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A embriaguez alcoólica e as suas conseqüências jurídico-penais

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Resumo:


  • A embriaguez alcoólica pode ter diversas consequências jurídico-penais, variando de acordo com sua origem e grau de influência sobre o indivíduo.

  • A teoria da "actio libera in causa" é aplicada em casos de embriaguez preordenada, onde o indivíduo se embriaga intencionalmente para cometer um crime, resultando em agravamento da pena.

  • O Código de Trânsito Brasileiro estabelece punições severas para a condução de veículos sob influência de álcool, considerando infração gravíssima e prevendo detenção, multa e suspensão do direito de dirigir.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. A EMBRIAGUEZ E A SUA DISCIPLINA NA LEGISLAÇÃO CRIMINAL ESPARSA

O consumo desenfreado de bebidas alcoólicas provoca, se analisado sob a ótica social, problemas gravíssimos que vão muito além da ordem conjugal, familiar, econômica e de saúde física e psíquica.

Nesse contexto, inúmeros são os institutos jurídicos que abordam tal disciplina, entre eles, o direito do trabalho, quando o assunto são os acidentes de trabalho provenientes da embriaguez; a ordem civil, ao considerar os portadores de embriaguez crônica ou de manifestações agudas ou subagudas decorrentes dessa cronicidade como absolutamente incapazes, ao poder constituir injúria grave, dar ensejo à separação judicial, bem como justificar a destituição de pátrio poder, nos casos de embriaguez habitual; a justiça castrense, que apresenta como tipo próprio a embriaguez do militar em serviço, bem como reconhece a responsabilidade criminal na embriaguez, em igual condição ao Código Penal comum no tocante aos casos fortuitos ou de força maior e, nas demais situações, sempre agrava a pena.

Na ordem criminal propriamente dita, o Código Penal, conforme ora estudado, dá à embriaguez, em suas múltiplas facetas, um papel todo especial.

A presença da embriaguez também pode ser notada nas legislações criminais esparsas, como no Decreto Lei n.º 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais) e na Lei n° 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).

O estudo da embriaguez, assim, e as suas conseqüências, apresenta-se de relevante importância quando o assunto é a sua relação com o meio social.

6.1. A EMBRIAGUEZ COMO CONTRAVENÇÃO PENAL

O Decreto-Lei n.º 3.688, do dia 03 de outubro de 1941 manifesta-se em dois momentos, quando o assunto trata-se de embriaguez ou de bebidas alcoólicas.

Segundo o art. 62 do Decreto-lei em estudo, constitui contravenção penal, sujeitando infrator à pena de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa, "apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia".

No parágrafo único deste mesmo dispositivo, a Lei de Contravenções Penais faz referência aos casos de embriaguez habitual, rezando que "se habitual a embriaguez, o contraventor é internado em casa de custódia e tratamento."

Nessa mesma esteira de importância, o art. 63 do Decreto-lei n.º 3.688/41, também considera como contravenção penal, punível com prisão simples de 2 meses a 1 ano, ou multa, o ato de "servir bebidas alcoólicas a menor de 18 anos, a quem se acha em estado de embriaguez, a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais e a pessoa que o agente sabe estar judicialmente proibida de freqüentar lugares onde se consome bebida de tal natureza".

6.2. A EMBRIAGUEZ E A SUA RELAÇÃO COM A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

A embriaguez, por si só, não caracteriza apenas contravenção penal, mas também conduta temerária na direção de veículos, tornando-se responsável por milhares de mortes todos os anos.

Conforme sobejamente demonstrado no transcorrer deste trabalho, a embriaguez diminui a rapidez e a precisão dos reflexos do condutor, causando alterações no tempo de reação, atenção, concentração, processamento de informação, função visual, percepção, performance psicomotora e performance como motorista; todos este fatores estimulam a imprudência e, conseqüentemente, estão diretamente ligados ao cometimento de crimes de trânsito.

No Brasil, estes problemas são especialmente preocupantes, pois o uso de bebidas alcoólicas está relacionado com 39% das ocorrências policiais de cada ano (SSP-SP, 1980) e com 75% dos acidentes com vítimas fatais.

O álcool é responsável por mais de 90% das internações hospitalares por dependência, e está associado a mais da metade dos acidentes de trânsito, principal causa de morte na faixa etária de 16 a 20 anos. Além disso, a literatura internacional mostra que cerca de 10-12% da população mundial é dependente de álcool que, seguramente é a droga que mais danos traz à sociedade. Assim o uso abusivo de álcool se constitui num importante problema de saúde pública. 185

Assim, em todo o mundo, medidas têm sido tomadas para prevenir acidentes de trânsito, e a abordagem mais comum e efetiva para isso tem sido leis específicas que regulamentam a relação entre o uso de bebidas alcoólicas e a direção de veículos automotores.

