Capa da publicação Embriaguez alcoólica: conseqüências jurídico-penais
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A embriaguez alcoólica e as suas conseqüências jurídico-penais

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4. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA

A embriaguez, em suas múltiplas facetas, quando presente no momento delitivo, pode assumir diversas conseqüências para o agente, todas previstas em nosso ordenamento jurídico penal e de extrema relevância no momento da aplicação da pena. 91

A presença do estado de embriaguez, dependendo de sua causa, pode excluir ou diminuir a responsabilidade penal, da mesma forma pode ser considerada como circunstância agravante de pena 92 e até ser considerada hipótese de responsabilidade penal objetiva.

Conforme já advertido, o nosso ordenamento jurídico, ao rezar sobre o assunto, abrange ao estado de embriaguez qualquer privação, ou diminuição, do estado normal de entendimento do agente, de tal sorte que não só à embriaguez alcoólica é dada atenção, mas também à embriaguez proveniente de qualquer substância de efeitos semelhantes à alcoólica.

Assim, cabe advertir que o conceito de embriaguez não abrange tão-somente a intoxicação proveniente do álcool, mas também qualquer substância de efeitos análogos, capaz de retirar, ainda que parcialmente, a plena capacidade de discernimento do agente.

Como forma de uma melhor delimitação do objeto de estudo, aqui trataremos tão-somente da embriaguez alcoólica, sendo que quaisquer considerações futuras acerca das demais modalidades serão ressaltadas apenas por curiosidade.

Nessa esteira de raciocínio, vale advertir que, todas as vezes que adotarmos o termo embriaguez, estaremos nos referindo à embriaguez alcoólica.

4.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A bebida alcoólica pode ser considerada a droga mais vendida no planeta e o alcoolismo dela decorrente é um sério problema de saúde pública.

Seguramente, os antecedentes históricos da embriaguez remontam à mitologia, mais precisamente ao Deus Baco 93, ou ao correspondente na mitologia grega, Dionísio, ou, na mitologia romana, Líber.

A doutrina especializada traça a origem da embriaguez, remontando aos tempos mais primitivos, vejamos 94:

"o vício da embriaguez tem reflexo na mitologia, no relato das vidas de Baco e Cêres, nas páginas de Homero, Plutarco, Platão e Virgílio, nos relatos das bacanais, com os festins dos Césares e os grandes banquetes e orgias da época de Domiciano; Calígula, Nero, Tibério e Sétimo Severo foram grandes difusores do vício, desembocando na decadência romana; encontra-se ainda nas obras dos médicos Hipócrates e Galeno, nas anedotas de Noé, nas medidas de Draco contra o vício, e nas proibições do uso do álcool por Maomé como uma das abominações inventadas por Satã."

E é justamente com Baco que a mitologia conta o primeiro caso de embriaguez, traçando relevância à conseqüência danosa do consumo exacerbado de álcool. Segundo reza a lenda, certa vez, nos Jardins de Midas, onde morava Baco, o mesmo bebeu tanto que ficou embriagado por 100 dias. De tão inconveniente que se portava, os Deuses Marte e Mercúrio tiveram de amarrá-lo num tronco de roseira, até que o estado de embriaguez passasse. 95

A religião católica, por sua vez, foi uma das grandes propulsoras do consumo de bebidas alcoólicas. São diversos os casos bíblicos, nos quais o consumo do vinho aparece com demasiada naturalidade.

Seguindo os ensinamentos de Sznick 96, são mais de trezentas citações sobre o vinho e a vinha na Bíblia Sagrada, entre elas, as mais comuns: Eva foi vestida numa folha de parreira; um dos milagres de Cristo foi a mudança da água em vinho na bodas de Canã; a mudança do vinho em sangue de Cristo, o milagre da Eucaristia.

As mais preciosas, contudo, pelo menos para este trabalho de conclusão de curso, são duas passagens bíblicas que podem ser consideradas como a celebração de dois dos primeiros casos de inimputabilidades decorrentes de embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.

