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Equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar a equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório, o presente artigo abordou o reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar, as mudanças legislativas sobre o tema ao longo dos anos e, especialmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 / MG, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil.

Esse polêmico dispositivo legal, desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002, foi criticado por especialistas, em razão de: a) restringir a sucessão do companheiro aos bens adquiridos onerosamente; b) prever diferentes regras de sucessão para os casos de concorrência com descendentes comuns ou com descendentes exclusivos do autor da herança; c) colocar o companheiro em posição de inferioridade em relação aos colaterais do autor da herança; d) tratar de maneira diferente a sucessão do companheiro e do cônjuge; e) ter deixado de prever o direito real de habitação para o companheiro sobrevivente.

Assim, a decisão do STF, em observância aos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação ao retrocesso, equiparou o regime sucessório da união estável com o do casamento, determinando a aplicação, em ambos os casos, das regras previstas no artigo 1.829 do Código Civil.

Nesse contexto, a sucessão se restringe aos bens particulares do de cujus, e o companheiro sobrevivente: i) a depender do regime de bens adotado para a união estável, concorrerá com os descendentes; ii) independentemente do regime de bens adotado na união estável, irá concorrer com os ascendentes; iii) na falta de descendentes e de ascendentes, receberá a herança sozinho, excluindo os colaterais.

É possível afirmar que a equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório se apresenta em conformidade com o princípio da função social, que também deve ser observado no direito sucessório, de acordo com Paulo Lôbo (2014, p. 42-43):

O princípio da função social determina que os interesses individuais dos titulares de direitos econômicos sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles, pois os interesses sociais são prevalecentes. A propriedade e a sucessão hereditária dela não podem ter finalidade antissocial (por exemplo, contrariar o meio ambiente). A função social implica imposição de deveres socialmente relevantes e tutelados constitucionalmente. O direito civil é palco, nessa quadra histórica, do conflito entre a marca funcional do direito na solidariedade e a busca do sujeito de realizar seus próprios interesses com liberdade: no direito das sucessões, a marca da solidariedade para com os seus deve se harmonizar com a solidariedade para com todos os outros.

Desse modo, considerando que o direito das sucessões também deverá cumprir a função social, diante da mudança paradigmática decorrente da Constituição de 1988, que suplantou o antigo modelo individualista e patrimonialista, resta concluir que a igualdade de regime sucessório entre cônjuges e companheiros se coaduna com os princípios da igualdade, da liberdade, da não discriminação, da vedação do retrocesso, da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da afetividade, da boa-fé objetiva e da função social.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO JÚNIOR. Gediel Claudino de. Prática no direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012.

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HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Concorrência do companheiro e do cônjuge, na sucessão dos descendentes: Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida na regra estampada na nova Legislação Civil Pátria, o Código Civil de 2002. Palestra proferida no IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, em 26 de setembro de 2003. Disponível em: <http://www.professorchristiano.com.br/artigosleis/artigo_giselda_concorrencia.pdf>. Acesso em 19 set. 2018.

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Notas

[1] Enunciado 115 da I Jornada de Direito Civil, promovida em 2002 pelo Conselho da Justiça Federal.

[2] Enunciado 346 da IV Jornada de Direito Civil, promovida em 2006 pelo Conselho da Justiça Federal.

[3] Súmula 380 do STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esfôrço comum”. Súmula 382 do STF: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Enunciados aprovados em 03/04/1964 e publicados em 08/04/1964.

[4] Enunciado 266, aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida em 2004 pelo Conselho da Justiça Federal: “Art. 1.790: Aplica-se o inc. I do art. 1.790 também na hipótese de concorrência do companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns, e não apenas na concorrência com filhos comuns”.

[5] Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (STF, RE 878694 / MG, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Roberto Barroso, julgado em 10/05/2017, publicado em 06/02/2018).

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[6] REsp 1332773 / MS, Terceira Turma, Rel, Min Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/06/2017, publicado em 01/08/2017.

REsp 1337420 / RS, Quarta Turma, Rel. Min Luis Felipe Salomão, julgado em 22/08/2017, publicado em 21/09/2017).

REsp 1139054 / PR, Quarta Turma, Rel. Des. Lázaro Guimarães (convocado do TRF 5ª Região), julgado em 06/02/2018, publicado em 09/02/2018.