Dessa forma, a dosagem de alcoolemia 186 vem sendo usada em todo o mundo como a forma mais comum para o diagnóstico do motorista alcoolizado. E, neste contexto, as respectivas legislações alienígenas se reportam ao teste de alcoolemia para diagnosticar se o motorista se apresenta sob os efeitos do álcool.

A variação permitida para a concentração de álcool no sangue, contudo, varia conforme o país de origem do motorista, seguindo as orientações do Prof. Odon Maranhão. 187

ALCOOLEMIA E "DIREÇÃO PERIGOSA"

Países

Gramas 0/00

Suécia

0,50

Noruega

0,50

Tcheco-Eslováquia

0,30

Alemanha

1,50

Bélgica

1,50

EUA

1,50

No Brasil, o antigo Código Nacional de Trânsito definia o limite máximo de alcoolemia para motoristas como de 0,8 g/l, mas não existiam punições objetivas para aqueles que descumprissem esse limite. Na prática, esse limite funcionava como letra morta no sentido de prevenção de acidentes, embora fosse utilizado pelas companhias de seguro como forma de evitar o pagamento de sinistros.

Na tentativa de diminuir os acidentes gerados pelo excesso de bebida, o novo Código de Trânsito Brasileiro (Lei n° 9.503/97), considerou infração gravissíma dirigir sob a influência de álcool em nível superior a 0,6 g/l de sangue, bem como previu a realização de teste de alcoolemia, exames clínicos e outras técnicas científicas para os suspeitos envolvidos em acidentes de trânsito ou alvos de fiscalização.

Nesse sentido, o Código de Trânsito reiterou os termos da Resolução n.º 737, de 12 de setembro de 1989, a qual, no parágrafo único do seu art. 2.º, afiança que "o teste com aparelho sensor de ar alveolar (bafômetro), o exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico examinador, ou outros quaisquer meios técnico-científicos que possam certificar o teor alcoólico constituirão provas para todo e qualquer efeito."

Vejamos o posicionamento adotado pelo Código de Trânsito Brasileiro em relação à embriaguez:

Das infrações

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Infração: gravíssima 7 pontos;

Penalidade: multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir;

Medida administrativa: retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação;

Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

Art. 166. Confiar ou entregar a direção de veículo a pessoa que, mesmo habilitada, por seu estado físico ou psíquico, não estiver em condições de dirigi-lo com segurança:

Infração: gravíssima 7 pontos;

Penalidade: multa.

Das medidas administrativas

Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:

IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia.

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

Parágrafo único. Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

Dos crimes de trânsito

Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.

Parágrafo único. Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência do álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Penas: detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

O CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito - ainda publicou a Resolução n° 81, de 19 de novembro de 1998, no intuito de disciplinar o uso de medidores da alcoolemia e a pesquisa de substâncias entorpecentes no organismo humano, estabelecendo os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes, entre eles o teste de bafômetro, o exame clínico e os exames realizados por laboratórios especializados. 188

Resta cristalino, pelos preceitos trazidos pela legislação de trânsito, que o legislador teve a acuidade de coibir a prática da direção sob os efeitos do álcool da forma mais severa encontrada.

Podemos apontar como conseqüências desta medida, a tipificação do ato de conduzir veículo automotor sob efeito de álcool ou outras substâncias de efeitos análogos, com penas de detenção de até três anos, além da suspensão ou mesmo proibição de dirigir.

O legislador, com extrema particularidade, estabeleceu, no artigo 276, um impedimento para a direção de veículo automotor, qual seja, a presença do nível de alcoolemia de 0,6 g/l como o máximo permitido.

A problemática, no entanto, reside na confusão das definições. Enquanto no artigo 165, caput se fala em dirigir sob a influência de álcool, no parágrafo único do mesmo dispositivo se fala em embriaguez. A mesma indefinição se observa nos artigos 291 e 306, que tratam da criminalização referente a uso de álcool na direção.

Vale destacar aquilo que já foi objeto de esboço no item 3.5, no momento do estudo do diagnóstico da embriaguez.

Conforme já assinalado, os teste de alcoolemia, por si só, não são suficientes para o diagnóstico da embriaguez, sendo de extrema necessidade os exames clínicos, baseados, primordialmente, na observação de manifestações comuns.

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É patente que existem uma série de fatores que influenciam a instalação do estado nocivo de embriaguez, entre eles, a resistência individual, bem como a prática no consumo de bebidas alcoólicas.

Da mesma forma, podemos nos deparar com uma pessoa muito sensível, ou alérgica, ou com idiossincrasia, a qual, com uma dosagem considerada normal, pode apresentar um forte distúrbio comportamental.

Nesta esteira de raciocínio, do ponto de vista jurídico, o que realmente interessa é o comportamento social do agente, o qual, indubitavelmente, poderá determinar se o mesmo está propenso ou não ao cometimento de infrações de trânsito. Somente após a análise desse comportamento é que se poderá afirmar com exatidão se o agente foi ou não afetado pelo seu consumo de álcool.