Na mesma esteira de raciocínio do Prof. José Loureiro 97, ao se referir ao Gênesis, cap. 19, versículo 32 98, "Santo Agostinho ensina que Lot não pecou pelo incesto contra suas filhas, que não foi voluntário, mas sim por ato de embriaguez."

A segunda passagem bíblica também se encontra no Gênesis e, segundo o citado professor 99:

"No Gênesis vamos encontrar também a notícia do aparecimento do vinho: ´E como Noé era lavrador, começou a cultivar a terra, e plantou a vinha. E tendo bebido do vinho, embebedou-se e apareceu nu na sua tenda.´ (Cap. 8, versículos 20 e 21).

O texto, na lição de Otacilio Oliveira Andrade, conta o surgimento do vinho e da ignorância de seu fabricante acerca de seus efeitos, tanto assim que Noé nada sofre e as conseqüências de sua embriaguez recaem sobre o descendente de seus filho Cam que o vira nu e embriagado."

Deixando de lado a mitologia e a religião, tudo indica que o consumo de bebidas alcoólicas, que contêm álcool etílico (etanol), advém desde o início da História, com os primeiros registros datados, aproximadamente, há 6.000 anos no Egito antigo e na Babilônia. As primeiras a serem utilizadas foram as bebidas fermentadas. As bebidas destiladas começaram a ser consumidas apenas na Idade Média, quando os árabes introduziram a técnica da destilação na Europa.

Desde o início de seu consumo, os efeitos do álcool sobre o indivíduo e a sua capacidade de alterar o comportamento já eram conhecidos por todas as diferentes populações que o utilizavam. Ainda que aceito socialmente, o consumo de álcool sofreu restrições que tentavam controlar ou prevenir o seu uso indevido. Mesmo assim, o etanol continua sendo a substância psicoativa mais usada e o solvente de maior exposição para o homem, com exceção da água.

Nos Estados Unidos, estima-se que 88% da população adulta consomem bebidas alcoólicas voluntariamente; destes, 59% estão na faixa etária jovem; com idade entre 18 a 25 anos. A população adulta com idade acima de 35 anos pode contribuir com até 49% dos consumidores de álcool, sendo que os problemas com dependência podem chegar até 14%. No Brasil, calcula-se por aproximação que uma em cada dez pessoas tenha problemas com o uso indevido do álcool. 100

Por fim, vale ressaltar que os estudos científicos sobre a embriaguez começaram a ser realizados somente no século XIX, com Hass, em 1852, com Magnam, em 1874, com Lasègne, em 1881, e com Guarnier, em 1890, todos na França. Já, na Alemanha, são destacados os trabalhos de Kraeplein, Forel e Bleulet. 101

4.2. CONCEITO

A embriaguez, intoxicação aguda, é classificada pela CID.10 102 da OMS (Organização Mundial da Saúde – ONU), sob a rubrica "transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso álcool".

Manzini 103 conceitua a embriaguez como "a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool, cujos efeitos podem progredir de uma ligeira excitação inicial até ao estado de paralisia e coma."

Nesta esteira de raciocínio, a bebedeira ou intoxicação aguda provocada pelo álcool é um estado conseqüente ao uso de uma substância inebriante que compreende perturbações da consciência, das faculdades cognitivas, da percepção, do afeto ou do comportamento, ou de outras funções e respostas psicofisiológicas.

Como cediço, os efeitos farmacológicos da substância ingerida estão em estreita relação com essas perturbações apontadas, sendo que os mesmos desapareceriam com o tempo, salvo nos casos onde surgiram lesões orgânicas ou outras complicações.

Cabe salientar que a natureza destas complicações depende da categoria farmacológica da substância consumida, assim como de seu modo e intensidade de administração.

A Organização Mundial de Saúde da ONU (OMS) define a embriaguez como sendo toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas.

O Prof. Almeida Júnior 104, adotando a definição da Associação Britânica de Medicina, por sua vez, conceitua a embriaguez como a palavra:

"usada para significar que o indivíduo está de tal forma influenciado pelo álcool que perdeu o governo de suas faculdades, a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência o trabalho a que se consagra no momento."

