A legalidade dos requisitos de segurança em instalações e serviços em eletricidade (NR 10 e normas técnicas correlatas)

A importancia do diálogo entre empresas e órgãos fiscalizadores

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11/09/2018 às 10:16
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4 A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO ENTRE EMPRESAS E ÓRGÃOS FISCALIZADORES: A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Ainda que dotada de eficácia normativa e eficácia jurídica, é preciso conceber formas que busquem assegurar a efetividade prática da NR 10, notadamente em face de plantas industriais em operação implantadas em épocas anteriores à edição dessa Norma, onde o processo de adequação revela-se complexo e demandando grande esforço de planejamento para compatibilizar a preponderante necessidade de proteger a saúde e vida dos trabalhadores e a estabilidade operacional das empresas (em última análise, a perpetuação dos imprescindíveis postos de trabalho).

É mister destacar que a Constituição da República, ao assegurar o direito a propriedade, conforme inteligência do art. 5º, XXII[11], vincula o exercício desse direito à consecução da sua função social, vinculação essa expressa logo a seguir no inciso XXIII desse mesmo artigo[12] (SOUZA, 2006, p. 9).

Mais a frente, no art. 170, CR/88, volta a se observar essa relação umbilical entre o direito a propriedade (inciso II) e a utilização da propriedade em prol de sua função social (inciso III); estando o referido art. 170 inserido no capítulo constitucional que estabelece os princípios gerais da atividade econômica, deste inciso III decorre o que a doutrina designa como o princípio da função social da empresa (SOUZA, 2006, p. 9). Importante observar que o caput desse mesmo art. 170 coloca a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica brasileira, a qual a propriedade privada (inciso II já referido acima) como um de seus princípios a tutelar (SOUZA, 2006, p. 9).

Ou seja,

o grande desafio é conciliar estes dois pontos, que à primeira vista, parecem ser antagônicos: de um lado, a função social da propriedade, e de outro lado, a livre iniciativa e a propriedade privada. Assegurar a propriedade privada significa assegurar ao proprietário a livre utilização de seus bens, mas atrelar a propriedade e a livre iniciativa à função social, significa que a iniciativa privada deve agir e utilizar seus bens com destinação voltada à sociedade, ou seja, respeitando os bens públicos e gerando frutos como emprego, renda, bens e serviços para o grupo social humano (SOUZA, 2006, p. 9).

Assim, se determinada empresa, sob a égide do direito constitucionalmente assegurado de exercício da liberdade de iniciativa, desenvolve atividades com o único fim de alcançar seus interesses, colocados sempre acima do interesse público (aqui inserida a proteção ao meio ambiente de trabalho equilibrado), não há como falar em atendimento à função social da empresa, uma vez que não se constata aqui a utilização da propriedade privada para promoção do bem comum da sociedade (SOU-ZA, 2006, p. 9).

É indiscutível que a atividade econômica produtiva exerce papel relevante na conjuntura da ordem econômica e financeira do país, como elemento gerador de riqueza e prosperidade; contudo, é fundamental que exista um “[...] equilíbrio entre a atividade econômica e o bem estar, a vida daqueles que dependem desta atividade como meio de subsistência própria ou de sua família” (SOUZA, 2006, p. 11).

Não é por acaso que o art. 1º, IV e o art. 170, caput, ambos da CR/88, ao apresentarem a livre iniciativa, respectivamente, como fundamento da República do Brasil, e como princípio fundante da ordem econômica nacional, o fazem sempre em conjunto com a valorização do trabalho humano, como forma de destacar a importância de ambos no atingimento da valorização deste último (SOUZA, 2006, p. 10).

Os princípios que informam a Política Nacional de Meio Ambiente se aplicam plenamente a todas as dimensões do meio ambiente, já que este configura um conceito unitário que abarca a totalidade dos elementos imprescindíveis para a promoção da dignidade da pessoa humana; assim, também o meio ambiente do trabalho, como uma dessas dimensões, bebe nas águas daquela base principiológica (EBERT, 2012, p. 1335). Uma consequência imediata dessa constatação é que aspectos associados ao poder diretivo do empregador, que versam sobre a organização dos locais de trabalho, o lay out dos equipamentos, a gestão de recursos humanos etc, e que são típica expressão da autonomia privada e da livre iniciativa, devem necessariamente se balizar nos princípios insculpidos na CR/88 e na Lei nº 6.938/81 que estabeleceu aquela Política Nacional de Meio Ambiente (EBERT, 2012, p. 1335).

