços em eletricidade”.

A Norma Regulamentadora NR 10 nasceu assim com a vocação para estabelecer

[...] os requisitos e condições mínimas objetivando a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que, direta ou indiretamente, interajam em instalações elétricas e serviços com eletricidade (BRASIL, 2004).

Exatamente como estampado em seu primeiro tópico, 10.1.1, da seção “Objetivo e Campo de Aplicação” dessa norma.

A análise sistemática do tópico 1.1 da NR 1 (norma regulamentadora do MTE que traz disposições gerais que alcançam todas as demais normas regulamentadoras) e do tópico 10.1.2 da NR 10, indica como destinatários da NR 10 todos os entes (empresas públicas e privadas, e qualquer estabelecimento, com fins lucrativos ou não, que admita trabalhadores como empregados) que desenvolvam alguma atividade envolvendo instalações elétricas, ou que seja executada nas suas proximidades (BRASIL, 2004, 2009).

Destaque-se que não é relevante se a atividade desenvolvida nas condições indicadas (instalações elétricas ou suas imediações) é entendida como atividade-fim ou atividade-meio do ente considerado; se tais atividades se inserem nas fases de geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica, e estão associadas a processos produtivos de construção, montagem, operação, manutenção, e, inclusive, projeto de engenharia das instalações elétricas, a NR 10 deverá ser aplicada.

3.2.1 Estrutura da NR 10

Busca-se aqui realizar um sobrevoo no conteúdo da NR 10, o qual não pretende ser sistemático e tão pouco profundo ou exaustivo, uma vez que tal fugiria aos objetivos deste trabalho. A intenção aqui é de ressaltar os aspectos relevantes da Norma que guardam relação direta com a abordagem central do presente estudo, os quais fornecerão subsídios para um melhor entendimento dessa abordagem.

Conforme a redação que lhe foi dada pela Portaria GM nº 598/2004, a NR é constituída por 14 capítulos, a saber:

10.1 - Objetivo e Campo de Aplicação

10.2 - Medidas de Controle

10.3 - Segurança em Projetos

10.4 - Segurança na Construção, Montagem, Operação e Manutenção

10.5 - Segurança em Instalações Elétricas Desenergizadas

10.6 - Segurança em Instalações Elétricas Energizadas

10.7 - Trabalhos Envolvendo Alta Tensão (AT)

10.8 - Habilitação, Qualificação, Capacitação e Autorização dos Trabalhadores

10.9 - Proteção Contra Incêndio e Explosão

10.10 - Sinalização de Segurança

10.11 - Procedimentos de Trabalho

10.12 - Situação de Emergência

10.13 - Responsabilidades

10.14 - Disposições Finais

A Norma é complementada por duas seções adicionais, uma com glossário de termos e expressões técnicas referidos ao longo do texto, e outra com anexos.

O capítulo 10.1 (Objetivo e Campo de Aplicação) aborda as finalidades que a Norma almeja, delimitando o universo de trabalhadores cuja saúde e segurança ela busca tutelar. Fica claro que tal universo não se restringe apenas aos trabalhadores diretamente envolvidos nas intervenções no sistema elétrico, ou seja, aqueles que desenvolvem “[...] ações físicas com interferência direta ou indireta em serviços ou instalações elétricas” (PEREIRA; SOUSA, 2010, p. 11), a saber, eletricistas, montadores, instaladores, técnicos etc; a tutela da NR 10 alcança também os “[...] trabalhadores indiretos, sujeitos à reação, irregularidades ou ausência de medidas de controle e sistemas de prevenção, usuários de equipamentos e sistemas elétricos e outras pessoas não advertidas” (PEREIRA; SOUSA, 2010, p. 12)..

Outro aspecto relevante ainda com relação ao capítulo 10.1 diz respeito a extensão da aplicabilidade da NR 10, pela qual ficam sujeitas a sua regulamentação

[...] todas as atividades desde a produção ou geração até o consumo final da energia elétrica, abrangendo as etapas do projeto (planejamento, levantamentos, medições...), construção (preparação, montagens e instalações), reformas (atualizações, modificações e ampliações), operação (supervisão, controles, ação e acompanhamentos), manutenção (diagnóstico, reparação, substituição de partes e peças, testes) incluindo, ainda, os trabalhos (tarefas ou atividades) realizados nas proximidades de instalações elétricas e serviços com eletricidade. (PEREIRA; SOUSA, 2010, p. 12).

O capítulo 10.1 termina evocando as normas técnicas oficiais (entenda-se, normas da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas) como o sustentáculo sobre o qual se apoia a aplicabilidade da NR 10. Graças a essa verdadeira “delegação de competência”, o foco das regulamentações da Norma fica praticamente restrito ao estabelecimento de princípios gerais de segurança ou complementares às próprias normas técnicas; a estas, incumbe definir as prescrições específicas atinentes às instalações elétricas (CUNHA, 2010, p. 3).

