3. DIÁLOGO DAS FONTES[35]
Afirma-se, “grosso modo”, que o Diálogo das Fontes é a pan sistematização da interpretação jurídica.
Pois bem. Partindo-se dos estudos de Teoria Geral do Direito, a ideia que se tinha didaticamente o direito era comparado a uma árvore, onde o tronco albergava o Direito e seus ramos, esgalhavam-se as respectivas especialidades.
Por exemplo, o ramo Constitucional não encostava no Civil, que por sua vez não encontrava o Administrativo e assim por diante. Via-se o Direito compartimentado, estanque; cada ramo recebia sua seiva advinda da raiz do tronco do direito, mas com os outros ramos eram independentes.
Como ciência social e necessariamente permeável às mudanças, o direito da pós modernidade absorve as transformações e mutações sociais, econômicas e tecnológicas adaptando-se à nova concepção de mundo[36], oportunizando a adequação da visão sincrônica entre direito e sociedade, vale dizer: o diálogo das fontes veio para harmonizar a complexidade e contradições havidas nos diversos setores da vida social, buscando-se certa coerência no sistema jurídico vigorante.
E nessa senda, a lição de Grau:
“O direito é um dinamismo. Daí a necessária adesão à ideologia dinâmica da interpretação e à visualização do direito como instrumento de mudança social, até o ponto em que o direito passa, ele próprio, a ser concebido como uma política pública. Além disso, a compreensão de que a referência a um direito pressuposto condicionante de produção de direito posto, reclama a consideração da virtualidade de um nexo entre ambos; o direito posto é, então, penetrado por significações não integralmente congruentes com seus significados tradicionais (originais); donde, entropicamente, a emergência de um sentido não-conservador (transformador) no direito”[37] (itálico no original).
Portanto, essa dinâmica, vista como “instrumento de mudança social”, permitiu o aparecimento da Doutrina acima referida.
Deveras, Sérgio Mota Prado, tem opinião acerca do Diálogo das Fontes, assim:
“A teoria surge para fomentar a ideia de que o Direito deve ser interpretado como um todo de forma sistemática e coordenada. Segundo a teoria, uma norma jurídica não excluiria a aplicação da outra, como acontece com a adoção dos critérios clássicos para solução dos conflitos de normas (antinomias jurídicas) idealizados por Norberto Bobbio. Pela teoria, as normas não se excluiriam, mas se complementariam. Nas palavras do professor Flávio Tartuce, “a teoria do diálogo das fontes surge para substituir e superar os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cronológico). Realmente, esse será o seu papel no futuro”. A jurista Claudia Lima Marques, após discorrer sobre a exclusão da norma pela aplicação dos critérios clássicos de solução de antinomias, ensina que a “doutrina atualizada, porém, está a procura, hoje, mais da harmonia e da coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema) do que da exclusão” A tese tem o fito de trazer ao intérprete uma nova ferramenta hermenêutica hábil a solucionar problemas de conflito entre normas jurídicas (antinomias) no sentido de interpretá-las de forma coordenada e sistemática, em consonância com os preceitos constitucionais.”[38]
Em termos de harmonização, vige no Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 343[39] que diz ser obrigatória a presença do advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.
De saída, defende-se a tese, sem embargos das opiniões em contrário, que a Súmula Jurisprudencial nº 343 é válida, está de acordo com o ordenamento vigente e a Constituição irradiando seus efeitos.
Noutro giro, a demonstrar a harmonia com a Súmula nº 343 e o Diálogo das Fontes, compara-se a Lei nº 13.245/16 que alterou a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), no artigo 7º, incisos XIV e XXI, ao tratar dos direitos do Advogado:
“XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;
(...)
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos”;[40] (grifo e negrito acrescidos).
Note-se:
“(...) assistir a seus clientes investigados, durante a apuração de infrações (...) sob pena de nulidade absoluta (...)” e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: ”[41]
Não só, a consequência de tal infração é a aplicação do parágrafo 12, assim transcrito:
“§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente. ” (NR).” (negrito e grifo acrescido).
A gravidade da sanção: responsabilização criminal por abuso de autoridade (infere-se voz de prisão com base no art. 301 do Cód. Proc. Penal[42]).
Salvo melhor juízo, não há celeuma ao se coadjuvar a Súmula nº 343, a Constituição e o art. 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Anda na seara do Diálogo da Fontes, necessário trazer à colação a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:
“Súmula 473 do A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
Reproduzindo o Tema 138:
“Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo.
[Tese definida no RE 594.296, rel. min. Dias Toffoli,P, j. 21-9-2011, DJE 146 de 13-2-2012,Tema 138.]