Ungido com a aura de direito fundamental, o meio ambiente do trabalho equilibrado tem a eficácia vertical própria dos direitos fundamentais em função da gênese destes direitos plasmados para proteger o cidadão contra a intervenção do Estado; mas possui também eficácia horizontal através da qual vincula diretamente os particulares, equivale dizer os “[...] empregadores e responsáveis pela organização dos locais de trabalho” (EBERT, 2012, p. 1335). Em função dessa eficácia horizontal,

tem-se que o sentido e o alcance da expressão [meio ambiente do trabalho equilibrado], bem como o grau de condicionamento por ela imposto à “autonomia privada” e à “livre iniciativa” dependerão da concordância prática entre os dispositivos constitucionais correspondentes (EBERT, 2012, p. 1335).

Ou seja, por força da concordância prática o intérprete da Constituição fica submetido ao dever de compatibilizar as normas constitucionais, ponderando-as e sopesando-as ao avaliar o caso concreto, “[...] evitando-se a amplificação ou a redução desmesurada de um ou outro dispositivo, em comprometimento ao todo constitucional”, considerando estarem tais normas imiscuídas na mesma ordem axiológica constitucional (EBERT, 2012, p. 1335).

O raciocínio engendrado nos parágrafos acima conduz à percepção de que o significado em abstrato a se atribuir à expressão “meio ambiente do trabalho” será construído a partir da “[...] análise sistêmica dos arts. 225, 7º, XXII, e 170 [...]” da CR/88 (EBERT, 2012, p. 1335).

Essa afirmativa fica clara quando se observa os escopos albergados por esses artigos, respectivamente: (a) o art. 225 e seu inciso V asseguram a todos o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, cabendo ao poder público promover o controle das “[...] técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente [...]” (BRASIL, 1988); (b) o art. 7º, XXII busca a melhoria da condição social dos trabalhadores, assegurando-lhes o direito à “[...] redução dos riscos inerentes ao trabalho [...]” (BRASIL, 1988); e (c) o art. 170, com os incisos III e VI, afirma o fim precípuo da ordem econômica de assegurar a todos existência digna, colocando a valorização do trabalho humano como um dos seus fundamentos, e condicionando “[...] o livre exercício das atividades privadas à ‘função social da propriedade’ [...] e à ‘defesa do meio ambiente’ [...]” (EBERT, 2012, p. 1335, grifos do autor).

A conjugação dos aspectos acima elencados leva à indubitável constatação de que

[...] a tutela constitucional do meio ambiente do trabalho aponta para a necessidade de que os particulares, no exercício de sua livre iniciativa, estejam vinculados ao dever de envidar esforços contínuos no sentido de reduzir os riscos laborais e de que o Poder Público, nas esferas legislativa, executiva e judiciária, exerçam efetivo controle preventivo e repressivo em torno dos processos produtivos que possam oferecer riscos à vida e à integridade física dos obreiros (EBERT, 2012, p. 1335).

Tendo em conta a linha de conduta sinalizada acima, e que decorre da interpretação sistemática dos referidos preceitos constitucionais que tutelam o meio ambiente do trabalho, serão as peculiaridades do caso concreto que determinarão se tais preceitos deverão preponderar ou então se ficarão submetidos quando tomados em face dos postulados da livre iniciativa e da autonomia privada (estes, também preceitos constitucionais de igual calibre) (EBERT, 2012, p.1335).

Ou, dito com mais propriedade,

[...] são as próprias situações fáticas ocorridas na realidade, com suas peculiaridades, que ensejarão a aplicação em concreto do conceito de “meio ambiente do trabalho” na forma tutelada pelos arts. 7º, XXII, 170 e 225 da Constituição Federal ou, em sentido contrário, dos postulados da “autonomia privada”, da “propriedade” e da “livre iniciativa”, igualmente assegurados pela Carta Magna (arts. 5º, caput, 170 caput, II e parágrafo único) (EBERT, 2012, p. 1335, grifos do autor).