[7] RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ADOÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA. SUCESSÃO. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL. REGIMES JURÍDICOS DIFERENTES. ARTS. 1790, CC/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. EQUIPARAÇÃO. CF/1988. NOVA FASE DO DIREITO DE FAMÍLIA. VARIEDADE DE TIPOS INTERPESSOAIS DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. ART. 1829, CC/2002. INCIDÊNCIA AO CASAMENTO E À UNIÃO ESTÁVEL. MARCO TEMPORAL. SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO. 1. A diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável, promovida pelo art. 1.790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional, por violar o princípio da dignidade da pessoa humana, tanto na dimensão do valor intrínseco, quanto na dimensão da autonomia. Ao outorgar ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles conferidos ao cônjuge pelo artigo 1.829, CC/2002, produz-se lesão ao princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente. Decisão proferida pelo Plenário do STF, em julgamento havido em 10/5/2017, nos RE 878.694/MG e RE 646.721/RS. 2. Na hipótese dos autos, o art. 1790, III, do CC/2002 foi invocado para fundamentar o direito de sucessão afirmado pelos recorridos (irmãos e sobrinhos do falecido) e consequente legitimidade ativa em ação de anulação de adoção. É que, declarada a nulidade da adoção, não subsistiria a descendência, pois a filha adotiva perderia esse título, deixando de ser herdeira, e, diante da inexistência de ascendentes, os irmãos e sobrinhos seriam chamados a suceder, em posição anterior à companheira sobrevivente. 3. A partir da metade da década de 80, o novo perfil da sociedade se tornou tão evidente, que impôs a realidade à ficção jurídica, fazendo-se necessária uma revolução normativa, com reconhecimento expresso de outros arranjos familiares, rompendo-se, assim, com uma tradição secular de se considerar o casamento, civil ou religioso, com exclusividade, o instrumento por excelência vocacionado à formação de uma família. 4. Com a Constituição Federal de 1988, uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, surgiu, baseada num explícito poliformismo familiar, cujos arranjos multifacetados foram reconhecidos como aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado família, dignos da especial proteção do Estado, antes conferida unicamente àquela edificada a partir do casamento. 5. Na medida em que a própria Carta Magna abandona a fórmula vinculativa da família ao casamento e passa a reconhecer, exemplificadamente, vários tipos interpessoais aptos à constituição da família, emerge, como corolário, que, se os laços que unem seus membros são oficiais ou afetivos, torna-se secundário o interesse na forma pela qual essas famílias são constituídas. 6. Nessa linha, considerando que não há espaço legítimo para o estabelecimento de regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previsto no art. 1.829 do CC/2002. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002 (RE 878.694/MG, relator Ministro Luis Roberto Barroso). 7. A partir do reconhecimento de inconstitucionalidade, as regras a serem observadas, postas pelo Supremo Tribunal Federal, são as seguintes: a) em primeiro lugar, ressalte-se que, para que o estatuto sucessório do casamento valha para a união estável, impõe-se o respeito à regra de transição prevista no art. 2.041 do CC/2002, valendo o regramento desde que a sucessão tenha sido aberta a partir de 11 de janeiro de 2003; b) tendo sido aberta a sucessão a partir de 11 de janeiro de 2003, aplicar-se-ão as normas do 1.829 do CC/2002 para os casos de união estável, mas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública, na data de publicação do julgamento do RE n. 878.694/MG; c) aos processos judiciais com sentença transitada em julgado, assim como às partilhas extrajudiciais em que tenha sido lavrada escritura pública, na data daquela publicação, valerão as regras dispostas no art. 1790 do CC/2002. 8. Recurso especial provido. REsp 1337420 / RS, Quarta Turma, Rel. Min Luis Felipe Salomão, julgado em 22/08/2017, publicado em 21/09/2017)

[8] Leia-se artigo 1.641 do Código Civil.

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Sobre o autor
João Daniel Correia de Oliveira

Analista Judiciário, Área Judiciária. Especialização em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2022). Especialização em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale, FALEG (2021). Especialização em Direito Público Aplicado pelo Centro Universitário UNA em parceria com a Escola Brasileira de Direito, EBRADI (2019). Especialização em Direito Processual Civil pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC São Paulo (2019). Especialização em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - UNIDERP (2017). Graduação em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB (2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, João Daniel Correia. Equiparação entre companheiro e cônjuge no plano sucessório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5567, 28 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69154. Acesso em: 22 dez. 2024.

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