Vale ressaltar que, no caso concreto, costuma-se aceitar a idéia de que uma dosagem sanguínea de 4 decigramas de álcool por litro de sangue seria suficiente para dificultar a compreensão e diminuir a capacidade de atenção, sendo que a maioria das pessoas com essa dosagem começa a apresentar alterações também na censura moral.

Dessa forma, pode-se afiançar que a bebedeira ou intoxicação aguda pelo álcool está relacionada à quantidade ingerida de álcool, bem como ao tempo dessa ingestão e à tolerância individual.

4.3. BEBIDAS ALCOÓLICAS E SUAS VARIEDADES

As bebidas alcoólicas são caracterizas pela presença do álcool etílico ou etanol 105, sob a fórmula química CH3-CH2-OH, na proporção de 0,5 a 75,5% em volume.

O etanol é o agente de maior uso e abuso em todo o mundo. Nos Estados Unidos, existem 15 a 20 milhões de alcoólatras, e cerca de 100.000 mortes por ano são atribuídas ao abuso de álcool, com custo econômico de 100 a 130 bilhões de dólares. 106

O ácido etílico pode ser facilmente encontrado nas bebidas alcoólicas, como a cerveja, o vinho, a aguardente e etc.

Comumente, as bebidas alcoólicas são divididas em três grandes grupos, que englobam, respectivamente, as bebidas fermentadas, as bebidas destiladas e as bebidas alcoolizadas. 107

Encontram-se no grupo das bebidas fermentadas, principalmente, os vinhos, as cervejas, a cidra e o cauim.

As bebidas fermentadas se destacam pelo baixo teor alcoólico em relação às demais bebidas que têm o etanol como base de sua composição. Outra característica peculiar deste grupo de bebidas é o fato das mesmas serem formadas pela fermentação natural de substâncias ternárias, como o açúcar e o amido. 108

O grupo das bebidas destiladas, por sua vez, tem como integrantes a aguardente, o conhaque, o uísque, a bagaceira, a macieira, a vodca, o saquê, o Mou-Taichiew, entre outras.

O que caracteriza este grupo de bebidas é o fato de todas as suas integrantes possuírem grande concentração alcoólica, sendo que a formação das mesmas se dá por destilação em alambiques, a partir das bebidas fermentadas. 109

Por fim, o terceiro grupo de bebidas, segundo a classificação apresentada, é o das bebidas alcoolizadas. Como exemplo de bebidas alcoolizadas podemos citar os vinhos do Porto, Madeira, Jerez, Marsala, Málaga. 110

As bebidas alcoolizadas têm como particularidade a adição, artificial, de uma nova dose de álcool etílico após a fermentação que dá origem à bebida. 111

O Prof. José Loureiro, em sua obra, apresenta um quadro bastante interessante no tocante à concentração alcoólica, bem como a natureza, de alguma das bebidas assinaladas: 112

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PORCENTAGEM DE ÁLCOOL EM ALGUMAS BEBIDAS

BEBIDA

NATUREZA

% DE ÁLCOOL

Cerveja

Fermentação da cevada

3,5 a 6

Vinho de mesa

Fermentação da uva

10 a 14

Cidra

Fermentação da maçã

5 a 6

Champagne

Vinho especial açucarado

10 a 15

Vinho do Porto

Vinho alcoolizado

19 a 20

Vinho Madeira

Vinho alcoolizado

19 a 24

Aguardente

Destilação de garapa fermentada

38 a 53

Uísque

Destilação de cevada fermentada

40 a 50

Conhaque

Destilação do vinho

45 a 58

Licores em geral

Açúcar, mais corante, mais essência aromática

0 a 50

4.4. FISIOPATOGENIA E FATORES QUE ACELERAM OU RETARDAM A INSTALAÇÃO DA EMBRIAGUEZ

Preliminarmente, cumpre assinalar que a fisiopatogenia do álcool etílico engloba inicialmente a sua absorção, o seu conseqüente metabolismo e a sua derradeira excreção.