Assim, em face de todo o ideário construído ao longo desta seção para coadunar o direito à saúde e segurança e à vida digna do trabalhador com os postulados da autonomia privada e da livre iniciativa, dois pontos devem ficar assentados: em primeiro lugar, o meio ambiente do trabalho é, efetivamente, alvo de tutela constitucional; e em segundo lugar, agentes públicos e iniciativa privada encontram nos arts. 7º, XXII, 170 e 225 da CR/88, tomados em conjunto, uma linha de conduta claríssima indicada a partir daquela tutela constitucional (EBERT, 2012, p. 1335).

Por fim , não há mal algum que, em sua atuação, a empresa vise o lucro, afinal essa é a pedra angular da atividade empresária; contudo, juntamente com a busca do lucro, deve também honrar com suas obrigações e responsabilidades sociais (NONES, 2002, p. 116).

Conforme destaca Nones (2002, p. 116),

[...] as ações decorrentes da função social não podem ser confundidas com filantropia, com mero modismo, com marketing ou com propaganda. Ao contrário, esses deveres e responsabilidades sociais decorrentes dessa função são vistos aqui como uma verdadeira obrigação social, que vai além do âmbito interno da sociedade empresária. Isso tudo, sem confundir o seu papel com o das instituições de caridade. Nesse passo, as ações sociais decorrentes da função social não podem resultar em prejuízo às empresas, nem podem ser com ele confundidas.

Na esteira de tudo o que acima se expõe acerca da atividade empresária e da função social da empresa, e na contraposição entre a tutela da livre iniciativa e a proteção do trabalho e do meio ambiente (ambos assegurados constitucionalmente), constata-se que

[...] os princípios que inicialmente parecem ser antagônicos, contrapondo-se em duas posições: de um lado, a função social da propriedade, e de outro lado, a proteção à propriedade privada e a livre iniciativa podem perfeitamente ser conjugados e interpretados de forma sistemática de modo a ficarem perfeitamente conciliados e juntos assegurarem a proteção ao meio ambiente do trabalho (SOUZA, 2006, p. 11).

Assim, amplia-se o conceito de empresa para além do tradicional entendimento que a designa como a “[...] atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços” (NONES, 2002, p. 129). A missão das empresas não deve restringir-se a obtenção de altos índices de lucratividade (NONES, 2002, p. 128); na busca pelo lucro, as empresas devem pautar sua atuação pelo estrito atendimento à sua função social, e que tem nas ações para a proteção do meio ambiente do trabalho equilibrado uma de suas mais sensíveis vertentes, uma vez que na sua essência cuidam da preservação da saúde e vida do trabalhador, seu bem maior.

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Verifica-se assim a relevância da criação de um canal de diálogo entre os órgãos fiscalizadores do MTE e as empresas o qual, guiado pela razoabilidade e proporcionalidade, permita estabelecer uma relação de compromisso entre aspectos tão sensíveis para a sociedade (a saúde e vida do trabalhador e a oferta de empregos). Essa relação de compromisso é o tema que será abordado na seção a seguir.

4.1 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC)

O Termo de Compromisso de Ajustamento de Contuda (ou simplesmente, Termo de Ajustamento de Conduta – TAC) fez sua estréia no ordenamento jurídico brasileiro a bordo do art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90) (CAMBI; LIMA, 2011, p. 123).

Cerca de dois meses após a promulgação desse Estatuto, por força do art. 113 do Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/90), foi acrescentado ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (LACP – Lei nº 7.347/85) o § 6º (CAMBI; LIMA, 2011, p. 123), o qual textualmente estabelece: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial" (BRASIL, 1990).

Notoriamente vislumbrado como um dos principais instrumentos à disposição dos órgãos fiscalizadores para a defesa do meio ambiente de trabalho, o TAC constitui

[...] método alternativo extrajudicial de solução de conflito, firmado nos autos do inquérito civil ou do procedimento administrativo, em que o infrator assume perante o agente público o compromisso de ajustar sua conduta às exigências legais, sob pena de multa caso seja descumprido (BORBA, 2012, p. 1302).

Instaurado inquérito civil ou mesmo procedimento administrativo investigatório, o TAC surge como alternativa ao ajuizamento de ação civil pública, no qual o inquirido assume compromisso de desenvolver ações comissivas ou omissivas que buscam adequar sua atuação aos ditames da legislação vigente, sob pena de incorrer em multa aplicada pelo órgão fiscalizador (MELO, 2001, p. 103).