Por esse mecanismo um expressivo contingente de normas técnicas da ABNT, que versam sobre instalações elétricas e serviços em eletricidade, é guindado ao mesmo patamar normativo da própria NR 10. Assim, atividades laborais relacionadas a instalações elétricas ou a serviços em eletricidade “[...] devem atender, obrigatoriamente, a especificações e requisitos fixados nas normas técnicas aplicáveis [...]” (PEREIRA; SOUSA, 2010, p. 12, grifo nosso).

Entre os destinatários da NR 10, os desdobramentos dos requisitos trazidos por essa Norma se refletem na implantação de diversos procedimentos e ações que objetivam reduzir e controlar os riscos elétricos. É possível distinguir dois tipos de iniciativas, a saber: (a) aquelas relacionadas a metodologia/prática operacional a ser observada para o desenvolvimento das atividades, ou, como genericamente se refere a Norma, dos serviços em eletricidade; e (b) as relacionadas com as características e configuração/estrutura da própria instalação elétrica para a qual tais serviços referidos na alínea (a) serão desenvolvidos.

No primeiro grupo de iniciativas tem-se a realização de treinamentos para capacitação de profissionais e sua posterior habilitação/autorização; fornecimento de EPIs especiais; definição de rotinas e práticas operacionais; elaboração de plano de emergência para situações críticas; organização de documentação técnica (sempre atualizada) indicando a situação da instalação elétrica, dentre outras. Exatamente neste grupo se concentra a maior parte das prescrições e dos procedimentos trazidos pela NR 10, e que abrangem: (i) medidas de controle, que abordam a obrigatoriedade de adoção de medidas preventivas de controle de riscos (abrangendo proteção coletiva, proteção individual, procedimentos de trabalho etc), baseadas em técnicas de análise de riscos, de forma a garantir a segurança e saúde dos trabalhadores (capítulo 10.2); (ii) segurança em instalações elétricas desenergizadas (capítulo 10.5); (iii) segurança em instalações elétricas energizadas (capítulo 10.6); (iv) trabalhos envolvendo alta tensão (capítulo 10.7); (v) habilitação, qualificação, capacitação e autorização dos trabalhadores (capítulo 10.8); (vi) procedimentos de trabalho (capítulo 10.11); e (vii) situação de emergência (CUNHA, 2010, p. 3).

O segundo grupo de iniciativas envolve aspectos construtivos das edificações (subestações elétricas) que abrigam os sistemas elétricos, e especificações técnicas dos equipamentos que configuram estes sistemas; as subestações devem contemplar distâncias mínimas entre os equipamentos para permitir a execução de atividades com segurança, propiciando rotas de fuga adequadas em caso de emergência, tudo devidamente sinalizado para orientação dos trabalhadores que ali atuam; os equipamentos (painéis e quadros elétricos), por sua vez, devem ser dotados de uma série de recursos e dispositivos que ofereçam segurança aos trabalhadores, permitindo que manobras de desligamento e religamento de circuitos sejam executadas sem riscos, e dotados de sistemas de proteção que atuem automaticamente em situações de emergência. Para este grupo, as regulamentações da NR 10 são encontradas nos capítulos 10.3 (segurança em projetos), 10.4 (segurança na construção, montagem, operação e manutenção), 10.9 (proteção contra incêndio e explosão) e 10.10 (sinalização de segurança) (CUNHA, 2010, p. 3).

Conforme já assinalado anteriormente, a inteligência da parte final do tópico 10.1.2 da NR 10 estipula a obrigatoriedade da observância das “[...] normas técnicas oficiais estabelecidas pelos órgãos competentes [...]” (BRASIL, 2004), fazendo prevalecer o entendimento de que tais normas técnicas constituem o critério técnico para a garantia de segurança em instalações elétricas. Especialmente para aquele segundo grupo de iniciativas é que tal regulamentação produz seus efeitos mais impactantes quando se considera a aplicação da Norma para instalações elétricas mais antigas.

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Sobre o autor
José Manuel de Abreu Paulo

Advogado, Bacharel em Direito (2010) pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória), e Engenheiro Eletricista (1983) pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Adequar instalações industriais antigas, implantadas antes do advento da NR 10 não é tarefa simples, que além de invariavelmente envolver investimentos vultosos, demandam prazos que dificilmente se coadunariam com os exíguos prazos determinados a partir da data de publicação da NR 10. Essa situação suscita dúvidas por parte do empresariado que, leigo nas questões jurídicas envolvidas, questiona a efetiva obrigatoriedade de atendimento à NR 10.

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