São diversas as formas de introdução do etanol no organismo humano, sendo que, a mais comum é a por via digestiva. Também não podem ser desprezadas, embora irrisórias em relação à anterior, as introduções por via respiratória, nas hipóteses de intoxicações profissionais, por via cutânea e por via intravenosas, nos casos de medidas terapêuticas ou anestésicas. 113

Preciosas são as lições de Genivaldo França 114, no que concerne a absorção do álcool, vejamos:

"Após a ingestão, o álcool começa a ser absorvido pela via digestiva, passando diretamente para a veia porta e para o fígado, indo à circulação sanguínea e linfática do organismo, onde vai se distribuindo pelos tecidos em geral. No instante em que a absorção se equilibra com a difusão, a concentração de álcool no sangue mantém-se uniforme. A isto chama-se equilíbrio de difusão."

Assim, logo após a ingestão, a absorção do etanol é iniciada pelo estômago e, após, pelo intestino delgado.

Com muita propriedade, Pierre Harichaux e Jean Humbert 115 esquematizam o fenômeno da absorção alcoólica pelo organismo humano:

"Proveniente da boca, o álcool chega ao estômago, onde permanece de quinze a uma hora, nos casos de ser ingerido em jejum ou com refeição, respectivamente.

No primeiro caso, quando ingerido em jejum, a absorção dar-se-á ao nível do estômago. Em geral, a absorção ocorre ao nível do intestino delgado, difundindo-se no sangue, que o conduz ao fígado. Em seguida, o sangue alcoolizado passará para o coração, depois para todas as partes do corpo, inclusive para o cérebro. Todos os órgãos, vísceras, tecidos, humores, secreções e excreções são embebidos pelo álcool, cuja distribuição pelos tecidos é sensivelmente proporcional à sua riqueza em gordura."

Ressalta-se que, após a absorção, o álcool é transferido diretamente para o sangue, por simples difusão. Assim, uma vez no sangue, praticamente todos os órgãos, vísceras, tecidos e humores, bem como as secreções e excreções, são alcançados pelo etanol. 116

Vale destacar que a rapidez da absorção, que é um fenômeno completamente diferente da tolerância alcoólica, varia de acordo com alguns fatores e circunstâncias que aceleram ou retardam a instalação da embriaguez, como, por exemplo, o fracionamento e o espaçamento das doses, a concentração do álcool contida na bebida, a quantidade de álcool ingerida, a presença ou não de alimentos no estômago e a capacidade de maior ou de menor absorção do indivíduo, sendo que o tempo necessário para uma completa absorção do etanol varia de duas a seis horas. 117

Com a absorção, o álcool é metabolizado no próprio organismo humano, em velocidade constante, independentemente da quantidade ingerida.

A título de exemplo, em nosso organismo humano, o álcool é metabolizado numa velocidade de 0,2 grama por quilo de peso por hora. Isto significa que uma garrafa de cerveja (20 gramas) leva 90 minutos para ser metabolizado por uma pessoa de 70 kg. Assim sendo, a embriaguez deve ocorrer quando a quantidade de álcool ingerido é maior do que a velocidade de sua metabolização.

Já em relação à excreção, Odon Maranhão 118 nos ensina que a:

"defesa orgânica se processa por oxidação (mais de 90%) e excreção (de 2 a 10%). Uma pequena parcela é eliminada pelos rins (3%) e outra pelo aparelho respiratório (2 a 4%). Até 11 horas após a ingestão, há eliminação de 70% e os 100% são alcançados antes das 24 horas".

O processo acima referido é o de desintoxicação, no qual são realizadas sucessivas oxidações, transformando o álcool ingerido em aldeído, ácido acético, gás carbono e água. Assim, o organismo humano consome cerca de 7,2 calorias por grama de etanol. 119

Ressalta-se que o efeito narcótico produzido pelo consumo exagerado de álcool, cujo primeiro sintoma é a excitação e em seguida a depressão, é decorrente da impregnação do álcool nos tecidos lipossolúveis, com predominância no cérebro. Isso se dá nas hipóteses em que a dose ingerida ultrapassa a produção calórica. 120

4.5. DIAGNÓSTICO DA EMBRIAGUEZ

Nas hipóteses aparentes de embriaguez, tem sido utilizado, de forma isolada, para a comprovação da embriaguez, a dosagem de alcoolemia 121 .