Os negócios jurídicos relacionados a direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (como é o caso do direito ao meio ambiente do trabalho saudável) encontram no TAC uma ferramenta capaz de lhes prover maior agilidade e efetividade; havendo a concordância dos interessados em relação à solução extrajudicial propiciada pelo TAC, fica a princípio afastada a ação judicial de conhecimento (ação civil pública) que seria instaurada para proteção daqueles direitos de alta relevância e interesse sociedade (MELO, 2001, p. 102). Como assevera MELO (2001, p. 103-104),

A ação civil correspondente, fica como remédio último, pois, por mais rápida que seja a sua tramitação, o resultado, além de duvidoso, será mais demorado, considerando-se que o Poder Judiciário trabalhista, a exemplo dos demais ramos do Judiciário, é lento e caro. [...] Daí, a inestimável importância do ajuste de conduta extrajudicial, pelo qual se obtém a solução imediata e consensual da questão.

O exame da natureza jurídica do TAC mostra-se uma tarefa turbulenta, uma vez que doutrinariamente a questão não está pacificada; ato jurídico, ato de feição híbrida (caráter contratual e transacional), ato administrativo negocial, contrato administrativo, compromisso de transação, acordo substitutivo, apenas para citar alguns exemplos, são posicionamentos esposados por alguns autores, o que faz concluir que o TAC constitui um instituto jurídico complexo, condição essa que deve ser compreendida à luz dos “[...] diversos ângulos pelos quais o instrumento [TAC] e sua utilidade podem ser vislumbrados. Com efeito, a depender do específico interesse supraindividual objeto do compromisso, uma ou outra definição será mais correta” (CAMBI; LIMA, 2011, p. 125-126).

Em que pese a evidente controvérsia doutrinária sobre a natureza jurídica do TAC, em linhas gerais prevalece como entendimento mais aceito aquele que o conceitua como um negócio jurídico bilateral híbrido, uma vez que se fundamenta em princípios de direito público e de direito privado, decorre do encontro de vontades do particular e do agente público, livres de coação de parte a parte (BORBA, 2012, p. 1305); além disso, possui “[...] conteúdos declaratório e constitutivo e eficácia de título executivo extrajudicial, que tem por finalidade prevenir ou solucionar consensualmente conflitos de interesses transindividuais” (CAMBI; LIMA, 2011, p. 127).

Conforme já sinalizado acima, o TAC é consensual e tem caráter híbrido que decorre do fato de ser esse instrumento informado tanto por princípios de direito público como também de direito privado, tais como, da solidariedade, autonomia privada, livre-iniciativa, boa-fé, proporcionalidade, moralidade e eficiência (BORBA, 2012, p. 1302).

Do direito privado das obrigações, o princípio da solidariedade tem caráter social na medida em que busca garantir a existência digna de forma indistinta, bem como a “[...] manutenção do equilíbrio do sistema jurídico” (BORBA, 2012, p. 1302). Conforme sustenta Nery (2010, p. 47), firmar TAC em observância a esse princípio é “[...] vislumbrar e viabilizar, efetivamente, o desenvolvimento econômico, cultural e social das partes celebrantes”.

Oriundo do direito civil, o princípio da autonomia privada fundamenta a celebração de negócios jurídicos e instituição de normas jurídicas, não importando que estas sejam de caráter particular, e não se confunde com autonomia de vontade (esta remete a aspectos de natureza subjetiva da vontade do indivíduo e de sua declaração); e essência desse princípio é, assim, o “[...] poder de criar normas jurídicas que tem como única expressão, portanto, o negócio jurídico” (NERY, 2010, p. 49-51).

Não se trata, contudo, de um poder absoluto; assim é que esse princípio da autonomia privada encontra limites no inafastável vínculo obrigacional, que exige proporção de prestações. Na cátedra de Nery (2010, p. 51-52),

[...] não basta para a dogmática jurídica afirmar que o sujeito quis e quis livremente algo; é necessário que no contexto daquilo que quis livremente haja ocasião para que ele possa ter o direito de se compelido a dar, fazer o não fazer algo nos limites daquilo que era razoável spor como consequência natural de seu querer.

Em resumo, observados os limites impostos pela lei para o negócio jurídico, o TAC deve reverenciar a garantia fundamental da autonomia privada (BORBA, 2012, p. 1302).