O recorrente pretendeu ver reconhecida a legalidade de seu agir, com respaldo no verbete da Súmula 473 desta Suprema Corte, editada ainda no ano de 1969, sob a égide, portanto, da Constituição anterior. (...) A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi erigido à condição de garantia constitucional do cidadão, quer se encontre na posição de litigante, num processo judicial, quer seja um mero interessado, em um processo administrativo, o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. Ou seja, a partir de então, qualquer ato da Administração Pública que tiver o condão de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão deverá ser precedido de prévio procedimento em que se assegure ao interessado o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa. Mostra-se, então, necessário, proceder-se à compatibilização entre o comando exarado pela aludida súmula e o direito ao exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, garantidos ao cidadão pela norma do art. 5º, inciso LV, de nossa vigente Constituição Federal”[43]
Tais colações apenas explicitam a decorrência natural da interpretação decorrente antes das relações sociais, bem como refletem a necessária adaptação em relação à interpretação das normas que se apresentam diante um mundo cada vez mais diversificado e complexo.
Chega-se, então à Súmula Vinculante nº 05 do Supremo Tribunal Federal que já dita e redita se consome ante a falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar não ofende a constituição.
Numa interpretação simplesmente gramatical, não há eiva de qualquer infração seja legal ou constitucional na Súmula.
Deveras: a “falta de defesa técnica não causa nulidade”. Num entendimento mais escorreito, a defesa técnica é entendia como a apresentação de peça escrita ou manifestação verbal, operada por profissional do Direito quando concitado a fazê-lo, por questão de estratégia ou por motivo discricionário, amparado em razões devidamente documentadas pela Comissão ou comunicada eficazmente ao Advogado esse se queda inerte ante a tal aviso.
Pode-se afirmar até que a ausência de oferecimento de peça se ampara na estratégia do profissional, sem ofensa a qualquer Diploma Jurídico.
O vício da nulidade ocorre, data máxima venia, fazendo-se a integração com o Diálogo das Fontes, em caso de ausência de intimação do Advogado quando solicitado pelo averiguado ou indiciado, bem como a ausência de comunicado de que terá direito a um, não a falta de defesa que se pode traduzir em ulterior recurso ou mesmo manejo de requerimento judicial.
Assim, se entende que a Súmula Vinculante está de acordo não só com a Constituição vez que não dispensa a presença do advogado, sendo obrigatória sua presença no processo administrativo disciplinar, a não ser que abra mão da defesa por este profissional.
Nada impede, igualmente, que a qualquer momento, se valha do profissional que escolher, tudo isso amparado no art. 133 e 134 da Constituição.
Em suma, reitera-se que a Súmula Vinculante não é inconstitucional; antes deve ser harmonizada com outros institutos jurídicos, de onde retira sua eficácia e validade.
CONCLUSÃO
No presente ensaio se procurou demonstrar através de uma digressão histórica o advento das Súmulas.
Diante da letargia do Congresso Nacional, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45/2004 que, dentre outras, promoveu profundas reformas no âmbito do Poder Judiciário.
Nessa esteira, a Lei nº 11.417/2006, possibilitou a criação das Súmulas Vinculantes (ao qual em set/2018, seu número era de 56, bem como 756 de Súmulas Jurisprudenciais). Pergunta-se se o sistema jurídico ainda é o romanístico?
Presente um Congresso Nacional assíncrono, “delegar” ao Judiciário decisões acerca de temas de grande envergadura nacional, remete-se à necessária reavaliação de valores.
E “No Caminho com Maiakóvski”[44], Eduardo Alves da Costa mostra, que guardadas as devidas proporções, o Poder Judiciário, “ao ser autorizado” a editar Súmulas, demonstra a necessidade de se rever conceitos como “ativismo judicial”, “desequilíbrio entre poderes” e tantos outros.
Urge a necessária conscientização de que “não é porque o sujeito foi estudar em Coimbra”, as ideias e ideias lá defendidos devem ser aplicados sem a menor parcimônia por aqui.
O Poder Judiciário nunca foi e nunca será bom legislador já o demonstravam, Locke, Montesquieu e tantos outros.
A Súmula Vinculante nº 05 não é inconstitucional se interpretada em que só a falta de defesa não causa nulidade no processo administrativo disciplinar.
A nulidade insanabilis está em que, à comissão investigante/processante, não advirta a pessoa de que tem direto a assistência de um advogado; fato esse que deverá ser documentado, inclusive com sua dispensa pelo investigado/processado, inclusive sendo-lhe facultado ser assistido por Defensor Dativo.
Aliás, a demissão dos empregados submetidos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho admitidos nas Empresas Estatais, será o tema do próximo ensaio.