Para se dosar a quantidade de álcool no sangue humano, podem ser utilizados a saliva, a urina, o líquido cefalorraquiano, o ar expirado e o próprio sangue.

Não obstante a vasta gama de opções apresentadas ao perito médico-legal, apenas podem ser consideradas precisas as alcoolemias provenientes do sangue e do ar expirado.

Como principais testes clínicos para a dosagem da quantidade de álcool no sangue, são apontados pelo Prof. Maranhão 122, como técnicas diretas ou indiretas (no ar expirado):

"No primeiro grupo incluem-se os métodos de:

a) Nicloux – baseia-se na oxidação do álcool pelo bicromato de potássio em meio sulfúrico e na troca de coloração da mistura, que passa de amarela a azul-esverdeada, pela formação de sulfato de cromo.

b) Newman – o líquido contendo álcool a ser dosado é destilado e os vapores reagem com mistura sulfocrômica. A oxidação proz ácido acético e o excesso de bicromato é dosado por iodometria.

c) Widmark – o álcool é oxidado por bicromato de potássio e o excesso dosado por iodometria.

Os métodos espirométricos são basicamente dois: o alcoômetro (Yale) e o chamado ´bafômetro´.

d) Alcoômetro de ´Yale´ – 30 cc de ar expirado reagem com pentóxido de iodo a quente. Depreende-se vapor de iodo, que é absorvido por uma solução diluída de amido e iodeto de potássio, resultando cor azul característica. A intensidade desta é proporcional ao álcool do ar expirado e é medida por célula fotoelétrica. As variações são transmitidas a um quadrante luminoso, que fornece a dosagem.

e) ´Bafômetro´ – recolhe o ar expirado em balão plástico padronizado, por meio de bocal descartável, de uso individual. Depois faz-se esse ar atravessar uma ampola-teste (contendo reagente, para ser reduzida a vapor de álcool), que muda de cor e permite avaliação em escala colorimétrica (a reação é irreversível)."

Assim, realizada a alcoolemia por intermédio do teste clínico, passa-se à comparação da presença de álcool apontada no teste com a seguinte tabela, de autoria de Simonin 123:

Concentração cc 0/00

Gr 0/00

Significado

1) 0,5 – 1,5

0,3 – 1,12

Sem intoxicação aparente

2) 1 – 2

0,75 – 1,15

Embriaguez (1.º período)

3) 2 – 4

1,5 – 3,75

Embriaguez completa (2.º período)

4) 4 – 5

3 – 3,75

Coma alcoólico

5) 4 – 6

3 – 4,5

Dose mortal

No entanto, a situação não é tão simples quanto se apresenta. Conforme anteriormente assinalado, existem uma série de fatores que influenciam a instalação do estado nocivo de embriaguez, entre eles, a resistência individual, bem como a prática no consumo de bebidas alcoólicas.

Da mesma forma, podemos nos deparar com uma pessoa muito sensível, ou alérgica, ou com idiossincrasia, a qual, com uma dosagem considerada normal, pode apresentar um forte distúrbio comportamental. 124

Acerca deste assunto, com muita propriedade se manifesta o Prof. Genivaldo França 125, vejamos:

"Há indivíduos que, trazendo uma taxa elevada de álcool no sangue, permanecem em condições psíquicas e neurológicas sem características de embriaguez, com comportamento correto, dada a sua grande tolerância ao álcool. Há outros, no entanto, que ao ingerirem pequenas quantidades, não deixam dúvidas quanto ao seu grau de embriaguez, através de manifestações somáticas, psíquicas, nervosas e anti-sociais. Por isso, não se compreende o estabelecimento de determinadas taxas de concentração de álcool para caracterizar de modo absoluto os limites de uma embriaguez."