Outro princípio de matiz constitucional, o princípio da livre-iniciativa evoca a liberdade para trabalhar e para o exercício de atividade econômica, e que encontra expressão no direito de empreender e de gerir livremente o empreendimento criado (nas dimensões da liberdade de investimento, de exercício, de organização, de contratação e para concorrer) (NERY, 2010, p. 55). Tal como a autonomia privada, a livre-iniciativa também não configura garantia absoluta; esse princípio necessariamente fica adstrito aos limites da lei como forma de impedir que prevaleça a vontade dos agentes envolvidos na celebração do TAC (BORBA, 2012, p. 1303).

Também do direito privado, outro princípio que informa o TAC é o da boa-fé, considerado na sua dimensão objetiva e sua atual expressão de dever de lealdade. Com previsão legal, estampada nos arts. 113 e 422 do Código Civil, a boa-fé objetiva impõe aos contratantes o dever de lealdade em todas as fases contratuais (BORBA, 2012, p. 1303). Assim, a boa-fé busca pautar a conduta dos sujeitos na relação obrigacional, impondo a eles o poder-dever de agir de forma honesta, proba e leal (NERY, 2010, p. 72). Decorre daí que o

[...] termo de ajustamento de conduta deve observar a boa-fé objetiva durante todo o processo de negociação, pois a boa-fé se estende da fase pré-contratual à pós-contratual, criando direitos e deveres entre as partes, tais como o de informar, o de sigilo e o de proteção (NERY, 2010, p. 77).

Do direito público, tem-se o princípio da legalidade, este também um princípio constitucional estampado no inciso II do art. 5º (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988)). Em face de tal princípio, a discricionariedade da Administração Pública fica vinculada aos limites da lei, o que equivale a dizer que nos negócios jurídicos realizados com o particular, não pode aquela impor a este obrigações ou deveres, ou exigir-lhe um agir, ou mesmo submetê-lo a proibição, sem que para tanto exista expressa autorização legal (BORBA, 2012, p. 1303). Assim, “[...] o agente público legitimado, quando da celebração do ajustamento, deve pautar sua conduta dentro dos limites legais e da boa-fé, agindo com lealdade e probidade em face do particular” (BORBA, 2012, p. 1303).

Outros dois princípios do direito público a informar o TAC, e que guardam entre si relação umbilical, são os princípios da eficiência e da proporcionalidade. Com base no primeiro princípio, a atuação da Administração Pública deve ser pautada pela eficiência, o que significa que tal atuação deve atingir sua finalidade de forma otimizada, com o mínimo consumo de tempo e de recursos, “[...] primando pela satisfação e pela utilidade dos seus atos” (NERY, 2010, p. 93).

O célebre doutrinador CARVALHO FILHO (2014, p. 31) sintetiza a essência desse princípio ao afirmar que “O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional”.

O princípio da eficiência fica ainda mais potencializado em face do conflito com o princípio da proporcionalidade; de fato, com base nas dimensões adequação e necessidade deste princípio, o atingimento das finalidades legais almejadas com os negócios jurídicos realizados pela Administração Pública exige que seja adotado meio adequado (no sentido de se mostrar indubitavelmente apto à consecução daquelas finalidades), e na precisa e necessária proporção (no sentido de se apresentar corretamente dimensionado, não desnecessariamente oneroso). Ou seja, o TAC firmado deve representar a solução mais eficiente e menos onerosa possível para a satisfação dos interesses e finalidades legais que o motivaram (NERY, 2010, p. 95).

A questão é sintetizada de forma precisa pela professora Joselita Borba, quando afirma que

[...] o termo de ajustamento de conduta deve ser celebrado com eficiência para que a finalidade objetivada pela lei seja alcançada. O atuar do agente público, portanto, há de se direcionar para o alcance do interesse coletivo com satisfação e utilidade, Isso porque, o que se busca é a justa medida da lei, a proporcionalidade, vedado qualquer excesso na exigência do bem comum (BORBA, 2012, p. 1303).

Do ponto de vista formal, o TAC configura um negócio jurídico solene, devendo ser reduzido a termo (forma escrita), registrando-se todos os itens pactuados entre as partes (CAMBI; LIMA, 2011, p. 18). Parte desse conteúdo tem natureza declaratória, onde se declara e reconhece a previsão legal no ordenamento de deveres atribuídos ao sujeito passivo (compromissário); a outra parte tem natureza constitutiva, na qual são definidas de forma concreta as “[...] obrigações principais e acessórias necessárias para satisfazer aqueles deveres [...]”, bem como as “[...] condições e limites estabelecidos para a atuação administrativa [...]” (CAMBI; LIMA, 2011, p. 129, grifo dos autores).

