Toda eleição – ou todo processo político, como queiram – é bastante irracional, apelando-se ao emocional, às vezes ao primitivismo: “aquele que veio refundar a Nação”, “doem sua alma e seu ouro pelo país”. Os gladiadores diziam já no interior da arena: “aqueles que vão morrer te saúdam”.
Porém, esta eleição de 2018 caminha para ser inigualável na história política mundial. Lembrando-se que o fervor comocional de Hitler não veio em sua eleição, mas nos fatos seguintes que resultaram na Chancelaria.
Este ano, após o ataque com faca ao candidato do PSL, muitos esperavam um típico “efeito manada”: quando se segue, cegamente, para algum lado, para qualquer lado – como gnus fugindo de leões. Tanto pode ser o lado vencedor (como se viu no impeachment) quanto o perdedor: na torcida pelo mais fraco, pela visão da vítima.
A seguir pelas duas últimas pesquisas de intenção de voto, o efeito manada não se concretizou. No entanto, é preciso ter clareza de que o eleitor nacional (comocional) – abatido pelo analfabetismo funcional e político – declara, estufando o peito, que “não perde o voto”. O que isso quer dizer? Simplesmente que seu voto foi para o vencedor, não importando qual. Raramente, diga-se de passagem, vota-se a favor do Iluminismo.
A irracionalidade, como até o mais humilde dos eleitores sabe, tem seu complemento no irascível, ou seja, na ira primeva que deve comover e mover a política obscura. Daí que nossa ilustre eleição de 2018 também é um cobertor curto entre civilização e barbárie.
Esta ira nós vemos em gritos de guerra de candidatos, nas declarações públicas de que adversários (convertidos em inimigos) devem ser fuzilados, no apelo ao Deus que nos salvará de Satanás, nos posts e nos logos publicitários em que as mãos portam armas, em vídeos com balas de revólver que se transformam em flores. E por aí vai.
Some-se à pauta que prima em apregoar a violência – “violência se combate com violência” – a enorme crise existencial e material que nos acossa, e teremos um fermento de ódio depressivo e generalizado. O incrível aumento na venda de remédios tarja preta contra ansiedade e depressão é, por si, revelador do que se afirmou aqui.
Ódio e depressão (e vice-versa), no caldo da eleição mais irracional possível, é o caminho do caos, da guerra total, da barbárie, da “guerra de todos contra todos” (no dizer de Hobbes) e de mais violência: contra quem pregou violência contra a violência, e sobre todos nós.
O cenário que se liga a isto é profundamente cultural. E começo dizendo assim: A MÃE QUER VER SEU FILHO VIVO! - O livro A Mãe, de Brecht, poderia ser útil nesta eleição. E isto implica em que a mãe prefere uma pauta política centrada na educação e na geração de emprego. Educação que retire seu filho das ruas e emprego que leve abstenção de álcool ou de drogas (i)lícitas ao pai.
Implícita a este arco da cultura, está a ideologia de que o povo brasileiro é pacífico. Esta falsa ideia é desbaratada pela leitura histórica ou pelo olhar – mesmo com viseira – nos referenciais do presente. Milhares de jovens são mortos todo mês, especialmente negros e pobres. Quantos estupros são praticados por hora no Brasil?
De qualquer modo, o povo quer acreditar na salvação de sua alma – em virtude da colonização católica – e começa sua trajetória pelo mantra de que é pacífico e cordial. Afinal, pessoas violentas não vão ao Paraíso: reino do “cordis”, do coração.
Enfim, a tônica da eleição, a fim de se evitar ou congelar o tal efeito manada – um dos mais incontroláveis vértices do fascismo – estaria em fazer um uso reverso (como engenharia política) desta ideologia pacifista.
As candidaturas que falarem calmamente, claramente, em tom absolutamente popular (dado o analfabetismo funcional), que suas propostas são positivas, teriam mais sucesso em reverter a tentativa de homicídio em seu favor.
A tríade seria: “Educação” (filhos vivos), “Trabalho” (pai abstêmio) e “Segurança”: expressão positiva, ao contrário de violência, que é negativa (negação da paz social).
Em eleição absurdamente irracional, recomenda-se usar a racionalidade. Neste caso, a Prudência (o valor) usaria da ideologia pacifista para um efeito positivo; contra o furor, a ira, a violência destrutiva, uma palavra de esperança. Esta é uma das lições de Maquiavel, o criador da Ciência Política: “o valor contra o furor”.
A política é violenta, por definição, porque se deve converter alguém contra sua vontade. No entanto, a saída não está em mais violência, mas, sim, na construção de instituições que canalizem a violência original: primitiva.
O Estado (violência institucionalizada) contra o “homem, lobo do homem” diria Hobbes: filósofo renascentista da política. - O direito serve para transformar as hordas em cidadãos. Pois é bem aqui que estamos, entre barbárie e civilização. No mais, é Ilha da Fantasia.