Neste diapasão, em estudos realizados, chegou-se à conclusão, por amostragem, do percentual provável de pessoas que provavelmente estariam embriagadas, ao ser levado em consideração a presença de certa quantidade de álcool em suas vias sanguíneas. Vejamos o gráfico trazido pelo Prof. Odon Maranhão 126:

Alcoolemia em gr 0/00

Alcoolemia em cc 0/00

% da pessoas influenciadas pelo álcool

0,03

0,04

Normal

0,4 – 0,60

0,05 – 0,08

0

0,61 – 0,80

0,81 – 0,06

15

1,01 – 1,20

1,34 – 1,59

38

1,21 – 1,40

1,60 – 1,86

54

1,41 – 1,60

1,87 – 2,13

71

Valor-limite

1,8 – 2,00

2,40 – 2,66

88

2,21 – 2,60

2,94 – 3,45

95

3,01 e mais

4,00 e mais

100

Assim, como em direito a embriaguez não se presume, mas se diagnostica (ebrietas non presumitur, onus probandi incumbit alleganti), resta evidente que o simples exame de dosagem de álcool no sangue não é suficiente para a comprovação da embriaguez.

Os nossos tribunais, inclusive, já vêm em reiteradas decisões julgando que o exame de dosagem alcoólica pode ser invalidado pela prova testemunhal.

Nesta esteira de raciocínio, do ponto de vista jurídico, o que realmente interessa é o comportamento social do agente, o qual, indubitavelmente, poderá determinar se o mesmo está propenso ou não ao cometimento de infrações. Somente após a análise desse comportamento é que se poderá afirmar com exatidão se o agente foi ou não afetado pelo seu consumo de álcool.

Dessa forma, com bastante propriedade são ensinamentos de Almeida Júnior, no sentido de que, no indivíduo vivo, além, dos testes de alcoolemia, ainda restam necessários para o diagnóstico da embriaguez a observação comum, o exame clínico e os testes. 127

Baseando-se na observação comum, em alguns testes e em exames clínicos, a embriaguez pode ser diagnosticada por intermédio de uma série de contra-reações do organismo humano ao álcool, facilmente perceptíveis.

Em graus mais elevados de embriaguez, a mesma pode ser indicada até por pessoas consideradas leigas, no entanto, face o alcoolismo se constituir em uma patologia, catalogada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ela foi fortemente estudada, a ponto dos especialistas traçarem uma série de manifestações apresentadas pelo sujeito embriagado.

Assim, podem ser apontadas como manifestações clínicas clássicas, obviamente variáveis de acordo com o caso, tempo decorrido da ingestão alcoólica, bem como o grau de intoxicação aguda, as seguintes manifestações: 128

  • Língua seca, saburrosa ou salivação abundante;

  • Conduta insolente, linguagem injuriosa, loquacidade, excitação ou indiferença;

  • Roupas em desordem ou sujas, contrastando com o usual do paciente;

  • Conjuntiva irritada ou hiperemiada;

  • Pupilas dilatadas ou muito fechadas; nistagmo; reflexos alterados;

  • Voz oscilantes, rouca ou disártrica;

  • Memória comprometida ou perdida;

  • Alteração de marcha;

  • Tremores, incordenação motora;

  • Alteração do ritmo respiratório (Calabuig)

Nessa esteira de raciocínio, o trabalho do perito, ao analisar a situação concreta, deverá ir muito além de determinar o simples grau de alcoolemia, uma vez que o que realmente interessa para a Justiça, conforme já assinalado, é como o indivíduo se comportava em seu entendimento numa ação ou omissão criminosa.

Dessa forma, o Prof. Genivaldo França 129 apresenta seis quesitos de indispensável presença em um Boletim de Ocorrência ou em um Laudo Pericial comum, vejamos:

"1.º Se há ou não embriaguez;

2.º Se, em caso afirmativo, a embriaguez é ou não completa;

3.º Se a embriaguez comprovada é um fenômeno episódico, ocasional, ou se trata de um estado de embriaguez aguda manifestada em alcoolismo crônico;

4.º Se se trata de uma embriaguez patológica;

5.º Se, no caso em que se encontra o paciente, pode ele pôr em risco a segurança própria ou alheia;

6.º Se é necessário o tratamento compulsório."