Assim, na redação do TAC é imprescindível que se faça a descrição detalhada e objetiva do compromissário, e das obrigações principais e acessórias avençadas, com informações relativas ao tempo e forma de cumprimento das mesmas, órgãos fiscalizadores e os correspondentes critérios de fiscalização, estudos e projetos eventualmente necessários (CAMBI; LIMA, 2011, p. 128).

Importante destacar que em função de sua natureza de negócio jurídico bilateral (conforme anteriormente apresentado), uma das características do TAC é o fato de que o mesmo decorre da união de vontades do particular e do agente público; contudo, ainda que este último possua liberdade transacional limitada, pode o mesmo lançar mão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para negociar, condição que lhe confere autonomia suficiente para a definição de concessões mútuas (BORBA, 2012, p. 1305). Por essa via,

a transação pode atingir não só questões secundárias, como prazo para implementação de medidas, cumprimento de cronograma de ações, técnicas a serem adotadas na reparação da lesão, lugar da reparação, só para exemplificar, mas também aspectos centrais e relevantes, como alcance da norma (interpretação da norma baseada no livre convencimento motivado), sua aplicabilidade ao caso concreto (incidência), forma de exigibilidade (programas e planos de ação), entre outros. [...] Ou seja, o próprio sistema jurídico oferece meios para maior autonomia na negociação, visando a melhor solução para evitar dano maior ou reparar a lesão a bem coletivo. Transigir, portanto, não significa agir contra ou além da lei ou desprezar direitos coletivos, mas buscar sua máxima efetividade (BORBA, 2012, p. 1305).

Dentre as obrigações principais atribuídas ao compromissário é possível constar prestações de fazer, não fazer ou dar (CAMBI; LIMA, 2011, p. 129); é possível portanto pactuar obrigação com vistas “[...] à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados”, tal como previsto pelo art. 14 da Resolução nº 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público (BRASIL, 2007).

Já com relação às obrigações acessórias, prevalece o entendimento de que as mesmas tem natureza de astreintes, e assim configuram verdadeira “[...] coação de caráter econômico para influir no ânimo do devedor, a fim de que cumpra a obrigação [principal]” (CAMBI; LIMA, 2011, p. 130). Por fim, destaca Nery (2010, p. 199) que “[...] é possível ajustar cominações de natureza não pecuniária, como a suspensão de atividade, a obrigação de refazer a situação anterior à violação, a imposição de advertências etc”.

A partir das características essenciais do TAC brevemente apresentadas nos parágrafos anteriores, é possível vislumbrar vantagens práticas na utilização desse instrumento para a proteção dos direitos fundamentais sociais, constatando-se também sua eficácia em face do tradicional modelo de judicialização dos direitos (CAMBI; LIMA, 2011, p.131).

Com efeito, identificam-se dois modelos ou posturas na atuação dos órgãos públicos fiscalizadores responsáveis pela proteção daqueles direitos, designadas como demandista e resolutiva. A postura ainda predominante, a demandista, caracteriza-se pela judicialização dos direitos, via Poder Judiciário para o qual é transferida a incumbência de equacionar os problemas sociais; a luz da realidade posta, não restam dúvidas de que tal postura apresenta uma eficácia sofrível (CAMBI; LIMA, 2011, p.132).

Já a postura resolutiva é caracterizada pela atuação extrajurisdicional, quando os órgãos fiscalizadores tem a oportunidade de atuar ativa e eficazmente para a conciliação e pacificação dos conflitos sociais; nesta postura é que está inserido o TAC, que em essência representa “[...] a substituição do enfrentamento e da litigância pela via do diálogo, da negociação e do consenso” (CAMBI; LIMA, 2011, p.132, grifo dos autores).

Em relação ao modelo de judicialização, o TAC apresenta indiscutíveis vantagens na proteção dos direitos fundamentais sócias; naquilo que é pertinente ao objeto de estudo deste trabalho, as principais vantagens identificadas podem ser classificadas em três categorias, a saber: eficácia preventiva; otimização dos meios; e resultados (CAMBI; LIMA, 2011, p.132).