Dessa forma, o trabalho do perito, ao analisar a situação concreta, deverá ir muito além de determinar o simples grau de alcoolemia, uma vez que o que realmente interessa para a Justiça é como o indivíduo se comportava no momento que dirigia o seu veículo automotor.

Outra confusão gerada pela legislação de trânsito se encontra no art. 306 do dispositivo em comento, mais precisamente no que concerne a natureza jurídica do crime de embriaguez ao volante.

Inicialmente, vale destacar que, acerca deste assunto, encontramos em nosso ordenamento jurídico ao menos quatro distintos posicionamentos.

A primeira manifestação doutrinária considera o delito de embriaguez ao volante como um crime de perigo concreto. De acordo com essa corrente doutrinária, não se pode considerar o simples ato de o sujeito dirigir um automóvel em via pública em estado de embriaguez como suficiente para configurar o crime do art. 306 do Código de Trânsito, de tal sorte que, para a configuração do crime, resta imprescindível que da conduta do motorista embriagado resulte algum perigo concreto.

Assim, resta sobejamente necessária a demonstração de que o motorista, com o seu comportamento, expõe a segurança alheia a algum perigo, caso contrário, o fato deverá ser considerado atípico.

O segundo posicionamento doutrinário considera tal crime como de perigo abstrato. Dessa forma, o simples fato de o agente dirigir um veículo em estado de embriaguez já é suficiente para configurar a conduta descrita no art. 306 do Código de Trânsito, pouco importando a proximidade de tal conduta ao perigo concreto que dela pode ser decorrente.

Um terceiro posicionamento orienta-se no sentido de que, havendo perigo concreto, ocorre o crime do art. 306 do Código de Trânsito, sendo que a simples embriaguez ao volante, sem perigo concreto, conduz ao art. 34 da Lei de Contravenção Penal, ou seja, perigo abstrato.

A quarta orientação é a defendida pelo Prof. Damásio de Jesus, o qual considera o delito de embriaguez ao volante como um crime de lesão e de mera conduta.

Vejamos a justificativa do Prof Damásio 189:

"Note-se que o fato configura crime contra a incolumidade pública, tendo a coletividade por sujeito passivo. Não se trata de infração penal contra a pessoa. Não se exige, diante disso, prova de que algum objeto jurídico individual sofreu risco de dano. Basta, pois, a probabilidade de dano, a possibilidade de risco à coletividade ou ‘dano potencial’, que reduz o nível de segurança nas relações de trânsito (objetividade jurídica principal). Dirigindo embriagado e de forma anormal (crime de mera conduta), o motorista expõe a coletividade a relevante probabilidade de dano, que constitui lesão ao objeto jurídico ‘incolumidade pública’, no que concerne à segurança do trânsito (delito de lesão). Repita-se: o sujeito passivo é a coletividade e não a pessoa. Em face disso, a conduta delituosa é dirigida contra o objeto jurídico ‘segurança coletiva’, não sendo preciso que um dos membros do corpo social seja exposto a uma situação de real perigo."

Vale trazer à baila o paralelo traçado pelo Prof. Damásio de Jesus 190 entre o art. 34 da Lei de Contravenção Penal e o art. 306 do Código de Trânsito:

"De observar-se que o derrogado art. 34 da LCP, ao definir a direção perigosa, que se aplicava à embriaguez ao volante antes do advento da Lei n. 9.503/97, contém a elementar ‘pondo em perigo a segurança alheia’, semelhante à do art. 306, que menciona a exposição da incolumidade de outrem a dano potencial. Não obstante, a jurisprudência, amplamente prevalente, sempre entendeu não constituir infração de perigo concreto, contentando-se com a realização da conduta."

Assim, o perigo configuraria elemento do tipo, pouco importando o mesmo ser concreto ou abstrato. Dessa forma, o perigo seria o risco de dano a terceiros provocado pela conduta de dirigir veículo automotor de maneira anormal, sob influência de álcool.

Nesta esteira de entendimento, insta ressaltar que, para a existência do delito de embriaguez ao volante, resta necessário que a conduta do motorista que fez uso de bebidas alcoólicas afete o nível de segurança na circulação de veículos, consumando-se o tipo do art. 306.

Caso esse mesmo motorista, em sua direção automotiva, porte-se de forma normal, sem comprometer a segurança dos demais veículos em circulação, inexistente será a configuração do crime do art. 306, de tal sorte que, caso fique apurada a presença de álcool em quantidade superior a 0,6 g/l de sangue, poderá subsistir a infração administrativa, nos moldes ora esculpidos.

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Sobre o autor
Luiz Eduardo da Vitória Mattedi

Servidor do Ministério Público Federal do Estado do Espírito Santo e Advogado em Vitória/ES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTEDI, Luiz Eduardo Vitória. A embriaguez alcoólica e as suas conseqüências jurídico-penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 718, 19 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6914. Acesso em: 23 dez. 2024.

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