A razão de toda essa detalhada quesitação poderá ser verificada mais adiante, no momento em que tratarmos das espécies de embriaguez e as suas conseqüências jurídico-penais.

Assim, de acordo com a espécie de embriaguez comprovada, a aplicação da pena sofrerá profundas alterações. A título de exemplo, por hora, poderemos indicar situações em que teremos o agente da infração criminal com a sua punibilidade extinta, ao passo de outras situações em que o mesmo agente, fazendo o uso da mesma bebida alcoólica, num mesmo grau de alcoolemia, poderá ter a sua pena agravada.

Urge advertir que, para a comprovação da embriaguez, bem como a determinação do seu grau e espécie, muito elucidativo são os ensinamentos, em forma de indagações, do Prof. Ernesto Lopes da Silva Júnior 130, vejamos:

  • Aparência: sonolento? Faces congestas? Olhos vermelhos? Baba? Soluço? Vômito? Vestes desalinhadas?

  • Atitude: excitado? Arrogante? Loquaz? Deprimido?

  • Orientação no tempo e no espaço: onde está? Que dia é hoje? Que horas são?

  • Memória: sabe onde mora? Lembra os atos que praticou?

  • Prova de cálculo simples

  • Elocução: fala com clareza? Mandar ler um trecho qualquer

  • Marcha e equilíbrio: andar com os olhos fechados, pesquisar o sinal de Romberg

  • Coordenação motora: apanhar um objeto pequeno, colocar uma pena na caneta

  • Prova escrita

  • Pupilas: dimensões, reações

  • Sensibilidade: tátil, térmica, dolorosa

  • Hálito

  • Há sinais de doenças ou traumatismos?

Se não bastasse só isso, outro fator complicador é o tempo decorrido entre o cometimento da infração em estado, teoricamente, de embriaguez, e o momento da realização da perícia médica.

Assim, o perito, ao realizar os testes acima-assinalados, deverá ter sempre em mente, segundo as preciosas lições do Prof. José Loureiro 131, que:

"a) poucos minutos após a ingestão da bebida alcoólica já é possível encontrar álcool no sangue; b) entre 30 minutos a 2 horas esteja em jejum ou não, e conforme seja concentrada ou diluída, a percentagem de álcool atinge o máximo no sangue; c) atingido o máximo, o álcool vai sendo oxidado e eliminado, 7 a 10cm3">3 por hora, num adulto; d) após 24 horas, nenhum álcool se encontrará mais no sangue, salvo se álcool metílico 132, o que é excepcional."

Neste diapasão, indispensável se torna o registro da hora exata da realização dos exames para futura confrontação com a hora da ingestão da bebida e com a do fato que motivou o exame.

4.6. FASES DA EMBRIAGUEZ

Inobstante a imensa dificuldade dentro da ótica médica em separar os respectivos períodos de embriaguez, a mesma costuma ser dividida doutrinariamente em três fases 133, quais sejam, respectivamente, a fase eufórica, a fase agitada e a fase comatosa.

Insta salientar que tais fases são diretamente influenciadas sobretudo pela tolerância individual à bebida, bem como pela quantidade de álcool ingerida e pelo transcurso de tempo.

O primeiro período, também denominado de excitação, ou do macaco, é a fase inicial da bebedeira.

Ressalta-se que tal fase é comparada ao macaco devido a semelhança que o agente que consome bebida alcoólica apresenta ao se portar como o referido animal, tornando-se irrequieto, buliçoso, loquaz, espigaitado, com a consciência frenada no que concerne a determinados atos e aumentando o seu comportamento social. 134

Odon Maranhão 135 traça com magistral clareza as conseqüências clínicas iniciais que o consumo de álcool provoca aos seres humanos, vejamos:

"As funções intelectuais mostram-se excitadas e o paciente particularmente eufórico. Dá mesmo a impressão de estar excitado. Na realidade isso não ocorre, pois o álcool é tipicamente depressivo: os centros superiores não estão excitados mas os de controle estão intoxicados. A vontade e a autocrítica mostram-se rebaixadas. A capacidade de julgamento se compromete. Há certo grau de erotismo (na realidade é simples desinibição)."