Quanto à eficácia preventiva, o TAC revela-se uma importante ferramenta de tutela jurídica preventiva, uma vez que permite ampliar os limites da discussão para além da conduta ilícita central que motivou a negociação; dessa forma, seu escopo pode ser aumentado para abranger e ajustar outros comportamentos do compromissário, e não somente o que motivou a sua celebração. Além disso, o TAC também “[...] permite que, em acréscimo à correção da conduta constatada como indevida, sejam adotados mecanismos eficazes na repressão ou prevenção de ações ou omissões futuras” (CAMBI; LIMA, 2011, p.135).

Confrontado com o modelo de judicialização, é evidente a maior concretude da eficácia preventiva do TAC, uma vez que naquele modelo “[...] a tutela preventiva dos direitos fundamentais é mitigada [...], sujeita a morosidade da prestação jurisdicional e a previsão de mecanismos de impugnação, que tornam incerta a concretização constitucional” (CAMBI; LIMA, 2011, p.135).

No que diz respeito à otimização dos meios, já há muito se discute a situação da justiça brasileira, onde a combinação de problemas estruturais (carência de recursos humanos e materiais; mecanismos de gestão inadequados; volume excessivo de processos aguardando julgamento) com uma legislação processual que favorece a “eternização” das demandas judiciais, contribui “[...] decisivamente para a morosidade da tutela judicial e o seu inevitável descrédito perante grande parcela da sociedade” (CAMBI; LIMA, 2011, p.135).

Por seu turno, o TAC constitui uma solução mais rápida e efetiva para a tutela dos direitos fundamentais sociais, ao aliar a motivação apriorística do compromissário para o cumprimento espontâneo da obrigação por ele assumida, com a imputação de sanções (multas) em caso do seu descumprimento, as quais são exigíveis de imediato (ao contrário do que se verifica na ação civil pública, onde as astreintes aplicadas liminarmente, mesmo devidas deste a data do inadimplemento, somente se tornam exigíveis com o trânsito em julgado da sentença condenatória do demandado) (CAMBI; LIMA, 2011, p.135).

Além disso, os custos incorridos nos procedimentos para a celebração do TAC são menores que aqueles que se contabilizam no modelo de judicialização (para acionar o Poder Judiciário); e ainda assim, aqueles custos poderão ser ressarcidos pelo compromissário, que a eles deu causa com sua conduta ilegal, inserindo no TAC cláusula nesse sentido (CAMBI; LIMA, 2011, p.136).

Em suma, constata-se que “[...] quanto à otimização dos meios, o instituto [TAC] é mais célere e econômico que a opção jurisdicional, bem como tende a oferecer mais garantias ao cumprimento das obrigações assumidas” (CAMBI; LIMA, 2011, p.136).

Em relação aos resultados possíveis, o TAC igualmente sobrepuja o modelo de judicialização, para o que contribui seu caráter consensual em que estão presentes os pressupostos da união de vontades e a voluntária aquiescência para as obrigações estabelecidas (CAMBI; LIMA, 2011, p.136).

O TAC tem a seu favor aspectos que referendam a seu emprego para obtenção de melhores resultados na tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, a saber:

(a) grande complexidade das questões envolvidas, relacionadas a conhecimentos extrajurídicos e muito específicos, e que, por isso, seriam tratadas com muita dificuldade na via judicial [...];

(b) dificuldade de se visualizar com clareza a forma de corrigir a lesão transindividual ou a existência de discricionariedade nessa identificação;

(c) presença de vários sujeitos, muitos deles possíveis demandados, com interesses conflitantes e de difícil coordenação em um processo judicial [...]; e

(d) dificuldade de garantir o correto cumprimento da lei ou da decisão judicial, em virtude da ausência de mecanismos eficazes de fiscalização ou sanção, que podem ser acordados no compromisso (CAMBI; LIMA, 2011, p.137).

Contra o modelo de judicialização pende a evidência de serem os processos coletivos ainda mais morosos, fruto da pouca intimidade do Poder Judiciário em lidar com ações desse tipo e que tenham direitos fundamentais sociais como pano de fundo (CAMBI; LIMA, 2011, p.136).

Por seu turno, verificado o inadimplemento das obrigações avençadas no TAC, a sua execução pode ter início imediato, uma vez que o mesmo tem eficácia de título executivo extrajudicial; mais ainda, se o TAC celebrado for levado à homologação judicial, então sua eficácia passa a ser a de título executivo judicial, o que, em caso de inadimplemento, autorizará o cumprimento de sentença (CAMBI; LIMA, 2011, p.137).