Prossegue na caracterização o renomado professor 136:

"As provas psicotécnicas já apuraram dados específicos: diminuição de atenção e aumento do tempo de reação (latência). Ocorre logo uma imprecisão nas respostas reflexas, mesmo em simples teste digital (‘prova índice-índice’). O exame neurológico apura midríase e nistagmo horizontal (em decúbito lateral)."

A segunda fase, ou fase de confusão, ou do leão, ou da depressão, é o período de maior relevância para o estudo criminal.

Essa fase é caracterizada pela agitação e pela agressividade, na qual o sujeito se torna perigoso e insolente.

Com extrema propriedade, Delton Croce 137 apresenta as características comportamentais do ébrio nessa fase, advertindo que o mesmo emprega:

"desconexa linguagem de baixo calão, falando insultuosamente de imaginárias infidelidades e prevaricações da esposa e recriminações e ofensas morais a terceiros, alma vulgar despeada de procedimento social, inebriada com os fumos que lhe sobem à cabeça: desejos insaciáveis, apetites desordenados, vaidade, perversidade, fanatismo. Levados a custo para o leito, ou para o catre de cadeias públicas, no dia seguintes muitos não recordam do triste espetáculo da véspera; outros guardam lembrança do sucedido e juram, otimisticamente, que nunca mais beberão, para logo quebrarem a promessa, repetindo as vexatórias cenas no lar e no trabalho, até serem demitidos, desequilibrando o orçamento doméstico e criando mais motivos para angústia – e para se embriagar mais e mais. É a embriaguez completa."

De forma semelhante, o Prof. José Loureiro 138 traça o perfil daquele que se encontra na fase do leão, vejamos:

"paciente com vestes em desalinho, agressivo, discurso arrastado, desatento ao examinador, face ruborizada, conjuntiva hiperemiada, hálito alcoólico, reflexo fotomotor retardado, sinal de Ronberg presente ou esboçado, marcha titubeante, coordenação muscular muito atingida."

Vale ressaltar que, nessa fase, há perturbações psicossensoriais profundas, as quais são responsáveis pelos acidentes e pelas infrações penais, ou seja, pelos atos anti-sociais em geral. Assim, levando-se em consideração o estado avançado de embriaguez do agente, os delitos mais comuns praticados durante essa fase são os atentados sexuais e as agressões, bem como as agitações no que concerne ao início de brigas, devido ao comportamento agressivo que caracteriza o presente período. 139

O terceiro período, ou comatoso, ou de sono, ou do porco, é o mais debilitante para a saúde humana, podendo acarretar inclusive a morte do agente.

Vale ressaltar que somente se atinge essa última fase naquelas situações em que grandes doses de bebidas alcoólicas são ingeridas.

Nesse período, a ocorrência de infrações penais é reduzida a praticamente zero, sendo que, eventuais atos criminosos só ocorrerão se for por omissão.

A caracterização de tal período fica a cargo do Prof. Maranhão 140, vejamos:

"inicialmente há sono e o coma se instala progressivamente. Pode ocorrer espúrcia, por relaxamento dos esfíncteres, e vômito, conseqüentemente à náusea. Depois sobrevém anestesia profunda, abolição dos reflexos, paralisia e hipotermia. O estado comatoso pode se tornar irreversível (mortal). Quando há exposição ao frio o fenômeno mortal fica facilitado (a morte pode ocorrer por bronquite copneumonia aguda, como ocorre com os alcoolizados que dormem nas vias públicas; por asfixia, conseqüente a uma sufocação provocada por regurgitamento de alimento, por processo hemorrágico, meníngeo ou pancreático)."

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Sobre o autor
Luiz Eduardo da Vitória Mattedi

Servidor do Ministério Público Federal do Estado do Espírito Santo e Advogado em Vitória/ES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTEDI, Luiz Eduardo Vitória. A embriaguez alcoólica e as suas conseqüências jurídico-penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 718, 19 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6914. Acesso em: 18 nov. 2024.

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