Muito pertinente é a síntese de Abelha, Fiorillo e Nery (apud, MELO, 2001, p. 104) ao afirmarem que o TAC “[...] como o próprio nome sugere, é um meio de efetivação da tutela dos direitos coletivos, à medida que evita o ingresso em juízo (e, portanto, todos os reveses que isso possa significar à tutela efetiva) para que se consiga o ajuste de conduta [...]”. Nessa via,

[...] esse novo instrumento de defesa da sociedade propicia a busca e implementação do diálogo social, que na esfera trabalhista é bem vindo no momento em que passa o nosso sistema de relações de trabalho por transformações que requerem, como estrutura de sustentação, o desenvolvimento da negociação coletiva como instrumento democrático na relação capital e trabalho (MELO, 2001, p. 104).

Como oportunamente destacam CAMBI e LIMA (2011, p. 138),

[...] a prevenção e a resolução de controvérsias, por meio do compromisso de ajustamento de conduta, trazem um plus democrático. A concretização dos direitos fundamentais sociais não se dá pela imposição da decisão judicial, mas decorre do diálogo e do mútuo entendimento.

Os bons resultados colhidos com o emprego do TAC levaram o legislador a consolidar a sua execução direta no âmbito da Justiça do Trabalho; para tanto, através da Lei nº 9.958/2000, foi alterada a redação do art. 876 da CLT, que expressamente passou a reconhecer a natureza de título executivo do TAC, in verbis

Art. 876 - As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executada pela forma estabelecida neste Capítulo (BRASIL, 1943).

Consolida-se assim o TAC como instrumento para “[...] buscar o cumprimento da lei, de forma espontânea, simples, barata e rápida, sem custo para o Estado, além de contribuir para o desafogo do moroso Judiciário” (MELO, 2001, p. 104).

Contudo, o almejado cumprimento da lei deve se dar na sua justa medida, operando-se o princípio da proporcionalidade para a construção do bem comum. Sendo negócio jurídico bilateral conforme já referido anteriormente, o TAC pressupõe união de vontades (numa palavra, transação), que para o agente público se reflete em liberdade negocial (embora não ampla) a qual conduz à formação do seu convencimento “[...] a partir de um juízo de ponderação e equilíbrio devidamente fundamentados [...]”, para o ajuste da conduta (BORBA, 2012, p. 1305, grifo nosso).

É fundamental, portanto, cuidar para que o TAC não resulte de encontro de vontades viciado, no qual não estejam presentes os necessários elementos que condicionam sua existência, validade e eficácia; observados vícios graves na sua celebração, ou patente excesso ou desrespeito aos princípios que lhe são próprios, ou ainda imposição de condição “[...] extremamente gravosa, em que a própria sobrevivência da empresa fique ameaçada”, o TAC assim celebrado deve ser anulado (BORBA, 2012, p. 1305-1306, grifo nosso).

Guiadas pela proporcionalidade e razoabilidade, as tratativas para alcançar o TAC devem evitar cláusulas impossíveis ou de extrema dificuldade de negociação; a tutela de direitos fundamentais sociais almejada que se busca com esse instrumento requer a ponderação de interesses igualmente caros para a sociedade, como a preservação de postos de trabalho, do recolhimento de tributos e contribuições e da sobrevivência da própria empresa (BORBA, 2012, p. 1306).

Em suma, na seara da justiça laboral, o esforço maior reside em fazer do TAC um

[...] instrumento de efetividade dos direitos dos trabalhadores e da ordem jurídica trabalhista, sem que tal compromisso, por si, configure elemento de retrocesso social, colocando o acusado fora do mercado ou determinando fechamento de postos de trabalho (BORBA, 2012, p. 1307).

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Sobre o autor
José Manuel de Abreu Paulo

Advogado, Bacharel em Direito (2010) pela FDV (Faculdade de Direito de Vitória), e Engenheiro Eletricista (1983) pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

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Adequar instalações industriais antigas, implantadas antes do advento da NR 10 não é tarefa simples, que além de invariavelmente envolver investimentos vultosos, demandam prazos que dificilmente se coadunariam com os exíguos prazos determinados a partir da data de publicação da NR 10. Essa situação suscita dúvidas por parte do empresariado que, leigo nas questões jurídicas envolvidas, questiona a efetiva obrigatoriedade de atendimento à NR 10.

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